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Processo n.º 583/2017 Data do acórdão: 2018-7-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal

S U M Á R I O
Como ante todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal recorrido tenha violado, de modo patente, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos, não pode ter ocorrido, por parte do tribunal recorrido, o erro notório na apreciação da prova, como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 583/2017
(Recurso em processo penal)
Recorrente (transgressora):
A, Limitada
(A有限公司)







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença materialmente proferida a fls. 209v a 211v do subjacente Processo de contravenção laboral n.o LB1-16-0100-LCT do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a A, Limitada, pela prática de duas contravenções p. e p. pelos art.os 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da Lei n.o 7/2008, na pena de cinco mil patacas de multa por cada, e, em cúmulo, na pena de sete mil e quinhentas patacas de multa, bem como no pagamento às duas trabalhadoras ofendidas as quantias discriminadas no mapa de apuramento elaborado pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
Inconformada, veio a transgressora recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para pedir a sua absolvição total, com base no alegado cometimento, pelo Tribunal sentenciador (quando este considerou que a atribuição do prémio atriuído no final do ano a trabalhador não dependia dos lucros da própria companhia, mas sim apenas da avaliação do desempenho de trabalhador) do erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CP), e na alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação ao arrepio da exigência do n.o 2 do art.o 355.o do CPP (devido à falta de explicação dada na sentença por quê é que não se atendeu ao teor da alínea 5 nem da alínea 6, ambas do ponto 6, dos termos de atribuição de prémio a que aludem os art.os 21.o a 26.o da contestação) (cfr. em mais detalhes, a sua motivação de recurso apresentada a fls. 217 a 229 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 243 a 248 no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 262 a 263v no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida encontrou-se materialmente proferida a fls. 209v a 211v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Do documento anexado sob o número 4 à contestação (então apresentada pela transgressora a fls. 169 a 176) constam os termos de cálculo de “prémios de estímulo”, cujo teor (constante de fls. 187 a 190) se dá também por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
A transgressora ora recorrente apontou à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, sem deixar de suscitar a questão de nulidade da mesma sentença por violação do dever de fundamentação ao arrepio do disposto no n.o 2 do art.o 355.o do CPP.
Desde já, quanto à questão da fundamentação da sentença, esta apresenta-se, aos olhos do presente Tribunal de recurso, já fundamentada, nos termos exigidos pela norma do n.o 2 do art.o 255.o do CPP.
Na verdade, na parte da fundamentação fáctica da sentença, o Tribunal sentenciador já afirmou que não ficou provada a matéria de facto constante da contestação que se mostrou em oposição com a matéria de facto provda, tendo dado por não provado “nomeadamente que a atribuição do 13.o mês de salário e que o prémio por desempenho estivessem dependentes dos lucros da transgressora”.
É certo que a recorrente, nos art.os 21.o a 26.o da contestação, andou a explicar o sentido e alcance do teor do ponto 6 do documento n.o 4 anexado à contestação, para defender que os prémios anuais a atribuir não dependiam somente da avaliação do desempenho de trabalhador referida na alínea 2 do ponto 6, mas também da existência dos lucros da exploração da própria companhia e da assiduidade de trabalhador (cfr. a tese da recorrente concluída no art.o 26.o da contestação).
Contudo, o M.mo Juiz a quo, por meio da emissão da sua decisão sobre a matéria de facto, com explicação subsequente dos fundamentos de direito da sentença, já rejeitou materialmente tal tese da recorrente.
Daí que não pode ter havido falta de fundamentação da sentença, arguida pela recorrente na motivação.
E no tangente à questão de erro notório na apreciação da prova: ante todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra ao presente Tribunal que o Tribunal recorrido tenha violado, de modo patente, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou ainda quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos, pelo que não pode ter ocorrido o erro notório na apreciação da prova invocado na motivação do recurso.
Aliás, o Tribunal recorrido já explicou na parte c) da fundamentação da sentença (concretamente a fls. 210v a 211), minuciosa e congruentemente, o processo de formação da sua livre convicção no julgamento dos factos, permitida nos termos do art.o 114.o do CPP, sendo de frisar que a tese fáctica sustentada pela recorrente já se encontrou materialmente rebatida, com justeza, nessa fundamentação probatória (i.e., na “Motivação da decisão de facto”) da sentença.
Ademais, realiza o presente Tribunal de recurso que mesmo com base na análise crítica e conjugada do teor das alíneas 2 a 5 do ponto 6 do documento 4 anexado à contestação (ora concretamente a fl. 189), não pode resultar a interpretação feita pela recorrente nos art.os 21 a 26.o da sua contestação (defendendo a recorrente aí que a atribuição do “prémio no final do ano” dependeria também, nomeadamente, dos lucros obtidos pela própria companhia).
É que:
– a alínea 5 do ponto 6 desse documento diz, em chinês, que o limite máximo dos prémios que otiver o pessoal trabalhador anualmente corresponde a 300% do salário médio mensal do ano em questão (incluindo 6.2 e 6.4);
– enquanto de acordo com o mapa da alínea 2 do mesmo ponto 6 (quanto “às condições do prémio individual no final do ano”), o escalão mais elevado do prémio, no caso de a avaliação do desempenho de trabalhador ter 90 pontos ou mais, tem por valor a quantia correspondente a 150% do salário fixo médio mensal;
– assim sendo, é patente que o “prémio de estímulo” referido na alínea 4 do mesmo ponto 6 (segundo o qual o prémio é “20% dos lucros obtidos…” é autónomo do “prémio no final do ano” referido nas alíneas 2 e 3 do mesmo ponto 6, pois caso contrário não se justificaria o limite máximo de “300% do salário médio mensal” imposto na referida alínea 5, já que o escalão mais elevado do “prémio no final do ano” referido na dita alínea 2 é apenas de 150% do salário fixo mensal;
– por fim, a questão de assiduidade de trabalhador, de que se fala na alínea 6 do mesmo ponto 6, como condição também para a atribuição de qualquer prémio de estímulo, fica compreensivelmente absorvida na avaliação do desempenho de trabalhador, pois segundo as regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, a assiduidade de trabalhador é sempre um dos factos a ter em conta na avaliação do desempenho de trabalhador, pelo que é redundante pretender defender que o prémio do final do ano não só dependa da avaliação do desempenho de trabalhador mas também da assiduidade de trabalhador.
Sendo de respeitar toda a matéria de facto já dada por criteriosa e congruentemente provada na sentença recorrida, ficou já bem condenada a recorrente nos precisos termos decisórios constantes desse mesmo texto decisório.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela recorrente, com cinco UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão às duas trabalhadoras ofendidas.
Macau, 19 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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