Processo n.º 411/2016 Data do acórdão: 2018-7-19 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– declaração de perdimento de apreendidos
– art.o 101.o, n.o 1, do Código Penal
– apostas de jogo ilícitas no casino
– numerário e fichas de jogo apreendidos
– factos
– indícios
S U M Á R I O
Para se poder declarar, nos termos do art.o 101.o, n.o 1, do Código Penal, o perdimento do numerário e das fichas de jogo apreendidos, há que existir, pelo menos, factos já dados por provados alusivos à prática de apostas de jogo ilícitas no casino em questão entre o arguido e outrem, pelo que a mera existência de indícios da prática desse tipo de apostas ilícitas prejudica a aplicação da dita norma do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 411/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 174 a 178 do subjacente Processo Comum Singular n.o CR3-15-0612-PCS do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou absolvido o arguido A do acusado cometimento, em autoria material, de um crime consumado de prática ilícita de jogo em local autorizado, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M (por judicialmente entendida falta de prova suficiente para provar o delito acusado em causa), mas ficaram declarados perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau, nos citados termos do art.o 101.o, n.os 1 e 2, do Código Penal (CP), todo o numerário e fichas de jogo então entregues voluntariamente pelo arguido para efeito de apreensão, no valor total de HKD3.458.000,00.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a invalidação daquela decisão de declaração de perdimento, imputando, para o efeito, e, no essencial, à mesma decisão recorrida, os vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação (cfr. em mais detalhes, a motivação de fls. 200 a 213 dos presentes autos correspondentes)
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido a fls. 215 a 216v, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 227 a 228, no sentido de provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida se encontra proferida a fls. 174 a 178, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Da fundamentação fáctica e probatória dessa sentença, sabe-se que o arguido ficou absolvido do acusado cometimento em autoria material de um crime consumado de prática ilícita de jogo em local autorizado, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M, por o Tribunal recorrido ter entendido que como o arguido e o outro indivíduo com quem alegadamente o arguido tivesse praticado apostas de jogo ilegais não estiveram presentes na audiência de julgamento, não havia assim prova suficiente para provar a prática de apostas de jogo ilegais entre esses dois indivíduos.
3. Do texto da mesma sentença, consta que o Tribunal recorrido afirmou aí que conforme o decurso da participação criminal então feita pelo arguido, havia indícios de que as fichas de jogo e o numerário entregues voluntariamente à apreensão referida na fl. 18 dos autos tinham sido instrumento da prática de crime de apostas de jogo ilegais, pelo que se fossem restituídos ao arguido, os objectos apreendidos seriam muito provavelmente utilizados outra vez em apostas de jogo ilegais, daí que teria que declarar os mesmos perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do art.o 101.o, n.os 1 e 2, do CP.
4. Da fundamentação fáctica da sentença recorrida, só constam provados os seguintes factos: sobre o pedido de auxílio feito pelo arguido a agente de segurança de um casino, sobre a transferência do caso ao pessoal investigador da Polícia Judiciária destacado nesse casino para efeitos de tratamento, sobre a descoberta de um telemóvel na revista feita ao arguido pelo pessoal da Polícia Judiciária, sobre a entrega voluntária, pelo arguido, para fins de apreensão, do numerário e das fichas de jogo por ele depositado, no valor total de HKD3.458.000,00, numa conta de uma sala VIP do casino em causa; e sobre o registo criminal negativo e condições pessoais, educacionais, familiares e económicas do arguido.
5. Do auto de inquirição lavrado pela Polícia Judiciária e ora junto a fls. 3 a 3v, com assinatura do então inquirido A, consta que este disse que praticou apostas de jogo paralelas com aquele outro indivíduo, nas quais o próprio inquirido acabou por ganhar HKD3.458.000,00, através do capital de HKD5.000.000,00 em fichas de jogo inicialmente concedido a ele por aquele indivíduo.
6. Perante esse conteúdo das declarações do inquirido, o mesmo foi logo constituído arguido (cfr. fls. 4 a 5).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Da fundamentação da sentença ora recorrida, sabe-se que o Tribunal recorrido considerou não estar provada, por falta de prova suficiente, a prática de apostas de jogo ilegais entre o arguido e o outro indivíduo em causa, daí que não deu por provado qualquer facto inicialmente acusado, relativamente à prática de apostas de jogo entre o arguido e esse outro indivíduo.
Segundo o art.o 101.o, n.o 1, do CP, são declarados perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a seguranca das pessoas ou a moral ou ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
E o n.o 2 desse artigo determina que o disposto no seu n.o 1 tem lugar ainda que nenhuma pessoa possa ser punida pelo facto.
Assim, por causa da norma desse n.o 2 do art.o 101.o do CP, não pode haver qualquer contradição insanável da fundamentação na decisão recorrida de declaração de perdimento dos objectos apreendidos. É que ainda que nenhuma pessoa tivesse sido condenada por prática de apostas de jogo paralelas em causa, não deixaria de ser legalmente possível a declaração de perdimento de objectos apreendidos nos termos do n.o 1 do mesmo art.o 101.o.
Outrossim, imputou o arguido ao Tribunal recorrido o cometimento de erro notório na apreciação da prova.
Contudo, para o presente Tribunal de recurso, após vistos os elementos constantes dos autos, não se vislumbra como patente que o Tribunal recorrido tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou quaisquer leges artis, ao considerar que “conforme o decurso da participação criminal então feita pelo arguido, havia indícios de que as fichas de jogo e o numerário entregues voluntariamente à apreensão referida na fl. 18 dos autos tinham sido instrumento da prática de crime de apostas de jogo ilegais”.
Entretanto, a mera existência de indícios não basta para preencher os requisitos da declaração de perdimento de objectos de que se fala no n.o 1 do art.o 101.o do CP. É que como frisou a Digna Procuradora-Adjunta no seu parecer emitido, como da fundamentação fáctica da sentença não resulta descrito como provado qualquer facto alusivo à prática de apostas de jogo paralelas no casino em questão entre o arguido e o outro indivíduo em causa, já fica prejudicada a aplicação do n.o 1 do art.o 101.o do CP.
Assim sendo, é de revogar a decisão recorrida de declaração de perdimento do numerário e das fichas de jogo apreendidos e referidos na fl. 18 dos autos, com consequente restituição dos mesmos ao recorrente.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, revogando a decisão recorrida de declaração de perdimento do numerário e das fichas de jogo apreendidos e referidos na fl. 18 dos autos, e determinando a restituição dos mesmos ao arguido recorrente.
Pagará o recorrente 2/3 das custas do recurso e quatro UC de taxa de justiça por causa do decaimento parcial no recurso.
Macau, 19 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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