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Processo n.º 108/2016 Data do acórdão: 2018-7-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O

Como vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos, não pode ter havido, por parte do tribunal recorrido, o erro notório na apreciação da prova como vício referido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 108/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 126 a 131v do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-15-0007-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material, na forma consumada, de três crimes de usura para jogo, p. e p. pelo art.o 13.o da Lei n.o 8/96/M, na pena de sete meses de prisão por cada e na pena acessória de interdição de entrada nos casinos de Macau por dois anos por cada, e de um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas de prisão, finalmente na pena única de um ano e seis meses de prisão (suspensa na execução por dois anos), com interdição de entrada nos casinos de Macau pelo período total de seis anos, para além de ser condenado no pagamento da quantia indemnizatória arbitrada oficiosamente à ofendida, com juros legais.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado (no seu essencial) e peticionado o seguinte na sua motivação de fls. 155 a 161v dos presentes autos correspondentes:
– as declarações constantes de fls. 93 e 95 a 96 foram autenticadas notarialmente, pelo que nos termos do art.o 370.o do Código Civil têm força probatória plena quanto à declaração da vontade da pessoa que as assinou, daí que a mera declaração verbal feita pela ofendida (e assinante dessas declarações) a dizer que ela as assinou de modo involuntário não pode afastar a força probatória de tais documentos;
– do conteúdo das referidas declarações, sabe-se que a ofendida quis desistir da imputação feita contra o ora recorrente, pelo que o presente processo penal quanto ao crime de ofensa simples à integridade física deve ser arquivado;
– a decisão recorrida, ao não ter considerado como verdadeiro o conteúdo de tais declarações, incorreu no erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP);
– por outro lado, as provas dos autos não dão para provar que o recorrente tenha cobrado juros do empréstimo;
– por fim, a decisão condenatória recorrida não deixou de enfermar também do vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
– devendo, pois, o recorrente sempre ser absolvido de todos os crimes por que vinha condenado no acórdão recorrido, ou ser reenviado o processo para novo julgamento.
Ao recurso, respondeu o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal recorrido a fls. 164 a 167 no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 175 a 176v, materialmente no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 126 a 131v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. A fl. 93 dos autos é um papel com teor dactilografado em chinês e assinado em 6 de Junho de 2013 pela ofendida dos autos chamada B, tendo no verso desse papel sido feita uma declaração escrita assinada por uma funcionária do 2.o Cartório Notarial de Macau em 6 de Junho de 2013 no sentido de que essa funcionária certifica que B declarou perante a própria funcionária que a assinatura posta no verso foi feita por ela B.
3. As fls. 95 a 96 dos autos são duas folhas de papel com conteúdo manuscrito, sem nenhuma “certificação” notarial semelhante à feita no verso do papel da fl. 93 dos autos.
4. Da fundamentação fáctica do acórdão recorrido, sabe-se que:
– o Tribunal Colectivo seu autor já deu por provados todos os factos por que vinha acusado o arguido, por um lado, e, por outro lado, deu por provado que a ofendida assinou as declarações da fl. 93 e das fls. 95 a 96, para além de ter dado por provados as condições pessoais, familiares e económicas do arguido, as despesas de tratamento médico gastas pela ofendida para cura da sua lesão causada pelo arguido, e a pretensão de a ofendida ver condenado o arguido no pagamento de indemnização por essas despesas;
– o Tribunal Colectivo recorrido deu por não provados os factos alegados na contestação desconformes com os factos provados, tendo especialmente dado por não provado que o arguido tenha sido despedido pela sua entidade patronal por causa da denúncia feita pela ofendida, nem provado que o conteúdo das declarações da fl. 93 e das fls. 95 a 96 seja verdadeiro.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O arguido apontou à decisão condenatória recorrida os vícios aludidos nas alíneas a) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Desde já, quanto ao vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista nessa alínea a): não pode proceder a tese de existência desse vício, porquanto da leitura da fundamentação fáctica do aresto recorrido, resulta nítido que o Tribunal recorrido já investigou todo o tema probando em causa nos presentes autos, formado pela factualidade imputada ao arguido no libelo acusatório e pela factualidade alegada pelo arguido na contestação.
E quanto ao vício de erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c) do n.o 2 do mesmo art.o 400.o do CPP, também não se verifica este problema, posto que para o presente Tribunal de recurso, vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da mesma decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos. Aliás, o Tribunal recorrido já explicou, congruentemente, nas páginas 6 e 7 do texto desse aresto, ora concretamente a fls. 128v a 129, o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos.
É de frisar que contrariamente ao alegado o recorrente na motivação do recurso: a declaração posta por uma funcionária do 2.o Cartório Notarial de Macau no verso do papel da ora fl. 93 só pode atestar que a ofendida lhe declarou que a assinatura feita no outro lado desse papel era feita pela própria ofendida, pelo que essa declaração daquela funcionária não dá para provar que as declarações dactilografadas nesse papel sejam verídicas; e as fls. 95 a 96 são meros escritos particulares, cujo teor fica sujeito também naturalmente à livre apreciação do julgador judicial sob aval do art.o 114.o do CPP.
Sendo de respeitar assim o resultado do julgamento da matéria de facto já empreendido criteriosamente pelo Tribunal recorrido, o arguido não pode ser absolvido dos crimes por que já vinha condenado legalmente no acórdão recorrido.
Improcede, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça e duas mil e oitocentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique a presente decisão à ofendida.
Macau, 12 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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