Processo n.º 339/2016 Data do acórdão: 2018-7-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alinea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
Como vistos todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal recorrido tenha violado, de modo patente, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou ainda quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos, não pode ter ocorrido, por parte do tribunal recorrido, o erro notório na apreciação da prova como vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 339/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 154 a 159 do subjacente Processo Comum Singular n.o CR4-16-0011-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficou condenado o arguido B, aí já melhor identificado, como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, em cinco meses de prisão efectiva, com inibição de condução por um ano e seis meses (suspensa essa inibição na execução por dois anos, sob condição de prestação de oito mil patacas de contribuição a favor da Região Administrativa Especial de Macau no prazo de um mês após o trânsito em julgado da decisão, e de apresentação, no mesmo prazo de um mês, da prova da sua profissão como motorista mesmo após a sua soltura prisional).
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado (no seu essencial) e peticionado o seguinte na sua motivação de fls. 183 a 188v dos presentes autos correspondentes:
– o Tribunal recorrido errou notoriamente na apreciação da prova, porque não há qualquer prova nos autos susceptível a provar que o recorrente tenha bebido, antes das 07:33 horas do dia 26 de Agosto de 2015, coisa com componente de álcool, pelo que não seria possível ao mesmo Tribunal tirar conclusão de que ele tenha já consumido coisa com componente de álcool antes de conduzir o veículo automóvel em causa;
– pelo que deve ser reenviado o processo para novo julgamento, por verificação do vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), tendo o Tribunal recorrido violado patentemente os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo;
– seja como for, é severa a pena de cinco meses de prisão efectiva, a qual deve ser suspensa também na sua execução.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 203 a 207v no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 216 a 218, no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida encontrou-se proferida a fls. 154 a 159 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. O crime de condução em estado de embriaguez em causa nos presentes autos penais ocorreu em 26 de Agosto de 2015 (cfr. a matéria de facto descrita como provada nessa sentença).
3. O arguido foi condenado em 4 de Novembro de 2015 no Processo n.o CR2-15-0340-PCS do TJB, com decisão transitada em julgado em 24 de Novembro de 2015, por prática de um crime de condução em estado de embriaguez em 11 de Janeiro de 2015, em três meses de prisão, suspensa na execução por um ano e seis meses, com inibição de condução por um ano e três meses, suspensa na execução por um ano e três meses, sob condição de apresentação da prova de necessidade de condução, por motivo do seu trabalho, do veículo automóvel com chapa de matrícula n.o MK-XX-XX (cfr. a matéria de facto descrita como provada na sentença ora recorrida e o teor do certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 122 e seguintes).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O arguido apontou à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova, aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Entretanto, vistos todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido tenha violado, de modo patente, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou ainda quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos, pelo que não pode ter ocorrido o erro notório na apreciação da prova invocado na motivação do recurso.
Aliás, o Tribunal recorrido já explicou minuciosamente (nas páginas 6 a 8 do texto da sua sentença, concretamente a fls. 156v a 157v) o processo de formação da sua livre convicção no julgamento dos factos, permitida nos termos do art.o 114.o do CPP. É claro que a M.ma Juíza utilizou, em dados passos na sua fundamentação probatória da decisão da matéria de facto, a expressão “falta de apresentação de contraprova” pelo arguido, mas ela o fez depois de se referir a um conjunto de elementos de prova da acusação por si considerados e valorados como suficiente e razoavelmente comprovativos, de modo objectivo (por estarem sobretudo em sintonia com as regras da experiência e a lógica de actos), dos factos por ela finalmente julgados como provados, inclusivamente no tocante ao 1.o facto provado segundo o qual “Antes das 07:33 horas do dia 26 de Agosto de 2015, o arguido, em lugar não apurado, consumiu coisa com componente de álcool”. Daí que não se pode imputar à M.ma Juíza a violação do princípio da presunção da inocência ou do princípio de in dubio pro reo.
Quanto à medida concreta da pena de prisão, após ponderando tudo (com consideração de todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida) à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do Código Penal (CP), realiza o presente Tribunal de recurso que a pena de cinco meses de prisão possa ser reduzida para três meses, nova pena de prisão essa que não pode ser substituída por igual tempo de multa, a fim de prevenir o cometimento de novo crime pelo arguido no futuro (art.o 44.o, n.o 1, do CP), isto porque antes da prática do crime desta vez, o arguido chegou a praticar, em 11 de Janeiro de 2015, acto de condução bêbada com relevância penal.
Por fim, no tangente à suspensão da execução da pena de prisão, considerando sobretudo a conduta anterior do arguido (que em um pouco mais de sete meses anteriores à data dos factos em causa no presente processo penal, já teve uma conduta de condução bêbada com relevância penal), afigura-se que a mera censura dos factos e a ameaça da pena de prisão não consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que não é de suspender a execução da pena de prisão em sede do art.o 48.o do CP.
Em suma, procede parcialmente o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando, por conseguinte, a condenar o arguido em três meses de prisão efectiva, com manutenção de todo o restante decidido na sentença recorrida.
Pagará o arguido dois terços das custas do seu recurso, e duas UC de taxa de justiça correspondentes ao decaimento parcial do recurso.
Macau, 12 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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