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Processo n.º 437/2016 Data do acórdão: 2018-7-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 6.o da Lei n.o 10/2012
– interdição de entrada em casinos a pedido do interditando
– limitação voluntária da liberdade de entrada em casinos
– revogabilidade da limitação voluntária da liberdade
– art.o 69.o, n.o 5, primeira parte, do Código Civil
– art.o 72.o, n.o 9, do Código Civil
– incumprimento da interdição voluntária de entrada em casinos
– crime de desobediência
– art.o 12.o, alínea 2), da Lei n.o 10/2012
– autoridade pública como bem jurídico
S U M Á R I O

1. O art.o 6.o da Lei n.o 10/2012, de 27 de Agosto, dispõe que o Director de Inspecção e Coordenação de Jogos pode interditar a entrada em todos os casinos, ou em apenas alguns deles, pelo prazo máximo de dois anos, às pessoas que o requeiram ou que confirmem requerimento apresentado para este efeito por cônjuge, ascendente, descendente ou parente na linha colateral em 2.o grau.
2. A interdição de entrada nos casinos assim requerida e deferida não é uma ordem imposta por alguma decisão judicial ou administrativa interditando a entrada nos casinos nos casos previstos na lei no exercício do direito de punir (por exemplo, no caso de aplicação de pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos a arguido condenado por prática de crime de usura para jogo, ou no caso de imposição da regra de conduta de não frequência dos casinos no período da suspensão da pena de prisão aplicada – cfr. o art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M, de 22 de Julho, ou o art.o 50.o, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal, respectivamente) ou no exercício do poder de autoridade em assuntos de gestão pública, mas, sim, resulta da própria solicitação da pessoa visada requerente, que procedeu como que à limitação voluntária da sua liberdade de entrada em determinados casinos, limitação essa que é sempre revogável (nos termos do art.o 6.o, n.o 2, da Lei n.o 10/2012, dentro da filosofia do disposto nos art.os 69.o, n.o 5, primeira parte, e 72.o, n.o 9, do Código Civil).
3. Não sendo, pois, essa medida de interdição sido aplicada à recorrente na sequência de anterior prática, por ela, de algum acto com relevância penal ou violador de alguma norma jurídica de carácter sancionatório, mas sim a pedido seu traduzido materialmente numa limitação voluntária da sua liberdade de entrada em casinos, o tipo delitual penal de desobediência, previsto no art.o 12.o, alínea 2), da Lei n.o 10/2012, que pretende tutelar a autoridade pública como seu bem jurídico, não é aplicável à conduta de incumprimento de uma interdição de entrada em casinos inicialmente querida e requerida pela recorrente que se retractou dessa interdição vindouramente, ainda que a interdição tenha sido autorizada pelo Director de Inspecção e Coordenação de Jogos ao abrigo do art.o 6.o dessa Lei, compreensivelmente apenas para fins de execução, heterónoma, da própria medida (que visa ajudar a pessoa visada, sem confiança própria na capacidade de se abster de entrar em casinos, a tirar o vício de jogar em casinos).
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 437/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguida): A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 25 a 27 do subjacente Processo Sumário n.o CR2-16-0054-PSM do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a arguida A, aí já melhor identificada, como autora material, na forma consumada, de um crime de desobediência simples (por incumprimento da decisão administrativa, devidamente notificada, de interdição da entrada nos casinos) p. e p. pelo art.o 12.o, alínea 2), da Lei n.o 10/2012, de 27 de Agosto, em 75 dias de multa (à quantia diária de 100 patacas, no total, pois, de 7500 patacas de multa, convertível, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, em 50 dias de prisão).
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para pedir a sua absolvição, tendo alegado (no seu essencial) o seguinte na sua motivação de fls. 38 a 39 dos presentes autos correspondentes: aquando do seu pedido de auto-exclusão de acesso aos casinos, o Casino Studio City ainda não estava inaugurado para exploração de negócios, pelo que ela sempre entendeu que a interdição da sua entrada nos casinos de Macau só abrangia os casinos entretanto já inaugurados no momento da formulação do seu pedido e/ou do deferimento do seu pedido, pelo que ela, por falta de dolo, deveria ser absolvida do crime de desobediência simples nos termos do art.o 15.o, n.o 1, do Código Penal (CP).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 42 a 45 no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 53 a 53v, no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida encontrou-se proferida a fls. 25 a 27 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Em 8 de Maio de 2015, a própria pessoa da arguida ora recorrente subscreveu um modelo de requerimento para auto-exclusão de acesso aos casinos, dirigido à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, do qual constando preenchida a opção pelo prazo de exclusão por dezoito meses, e também preenchida a opção pela exclusão de acesso a determinados casinos de jogos de fortuna ou azar, com indicação da operadora do jogo Venetian que não faz parte da exclusão (opção e indicação essas que foram escritas em chinês de moldes seguintes:「部份幸運博彩娛樂場: 並指出幸運博彩營運商的博彩娛樂場除外: 威尼斯」), para além de constar que a participação no plano de auto-exclusão tem natureza voluntária e que concorda a pessoa requerente que uma vez o pedido for autorizado, fica impedida de entrar ou permanecer em qualquer ou determinados casinos da RAEM para a prática de qualquer jogo, durante o período de exclusão, e que a violação da ordem de interdição constitui crime de desobediência (cfr. o teor de fl.4 a 4v alusivo a esse modelo requerimento).
3. A pretensão declarada nesse modelo assinado pela ora recorrente foi autorizada por despacho de 11 de Maio de 2015 do Senhor Director de Inspecção e Coordenação de Jogos, tendo a recorrente assinado o termo de notificação desse despacho em 29 de Maio de 2015 (cfr. o teor de fls. 4v e 5).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sem pôr em causa o facto da sua entrada no Casino Studio City, argumenta a recorrente que ela só entrou nesse casino, por entender sempre que esse casino, como só foi inaugurado depois, não estava abrangido no pedido de auto-exclusão de acesso aos casinos então dirigido ao Senhor Director de Inspecção e Coordenação de Jogos e por este deferido.
Pois bem, o art.o 6.o da Lei n.o 10/2012, de 27 de Agosto, dispõe que o Director de Inspecção e Coordenação de Jogos pode interditar a entrada em todos os casinos, ou em apenas alguns deles, pelo prazo máximo de dois anos, às pessoas que o requeiram ou que confirmem requerimento apresentado para este efeito por cônjuge, ascendente, descendente ou parente na linha colateral em 2.o grau.
No caso, tratou-se de um pedido, voluntariamente assinado pela própria recorrente, ao Senhor Director de Inspecção e Coordenação de Jogos, de auto-exclusão de acesso não a todos os casinos de Macau, mas apenas em relação a determinados casinos de Macau, por ter constado desse pedido a indicação da Venetian como operadora de exploração de jogos excepcionada no pedido de auto-exclusão em causa.
Entretanto, veio a recorrente questionar a interpretação dada pelo Tribunal recorrido ao teor desse pedido de auto-exclusão.
Para a recorrente, ela só ficaria interditada de entrar, a seu pedido voluntário, nos casinos já inaugurados no momento de apresentação do seu pedido de auto-exclusão, ou no momento de deferimento desse seu pedido.
Para o Tribunal recorrido, atendendo ao conteúdo do modelo de pedido de auto-exclusão então assinado pela recorrente, a interdição de entrada nos casinos de Macau só não abrange os casinos cuja exploradora é a Venetian.
Quid juris?
Embora se trate de uma interdição de entrada em casinos pretendida pela própria recorrente, opina o presente Tribunal de recurso que a tese de interpretação dos termos dessa interdição como tal defendida pela recorrente não tem subsistência perante o teor do seu requerimento então apresentado à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos.
É que no seu requerimento, é certo que a interdição de entrada aí mencionada não diz respeito a todos os casinos de Macau, mas os casinos em que a requerente ora recorrente pretende que não seja interditada de entrar são os casinos cuja exploradora de jogos é a Venetian. Por aí se vê que a delimitação de quais os casinos excepcionados no pedido de interdição de entrada em casinos foi feita nesse requerimento com base no critério do nome da exploradora de jogos, e não no critério de já inauguração ou não dos casinos em questão.
Não obstante a improcedência do argumento usado pela recorrente para pedir a sua absolvição penal, há que proceder ainda esse seu desejo de absolvição, porquanto:
No caso dos autos, a interdição de entrada não foi uma ordem imposta por alguma decisão judicial ou administrativa interditando a entrada nos casinos, nos casos previstos na lei no exercício do direito de punir (por exemplo, no caso de aplicação de pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos a arguido condenado por prática de crime de usura para jogo, ou no caso de imposição da regra de conduta de não frequência dos casinos de Macau no período da suspensão da pena de prisão aplicada – cfr. o art.o 15.o da Lei n.o 8/96/M, de 22 de Julho, ou o art.o 50.o, n.os 1 e 2, alínea b), do CP, respectivamente) ou no exercício do poder de autoridade em assuntos de gestão pública, mas, sim, resulta da própria solicitação da recorrente, que procedeu como que à limitação voluntária da sua liberdade de entrada em determinados casinos, limitação essa que é sempre revogável (nos termos do art.o 6.o, n.o 2, da Lei n.o 10/2012, dentro da filosofia do disposto nos art.os 69.o, n.o 5, primeira parte, e 72.o, n.o 9, do Código Civil), de maneira que o tipo delitual penal de desobediência, que pretende tutelar a autoridade pública como seu bem jurídico, não é aplicável à conduta de incumprimento de uma interdição de entrada em casinos inicialmente querida e requerida pela recorrente que se retractou dela vindouramente.
Ou seja, entende-se, em prol da unidade do sistema jurídico como critério orientador na interpretação da lei, que a retractação, pela recorrente, da interdição voluntária da entrada em casinos não fere nunca o bem jurídico de autoridade pública em mira no tipo-de-ilícito de desobediência (porque a medida de interdição de entrada em casinos não foi aplicada à recorrente na sequência de anterior prática, por ela, de algum acto com relevância penal ou violador de alguma norma jurídica de carácter sancionatório, mas sim a pedido seu traduzido materialmente numa limitação voluntária da sua liberdade de entrada em casinos), pelo que a ela não se deve imputar a ilicitude do facto de desobediência (cfr. o art.o 30.o, n.o 1, do CP), ainda que tal interdição voluntária da entrada em casinos tenha sido autorizada pelo Senhor Director de Inspecção e Coordenação de Jogos, compreensivelmente apenas para fins de execução, heterónoma, da medida de interdição voluntária em causa (medida essa que visa ajudar a própria pessoa requerente disso, sem confiança própria na capacidade de se abster de entrar em casinos, a tirar o vício de jogar em casinos).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso, ainda que com fundamento diverso do alegado pela recorrente, passando, por conseguinte, a absolver a recorrente do crime de desobediência simples por que vinha condenada na sentença recorrida.
Sem custas em ambas as Instâncias.
Fixam em mil e setecentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso, a suportar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao Senhor Director de Inspecção e Coordenação de Jogos.
Macau, 12 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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