Processo n.º 363/2018 Data do acórdão: 2018-7-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009
– tráfico ilícito de estupefacientes
– acto concreto de venda de droga
– detenção de droga com o fim fora do exclusivo consumo pessoal
– co-autoria material do crime
– não confissão do crime
– direito ao silêncio na audiência de julgamento
– saco contentor de cocaína no interior da mochila
– diligência policial de revista
– mera suspeita de prática do crime
– fundada suspeita de prática do crime
– palavras ditas ao polícia pela pessoa visada na revista
– valoração legal dessas palavras pelo tribunal no julgamento
– constituição da pessoa visada na revista como arguido
– art.o 44.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– art.o 48.o, n.o 1, do Código de Processo Penal
– art.o 47.o, n.o 3, do Código de Processo Penal
– acórdão uniformizador de jurisprudência
– valoração das declarações de arguido contra co-arguido
S U M Á R I O
1. Para a cabal condenação pela prática do tipo legal do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, não se exige necessariamente a comprovação de algum acto concreto de venda ou entrega de droga a outrem por parte da pessoa detentora da droga, pois basta o acto de detenção ilícita de droga com o fim fora do exclusivo consumo pessoal para ficar punível este tipo de acto de detenção de droga (como é o caso concreto dos autos) em sede do art.o 8.o, n.o 1, desta Lei.
2. Em situação de co-autoria material deste crime, o facto de a droga em causa estar detida pessoalmente apenas pelo 2.o arguido (também co-autor material do mesmo crime) não tem a pretendida virtude de afastar a condenação do 1.o arguido pela prática do mesmo crime.
3. A não confissão do crime pelos arguidos não obsta à formação da livre convicção do Tribunal, através da ponderação crítica, e em global, de todos os meios de prova, sobre a prática do crime pelos arguidos mesmo que eles tenham usado o direito ao silêncio na audiência de julgamento.
4. A descoberta de um saco plástico contentor de grãos suspeitados de serem cocaína no interior da mochila em posse da pessoa visada na diligência policial de revista, por si só, não implica necessariamente a existência de fundada suspeita do envolvimento dessa pessoa na prática de crime de tráfico de estupefacientes, razão por que, no caso dos autos, essa pessoa (posteriormente constituída como 2.o arguido) foi perguntada pelo pessoal policial na ocasião da diligência da revista acerca do tal saco plástico, e depois de essa pessoa ter respondido que o objecto descoberto na mochila era droga, que a droga pertencia ao 1.o arguido e que tinha sido o 1.o arguido quem o tinha deixado trazer a mochila para ir a Macau em conjunto com o 1.o arguido, já passou a haver fundada suspeita (e já não mera suspeita) de que tal pessoa visada na revista tenha sabido de que tal objecto era droga e de que foi o outro indivíduo, também detido, quem o deixou levar tal mochila para ir a Macau em conjunto com tal indivíduo, ou seja, fundada suspeita de que a pessoa visada na revista tenha transportado cocaína para Macau por conta de outrem.
5. E perante a colheia já da fundada suspeita acima referida, o pessoal policial suspendeu as conversas com tal pessoa visada na revista e foi constitui-la verbalmente como (2.o) arguido. Tudo isto esteve em sintonia com o disposto no n.o 2 do art.o 44.o do Código de Processo Penal (CPP) e com o estatuído no n.o 1 do art.o 48.o do mesmo CPP, de maneira que as declarações então prestadas pela pessoa visada na revista realizada podem ser utilizadas legalmente como prova contra a mesma pessoa (cfr. o art.o 47.o, n.o 3, a contrario sensu, do CPP).
6. Só a prova de que as autoridades da investigação tinham continuado a conversar com a pessoa visada na revista, mesmo depois de surgida já a fundada suspeita de prática de crime por essa pessoa, sem terem logo constituído o suspeito como arguido, é que levaria à conclusão de que as palavras ditas pela pessoa visada às autoridades da investigação (palavras ditas depois de haver já fundada suspeita da prática de crime e, apesar disso, sem constituição imediata da mesma pessoa como arguido logo após a verificação da fundada suspeita) não podem ser valoradas depois no processo penal em questão como prova contra ela.
7. Conforme a doutrina jurídica firmada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Tribunal de Última Instância, de 21 de Fevereiro de 2001, no Processo n.o 1/2001, o Tribunal pode utilizar as declarações prestadas por qualquer arguido na qualidade de arguido para formar a sua convicção, ainda que contra co-arguidos, no âmbito do princípio da livre convicção.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 363/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
1.o arguido A
2.o arguido B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 283 a 291v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-17-0298-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficam identicamente condenados o 1.o arguido A e o 2.o arguido B, aí já melhor identificados, como co-autores materiais de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, na pena de seis anos de prisão, com pena acessória de proibição de entrada em Macau por cinco anos (contados após a soltura prisonal deles), imposta nos termos do art.o 21.o, n.o 1, alínea 1, subalínea 7), da mesma Lei.
Inconformados, ambos os arguidos vieram recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
O 1.o arguido, na sua motivação de fls. 307 a 319, assacou ao Tribunal sentenciador o cometimento de erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), para pedir, com fundamento no princípio de in dubio pro reo, a invalidação da decisão condenatória, tendo invocado o seguinte para sustentar a existência de tal erro notório na apreciação da prova:
– nem ele nem o 2.o arguido tinham confessado a prática de actos de tráfico de droga;
– nem tinha sido apreendida qualquer droga na posse dele próprio;
– nem tinha havido qualquer outra pessoa a entrar em contacto com ele nem com o 2.o arguido para efeitos de entrega e recebimento de droga;
– os dados existentes no telemóvel dele próprio não tinham conexão com qualquer acto de tráfico de droga;
– a livre convicção do Tribunal Colectivo recorrido não devia ter sido formada com consideração de conversas informais tidas por pessoal investigador da Polícia Judiciária com o 2.o arguido, o qual tinha dito que a droga descoberta era pertencente ao próprio 1.o arguido, situação essa que seria diferente da analisada pelo Venerando Tribunal de Última Instância no Recurso n.o 17/2016 (em cujo Acórdão se tinha decidido pela possibilidade legal de valoração da declaração de arguido, aquando da detenção em flagrante delito, de confissão da prática de crime).
Enquanto o 2.o arguido, na sua motivação de fls. 321v a 324, pediu a atenuação especial da pena de prisão nos termos do art.o 66.o do Código Penal (CP), ou, pelo menos, a redução da pena de prisão em termos gerais, com finalmente rogada suspensão da execução da pena de prisão.
Aos recursos respondeu o Ministério Público no sentido de igual improcedência (cfr. as respostas de fls. 330 a 332 e 333 a 335v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 349 a 351), pugnando também pelo não provimento dos dois recursos.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontra-se proferido a fls. 283 a 291v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Da fundamentação probatória do acórdão recorrido, sabe-se o seguinte, inclusivamente:
– na audiência de julgamento, os 1.o e 2.o arguidos do processo exerceram o direito ao silêncio;
– foram ouvidos como testemunhas de acusação dois investigadores da Polícia Judiciária que não chegaram a elaborar autos de interrogatório desses dois arguidos;
– o primeiro desses investigadores chegou a referir no seu depoimento que no local dos factos, o 1.o arguido negou a prática de tráfico de droga, enquanto o 2.o arguido disse que a droga pertencia ao 1.o arguido e que foi o 1.o arguido quem o deixou trazer a mochila para ir a Macau em conjunto com o próprio 1.o arguido;
– o segundo dos investigadores testemunhas chegou a referir no seu depoimento que foi ele quem se responsabilizou principalmente pela captura do 2.o arguido, que na mochila desse arguido foi descoberta droga, que esse arguido, nesse momento, lhe disse que a droga em causa pertencia ao 1.o arguido e que foi o 1.o arguido quem o deixou trazer a mochila para ir a Macau com o próprio 1.o arguido;
– o Tribunal Colectivo recorrido afirmou, no penúltimo parágrafo da fundamentação probatória do acórdão recorrido (a fl. 287v), que a sua livre convicção sobre os factos se formou através da valoração, em global, de todos os elementos probatórios dos autos, incluindo os acima referidos depoimentos dos dois investigadores da Polícia Judiciária (que tinham procedido, no local dos factos, à captura dos dois arguidos), através da análise dos quais se soube as seguintes circunstâncias: o pessoal policial capturou o 2.o arguido no local e descobriu na mochila deste a droga em causa nos autos; este arguido não negou, nem chegou a referir que não sabia, que se tratava de droga, mas explicou apenas que a droga contida na mochila pertencia ao 1.o arguido e que foi o 1.o arguido quem o deixou trazer a mochila para ir a Macau em conjunto com o 1.o arguido;
– o Tribunal Colectivo recorrido citou o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância no Processo n.o 17/2016, no sentido de que a confissão de crime feita por arguido perante os polícias aquando da detenção não constitui método proibido de prova.
3. Segundo o teor do auto de notícia, de fls. 1 a 3, lavrado pelo segundo dos investigadores da Polícia Judiciária ouvidos como testemunhas de acusação na audiência de julgamento em primeira instância:
– depois de na mochila em posse do 2.o suspeito B ter sido descoberto um saco plástico contentor no seu interior de substâncias suspeitadas de serem cocaína, esse suspeito, perguntado, admitiu que o objecto assim descoberto era droga, pelo que lhe foi dada voz de detenção, por se tratar de caso de flagrante delito, e o mesmo suspeito foi verbalmente constituído como arguido às 22:20 horas do dia 3 de Novembro de 2016;
– na sequência disso, foram levados inclusivamente esse arguido e o objecto em causa para a Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária para investigação.
4. Conforme o teor de fls. 27 a 28, foi feita a revista, às 22:10 horas do dia 3 de Novembro de 2016, ao então 2.o suspeito B, na sequência dessa diligência o acima referido segundo dos investigadores da Polícia Judiciária descobriu, dentro da mochila desse suspeito, um saco plástico contentor no seu interior grãos suspeitados de serem cocaína.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O 1.o arguido apontou ao Tribunal recorrido o vício de erro notório na apreciação da prova. Para sustentar a existência desse vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, esse arguido focou a argumentação do seu recurso sobretudo nos seguintes aspectos: de não terem ele nem o 2.o arguido confessado a prática de actos de tráfico de droga, de não ter sido apreendida qualquer droga na posse dele próprio, de não ter havido qualquer outra pessoa a entrar em contacto com ele nem com o 2.o arguido para efeitos de entrega e recebimento de droga, de os dados existentes no seu telemóvel não terem conexão com qualquer acto de tráfico de droga, e de o Tribunal sentenciador não dever ter valorado as palavras ditas pelo 2.o arguido aquando da detenção pela Polícia.
Sucede, porém, e desde já, que:
– para a cabal condenação pela prática do tipo legal do art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, não se exige necessariamente a comprovação de algum acto concreto de venda ou entrega de droga a outrem por parte da pessoa detentora da droga, pois basta o acto de detenção ilícita de droga com o fim fora do exclusivo consumo pessoal para ficar punível este tipo de acto de detenção de droga (como é o caso concreto dos autos) em sede do art.o 8.o, n.o 1, desta Lei;
– em situação de co-autoria material deste crime, o facto de a droga em causa estar detida pessoalmente apenas pelo 2.o arguido (também co-autor material do mesmo crime) não tem a pretendida virtude de afastar a condenação do 1.o arguido pela prática do mesmo crime;
– a não confissão do crime pelos arguidos não obsta à formação da livre convicção do Tribunal, através da ponderação crítica, e em global, de todos os meios de prova, sobre a prática do crime pelos arguidos mesmo que eles tenham usado o direito ao silêncio na audiência de julgamento;
– o conteúdo de dados existentes no telemóvel do 1.o arguido também ficou sujeito à livre apreciação da prova feita pelo Tribunal através da análise, em global, de todos os meios de prova existentes nos autos.
Outrossim, quanto ao argumento, alegado também pelo 1.o arguido, de inaplicabilidade, ao caso concreto dos autos, da posição jurídica veiculada no douto Acórdão de 8 de Junho de 2016 do Processo n.o 17/2016 do Venerando Tribunal de Última Instância (segundo o qual as afirmações de arguido aos agentes policiais aquando da detenção ou da reconstituição dos factos, admitindo a prática do crime, ou revelando o modus operandi ou o local onde escondeu objectos do crime ou o corpo da vítima, podem ser objecto de depoimento daqueles agentes policiais em audiência e valorados pelo Tribunal), cabe tecer as seguintes considerações:
No fundo, discorda o 1.o arguido de que possa ser valorado, no sentido de fazer incriminar ele próprio pela prática, em co-autoria, do crime de tráfico de estupefacientes, o depoimento dos dois investigadores da Polícia Judiciária que procederam à detenção dele e do 2.o arguido na parte referente aos dizeres do 2.o arguido aquando da mesma detenção.
O Venerando Tribunal de Última Instância já decidiu, no seu douto Acórdão de 8 de Junho de 2016, no Processo n.o 17/2016, que as afirmações do arguido aos agentes policiais aquando da detenção ou da reconstituição dos factos, admitindo a prática do crime, ou revelando o modus operandi ou o local onde escondeu objectos ou o corpo da vítima, podem ser objecto de depoimento daqueles agentes policiais em audiência e valorados pelo Tribunal, posição jurídica essa que é seguida pelo presente Tribunal de recurso.
No caso dos autos, é de atender também ao seguinte:
Da análise, em global, dos elementos dos autos referenciados na parte II do presente acórdão de recurso, retira-se o seguinte:
– as palavras ditas pelo 2.o arguido (no sentido de admitir que o objecto descoberto na mochila era droga, de a droga pertencer ao 1.o arguido e de ter sido o 1.o arguido quem o deixou trazer a mochila para ir a Macau em conjunto com o 1.o arguido) ao segundo dos dois investigadores da Polícia Judiciária ouvidos como testemunhas de acusação na audiência de julgamento foi-o durante a revista então feita por aquele investigador às 22:10 horas do dia 3 de Novembro de 2016 no local dos factos, momento em que o 2.o arguido ainda não estava constituído como arguido;
– após a descoberta do saco plástico contentor de grãos suspeitados de serem cocaína e depois de ditas tais palavras pela pessoa visada daquela revista, aquele segundo investigador foi constituir verbalmente a mesma pessoa visada como arguido.
Ante esse circunstancialismo, realiza o presente Tribunal de recurso que só após ditas tais palavras pela pessoa visada na revista então realizada é que se pôde considerar haver fundada suspeita, e não de mera suspeita, de ter essa pessoa envolvida na prática de acto subsumível ao tipo de crime de tráfico de estupefacientes.
Na verdade, a descoberta de um saco plástico contentor de grãos suspeitados de serem cocaína no interior da mochila em posse daquela pessoa visada na revista, por si só, não implica necessariamente a existência de fundada suspeita do envolvimento dessa pessoa na prática de crime de tráfico de estupefacientes, razão por que essa pessoa foi perguntada pelo pessoal policial na ocasião da diligência da revista acerca do tal saco plástico, e depois de essa pessoa ter respondido com tais palavras ditas, já passou a haver fundada suspeita de que essa pessoa tenha sabido de que tal objecto era droga e de que foi o outro indivíduo, também detido, quem o deixou levar tal mochila para ir a Macau em conjunto com tal indivíduo, ou seja, fundada suspeita de que a pessoa visada na revista tenha transportado cocaína para Macau por conta de outrem.
E perante a colheia já da fundada suspeita acima referida, o pessoal policial suspendeu as conversas com tal pessoa visada na revista e foi constitui-la verbalmente como arguido. Tudo isto esteve em sintonia com o disposto no n.o 2 do art.o 44.o do CPP (que reza que compete em especial aos órgãos de polícia criminal, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes […], descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova) e com o estatuído no n.o 1 do art.o 48.o do mesmo CPP (por comando do qual: se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.o 2 do artigo anterior), de maneira que as declarações então prestadas pela pessoa visada na revista realizada podem ser utilizadas legalmente como prova contra a mesma pessoa (cfr. o art.o 47.o, n.o 3, a contrario sensu, do CPP).
Em suma, e na esteira da posição jurídica veiculada no Acórdão (aqui citado a título de mera referência doutrinária em direito comparado) de 22 de Abril de 2004 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, no seu Processo n.o 04P902, relatado por Pereira Madeira (in http://www.dgsi.pt/...), opina também o presente Tribunal de recurso que só a prova de que as autoridades da investigação tinham continuado a conversar com a pessoa visada na revista, mesmo depois de surgida já a fundada suspeita de prática de crime por essa pessoa, sem terem logo constituído o suspeito como arguido, é que levaria à conclusão de que as palavras ditas pela pessoa visada às autoridades da investigação (palavras ditas depois de haver já fundada suspeita da prática de crime e, apesar disso, sem constituição imediata da mesma pessoa como arguido logo após a verificação da fundada suspeita) não podem ser valoradas depois no processo penal em questão como prova contra ela.
Concluída, nos termos acima analisados, pela legalidade da valoração, por parte do Tribunal Colectivo ora recorrido, dos depoimentos dos dois investigadores da Polícia Judiciária ouvidos como testemunhas de acusação na audiência de julgamento na parte inclusivamente respeitante às palavras ditas pela pessoa visada na revista então realizada no local dos factos, há que cair também por terra o argumento do 1.o arguido de que não se pode valorar, para efeitos de se fazer imputar, ao próprio 1.o arguido, a responsabilidade criminal de tráfico de droga, as palavras então ditas por essa pessoa visada na ocasião daquela diligência de revista (que veio tornar-se 2.o arguido no mesmo processo penal). É que conforme a doutrina jurídica firmada no douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Venerando Tribunal de Última Instância, de 21 de Fevereiro de 2001, no Processo n.o 1/2001, o Tribunal pode utilizar as declarações prestadas por qualquer arguido na qualidade de arguido para formar a sua convicção, ainda que contra co-arguidos, no âmbito do princípio da livre convicção.
Do exposto, resulta que após vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se mostra patente ao presente Tribunal de recurso que o Tribunal ora recorrido, aquando da formação da sua livre convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que não pode o Tribunal recorrido ter cometido o vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Improcede, assim, o recurso do 1.o arguido, o qual se limitou a aproveitar a sede de recurso para tentar sindicar gratuitamente o resultado do julgamento dos factos empreendido pelo Tribunal recorrido.
O 2.o arguido pediu primeiro a atenuação especial da pena de prisão.
Contudo, atentas as prementes exigências da prevenção geral do tipo legal de crime por que ele vinha condenado, as quais reclamam a necessidade da pena, não é de accionar o mecanismo de atenuação especial da pena (cfr. o critério material exigido no n.o 1 do art.o 66.o do CP para efeitos de decisão sobre a atenuação especial da pena).
O 2.o arguido não deixou de pedir também a redução da sua pena de prisão em termos gerais.
Entretanto, ponderando tudo (com consideração de todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida, de entre as quais se salientando a quantidade de droga apreendida e referida no ponto 7 da matéria de facto provada) à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, realiza o presente Tribunal de recurso que dentro da moldura penal de três a quinze anos de prisão, não há qualquer injustiça notória na decisão da medida da pena de prisão do crime de tráfico de estupefacientes tomada no acórdão recorrido.
Sendo superior a três anos de prisão, é inviável qualquer pretensão, por parte do 2.o arguido, de suspensão da execução da pena de prisão.
Naufraga, pois, também o recurso do 2.o arguido.
Há que manter a decisão recorrida, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento aos recursos.
Pagarão cada um dos recorrentes as custas do respectivo recurso, com quatro UC de taxa de justiça para o 1.o arguido e três UC de taxa de justiça para o 2.o arguido. Fixam em duas mil e quinhentas patacas os honorários a favor da Ex.ma Defensora do 2.o arguido, a entrar na regra das custas.
Macau, 12 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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