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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 03/07/2018 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------

Processo nº 399/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. a) e b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. B ou B1 (B), arguida com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo, a final, a ser condenada como autora material da prática de 1 crime de “gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art. 191°, n.° 2, al. a) e b) do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, e no pagamento da indemnização de MOP$3.000,00 à ofendida dos autos; (cfr., fls. 222 a 227-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, veio a arguida recorrer.

Em síntese, é de opinião que a decisão recorrida padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e “errada aplicação de direito”, alegando desconhecer que a sua conduta constituía crime em Macau, e considerando ainda haver violação do art. 74° do C.P.P.M., pedindo a sua absolvição; (cfr., fls. 236 a 265).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 274 a 279-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.237 a 265 dos autos, a recorrente assacou, à sentença em crise, sucessivamente a errada eleição de factos conclusivos em factos provados, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o não preenchimento dos elementos constitutivos, a contradição insanável da fundamentação, o erro notório na apreciação de prova, a não observância do princípio do contraditório, a errada desatenção do erro sobre a ilicitude, e a violação dos pressupostos prescritos no art.74° do CPP.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.274 a 279v.).
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No douta sentença em questão, o MM° Juiz a quo deu como 6° e 7° factos provados que “嫌犯B在違反被害人意思,且在非屬法律容許的情況下,以手提電話對被害人作出拍攝和錄影,並將不法拍攝的錄影片段傳送給被害人及他人。” e “嫌犯B清楚知道其行為違法,會受法律制裁。”
A recorrente arrogou que tais expressões são conclusivas, portanto deviam ser consideradas como não escritas, argumentando que “沒有任何具體事實描繪上訴人如何違反被害人的意思﹑本案屬何種非屬法律容許的情況﹑有何事實印證上訴人清楚知道其行為違法”.
Antes de mais, importa ter presente a brilhante doutrina que ensina que a área de factos cobre não só os eventos reais (incluindo tanto os acontecimentos do mundo exterior como os eventos de foro interno), mas também abrange as ocorrências virtuais (ao factos hipotéticos) que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto. (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora: Manual de Processos Civil, 2ª edição, Coimbra 1985, pp.408)
No caso sub judice, repare-se que a expressão “嫌犯B在違反被害人意思,且在非屬法律容許的情況下” não delineia a conduta da recorrente que é a arguida, mas descreve o correspondente contexto, e na qual não há adjectivo nem adverbio de conteúdo elástico ou impreciso.
Nesta linha de ponderação, e com todo o respeito pela opinião diferente, entendemos que não são conclusivas as expressões respeitantes ao 6° facto provado. Pois, pode ser objecto de prova a questão de saber se a conduta (da recorrente) de fotografar a ofendida contrariar estiver contra a vontade desta? E de outro lado, é susceptível do objectivo apuramento a situação de a dita conduta da recorrente ficar fora dos casos permitidos pela lei, ainda que esta situação não seja admitida prova testemunhal.
Tudo isto leva-nos a entender que não se verifica in casu a invocada “errada eleição de factos conclusivos em factos provados”, e não podem ser consideradas como não escritas as expressões quanto aos 6° e 7° factos provados, embora as quais sejam abstractas e sintéticas.
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Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.°12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.°9/2015)
No vertente caso, a Motivação patenteia concludentemente que o raciocínio da própria recorrente consiste em a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada depender imprescindivelmente da procedência da “errada eleição de factos conclusivos em factos provados”, esta é a única fonte da invocada insuficiência.
Sendo assim, podemos concluir que o decaimento da invocada “errada eleição de factos conclusivos em factos provados”, só por si, conduz inevitavelmente a não provimento da assacada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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Quanto à presunção de “contra a vontade” da ofendida, temos por acertado o ponto de vista do ilustre colega que apontou “基於賭場貴賓廳監控及保安的需要,被害人同意為著此等目的而被拍攝,確實屬於合理推測。但這並不必然等於被害人同意任何人為著其他原因而對其進行拍攝,因此,上訴人指稱被害人推定同意上訴人行為的說法,是牽強的,而且遠遠超出了《刑法典》第38條第2款合理推測的界線。”
Nesta linha, e tendo em conta a expressa queixa da ofendida contra a recorrente, entendemos que a conduta da recorrente foi contra a vontade presumida da recorrente, por isso, não tem cabimento a arguição do não preenchimento dos elementos constitutivos.
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que a recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada a recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
Assevera reiteradamente o Venerando TUI (vide. a título exemplificativo, o aresto nos Processo n.°52/2010): A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A existência de um dos vícios mencionados no n.°2 do artigo 400.° do Código de Processo Penal só conduz ao reenvio do processo para novo julgamento se o mesmo for relevante em termos de não ser possível decidir a causa.
Na sentença em escrutínio, o MM° Juiz a quo procedeu à seguinte fundamentação: “本法庭根據上述聲明、證言及綜合分析載於卷宗內的其他書證形成心證而對事實作出認定。本法庭認為,嫌犯基本上承認控訴書所載的客觀事實,僅於檢察院表示其不知悉在澳門以手機拍攝別人為不法行為,雖然嫌犯作出如此解釋,但考慮到香港與澳門只為一水之隔,且近年香港亦常將澳門的事件作為新聞題材發佈,簡單地在谷歌或雅虎輸入「不法拍攝」已有多編涉及澳門的報導,當中,香港明報亦曾於2015年於香港報導一名澳門女子涉及不法攝影而被判刑,換言之,香港傳媒早就於香港散佈澳門存在不法攝影的有關刑事犯罪。此外,嫌犯作為高教育水平的人士,應理解此等行為是涉及侵犯他人隱私,即使在香港不涉及刑事行為,亦有可能涉及民事,會被追討賠償,而且正如上述,嫌犯聲稱不知道有關行為為不法行為是可歸責於嫌犯的,因平常人也可透過正常途徑知悉有關行為在澳門為刑事不法行為。”
No nosso prisma, a fundamentação do MM° Juiz a quo acima aludida está em perfeita coerência com o facto provado de “嫌犯B清楚知道其行為違法,會受法律制裁” e, da outra banda, em plena conformidade com as regras de experiência comum, sem ofender as regras sobre o valor da prova vinculada nem as legis artis.
Nestes termos, e ressalvado o respeito pela opinião diferente, não podemos deixar de concluir que não se divisa a contradição insanável da fundamentação, o erro notório na apreciação de prova, a não observância do princípio do contraditório ou a errada desatenção do erro (da recorrente) sobre a ilicitude, cabendo-lhe ter consciência da ilicitude da sua conduta.
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Relativamente à arguição da violação dos pressupostos prescritos no art.74° do CPP, basta-nos acompanhar a observação do ilustre colega que mencionou “但事實上,被害人在庭審中,雖然曾經猶豫是否另案追討民事賠償,但最後卻清楚表示其願意於本案追討賠償,金額交由法院定斷。”
O que torna inquestionável que se verifica in casu os pressupostos de que depende o arbitramento oficioso da reparação consagrados no n.°1 do art.74° do CPP.
(…)”; (cfr., fls. 290 a 293).

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Em sede de exame preliminar, e no que toca à “decisão crime” constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, apresentando-se também que verificado não está o condicionalismo do art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M. quanto à “decisão civil”, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. a) e b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 223 a 223-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora material da prática de 1 crime de “gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art. 191°, n.° 2, al. a) e b) do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, e no pagamento da indemnização de MOP$3.000,00 à ofendida dos autos.

Entende que a decisão recorrida padece dos vícios de:
- “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”;
- “contradição insanável da fundamentação”;
- “erro notório na apreciação da prova”;
- “errada aplicação de direito”; e,
- violação o art. 74° do C.P.P.M..

Porém, e como já se deixou adiantado e bem o demonstra o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer que aqui se dá como reproduzido, evidente se apresenta que nenhuma razão tem a arguida ora recorrente.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

–– Vejamos, começando pelos vícios relativos à “decisão de matéria de facto”.

Pois bem, tem este T.S.I. entendido que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.10.2017, Proc. n.° 814/2017, de 14.12.2017, Proc. n.° 1081/2017 e de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

No caso, é manifesto que não se incorreu no apontado vício.

O Tribunal investigou e emitiu pronúncia sobre “toda a matéria do processo”, elencando a que se provou e identificando a que não se provou e que, no caso, não houve.

Aliás, a recorrente alega que há “insuficiência” em consequência de, em sua opinião, ter-se inserido factos conclusivos na decisão da matéria de facto.

Porém, incorre em equívoco.

As “expressões” em questão, (e que podem ser traduzidas por “falta de consentimento” ou “contra a vontade”), não se apresentam “conclusivas”, nomeadamente, atento o “circunstancialismo” em que surgem, e, especialmente, atento o crime pelo qual esta a arguida acusada e acabou condenada; (como mais adiante se verá).

Avancemos.

–– Quanto ao vício de “contradição insanável da fundamentação”, tem-se definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.01.2018, Proc. n.° 1146/2017, de 04.04.2018, Proc. n.° 127/2018 e de 19.04.2018, Proc. n.° 66/2018).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

Ora, a decisão recorrida apresenta-se-nos (totalmente) clara e lógica, mais não se mostrando de dizer para se dar por inexistente a alegada contradição.

–– Por sua vez, o “erro notório na apreciação da prova” apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017, de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017 e de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018).

Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017, de 07.12.2017, Proc. n.° 877/2017 e de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E, no caso, não se vislumbra “onde”, “como” ou “em que termos” incorreu o Tribunal a quo no assacado “erro”, já que de uma mera leitura à decisão se constata que não se desrespeitou nenhuma regra sobre o valor das provas tarifadas, regra de experiencia e legis artis.

Dito isto, e evidente sendo a falta de razão da ora recorrente, continuemos.

–– Do “erro na aplicação do direito”.

Também aqui censura não merece a decisão recorrida.

A mesma fez correcta aplicação do direito, já que presentes estão todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime de “fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art. 191° do C.P.M., pelo qual foi a recorrente condenada.

Vejamos.

Em sintonia com o estatuído no art. 80° do C.C.M. – quanto ao “direito à imagem e à palavra” – nos termos do art. 191° do C.P.M.:

“1. Quem, sem consentimento,
a) gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas, ou
b) utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
2. Na mesma pena incorre quem, contra a vontade e fora dos casos permitidos pela lei:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos”.

E como já teve este T.S.I. oportunidade de decidir:

“Para que o crime de “gravações e fotografias ilícitas” opere adequadamente, não se exige que a oposição de vontade seja expressa, pois para a conduta ser típica bastará que contrarie a vontade presumida do portador concreto do direito à imagem”; (cfr., o Ac. de 23.11.2017, Proc. n.° 913/2017).

É que à semelhança de outros “bens jurídicos” correspondentes a liberdades fundamentais e de estrutura axiologia-normativa idêntica, também o “direito à imagem” se analisa numa “dimensão positiva” e numa “dimensão negativa”, assim cabendo a total liberdade e legitimidade do seu titular para, sem restrições, tanto autorizar como recusar o registo e o uso da sua própria imagem, assistindo-lhe, na expressão plena desse direito, o poder de decidir quem pode, não apenas registar, mas também utilizar ou divulgar a sua imagem; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 21.11.2016).

Daí que tendo a ora recorrente captado a “imagem da ofendida” enquanto esta dormia (ou descansava), e tendo posteriormente enviado a terceiros a dita imagem, tendo agido livre e voluntariamente, (e movida até por um sentimento de desgosto em relação à dita ofendida), vista está a solução que se deixou adiantada, pois que não só “fotografou” como, “utilizou” a imagem da ofendida; (sobre o tema, cfr., v.g., Patrícia M. Gomes Freitas in “O crime de gravações e fotografias ilícitas”, U.L.P., 2017, e Vanessa Vicente Bexiga in, “O direito à imagem e o direito à palavra no âmbito do processo penal”, U.C.P.).

Diz, também a recorrente que “não sabia que a sua conduta constituía crime”.

Porém, apresenta-se igualmente evidente a improcedência deste argumento, já que não basta alegar tal “desconhecimento”.

Com efeito, nos termos do art. 16° do C.P.M.:

“1. Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
2. Se o erro lhe for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada”.

E, hoje em dia, (em plena “era do facebook” e em) que tanto se fala – nomeadamente, na comunicação social – do “direito à imagem” e de “dados pessoais”, assim como da sua protecção em relação aos perigos dos avanços da informática, (note-se também que no âmbito da “Lei da Protecção de Dados Pessoais” – Lei n.° 8/2005 – se protege a “imagem” como “dado pessoal”, cfr., art. 4°, n.° 1), inviável é considerar que, no caso, houve o alegado “desconhecimento”. Aliás, o mesmo sempre teria que estar “provado”, o que, como se viu, não sucede.

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Por fim, no que toca à alegada “violação do art. 74° do C.P.P.M.”, a questão relaciona-se com a “decisão” (civil) de condenação da ora recorrente no pagamento de MOP$3.000,00 à ofendida a título de “indemnização” pelos danos que sofreu com o crime por aquele cometido.

Atento o art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M. e o montante em questão, visto está que, nesta parte, o recurso não pode prosseguir.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso no que toca à “decisão crime”, não se admitindo o mesmo em relação ao “segmento em que se condenou a recorrente no pagamento da indemnização de MOP$3.000,00”.

Pagará a arguida a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 03 de Julho de 2018

José Maria Dias Azedo
Proc. 399/2018 Pág. 24

Proc. 399/2018 Pág. 1