Processo nº 534/2018 Data: 12.07.2018
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “fuga à responsabilidade”.
Crime de “falsidade de testemunho”.
Crime de “favorecimento pessoal”.
Continuação criminosa.
Concurso aparente.
Medida da pena.
Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. São “elementos objectivos” do tipo de crime “falsidade de testemunho”, previsto e punido pelo art. 324°, n.° 1 do C.P.M., a prestação de depoimento, a apresentação de relatório, informação ou tradução falsos por parte de testemunha, perito técnico, tradutor ou intérprete perante tribunal ou funcionário competente para os receber como meio de prova, (após o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe; cfr., n.° 3).
Por sua vez, o preenchimento do tipo subjectivo do ilícito não prescinde do dolo, em qualquer uma das suas modalidades, sendo necessário que o agente actue com consciência da falsidade (objectiva) da declaração.
O crime de “falso testemunho” é um crime de perigo abstracto e de mera actividade, sendo praticado por quem assuma uma das qualidades mencionadas no citado normativo, razão pela qual a conduta típica esgota-se na prestação do depoimento falso, sem que a lei exija qualquer resultado.
O bem jurídico protegido pelo crime é a “administração da justiça”, traduzindo o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais (ou análogos), pelo que ocorrerá a sua lesão sempre que tal não se verifique.
Nesta conformidade, e ponderando no que provado ficou, no “circunstancialismo” que envolveu o cometimento dos “crimes” em questão – após juramento e advertência das suas consequências penais – e, ponderando também nas “datas” das respectivas condutas – adequado não é considerar que foram eles cometidos no âmbito de uma (mesma) “situação exterior que diminua consideravelmente a culpa” para efeitos de se dar por verificada uma “continuação criminosa”.
Aliás, perante a factualidade dada como provada, evidente (e natural) é concluir que o arguido ponderou na sua “conduta”, apercebendo-se da sua censurabilidade, e, não obstante isto, no intuito de (tentar) ocultar a verdade quanto à pessoa que no momento conduzia o veículo interveniente na ocorrência, insistiu, voluntária e conscientemente naquela, voltando a apresentar uma versão que, como provado ficou, se veio a revelar ser falsa.
2. Por sua vez, e atento o estatuído no art. 331° do mesmo C.P.M. onde se prevê o crime de “favorecimento pessoal”, adequado é também considerar que a incriminação em causa protege igualmente a “segurança na administração da justiça” por ocasião da “perseguição criminal”, (desde as primeiras medidas de investigação até à sentença), ou da “execução de uma pena ou medida de segurança”, e que, o crime de “favorecimento pessoal” desdobra-se em duas modalidades: (1) ocorrendo o favorecimento na fase de investigação ou de perseguição penal (n.° 1); a outra (2) com o favorecimento na fase de execução da pena ou medida de segurança, (n.° 2).
O tipo objectivo da primeira modalidade consiste em impedir, frustrar, ou iludir, total ou parcialmente, actividade probatória ou preventiva; pertencendo ao tipo subjectivo que tal realização seja efectuada com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança. A segunda modalidade, por seu turno, apresenta como tipo objectivo a prestação de auxílio (“quem prestar auxílio a outra pessoa”), enquanto o tipo subjectivo se traduz na realização daquele auxílio com intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida segurança que lhe tenha sido aplicada.
Em consequência, as duas modalidades de favorecimento constituem, à luz da sua formulação típica, distintos tipos de crime: no n° 1, um “crime de resultado”, (impedir, etc., actividade probatória ou preventiva); no n° 2, um “crime de mera actividade”, senão mesmo um crime de empreendimento (impuro), consumado com a simples prestação de auxílio.
O relator,
______________________
Processo nº 534/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam:
(1°) A,
(2°) B,
(3°) C,
(4°) D, e
(5°) E, todos com os sinais dos autos.
A final, e realizado o julgamento, decidiu o Tribunal:
–– condenar o (1°) arguido A pela prática de:
- 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), na pena de 5 meses de prisão; e,
- 1 crime de “falsidade de testemunho”, p. e p. pelo art. 324°, n.° 1 e 3 do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses.
–– condenar o (2°) arguido B pela prática de:
- 1 crime de “falsidade de testemunho”, p. e p. pelo art. 324°, n.° 1 e 3 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão; e,
- 1 crime de “favorecimento pessoal”, p. e p. pelo art. 331°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos.
–– condenar o (3°) arguido C pela prática de:
- 2 crimes de “falsidade de testemunho”, (um deles, na forma continuada), p. e p. pelo art. 324°, n.° 1 e 3 do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada; e,
- 1 crime de “favorecimento pessoal”, p. e p. pelo art. 331°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
–– condenar o (4°) arguido D pela prática de:
- 1 crime de “falsidade de testemunho”, (na forma continuada), p. e p. pelo art. 324°, n.° 1 e 3 do C.P.M., na pena de 1 ano e 9 meses de prisão; e,
- 1 crime de “favorecimento pessoal”, p. e p. pelo art. 331°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico com as penas que lhe foram aplicadas no âmbito dos Processos CR5-16-0003-PCS e CR5-17-0123-PCS, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, condenando-o também na pena acessória de inibição de condução por 2 anos e 6 meses.
–– condenar o (5°) arguido E pela prática de:
- 1 crime de “falsidade de testemunho”, p. e p. pelo art. 324°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão; e,
- 1 crime de “favorecimento pessoal”, p. e p. pelo art. 331°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 601 a 620-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, os (1°, 3° e 4°) arguidos A, C e D recorreram.
O (1°) arguido A, pede – apenas – a “suspensão da execução” da pena única que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 662 a 673).
O (3°) arguido C, entende que a sua conduta, (na parte em questão), íntegra apenas a prática de 1 só – e não 2 – crimes de “falsidade de testemunho na forma continuada”, pedindo também a “redução da pena aplicada”; (cfr., fls. 648 a 661).
O (4°) arguido D, considera existir “concurso aparente” entre o crime de “favorecimento pessoal” e o de “falsidade de testemunho”, pedindo igualmente a “redução da pena”; (cfr., fls. 662 a 673).
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Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 691 a 693-v e 694 a 695-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Do douto Acórdão de fls.601 a 620 verso dos autos surgiram dois recursos, sendo um interposto pelo arguido C, e outro pelos arguidos A e D em conjunto.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre colega nas Respostas (cfr. fls.691 a 693 e 694 a 695 dos autos).
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1. Do recurso do arguido C
Na Motivação de fls.650 a 661 dos autos, o recorrente C assacou ao sobredito Acórdão a ofensa das disposições no n.°1 e n.°3 do art.324° do Código Penal, e a severidade desproporcional da pena que lhe tinha sido aplicada pelo tribunal a quo.
1.1. Tomando como pedra angular o preceito no n.°2 do art.29° do CPM, o Venerando TUI assevera reiteradamente, e bem, que «O pressuposto fundamental da continuação criminosa é a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.» (vide. Acórdãos nos Processos n.°78/2012, n.°57/2013 e n.°81/2014)
E de outra banda, adverte que «O fundamento do crime continuado radica na considerável diminuição da culpa do agente, determinada por uma actuação no quadro de uma mesma solicitação exterior.» (vide. Acórdão no Processo n.°25/2013) Alerta ainda: «Os tribunais devem ser particularmente exigentes no preenchimento dos requisitos do crime continuado, em especial na diminuição considerável da culpa do agente, por força da solicitação de uma mesma situação exterior.» (vide. Acórdãos nos Processos n.°57/2013 e n.°81/2014)
Ora, os factos provados 8°, 12°, 18°, 22° e 26° demonstram, segura e inequivocamente, que o recorrente C prestou cinco declarações falsas, sendo duas na PSP e três perante o M.°P.°. Por sua vez, os factos provados 17° e 25° revelam que na devida altura, ele foi advertido da responsabilidade da falsa declaração e prestou juramento.
Repare-se que o contexto das duas falsas declarações prestadas m PSP é em larga medida diferente do circunstancialismo das duas declarações prestadas no M.°P.°, por isso, não há margem para dúvida de que não existia mesma situação exterior que poderia diminuir a culpa dele.
Nestes termos, entendemos que é irremediavelmente desprovido o pedido do recorrente C, no sentido de ele ser condenado na prática de só um crime continuado de falsidade de testemunho de acordo com o disposto nos n.°1 ex vi o n.°3 do art.324° e n.°2 do art.29° do CPM.
1.2. Ora bem, o facto provado 28° constata que foi o arguido B quem iniciou aos restantes arguidos a sugestão de revelarem a verdade, portanto, é sofisticado o argumento do ora recorrente de que “上訴人雖然未能中止犯罪的既遂,但最後其意識自己的錯誤而坦白向警方及法院交待事實的真相,這點是值得令法院考慮到從輕情節。”
Atendendo ao grau do dolo do recorrente, à consequência da sua conduta e às molduras penais consagradas no n.°1 do art.331° bem como nos n.°1 e n.°3 do art.324° do Código Penal de Macau, colhemos que são justas e equilibradas as penas parcelares e a única, e tem de ser descabido o pedido de ser condenado na pena única de um ano de prisão, com suspensão da execução por período de um ano e três meses.
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2. Do recurso do arguido D
Ora bem, o Acórdão atacado condenou o recorrente D em ter praticado, em co-autor material, forma consumada e concurso real, um crime de favorecimento pessoal e ainda um crime de falsidade de testemunho p.p. respectivamente pelos n.°1 do art.331° bem como n.°1 ex vi n.°3 do art.324° do Código Penal de Macau.
2.1. Na Motivação de fls.662 a 673 dos autos, o recorrente D arrogou, em primeiro lugar, que há concurso aparente entre o crime de favorecimento pessoal tipificado no n.°1 do art.331° do Código Penal de Macau e o crime de falsidade de testemunho previsto nos n.°1 e n.°3 do art.324° deste diploma, portanto, o Acórdão em escrutínio na parte da condenação supra mencionada padece do erro de direito.
Bem, a brilhante jurisprudência assevera: “4. Comete o crime de “favorecimento pessoal praticado por funcionário”, o agente da P.S.P. que tendo presenciado a prática do crime de “tráfico de estupefacientes”, nada faz e oculta os seus autores, impedindo actividade probatória da autoridade competente com intenção de evitar o procedimento criminal. 5. Incorre o mesmo agente em outros 2 crimes de “falsidade de testemunho” se, em momento posterior, e em sede de depoimento que prestou na Polícia Judiciária e no Ministério Público, tiver declarado, de forma consciente e deliberada, factos que não correspondem à verdade, cometendo tais 3 crimes em concurso real, pois que aquando do cometimento dos dois últimos, consumado estava o primeiro.” (vide. Acórdão do douto TSI no Processo n.°884/2010-I, sublinha nossa)
Nesta linha de ponderação, colhemos que não existe in casu o arrogado erro de direito, o referido crime de favorecimento pessoal não tem a virtude de absolver o aludido crime de falsidade de testemunho. Daqui resulta que falece incuravelmente o pedido de o ora recorrente ser condenado na prática só de um crime de favorecimento pessoal.
2.2. A matéria de facto provada evidencia que na devida altura, o ora recorrente sentava ao lado do condutor do acidente de viação, e era o único terceiro que presenciava tal acidente. O 4° facto provado torna incontestável que “為了隱瞞A是上述交通意外的肇事司機,A及D隨即聯絡了何東明及霍衛健,四人經商議後,達成共識,共同合作,作出了下述行為。”
Tudo isto constata irrefutavelmente que o recorrente D é um dos 2 “iniciadores” de conluio e planificação para esconder a conduta ilícita do condutor que provocou o acidente de viação, nesta medida, demonstra a forte intensidade do dolo do D.
Sendo assim, e à luz das molduras penais consignadas nos n.°1 do art.331° e n.°3 do art.324° do Código Penal, parece-nos que são justas e equilibradas as penas parcelares bem como a única, não descortinando-se a violação do disposto nos arts.65° e 66° do Código Penal.
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3. Do recurso do arguido A
Igualmente na Motivação de fls.662 a 673 dos autos, o recorrente A solicitou a suspensão da execução da pena de um ano e seis de prisão, argumentando que ele reunia todos os pressupostos consagrados no n.°1 do art.48° do Código Penal.
Repare-se que o recorrente A foi o condutor da acidente de viação, e foi ele quem criara e planeara o conluio para ele poder fugir a correspondente responsabilidade. O que revela indisputavelmente que ele agiu com dolo directo, e também com má fé.
Nestes termos, e tomando em consideração os antecedentes criminais, colhemos tranquilamente que a suspensão da execução é inadequada e insuficiente para realizar as finalidades da punição, portanto, o pedido da suspensão da execução é irremediavelmente infundado. Com efeito, a prevenção, geral e especial, exige a execução efectiva da pena aplicada.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 706 a 708-v).
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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 606 a 613, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).
Do direito
3. Vem os (1°, 3° e 4°) arguidos A, C e D recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.
Vejamos se tem razão, recordando-se as questões pelos recorrentes colocadas e trazidas à apreciação deste T.S.I..
Pois bem, como se viu, entende o (1°) arguido A que o Acórdão recorrido viola o disposto no art. 48° do C.P.M., pedindo a “suspensão da execução” da pena que lhe foi aplicada.
O (3°) arguido C, diz que deve ser condenando pela prática de 1 só crime de “falsidade de testemunho”, na forma continuada, pedindo a “redução da pena aplicada”.
E, o (4°) arguido D, é de opinião que existe “concurso aparente” entre o crime de “favorecimento pessoal” e o de “falsidade de testemunho”, pedindo também a “redução da pena”.
–– Ponderando na “factualidade” dada como provada, (que não se mostra de censurar), e nas questões pelos recorrentes suscitadas, (certo sendo também que outras, de conhecimento oficioso, não existem), afigura-se-nos de se começar pelas relacionadas com a “qualificação jurídico-criminal” da dita factualidade provada, e assim, pelas questões dos (3° e 4°) arguidos C e D, já que destas dependerá a adequação da “pena” aplicada e que, como se vê, constitui igualmente matéria em relação à qual também foi este T.S.I. chamado a emitir pronúncia.
–– Vejamos, começando-se então pela questão da “continuação criminosa” colocada pelo (3°) arguido C.
Pois bem, nos termos do art. 29° do C.P.M.:
“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
E como já tivemos oportunidade de consignar:
“A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores”; (cfr. v.g., o Ac. da Rel. de Porto de 25.07.1986, in B.M.J. 358°-267, aqui citado como mera referência, e o Acórdão do ora relator de 28.09.2017, Proc. n.° 638/2017, de 23.11.2017, Proc. n.° 810/2017 e de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018).
Do mesmo modo, Maia Gonçalves, (referindo-se a idêntico artigo do C.P. Português), considera que com o preceito em questão – o art. 30° – se perfilha “o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, atendendo-se assim ao número de tipos legais de crime efectivamente preenchidos pela conduta do agente, ou ao número de vezes que essa conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime. (...) É claro que embora o artigo o não diga expressamente, não se abstrai do juízo de censura (dolo ou negligência). Depois de apurada a possibilidade de subsunção da conduta a diversos preceitos incriminadores, ou diversas vezes ao mesmo preceito, tal juízo de censura dirá a última palavra sobre se, concretamente, se verificam um ou mais crimes, e se sob a forma dolosa ou culposa. Isto se deduz do uso do advérbio efectivamente e dos princípios basilares sobre a culpa”; (vd., “C.P.P. Anotado”, 8ª ed., pág. 268).
“Posto que para que uma conduta seja considerada delituosa se torna necessário que para além de antijurídica seja, igualmente, culposa, a culpa apresenta-se – assim – como elemento limite da unidade da infracção, pois que sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes o mesmo tipo legal de crime se torna aplicável, de onde se nos depare uma pluralidade de infracções.
Assente, então, que sempre que se verifique uma pluralidade de resoluções criminosas, se verifica uma pluralidade de juízos de censura, a dificuldade residirá, apenas, em verificar se numa determinada situação concreta existe pluralidade de resoluções criminosas ou se o agente age no desenvolvimento de uma única e mesma motivação criminosa”.
Isto é, o critério teleológico (e não naturalístico) adoptado pelo legislador na destrinça entre unidade e pluralidade de infracções, pressupõe o juízo de censurabilidade, pelo que haverá tantas infracções quantas as vezes que a conduta que o preenche se tornar reprovável.
No mesmo sentido, e em relação ao Código de 1886 afirmava já E. Correia que:
“Se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídicos e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções. Mas porque a acção, além de antijurídica, tem de ser culposa, pode acontecer que uma actividade subsumível a um mesmo tipo mereça vários juízos de censura. Tal sucederá no caso de à dita actividade corresponderem várias resoluções, no sentido de determinações de vontade, de realização do projecto criminoso”, e que “certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime e às quais presidiu pluralidade de resoluções devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam considerável diminuição da culpa. Tal sucederá, quando a repetição da actividade for facilitada, de modo considerável, por uma disposição exterior das coisas para o facto”; (cfr., “Direito Criminal”, Vol. 2, págs. 201, 202, 209 e 210, e ainda em “Unidade e Pluralidade de Infracções”, pág. 338).
Por sua vez, e tratando mais especificamente da matéria do “crime continuado”, também já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e que, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 26.05.2016, Proc. n.° 1044/2015, de 19.01.2017, Proc. n.° 870/2016 e de 28.09.2017, Proc. n.° 638/2017).
Também por douto Acórdão de 24.09.2014, Proc. n.° 81/2014, (e com abundante doutrina sobre a questão), afirmou o Vdo T.U.I. que:
“O pressuposto fundamental da continuação criminosa é a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”, e que,
“Os tribunais devem ser particularmente exigentes no preenchimento dos requisitos do crime continuado, em especial na diminuição considerável da culpa do agente, por força da solicitação de uma mesma situação exterior”.
Aqui chegados, e cabendo-nos responder à pretensão do (3°) arguido C, (no sentido de se considerar que cometeu apenas 1 só crime de “falsidade de testemunho” na forma continuada), apresenta-se-nos evidente que a mesma não pode proceder.
Nos termos do art. 324° do C.P.M.:
“1. Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsas é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
2. Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução.
3. Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias”.
São assim “elementos objectivos” do tipo de crime “falsidade de testemunho”, previsto e punido pelo art. 324°, n.° 1 (e 3) do C.P.M., a prestação de depoimento, a apresentação de relatório, informação ou tradução falsos por parte de testemunha, perito técnico, tradutor ou intérprete perante tribunal ou funcionário competente para os receber como meio de prova, (após o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe).
Por sua vez, o preenchimento do tipo subjectivo do ilícito não prescinde do dolo, em qualquer uma das suas modalidades, sendo necessário que o agente actue com consciência da falsidade (objectiva) da declaração.
Como escreve A. Medina de Seiça, (autor que adoptou uma concepção objectiva de falsidade), uma declaração é falsa quando aquilo que se declara (conteúdo da declaração) diverge daquilo sobre o qual se declara (objecto da declaração), ou, dito o mesmo de outro modo, a falsidade da declaração consiste na contradição entre, por um lado, o que foi declarado e, por outro, o acontecimento fáctico objectivo; (in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo III, pág. 474).
O crime de “falso testemunho” é um crime de perigo abstracto e de mera actividade, sendo praticado por quem assuma uma das qualidades mencionadas no citado normativo, razão pela qual a conduta típica esgota-se na prestação do depoimento falso, sem que a lei exija qualquer resultado.
O bem jurídico protegido pelo crime é a “administração da justiça”, traduzindo o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais (ou análogos), pelo que ocorrerá a sua lesão sempre que tal não se verifique; (no mesmo sentido, cfr., v.g., os Acs da Rel de Guimarães de 02.05.2016, Proc. n.° 787/14 e de 07.11.2016, Proc. n.° 121/15).
Nesta conformidade, e ponderando no que provado ficou, no “circunstancialismo” que envolveu o cometimento dos “crimes” em questão – após juramento e advertência das suas consequências penais – e, ponderando também nas “datas” das respectivas condutas – adequado não é considerar que foram eles cometidos no âmbito de uma (mesma) “situação exterior que diminua consideravelmente a culpa” para efeitos de se dar por verificada uma “continuação criminosa”.
Aliás, perante a factualidade dada como provada, evidente (e natural) é concluir que o arguido ponderou na sua “conduta”, apercebendo-se da sua censurabilidade, e, não obstante isto, no intuito de (tentar) ocultar a verdade quanto à pessoa que no momento conduzia o veículo interveniente na ocorrência, insistiu, voluntária e conscientemente naquela, voltando a apresentar uma versão que, como provado ficou, se veio a revelar ser falsa.
Veja-se, pois, a decisão da “matéria de facto” e a fundamentação exposta, (a fls. 616), que de forma clara expôs os motivos da decisão do T.J.B., e, no mesmo sentido, as doutas considerações pelo Ilustre Procurador Adjunto tecidas no seu Parecer que se deixou transcrito e aqui se dão como reproduzidas, mais não se mostrando de consignar porque ocioso.
–– Vejamos agora da pretensão do (4°) arguido D, no que toca à questão da correcção da decisão recorrida no sentido de se considerar que os crimes de “falsidade de testemunho” e “favorecimento pessoal” estão uma relação de “concurso aparente”.
Pois bem, dando aqui como reproduzido o que se consignou sobre o crime de “falsidade de testemunho”, importa agora ter presente que no que toca ao crime de “favorecimento pessoal” prescreve o art. 331° do C.P.M. que:
“1. Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outra pessoa com intenção ou com consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada.
3. A pena a que o agente venha a ser condenado, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior à prevista na lei para o facto cometido pela pessoa em benefício da qual se actuou.
4. A tentativa é punível.
5. A pena pode ser especialmente atenuada ou dispensada:
a) Ao agente que, com o facto, procurar ao mesmo tempo evitar que contra si seja aplicada ou executada pena ou medida de segurança;
b) Ao cônjuge, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2.º grau da pessoa em benefício da qual se actuou, ou a quem com esta viva em situação análoga à dos cônjuges”.
E, tratando de questão relativa a este crime já tivemos oportunidade de consignar que: “Atento o assim estatuído, afigura-se-nos adequado considerar que a incriminação em causa protege a segurança na administração da justiça por ocasião da perseguição criminal, (desde as primeiras medidas de investigação até à sentença), ou da execução de uma pena ou medida de segurança, e que, o crime de “favorecimento pessoal” desdobra-se em duas modalidades: (1) ocorrendo o favorecimento na fase de investigação ou de perseguição penal (n.° 1); a outra (2) com o favorecimento na fase de execução da pena ou medida de segurança, (n.° 2).
Porém, (como perante idêntico preceito do C.P. português salienta A. Medina de Seiça, in “Comentário Conimbricense do C.P.”, tomo III, pág. 581): “O tipo objectivo da primeira modalidade consiste em impedir, frustrar, ou iludir, total ou parcialmente, actividade probatória ou preventiva; pertencendo ao tipo subjectivo que tal realização seja efectuada com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança. A segunda modalidade, por seu turno, apresenta como tipo objectivo a prestação de auxílio (“quem prestar auxílio a outra pessoa”), enquanto o tipo subjectivo se traduz na realização daquele auxílio com intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida segurança que lhe tenha sido aplicada.
Em consequência, as duas modalidades de favorecimento constituem, à luz da sua formulação típica, distintos tipos de crime: no n° 1, um crime de resultado (impedir, etc., actividade probatória ou preventiva); no n° 2, um crime de mera actividade, senão mesmo um crime de empreendimento (impuro) (cf., neste sentido, J. FONSECA, Crimes de Empreendimento e Tentativa 1986 57 s.), consumado com a simples prestação de auxílio”.
E, a título de exemplo, considera o mesmo autor o seguinte: “No tocante ao primeiro aspecto, para haver favorecimento consumado não basta, em face do disposto no n° 1, que alguém, por exemplo, abrigue ou forneça alimentos a um fugitivo da polícia (ou seja, preste auxílio) se isso não “impedir, frustrar ou iludir, total ou parcialmente, a actividade probatória ou preventiva”; porém, esse mesmo comportamento será já punido a título de consumação à luz do n° 2, pois não se exige que o agente impeça, frustre ou ilude a execução da pena ou medida de segurança, mas apenas que preste um auxílio”.
Ora, mostrando-se de manter o que se deixou exposto, antes de mais, impõe-se, alterar a condenação decretada em relação a este crime de “favorecimento pessoal”.
Com efeito, atenta a factualidade dada como provada, a mesma ser tão só considerada como a prática pelos arguidos de 1 crime de “favorecimento pessoal”, na forma tentada, (e não consumada), p. e p. pelo art. 331°, n.° 1 e 4 do C.P.M.”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 29.10.2015, Proc. n.° 751/2015).
E, agora, perante a factualidade dada como provada, e mostrando-se de concluir que os crimes de “favorecimento pessoal” dos autos foi apenas cometido na forma tentada, passemos à “questão” colocada, sendo desde já de consignar que se afigura válido o entendimento consignado no veredicto deste T.S.I. de 24.02.2011, Proc. n.° 884/2010-I, pelo Exmo. P.A. citado no seu doutro Parecer, e onde, em relação à situação aí retratada se considerou que “Comete o crime de “favorecimento pessoal praticado por funcionário”, o agente da P.S.P. que tendo presenciado a prática do crime de “tráfico de estupefacientes”, nada faz e oculta os seus autores, impedindo actividade probatória da autoridade competente com intenção de evitar o procedimento criminal” e “Incorre o mesmo agente em outros 2 crimes de “falsidade de testemunho” se, em momento posterior, e em sede de depoimento que prestou na Polícia Judiciária e no Ministério Público, tiver declarado, de forma consciente e deliberada, factos que não correspondem à verdade, cometendo tais 3 crimes em concurso real, pois que aquando do cometimento dos dois últimos, consumado estava o primeiro”.
Porém, a situação dos autos tem outros “contornos” e afigura-se-nos que escapa ao entendimento assumido no referido veredicto deste T.S.I. de 24.02.2011.
Aqui, (nestes autos), verifica-se que o(s) crime(s) de “falsidade de testemunho” foi(ram) cometido(s) para ocultar a identidade do condutor da viatura acidentada e que abandonou o local, integrando assim um idêntico crime de “favorecimento pessoal”, (na forma tentada), pelo que, nesta parte, cremos que tem o recorrente razão, não nos parecendo de considerar que os arguidos cometeram os ditos crimes em “concurso real”; (tb. no sentido de os crimes de “falsidade de testemunho” e de “favorecimento pessoal” poderem estar uma relação de “concurso aparente”, vd. Medina de Seiça, ob. cit., pág. 490 e 597).
E, perante isto, e atentas as molduras penais em questão, há que revogar a condenação do (4°) arguido ora recorrente D como autor da prática, em concurso real, de 1 crime de “favorecimento pessoal”, decisão esta que, por força do preceituado no art. 392° do C.P.P.M., aproveita aos restantes co-arguidos, (inclusivé, aos (2° e 5°) arguidos não recorrentes B e UN).
–– Resolvidas que assim ficaram as questões relacionadas com o “enquadramento jurídico-penal” da matéria de facto dada como provada, e desta forma, com a “qualificação” da conduta pelos arguidos desenvolvida (e nestes autos dada como assente), passemos para a questão da(s) “pena(s)”.
O crime de “fuga à responsabilidade” (pelo (1°) arguido A cometido) é punido com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias; (cfr., art. 89° da Lei n.° 3/2007).
Ao crime de “falsidade de testemunho”, (pelos arguidos ora recorrentes cometido), cabe, por sua vez, a pena de prisão de 6 meses a 5 anos, ou pena de multa até 600 dias, (cfr., art. 324° do C.P.M.), notando-se que em relação a este crime foi o (1°) arguido A condenado como “cúmplice”, cabendo-lhe assim uma pena especialmente atenuada nos termos dos art°s 26°, n.° 2 e 67° do C.P.M..
Nos termos do art. 64° do C.P.M.:
“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
E, nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
E, ponderando nos “tipos” de crime em questão, nos bens pelos mesmos tutelados e na forte necessidade da sua prevenção criminal, não se apresenta como adequado que em sua reacção se opte por uma “pena não privativa da liberdade”, (de multa), tal como pelo T.J.B. foi considerado.
Por sua vez, e, em sede de determinação da “medida pena”, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018, de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018 e de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018).
Igualmente, importa ter presente que:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018 e de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018).
No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
E, como recentemente se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
Dito isto, atenta a factualidade provada, e, em especial, as (respectivas) molduras penais para os crimes de “fuga à responsabilidade” e “falsidade de testemunho”, aqui em questão, censura não merecem as penas parcelares aplicadas ao recorrente A, o mesmo sendo de dizer em relação às impostas pelos crimes de “falsidade de testemunho” pelos restantes recorrentes C e D cometidos, que por isso se mantém.
Por sua vez, atenta a referida factualidade provada, ao estatuído no art. 71° do C.P.M. e na personalidade pelos (1°, 3° e 4°) arguidos A, C e D revelada, e atentas as penas a este último – arguido D – fixadas nos Processos n°s CR5-16-0003-PCS e CR5-17-0123-PCS, reparo não merece a pena única pelo T.J.B. (já) decretada ao recorrente A, fixando-se ao recorrente C a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, e ao recorrente D, a pena única de 2 anos e 1 mês de prisão.
Dest’arte, e decidida a questão (da “espécie” e “medida”) da(s) “pena(s)”, continuemos.
–– Por fim, vejamos do pedido de “suspensão da execução da pena” decretada ao (1°) arguido A.
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.10.2017, Proc. n.° 762/2017, de 11.01.2018, Proc. n.° 1157/2017 e de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018).
E, como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.06.2017, Proc. n.° 399/2017, de 09.11.2017, Proc. n.° 853/2017 e de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018).
No caso dos autos, o (1°) arguido A tem “antecedentes criminais”, (cfr., C.R.C. a fls. 461 a 498), não sendo primário, registando já várias condenações, a indicar uma personalidade alheia às normas de convivência social, avessa ao direito e que insiste em delinquir, pelo que, atentos os critérios do art. 48° do C.P.M., (também aqui se mostra que) censura não merece a decisão recorrida no sentido de não se decretar a suspensão da execução da pena única de 1 ano e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada.
Com efeito, revela, (com os novos crimes cometidos nestes autos), uma total ausência de vontade de aproveitar as várias oportunidades que lhe foram dadas e de se corrigir, tornando, desta forma, evidentes as fortes razões de prevenção criminal especial, (e geral, em virtude do tipo e natureza dos crimes cometidos), e que comprometem, de todo, a pretendida suspensão da execução da pena.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam:
- negar provimento aos recursos dos (1° e 3°) arguidos A e C;
- julgar procedente o recurso do (4°) arguido D, ficando este arguido condenado pela prática de 1 crime de “falsidade de testemunho”, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, e em cúmulo jurídico com as penas fixadas nos Processos CR5-16-0003-PCS e CR5-17-0123-PCS, na pena única de 2 anos e 1 mês de prisão;
- alterar, por aplicação do art. 392° do C.P.P.M., o decidido em relação aos (2°, 3° e 5°) arguidos B, C e E, revogando-se a sua condenação pelo crime de “favorecimento pessoal”, e ficando os (2° e 5°) arguidos B e E condenados pela prática de 1 crime de “falsidade de testemunho”, na pena (individual) de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e o (3°) arguido C, pela prática de 2 crimes de “falsidade de testemunho”, nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão cada, e em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
Custas pelos recorrentes com taxa de justiça individual de 6 UCs para os (1° e 3°) arguidos A e C.
Honorários ao Exmo. Defensor dos (1° e 4°) arguidos A e D no montante de MOP$2.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 12 de Julho de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Ho Wa
Proc. 534/2018 Pág. 44
Proc. 534/2018 Pág. 43