Processo n.º 621/2017 Data do acórdão: 2018-7-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– condução em estado de embriaguez
– confissão integral e sem reservas
– flagrante delito
– substituição da pena de prisão por multa
– art.o 44.o do Código Penal
– recusa espontânea do teste de alcoolemia
– art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M
S U M Á R I O
1. A confissão integral e sem reservas dos factos na audiência de julgamento, no caso de o crime de condução em estado de embriaguez do arguido confitente ter sido descoberto pela polícia como cometido em flagrante delito, não tem a virtude de accionar o mecanismo de substituição da prisão pela multa previsto no art.o 44.o do Código Penal.
2. Se o arguido nem colaborou espontaneamente com a polícia na feitura do teste de alcoolemia por sopro, pois chegou ele a recusar a feitura desse teste, e só depois de advertido da cominação do crime de desobediência é que se disponibilizou a fazer o teste, essa postura de recusa espontânea inicial do teste de alcoolemia não lhe é favorável em sede do art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 621/2017
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 78v a 80v do subjacente Processo Sumário n.o CR1-17-0048-PSM do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material, na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), em quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, com inibição de condução por um ano.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado (no seu essencial) e peticionado o seguinte na sua motivação de fls. 86 a 91 dos presentes autos correspondentes:
– a sua pena de prisão deve ser substituída por igual tempo de multa à luz da regra do art.o 44.o, n.o 1, do Código Penal (CP), porquanto ele confessou os factos (que não comportaram consequências graves), está plenamente inserido na sociedade e é delinquente primário, não sendo assim necessária a execução da prisão para prevenir o cometimento de futuros crimes (aliás, se o fosse, o Tribunal recorrido não teria determinado a suspensão da execução da pena);
– a não transcrição da condenação para os certificados de registo criminal dele deve ter efeitos imediatos nos termos do art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M, pois é possível inferir que não existe perigo de prática de novos crimes e também não foi aplicada ao arguido qualquer interdição;
– a interdição a que se refere o art.o 27.o, n.o 2, desse Decreto-Lei corresponde à medida de segurança prevista no CP, não podendo incluir também a pena de inibição de condução, sob pena de violação da proibição de recurso à analogia em Direito Penal (cfr. o art.o 1.o, n.o 3, do CP);
– ao decidir como decidiu, determinando a não transcrição da condenação para o certificado de registo criminal do arguido apenas quando findo o período de inibição de condução, o Tribunal recorrido aplicou erradamente o art.o 21.o, alínea e), do dito Decreto-Lei, e violou o art.o 27.o, n.os 1 e 2, do mesmo diploma;
– deve ser determinada, pois, a imediata não transcrição da condenação para os certificados de registo criminal do próprio arguido.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 104 a 108 no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, pugnou a Digna Procuradora-Adjunta em sede de vista dos autos feita a fls. 116 a 117 pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida encontrou-se proferida a fls. 78v a 80v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Segundo a factualidade descrita como provada na sentença recorrida (factualidade essa que foi confessada de modo integral e sem reservas pelo arguido na audiência de julgamento então feita):
– no dia 19 de Abril de 2017, cerca das 04:00 horas da madrugada, o arguido tomou bebida alcoólica em casa, e por volta das 12:30 horas, conduziu um veículo automóvel ligeiro na Avenida do Oceano, veículo esse que ao chegar perto do poste de iliminação n.o 769C05, embateu em grades de ferro, por o arguido não ter conseguido vencer o efeito de álcool;
– cerca das 12:47 horas desse dia, um guarda policial descobriu tal veículo automóvel e 22 grades de ferro já danificadas;
– aquele guarda policial descobriu que o arguido tinha no corpo forte ar de álcool, pelo que suspeitou que o arguido tenha tomado antes bebida alcoólica, e exigiu, assim, do arguido a feitura do teste de alcoolemia por método de sopro, ao qual recusou o arguido;
– o guarda foi então fazer a advertência do arguido de que a não feitura desse teste implicaria o cometimento do crime de desobediência;
– só até 13:25 horas desse dia, é que o arguido se disponibilizou a fazer o teste de alcoolemia, do qual resultou a taxa (após corrigida do erro de tolerância no exame) de 1,84 gramas por litro de sangue;
– o arguido declarou ser administrador executivo de companhia de construção civil com rendimento mensal de HKD250.000,00, e com a mulher e sete filhos e filhas a seu cargo (um desses já adulto);
– o arguido tem curso superior na área de construção;
– o arguido é delinquente primário.
3. Sobre o pedido, formulado pelo arguido na audiência de julgamento, de não trascrição da condenação para os certificados de registo criminal, afirmou a M.ma Juíza ora recorrida no último parágrafo da fundamentação jurídica da sentença (ora concretamente a fl. 80, em chinês) que: como o arguido é delinquente primário e a pena aplicada não é pena de prisão superior a seis meses, o registo criminal da presente causa, nos termos da alínea e) do art.o 21.o do Decreto-Lei n.o 27/96/M, automaticamente não será objecto de transcrição após decorrido que seja um ano de inibição de condução.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O arguido veio pedir primeiro a substituição da sua pena de prisão por multa.
Embora a pena de prisão aplicada na sentença seja inferior a seis meses, no caso dele, entende o presente Tribunal ad quem que se verifica a excepção ressalvada na parte final do n.o 1 do art.o 44.o do CP: atentas as prementes necessidades da prevenção geral do crime de condução em estado de embriaguez, sobretudo quando praticado nas altas horas da madrugada, ainda por cima com danificação de coisas alheias, não se pode substituir a pena de prisão do arguido por pena de multa.
É certo que o Tribunal recorrido tenha formado um juízo de prognose favorável ao arguido para efeitos da suspensão da execução da pena de prisão, mas esse juízo de prognose só foi formado a propósito da decisão ou não da suspensão da execução da pena de prisão, daí que não pode o arguido buscar esse juízo judicial de prognose para defender que a sua almejada substituição da pena de prisão por pena de multa não comprometa “a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”.
De facto, mesmo que tenha havido tal juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão, tal juízo foi formado com base na convicção do Tribunal recorrido de que nomeadamente a ameaça da execução da pena possa, inclusivamente, prevenir suficientemente a ocorrência do crime de condução em estado de embriaguez no futuro.
Ou seja, sem a legal “ameaça da execução da pena de prisão”, não terá formado tal juízo de prognose favorável ao arguido em sede do n.o 1 do art.o 48.o do CP, de maneira que não se pode invocar a existência já de tal juízo de prognose favorável para sustentar a substituição da pena de prisão pela pena de multa à luz do n.o 1 do art.o 44.o do CP.
É de frisar que a confissão integral e sem reservas dos factos na audiência de julgamento, no caso de o crime do arguido confitente ter sido descoberto pela Polícia como cometido em flagrante delito, não tem a virtude de accionar o mecanismo de substituição da prisão pela multa.
Outrossim, rogou também o arguido o deferimento do seu pedido de não transcrição (com efeitos pretendidamente imediatos) da condenação para os certificados de registo criminal dele, nos termos do art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M, de 3 de Junho.
Nota-se, desde já, que atento o conteúdo do último parágrafo da fundamentação jurídica da sentença recorrida, é de considerar que a M.ma Juíza recorrida acabou por indeferir simplesmente essa pretensão do arguido (e não deferir essa pretensão sob condição de a não transcrição só se fazer após decorrido o prazo da pena de inibição de condução do arguido requerente). E a M.ma Juíza indeferiu-a com invocado fundamento na norma do art.o 21.o, alínea e), do Decreto-Lei n.o 27/96/M.
Pois bem, por decorrência do disposto na parte inicial da alínea e) do art.o 21.o do Decreto-Lei n.o 27/96/M (diploma este que chegou a ser alterado em alguns dos seus preceitos pelo art.o 1.o do Decreto-Lei n.o 87/99/M, de 22 de Novembro), “as condenações, relativas a delinquentes primários, em pena não superior a 6 meses de prisão ou em pena não privativa da liberdade” não podem constar dos certificados de registo criminal requeridos ou requisitados para fins não previstos no art.o 20.o do próprio Decreto-Lei n.o 27/96/M.
Por outra banda, “Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.o” (cfr. o n.o 1 do art.o 27.o do Decreto-Lei n.o 27/96/M). No caso, é esta não transcrição da sentença que pretende o recorrente.
Na situação do recorrente, opina o presente Tribunal de recurso que, mesmo que com abstracção da consideração do sentido e alcance da norma do n.o 2 do art.o 27.o do Decreto-Lei n.o 27/96/M, não se mostra verificado o critério material exigido no n.o 1 desse art.o 27.o para efeitos de se decidir pela não transcrição da condenação penal nos certificados de registo criminal dele, a serem eventualmente emitidos para fins não previstos no art.o 20.o, uma vez que diversamente do defendido na sua motivação do recurso, ele não colaborou espontaneamente com a Polícia na feitura do teste de alcoolemia por sopro, pois chegou ele a recusar a feitura desse teste, e só depois de advertido da cominação do crime de desobediência é que se disponibilizou a fazer o teste, postura de recusa espontânea inicial de feitura do teste de alcoolemia essa que não lhe é favorável em sede do art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M.
Assim sendo, sem mais abordagem por desnecessária ou prejudicada, é de confirmar também a decisão recorrida de indeferimento da não transcrição da sentença recorrida para o registo criminal do arguido, pretendida por este ao abrigo do art.o 27.o, n.o 1, do Decreto-Lei n.o 27/96/M.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 19 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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