Processo nº 605/2018 Data: 26.07.2018
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Recurso.
Reenvio.
Novo julgamento (Âmbito).
Caso julgado.
Nulidade.
SUMÁRIO
Em sede de novo julgamento efectuado na sequência de reenvio e em que se delimitou o âmbito deste, não pode o Tribunal a quo exceder-se na sua decisão, (re)apreciando matéria confirmada com o acórdão que decreta o reenvio, incorrendo em nulidade por violação de caso julgado (formal) se o fizer.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 605/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. de 17.05.2018, decidiu-se absolver A, (1°) arguido com os sinais dos autos, da imputada prática de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, condenando-se o mesmo arguido como co-autor material de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, fixando-se-lhe a pena de 8 anos de prisão; (cfr., fls. 625 a 633-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para, nas suas longas e extensas conclusões, afirmar o que segue:
“I. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido nos vertentes autos, que condenou o Arguido pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, nº 1 da Lei nº 17/2009, na pena de 8 anos de prisão e o absolveu da prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14.º da Lei nº 17/2009.
II. Salvo o devido respeito, não pode o Recorrente conformar-se com a decisão recorrida por entender que a mesma incorre nos vícios de erro de direito, previsto no n.º 1 do 400.º do CPP, contradição insanável da fundamentação, previsto na alínea b) do n.º 2 do 400.º do CPP, e erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do 400.º do CPP, bem como da violação do princípio do in dúbio pro reo.
III. No que diz respeito ao vício de erro de direito, no âmbito dos presentes autos foi o Recorrente, em sede de primeiro julgamento, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei nº 17/2009, na pena de na pena de 7 anos e 11 meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14.º da Lei n.º 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, num cúmulo de 8 anos de prisão.
IV. Inconformado com a decisão, o Arguido interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância invocando que a decisão padecia dos vícios de falta de fundamentação, previsto no artigo 360.°, n.° 1, alínea a), ex vi do artigo 355.°, n.° 2, ambos do CPP, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.° 2 do artigo 400.° do CPP, e do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.° 2 do artigo 400.° do CPP.
V. Na decisão proferida pelo TSI no âmbito desse primeiro recurso interposto ficou a constar o seguinte: “(…) Para se confirmar a contribuição do Recorrente no acto de tráfico de droga em quantidade geral ou acto de tráfico de droga em pequena quantidade, em primeiro lugar, deve-se analisar a quantidade da droga apreendida no n.º TOX-P1226 e depois aplicar a lei de acordo com o resultado da análise (…) portanto, com base na resposta do Departamento de Ciências Forense na Polícia Judiciária, como possui actualmente a condição técnica objectiva para analisar a quantidade de droga, tem de reenviar o processo para o Tribunal Judicial de Base, além disso, ao abrigo da disposição do artigo 418º do Código de Processo Penal, o tribunal colectivo julga novamente o crime do 1º Arguido, especialmente, depois de analisar novamente o quantitativo da droga apreendida.”
VI. De acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 418.° CPP, é determinado o reenvio para novo julgamento sempre que existirem os vícios indicados nas alíneas do n.° 2 do artigo 400.° CPP e o Tribunal não conseguir decidir da causa, sendo que o reenvio para novo julgamento pode ser relativamente à totalidade do objecto do processo ou às questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
VII. Interpretada a decisão proferida pelo TSI, claro parece estar que o reenvio ordenado nos presentes autos se destinava a cumprir, por um lado, a realização de exame pericial ao produto estupefaciente apreendido na posse do 1.° Arguido e, por outro, a determinação da existência ou não do crime de tráfico de produtos estupefacientes (seja o tráfico previsto no artigo 8.°, seja o tráfico previsto no artigo 11.° da Lei n.° 17/2009).
VIII. Relativamente à determinação da existência ou não do crime de tráfico de produtos estupefacientes, a decisão proferida pelo TSI indicou que: “(…) quando o Tribunal condena o Recorrente pelo facto da droga encontrada na sua posse ser para oferecer a terceiros e para consumo próprio, deve identificar concretamente a quantidade da droga destinada fornecer o outras pessoas e ao consumo próprio (…)”.
IX. Foi realizado novo exame pericial ao produto apreendido, foi realizada nova audiência de discussão e julgamento e foi proferida nova decisão, a qual determina o seguinte: “(…) agora o presente Tribunal julga apenas a parte respeitante ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas de que vem acusado o 1.º Arguido A (…)”.
X. Daqui se retira que o Tribunal a quo entendeu e bem que o novo julgamento a realizar nos termos do n.° 1 do artigo 418.° CPP seria apenas e só respeitante ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes, porém não fui isso que efectivamente aconteceu.
XI. Em vez de procurar apurar a quantidade de droga destinada ao consumo próprio do Recorrente e a quantidade de droga a ceder a terceiros, conforme o comando do Acórdão proferido pelo TSI, entendeu o Tribunal a quo, na ausência de quaisquer elementos probatórios que determinassem quais as quantidades destinadas ao seu próprio consumo e quais as quantidades destinadas à alegada cedência a terceiros, absolver o Recorrente da prática do crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14.° da Lei n° 17/2009 e assim ter como justificada a detenção do produto estupefaciente por parte do Recorrente para efeitos de tráfico, e condenando-o somente pela prática do crime tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8° da Lei n° 17/2009.
XII. Tal decisão incorre em manifesto erro de direito previsto no n.° 2 do artigo 400.° do CPP, uma vez que o objecto do novo julgamento encontrava-se limitado à tipificação dos actos de tráfico alegadamente praticados pelo Recorrente, nomeadamente à identificação concreta das quantidades da droga que este destinava ao fornecimento de terceiros e ao seu consumo próprio.
XIII. Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida foi proferida em manifesta violação da ordem de comando que lhe foi dirigida pela decisão proferida pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, porquanto o que competia ao Tribunal a quo era sanar o vício que determinou o reenvio nos presentes autos por insuficiência da matéria de facto provada, para não falar também da manifesta violação do princípio do in dúbio pro reo.
XIV. Na verdade, impossível seria a prova relativamente às quantidades destinadas à cedência a terceiros porquanto resultou provado que tal cedência nunca existiu, termos em que a conclusão do Tribunal recorrido erra na aplicação do direito quando em vez de absolver o Recorrente do crime de tráfico o absolve do crime de consumo.
XV. Estamos ainda perante um caso de errada aplicação de direito no que diz respeito à análise efectuada pelo Tribunal a quo relativamente à quantidade de produto estupefaciente detida pelo Recorrente, para efeitos de referência de uso diário.
XVI. Na douta decisão recorrida, o Tribunal a quo afirma que: “(…) A seguir, através de exame laboratorial levado a cabo pela Polícia Judiciária, provou-se que o quantitativo do tetraidrocanabinol dos 22 paus apreendidos referidos é de 14.72%, com peso líquido 20,97g (vide fls.606 a fls. 611 dos autos). De acordo com o mapa da quantidade de referência de uso diário da Lei n.º 17/2009, a quantidade de referência do uso diário do tetraidrocanabinol é de 0,05g, ou seja, a quantidade de tetraidrocanabinol existente no produto encontrado na posse do 1º arguido ultrapassa 419,4 vezes a quantidade de referência de uso diário (…)”.
XVII. Ora, resulta do exame toxicológico efectuado pelo Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária ao produto apreendido que o mesmo é constituído por dois componentes, com um peso líquido de 142,445g: canabinol e tetraidrocanabinol.
XVIII. O componente tetraidrocanabinol encontrado na resina de canabis encontra-se descrito no n.° 8 da Tabela II-B anexa à Lei n.° 17/2009, por força do disposto das notas 3-(3) e (4), por sua vez, o composto de canabinol (pertencente à família dos canabinóides sintéticos) encontra-se elencado no n.° 18 da Tabela II-B anexa à Lei n.° 17/2009, tendo sido introduzido pela Lei n.° 4/2014, a qual procedeu a uma alteração à Lei n.° 17/2009.
XIX. Para efeitos da aplicabilidade dos artigos 8.°, n,° 1, 11.° e 14.° da Lei n.° 17/2009 nos quais se prevêem, respectivamente, os crimes de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, crime de tráfico de menor quantidade e crime de consumo, encontra-se em anexo à referida Lei um mapa que estabelece a quantidade de referência de uso diário das plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV apensas à mesma Lei, sendo que a condenação por um dos três crimes acima referidos tem como ponto de partida a determinação da quantidade de referência de uso diária, por 5 dias e superior a 5 dias.
XX. O produto estupefaciente encontrado na posse do Recorrente revelou ser resina de canábis (composta por canabinol e por tetraidrocanabinol – Delta-9-THC), pelo que, de acordo com o disposto no n.° 8 do mapa supra mencionado, a quantidade de referência de uso diário da resina de canábis é 0,5g. As notas que acompanham o n.° 8 da referida tabela – notas 3-(3) e 3-(4) – esclarecem que a quantidade indicada de 0,5g de resina de canábis se refere à dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canábis e a uma concentração média de 10% de Delta-9-THC (Tetraidrocanabinol).
XXI. Assim, realizado o exame toxicológico para determinar a quantidade concreta de Delta-9-THC (Tetraidrocanabinol) existente no produto apreendido, apurou-se que “(…) o quantitativo do tetraidrocanabinol dos 22 paus apreendidos referidos é de 14.72%, com peso líquido 20,97g (…)”,
XXII. Contudo, embora o Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC) se encontre identificado individualmente no mapa de referência de uso diário com a quantidade de 0,05g, certo é que nos presentes autos foi identificado como sendo um dos componentes detectados no produto apreendido qualificado com “canábis (resina)”, referenciado no n.° 8 da tabela de quantidades de referência de uso diário anexa da Lei n.° 17/2009, e não como “Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC)”, componente único e individualizado nos termos em que se encontra referenciado no n.° 15 da tabela de quantidades de referência de uso diário anexa da Lei n.° 17/2009.
XXIII. Deste modo, a análise concreta da percentagem de Tetraidrocanabinol existente no produto apreendido releva apenas para efeitos do enquadramento que é feito nas notas 3-(3) e (4) da tabela de referência de uso diário anexa à Lei n.° 17/2009, uma vez que o produto estupefaciente apreendido continua a ser resina de canábis, tal como está identificada no n.° 8 do mapa de referência de uso diário.
XXIV. Donde que, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo fez um raciocínio errado ao dividir as 20,97g de peso líquido de Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC) pelas 0,05g de quantidade de referência de uso diário relativas ao Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC) como componente individualizado, indicadas no n.° 15 do já referido mapa. Na verdade, o Tribunal a quo deveria ter dividido as 142,4g de peso líquido pelas 0,5g de quantidade de referência de uso diário relativas à resina de canábis, indicadas no n.° 8 do mapa de referência de uso diário, uma vez que o produto em causa se trata de resina de canábis e não exclusivamente de Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC) e seria humanamente impossível consumir-se o Tetraidrocanabinol de forma isolada no produto estupefaciente detido pelo Recorrente.
XXV. Efectuando o raciocínio correcto, o Tribunal a quo nunca chegaria à conclusão que a quantidade de produto estupefaciente detido pelo Recorrente excedia a quantidade de referência de uso diário em 419,4 vezes, nunca podendo também a pena aplicada ser a de 8 anos de prisão.
XXVI. O Recorrente apenas adquiriu a quantidade de resina de canábis que lhe foi apreendida, superior à quantidade normalmente adquirida pelo mesmo para seu consumo pessoal, por ter mais disponibilidade financeira por ter sido o seu aniversário e por ter recebido a compensação patrimonial que o Governo da RAEM entrega todos os anos aos seus residentes e para assim ter que evitar deslocações constantes a Hong Kong.
XXVII. E, salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a decisão recorrida se revela manifestamente presuntiva e violadora dos princípios basilares do processo penal, no qual se exige que as decisões proferidas por quaisquer Tribunais sejam fundamentadas e sustentadas em certezas resultantes da prova, produzida ou não produzida e bem assim ajustadas ao direito que lhe é aplicável.
XXVIII. No entanto, nos presentes autos o “Erro de Direito” é uma constante que injustificada e inexplicavelmente ainda acaba por se estender à imputação da prática do referido crime de tráfico em regime de co-autoria! Mas co-autoria com quem?
XXIX. Com todo o respeito, a decisão ora recorrida revela uma total incoerência e desrazoabilidade entre a aplicação do direito e os factos submetidos a julgamento, o que por não ser admissível em processo penal deverá determinar a revogação da decisão devendo o Arguido ser absolvido do crime de tráfico.
XXX. Sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a decisão recorrida padece ainda de vício de contradição insanável da fundamentação previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 400.° do CPP.
XXXI. Entende-se por contradição o acto de “afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas” (Acórdão do STJ de Portugal, de 08.05.96, Processo n.° 327 /96).
XXXII. Assim, existe uma contradição sempre que, fazendo uma comparação entre os factos provados e os factos não provados, se chega à conclusão que alguns colidem entre si, chegando-se a uma conclusão insanável e que não pode ser ultrapassada.
XXXIII. A douta decisão recorrida, o Tribunal a quo considera provado que “o 1º arguido comprava, transportava, guardava e detinha as drogas acima referidas, com intenção de as proporcionar e ceder a outrem”, o que, por si só, seria susceptível de consubstanciar a prática pelo Recorrente de um crime de tráfico, seja do tráfico p.p. pelo artigo 11.°, seja do tráfico p.p. pelo artigo 8.°, n.° 1, ambos da Lei n.° 17/2009.
XXXIV. Contudo, de seguida o Tribunal a quo considera não provados a maioria dos factos que poderiam relevar para a referida imputação do crime de tráfico, existindo, pois, uma clara contradição entre os factos provados e os não provados que se retira pela simples leitura da decisão recorrida e que tem a virtualidade de constituir vício suficiente para inquinar a mesma.
XXXV. Se o Tribunal a quo considerou provado que o Recorrente transportava, guardava e detinha o produto estupefaciente com a intenção de o proporcionar e ceder a terceiros, então como é que de seguida considerou não provados outros os factos constantes da Acusação que determinavam essa cedência a terceiros?! Era ou não para proporcionar a terceiros o produto transportado pelo Arguido?
XXXVI. Mais concretamente, não compreende o Recorrente como pode o Tribunal a quo simultaneamente dar como provado que o mesmo tinha intenção de proporcionar a terceiros o produto adquirido quando tal cedência alegadamente se devia ao facto de parte das 142,445g do produto apreendido ser para fornecer ao 3.° Arguido e de seguida ter considerado não provados os factos que haviam sido imputados ao 3.° Arguido o que determinou a sua absolvição quer do crime de tráfico de menor quantidade, p.p. pelo artigo 11.°, quer do crime de consumo p.p. pelo artigo 14.°, ambos da Lei n.° 17/2009?!
XXXVII. Não se dando como provado quaisquer actos de cedência por parte do Recorrente, a terceiros, designadamente que parte desse produto seria para fornecer ao 3.° Arguido, outra não poderia ser a decisão do douto Tribunal recorrido senão a que de a totalidade do produto apreendido se destinava ao próprio consumo do 1° Arguido!
XXXVIII. Mais ainda, não existem nos autos outros factos, muito menos factos suficientes, para que o Tribunal a quo pudesse ter concluído pela existência de qualquer acto de tráfico por parte do Recorrente, designadamente, não resulta dos autos qualquer meio de prova de onde se pudesse retirar que o Recorrente proporcionava e cedia droga a terceiros, nem tão pouco que quantidades seriam essas.
XXXIX. Também não resultou da audiência de discussão e julgamento quaisquer elementos que suportem a decisão de condenação do Recorrente pela prática do crime de tráfico p.p pelo artigo 8.°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, nomeadamente o inspector da Polícia Judiciária encarregue da investigação, Ho Tai Meng, no seu testemunho quando directamente questionado quer pelo Tribunal quer pela defesa do Recorrente sobre se ao longo da investigação se verificou algum acto que indiciasse o tráfico por parte do mesmo foi peremptório em afirmar que NÃO.
XL. Salvo o devido respeito, daqui se retira que a convicção formada pelo Tribunal a quo em relação à prática de actos de tráfico por parte do Recorrente não tem qualquer sustentação e ocorreu unicamente porque, e incorrendo em erro de direito, este Tribunal decidiu absolver o Recorrente da prática do crime de consumo ilícito de estupefacientes, não obstante a existência de prova mais do que bastante da verificação do crime de consumo, como sejam os vestígios de produto estupefaciente e papéis de cigarros que foram encontrados na residência do 1.° Arguido, bem como do próprio relatório social junto aos autos.
XLI. Existe também contradição insanável da fundamentação no que diz respeito à alegada existência de dolo por parte do Recorrente, uma vez que o Tribunal a quo considera provado que “(…) O 1º arguido agiu livre, voluntária e dolosamente; O 1º arguido sabia bem que os seus actos foram legalmente proibidos e punidos (…)”, todavia, de seguida, o mesmo Tribunal a quo deu como não provado o seguinte facto: “(…) O 1º arguido sabia bem que não se podia, sem autorização legal, adquirir ou deter as referidas drogas para consumo pessoal, ainda assim fizeram-no (…)”.
XLII. Mais uma vez cremos estar perante uma situação clara de contradição insanável da fundamentação: se foi dado como não provado que o Recorrente sabia bem que não podia, sem autorização legal, adquirir o produto estupefaciente, como pode o Tribunal a quo simultaneamente dar como provado que o Recorrente agiu dolosamente, bem sabendo que os seus actos eram legalmente proibidos e punidos?! Afinal o Recorrente sabia ou não sabia que não podia, sem autorização legal, adquirir o produto estupefaciente?
XLIII. Assim, é manifesta a contradição insanável entre os factos provados e não provados constantes na decisão recorrida respeitantes quer à existência de actos de tráfico quer à existência de dolo por parte do Recorrente, termos em que, pelos apontados fundamentos e não tendo assim sido decidido pelo Tribunal a quo, deverá a decisão recorrida ser revogada por se encontrar inquinada pelo vício de contradição insanável da fundamentação previsto no artigo 400°, n.° 2, alínea b) do CPP, devendo o Recorrente ser absolvido do crime de tráfico p.p. pelo artigo 8.°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009.
XLIV. Novamente sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a decisão recorrida se encontra ainda inquinada no vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 400.°, n.° 2, alínea c) do CPP.
XLV. Verifica-se na decisão recorrida a existência de um vício de raciocínio na apreciação da prova decorrente da simples leitura da decisão, para além da clara violação das regras da experiência.
XLVI. A liberdade de apreciação da prova do juiz tem como limites os resultantes da prova tarifada, no caso em apreço a prova decorrida dos factos dados como provados e não provados, bem como do relatório social do Recorrente junto a fls. 282 a 285 dos autos e do testemunho do inspector da Polícia Judiciária Ho Tai Meng.
XLVII. Ora, foi dado como provado na douta decisão recorrida que foi encontrado em casa do Recorrente um prato com remanescentes de uma substância de cor castanha e alguns pacotes de papel de cigarro. Foi realizado o exame pericial e verificou-se que os remanescentes da substância de cor castanha encontradas no referido pratinho são de Tetraidroconabinol abrangido pela tabelo II-B anexa à Lei n.º 17/2009.
XLVIII. E do conhecimento geral que o julgador é obrigado, por determinação legal, a examinar e a valorar as provas segundo critérios pré-determinados, consubstanciados na experiência comum, na lógica e na racionalidade.
XLIX. Por sua vez, as regras da experiência são “(…) argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer (…)”. Ora, dizem-nos as regras da experiência que quando são encontrados em casa de uma pessoa vestígios de resina de canábis juntamente com alguns pacotes de mortalhas, tal facto indicia o consumo de cigarros de canábis por essa mesma pessoa. Resulta ainda da experiência comum que se essa pessoa, para além de consumidora, também se dedica ao tráfico de resina de canábis, teria em sua casa mais do que um simples prato com vestígios de resina de canábis e alguns pacotes de mortalhas, designadamente, essa pessoa teria em sua casa todo um conjunto de utensílios destinados a facilitar a sua actividade de tráfico, tais como uma balança para pesar a quantidade de produto a ceder/vender a terceiros, saquinhos de plástico para guardar o produto depois de pesado, entre outros, o que não se verificou nos presentes autos.
L. Pelo contrário, aquilo que foi encontrado pela Polícia Judiciária em casa do Recorrente em momento algum é susceptível de provar mais do que o simples consumo de cigarros de resina de canábis por parte do Recorrente, resultando ainda do relatório social do Recorrente, junto a fls. 282 a 285 dos autos, que o mesmo É CONSUMIDOR DE CANÁBIS DESDE 2015!
LI. Salvo o devido respeito, o raciocínio efectuado pelo Tribunal a quo ao considerar que “(…) não existem provas que justifiquem o suficiente que o 1º Arguido adquiriu ou manteve o tetraidrocanabinol para consumo próprio (…)” e que, portanto, a quantidade de produto estupefaciente por este detida apenas poderia servir para propósitos de tráfico, representa uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova produzida, que não passa despercebida ao cidadão comum.
LII. De acordo com o Acórdão proferido pelo TUI em 29.09.2000, no Processo n.° 13/2000, segundo o qual “(…) haverá erro notório na apreciação da prova quando um homem médio, posto perante a decisão, de imediato dó conta de que o tribunal decidiu contra o que ficou provado ou não provado, ou contra as regras da experiência ou contra as legis artis (…)”.
LIII. Foram dados como não prosados todos os actos que pudessem indiciar a prática de tráfico por parte do ora Recorrente, do depoimento do inspector Ho Tai Meng resultou mesmo uma negação peremptória quando questionado sobre a existência de um qualquer acto de tráfico praticado pelo Recorrente, pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, ao dar como provado que “(…) o 1º arguido transportava, guardava e detinha as drogas acima referidas com intenção de as proporcionar e ceder o outrem (…)”, incorreu num erro manifesto.
LIV. Daqui se retira o vício de raciocínio existente na apreciação da prova produzida por parte do Tribunal a quo, decorrente da simples leitura da decisão, sem necessidade de qualquer esforço mental, caso contrário, os vestígios de resina de canábis encontrados num prato em casa do Recorrente serviriam para quê senão para o seu próprio consumo?!
LV. Face à inexistência de provas que pudessem indiciar que a detenção da resina de canábis por parte do Recorrente não era para seu consumo próprio, o certo seria admitir que tais produtos se destinavam exclusivamente ao seu consumo porque, de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 8.° da Lei n.° 17/2009, a presunção existente é a de que os produtos se destinam ao próprio consumo do Recorrente e não ao tráfico, contrariamente ao raciocínio efectuado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, o qual, face à inexistência de provas que indiciam a prática por parte do Recorrente do crime de tráfico, entendeu absolvê-lo do crime de consumo, justificando dessa forma, e por exclusão de partes, a detenção do produto estupefaciente para efeitos de tráfico.
LVI. Dadas contradições existentes na decisão recorrida, de acordo com o princípio in dúbio pro reo, a absolvição do Recorrente pela prática do crime de tráfico p.p. pelo artigo 8º da Lei n.º 17/2009, sempre deveria, salvo o devido respeito, ter sido a solução adoptada pelo Tribunal a quo, isto porque, nem os vestígios de Tetraidrocanabinol encontrado na sua residência seriam susceptíveis de determinar uma sentença absolutória relativamente ao crime de consumo, p.p. pelo artigo 14.º da Lei nº 17/2009, nem a inexistência de actos de tráfico poderia determinar a condenação pelo crime de tráfico p.p. pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei nº 17/2009.
LVII. E, nem tão pouco seria uma alegada mensagem encontrada no telemóvel do Recorrente onde se refere um tal “wi” e que consta de fls. 84 dos autos que seria susceptível de sustentar um qualquer envolvimento do Recorrente na prática de actos de tráfico.
LVIII. Pois, para além dessa conclusão não resultar da referida mensagem, não logrou o agente policial explicar de onde retirou a conclusão de que “wii” era um qualquer produto estupefaciente. Quando nos dias que correm, “wii” podia muito bem referir-se à conceituada marca de uma consola de jogos.
LlX. Termos em que, pelos apontados fundamentos e não tendo assim sido decidido pelo Tribunal a quo, deverá a decisão recorrida ser revogada por manifesto erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400º do CPP.
LX. Sem conceder, mais uma vez por mera cautela de patrocínio, caso seja outro o entendimento de V. Exas., sempre se dirá que, salvo o devido respeito, a pena de oito anos de prisão efectiva aplicada ao Recorrente é manifestamente excessiva, sendo que o douto Tribunal a quo, no momento em que aplicou ao Recorrente tal pena, não tomou em consideração os princípios da proporcionalidade e da adequação discriminados nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e artigo 65º do Código Penal, doravante CP.
LXI. Salvo o devido respeito, falha na decisão recorrida a ponderação pelo Tribunal a quo de todas as circunstâncias em que foram praticados os factos imputados ao Recorrente, designadamente as circunstâncias atenuantes que ao caso cabiam, tais como as circunstâncias pessoais do Recorrente, o grau de ilicitude e de dolo do factos alegadamente praticados e a existência de perigo para a ordem e segurança públicas da RAEM.
LXII. De acordo com o princípio da culpa, consagrado no artigo 12.º do CP, não rá pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena, também os artigos 40.º, n.º 2 e 65.º, n.º 1 do CP, em obediência ao princípio da adequação, sustentam que a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, sendo que a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, exigências essas que não consistem apenas na qualificação do crime e na determinação da pena, mas também na salvaguarda dos bens jurídicos da sociedade e do agente, incluindo os interesses públicos, a segurança social e a paz social.
LXIII. Uma pena de prisão de longa duração será desfavorável à reintegração do Recorrente, e por consequente, não poderá realizar a finalidade de punição, violando assim o disposto no n.º 1 e 2 do artigo 40.º do CP, isto é, o objectivo de reinserção do Recorrente e o princípio de que em qualquer das situações a pena não pode ultrapassar o grau de culpa.
LXIV. Acresce que no caso em apreço, e salvo o devido respeito, a medida da pena imposta pelo Tribunal a quo ao Recorrente indica que não foram relevadas todas as circunstâncias atenuantes existentes, as quais depõem a favor do Recorrente e resultam necessariamente numa redução da pena concretamente aplicável pelo Tribunal a quo.
LXV. Concretamente, não foi tido em atenção pelo Tribunal a quo tenra idade de 22 anos do Recorrente à data da prática dos factos, que o mesmo se encontrava a terminar o ensino secundário, sendo sustentado pelos pais, e que a quantidade de droga que lhe foi apreendida deveu-se simplesmente ao facto ser sido o seu aniversário, bem como do mesmo ter recebido o subsídio anual do Governo enquanto residente da RAEM e assim ter disponibilidade financeira para adquirir uma quantidade de produto superior à que normalmente adquiria, evitando deste modo as sucessivas deslocações a Hong Kong.
LXVI. Sabe-se ainda que o produto apreendido na posse do Recorrente é uma “droga leve”, que não tem os efeitos devastadores que têm, por exemplo, cocaína, a heroína, o MDMA, a ketamina, entre outros, sendo que a investigação moderna tem reconhecido e comprovado os benefícios do uso da canábis, seja para o alívio de sintomas associados a doenças, seja para o tratamento das próprias patologias.
LXVII. Há muito tempo que os estudos científicos comprovam a eficácia da canábis para situações de tratamento da dor, diminuição de náuseas e vómitos associados à quimioterapia e estimulação do apetite no tratamento de doenças oncológicas. Também no caso das doenças de Alzheimer e de Parkinson, nos casos de esclerose lateral amiotrófica, de glaucoma, de diabetes, de distúrbios alimentares, de insónias, de stress pós-traumático, entre muitos outros, os estudos científicos têm revelado que a utilização de canábis tem mostrado resultados promissores.
LXVIII. O Tetraidrocanabinol (THC) é canabinóide mais conhecido, seja pelas suas propriedades terapêuticas, seja pelas suas propriedades psicoativas.
LXIX. Na Europa, existem já vários países que legalizaram e regulamentaram o uso medicinal da planta de canábis. São disso exemplo a Holanda, a Itália, a República Checa, a Dinamarca e a Alemanha.
LXX. Nos Estados Unidos da América existem já 28 Estados onde o uso da canábis para fins medicinais foi legalizado, em muitos casos através de referendo popular. No Canadá, o acesso à planta desidratada, para fins medicinais foi concedido pela primeira vez em 1999 e em 2001 foi elaborado e implementado o quadro legal que regula o acesso a canábis para os mesmos fins.
LXXI. Em Israel a canábis para fins medicinais é permitida há já vários anos, tendo sido inicialmente prescrita para casos oncológicos, Parkinson, esclerose múltipla, doença de Crohn e stress pós-traumático.
LXXII. Mais recentemente, a Argentina e o México aprovaram legislação no sentido da legalização da prescrição, dispensa e uso da planta de canábis para fins medicinais. A Colômbia e o Perú também legalizaram em 2016 o uso de canábis para fins medicinais.
LXXIII. Em Portugal, o Infarmed autorizou, em 2014, a primeira plantação de canábis com uma área de quase 9 hectares e uma previsão de colheita de 21 toneladas por ano, tendo como fim a exportação para posterior transformação e produção de medicamentos à base de canabinóides como o THC.
LXXIV. Acresce que existem ainda estudos científicos que comprovam que o consumo de canábis não traz dependência física ao consumidor, ao contrário da cocaína, da heroína, o MDMA, a ketamina, entre outros.
LXXV. Daqui pode-se retirar que em muitos casos a utilização de canábis tem efeitos positivos para a saúde, sobretudo para efeitos analgésicos ou no alívio da dor no caso de doenças crónicas e que, por isso, o “efeito perigoso para o ser humano” que vem invocado na decisão como elemento de ponderação na escolha da pena, não é de todo em todo perigoso e, como tal, deveria assim ter sido atendido pelo Tribunal a quo.
LXXVI. Assim, não compreende o Recorrente como pode o Tribunal a quo qualificar o grau de ilicitude do mesmo como sendo “elevado”, ficando ainda o mesmo sem compreender, tendo em conta a contradição insanável entre os factos provados e não provados no que diz respeito à existência de dolo, a que dolo se refere a decisão recorrida quando afirma que “o dolo e a ilicitude são elevados”. Também não se olvide que o Recorrente, primário, já se encontra em prisão preventiva há um ano e nove meses!
LXXVII. Aplicando correctamente o quadro legal de circunstancialismo favorável ao Recorrente, salvo o devido respeito, nunca lhe poderia ser aplicada uma pena de prisão de oito anos, uma vez que, para além do quadro de circunstancialismo que lhe é favorável, não se consegue imputar ao Recorrente a prática de nenhum acto de tráfico ilícito de estupefacientes.
LXXVIII. Neste sentido, deverá o TSI, respeitando os princípios da proporcionalidade e da adequação, determinar uma redução considerável da pena de oito anos de prisão aplicada ao Recorrente.
LXXIX. Cumpre ainda salientar que, também de acordo com a Jurisprudência dos Tribunais da RAEM, a determinação da medida concreta da pena aplicada foi manifestamente excessiva.
LXXX. No Acórdão proferido pelo TUI, de 16.02.2011, no Processo n.º 3/2011, foi condenada a 6 anos de prisão de efectiva pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, a Arguida, delinquente primária, que transportou no seu corpo de Kuala Lumpur para Macau heroína com o peso líquido de 395,17g.
LXXXI. No Acórdão proferido pelo TUI, de 06.10.2010, no Processo n.º 41/2010, foi condenada a 6 anos e 6 meses de prisão de efectiva pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, o Arguido, delinquente primário, que transportou no seu corpo de Kuala Lumpur para Macau heroína com o peso líquido de 502,57g.
LXXXII. No Acórdão proferido pelo STJ, de 07.03.2003, Processo n.º 03P1799, foi condenado apenas pela prática do crime de consumo, p.p. no artigo 40.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por 3 anos, o Arguido que detinha na sua posse 142,2g de resina de canábis (haxixe)!!
LXXXIII. No nosso caso, não resulta dos autos qualquer indício de que o Recorrente tinha intenção de ceder a terceiros o produto adquirido. Não foi encontrado em casa do Recorrente nenhum instrumento que indiciasse o tráfico, como por exemplo sacos de plástico, uma balança, entre outros, bem como ninguém o viu a vender ou lhe comprou, inclusivamente, o inspector da Polícia Judiciária encarregue da investigação afirmou em sede de julgamento que não havia qualquer indício de actos de tráfico relativamente ao Recorrente.
LXXXIV. Pelo contrário, conjugada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento com a prova documental constante dos autos, nomeadamente, conjugando o depoimento do inspector da Polícia Judiciária com os vestígios de tetraidrocanabinol encontrados em casa do Recorrente e com o relatório social do mesmo, provou-se que o Recorrente era um consumidor regular de canábis!
LXXXV. Donde que, mais uma vez, e salvo o devido respeito, a pena de 8 anos de prisão aplicada ao Recorrente revela-se demasiado severa e manifestamente desproporcional, pelo que deverá o Venerando Tribunal de Segunda Instância, tendo em conta a todo o exposto, reduzir a pena aplicada ao Recorrente em regime de igualdade, proporcionalidade, adequação e justiça.
LXXXVI. Consequentemente, tendo havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal a quo e encontrando-se a douta decisão recorrida eivada dos vícios de contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, os quais vêm previstos nas alíneas b) e c) do artigo 400.°, n.° 2 do CPP, é admissível a renovação da prova nos termos previstos no artigo 415° do mesmo diploma legal, o que desde já se requer, porquanto tais vícios podem ser supridos, recorrendo à análise dos documentos constantes dos autos: do depoimento prestado pelo Investigador da Policia Judiciária Ho Tai Meng, devidamente registado na gravação da audiência e discussão de julgamento.
LXXXVII. Devem pois, tanto a apreciação dos documentos como o depoimento supra transcrito ser renovados perante esse Tribunal de Segunda Instância, por, objectivamente, se considerar que tanto a análise desses documentos como a audição da gravação do referido depoimento permitem eliminar os vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova imputados à decisão recorrida.
XXXVIII. Renovação de prova essa, a qual ao abrigo do disposto no artigo 402°, n.° 3 do CPP, deverá incidir na análise do depoimento prestado pelo Investigador da Policia Judiciária Ho Tai Meng.
LXXXIX. Sendo certo que a renovação da prova ora requerida se justifica pela necessidade de comprovar a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova imputados à decisão recorrida, que conduziu à condenação do Recorrente pela prática na co-autoria material e de forma consumada de um crime de tráfico ilícito de produtos estupefacientes p.p. pelo artigo 8.° da Lei 17/2009”; (cfr., fls. 645 a 724).
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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 727 a 733-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“A, mais bem identificado nos autos, recorre do acórdão condenatório de 17 de Maio de 2018, do 5.° juízo criminal, que lhe impôs uma pena de prisão de 8 anos pela prática de um crime de tráfico ilícito de droga da previsão do artigo 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009.
Na motivação e respectivas conclusões imputa àquele acórdão erros de direito, contradição insanável da fundamentação, erro notório da apreciação da prova, violação do princípio in dubio pro reo e excessividade da pena.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, rebatendo os argumentos avançados pelo recorrente.
Vejamos.
Na abordagem da temática dos erros de direito, o recorrente verbera a falta de dilucidação, nos termos ditados pelo reenvio, da parte da droga destinada a terceiros e da parte destinada a consumo próprio do recorrente, discorda da quantidade de referência com que lidou o acórdão, e insurge-se contra o facto de o acórdão haver feito constar que o arguido cometeu o crime em co-autoria.
Não se divisa qualquer erro quanto à quantidade de referência. Quer no primeiro, quer no segundo exame laboratorial (cf. fls. 167 e seguintes e 606 e seguintes), a droga proibida detectada nas 22 porções de pasta sujeitas a exame é o tetraidrocanabinol. Nem foi detectada resina de cannabis, substância que, aliás, integra a Tabela I-C, nem foram detectados canabinoides sintéticos. Daí que a quantidade de referência de uso diário a considerar tivesse que ser a de 0,05 g prevista para o tetraidrocanabinol, constante do ponto 15 do mapa da quantidade de referência, como bem ponderou o acórdão.
Igualmente não se vislumbra erro relevante no facto de o acórdão haver feito constar que o arguido cometeu o crime em co-autoria. É certo que, em rigor, não existe motivo para se falar de co-autoria. Trata-se, porém, de lapso, cuja irrelevância para a decisão é manifesta, pelo que nenhuma invalidade projecta no acórdão.
Quanto à falta de esclarecimento, nos termos visados pelo reenvio, sobre a porção da droga destinada a terceiros e aquela que estava destinada a consumo próprio do recorrente, sustenta este que deveria ter sido absolvido, ante um tal non liquet, o que se impunha até por força do princípio in dubio pro reo.
Mas não tem razão. À luz da matéria com que lidou o acórdão ora impugnado, não poderia o recorrente deixar de ser condenado por crime de tráfico de droga, pois reportando-se aos 22 paus de pasta de cannabis trazidos de Hong Kong em 20 de Setembro de 2016, que, em exame laboratorial, revelaram conter 20,97 gramas de tetraidrocanabinol, substância que integra a Tabela II-B anexa à Lei 17/2009, considerou o acórdão que o recorrente transportava, guardava e detinha essas drogas com intenção de as proporcionar e ceder a outrem.
Todavia, embora não aflore expressamente a respectiva consequência, a alegação do recorrente nesta matéria aponta também para o excesso do acórdão relativamente ao âmbito do reenvio, o que, a ter-se por verificado, importa violação de caso julgado, com a inerente nulidade.
O acórdão de 1 de Março de 2018, deste Tribunal de Segunda Instância, não censurou nem alterou a matéria de facto que resultara apurada em primeira instância, nem pôs em xeque a condenação do arguido e ora recorrente por consumo de estupefacientes. Entendeu necessário o reenvio para possibilitar a análise quantitativa da droga e proceder a novo julgamento, a fim de apurar se o arguido cometera um crime de tráfico de droga ou um crime de tráfico de droga de quantidade diminuta. E, para isso, assinalou que importaria, em primeiro lugar, efectuar a análise quantitativa à substância apreendida e, por outro lado, apurar a quantidade exacta da droga destinada ao fornecimento a outrem e destinada a consumo próprio.
Pois, bem, crê-se que o acórdão recorrido foi além do que se pretendia com o reenvio e pôs em causa o julgado do Tribunal de Segunda Instância que determinou o reenvio.
Na verdade, para além da alteração de matéria de facto que não fora posta em crise e que não contendia com o âmbito do reenvio, como, por exemplo, ter dado por não provado que o arguido adquiriu e deteve drogas para consumo pessoal, apesar de bem saber que não podia, sem autorização legal, adquiri-las ou detê-las (cf. fls. 630), quando no primeiro julgamento se havia dado como provado precisamente o contrário (cf. fls. 412 verso) e sem que tal fosse alterado ou censurado pelo acórdão do Tribunal de Segunda Instância, o acórdão agora impugnado também absolveu o recorrente do crime de consumo ilícito de estupefacientes, cuja matéria o tribunal superior não havia censurado nem havia englobado no âmbito do reenvio.
Há, pois, violação de caso julgado, nos termos explicitados no acórdão de 19 de Novembro de 2015, desta instância, onde se chama à colação, entre o mais, a doutrina emanada do acórdão de 20 de Outubro de 2010, do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, proferido num contexto normativo em tudo idêntico ao de Macau.
E a consequência desta violação é a nulidade do acórdão impugnado, tal como se ponderou no aludido acórdão de 19 de Novembro de 2015.
Ante o exposto, e com prejuízo da apreciação das restantes questões suscitadas pelo recorrente, deverá, no provimento do recurso, declarar-se nulo o acórdão impugnado, por violação de caso julgado, devolvendo-se os autos para, após as diligências que se tenham por pertinentes, ser proferida nova decisão que não afronte o julgado do acórdão de 1 de Março de 2018 deste Tribunal de Segunda Instância”; (cfr., fls. 792 a 793-v).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 628-v a 630, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
Do direito
3. Insurge-se o (1°) arguido A contra o Acórdão do T.J.B. que o absolveu da imputada prática de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, condenando-o como co-autor de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, fixando-se-lhe a pena de 8 anos de prisão.
Assaca – em síntese – à decisão recorrida, os vícios de “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova”, “violação do princípio in dubio pro reo”, “erro de direito” e “excesso de pena”.
Vejamos.
Antes de mais, vale a pena atentar no seguinte.
O Acórdão agora objecto do presente recurso, (datado de 17.05.2018), foi proferido após reenvio e novo julgamento decretado por veredicto deste T.S.I. de 01.03.2018, Proc. n.° 2/2018.
Neste referido aresto desta Instância, julgou-se procedente o recurso então interposto pelo agora também recorrente, dando-se como verificado o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” assacado ao (1°) Acórdão prolatado pelo T.J.B., (datado de 03.11.2017), decretando-se o aludido reenvio dos autos para, em novo julgamento, se “quantificar e qualificar o grau de pureza dos componentes contidos no estupefaciente” apreendido ao arguido ora recorrente – “22 paus de resina de canábis” – assim como para se (tentar) “apurar a quantidade do dito estupefaciente que pelo arguido era destinado ao tráfico e para o seu consumo”; (cfr., fls. 531 a 542).
Como se vê, com o assim decidido pretendia-se que o T.J.B., em sede de um “novo julgamento”, e com as garantias e formalidades próprias deste, investigasse e apurasse a “matéria” a que se fez referência, e após fazê-la constar na decisão da matéria de facto, emitisse nova decisão de direito em relação aos crimes (de “consumo” e de “tráfico”) pelos quais estava o arguido acusado.
No fundo, pretendia-se que o T.J.B., como que, esclarecendo as “questões” no (anterior) veredicto deste T.S.I. identificadas, “aditasse” à (sua também anterior) decisão da matéria de facto o que tinha conseguido apurar quanto à “qualidade” e “finalidade” do estupefaciente, necessária não sendo uma “alteração” da matéria de facto dada como provada.
Bastava-lhe, por assim dizer, apurar o “grau de pureza” do estupefaciente, e, na medida do possível, a “quantidade” deste que pelo arguido era destinada ao “tráfico” e ao seu próprio “consumo”.
Porém, e certamente por inadequada compreensão do que por este T.S.I. foi decidido, em sede do novo julgamento efectuado procedeu o T.J.B. a uma “alteração da factualidade (antes) dada como provada”, suprimindo desta a que se referia ao “consumo do estupefaciente”, acabando, a final, por absolver o arguido pela prática deste crime e condenando-o, como se viu, pelo de “tráfico”.
Verifica-se, assim, que incorreu em “violação de caso julgado”, (formal) – o anteriormente decidido por este T.S.I, com trânsito em julgado – havendo que se declarar assim a decisão recorrida nula, com a consequente devolução dos autos (ao T.J.B.) para a sua sanação; (neste sentido, e perante situação análoga, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 19.11.2015, Proc. n.° 810/2015, do mesmo relator deste).
Não se nega que o C.P.P.M. não regula, expressamente, o “instituto do caso julgado”, (como sucedia com o anterior C.P.P. de 1929 nos seus art°s 148°, 149°, 153° e 446°). Mas a falta de norma expressa, não implica intenção de não o consagrar, (ou de afastar a sua aplicabilidade), tanto mais que se trata de um instituto fundamental do “direito de defesa” e da “paz social”.
Seja como for, o instituto em questão não deixa de resultar desde logo do princípio fundamental de direito penal “ne bis in idem”, plasmado no art. 14°, n.° 7 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; (cfr., art. 40° da L.B.R.A.E.M., podendo-se, v.g., ver sobre o tema, o Ac. da Rel. de Lisboa de 03.11.2015, Proc. n.° 102/05, os da Rel. de Coimbra de 14.01.2004, Proc. n.° 3501/03 e de 19.12.2017, Proc. n.° 186/14, mais recentemente, da Rel. de Évora de 24.05.2018, Proc. n.° 68/14, e Henrique Salinas, in “Do Caso Julgado à Definitividade da Sentença Penal”, in “www.fd.lisboa.ucp.pt”).
Pronunciando-se sobre o “caso julgado” consideravam C. de Ferreira e E. Correia que o fundamento central do mesmo radicava numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito, visando-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, evitando-se o (risco) de decisões contraditórias, constituindo uma «exceptio judicati» impeditiva da renovação da apreciação judicial da mesma questão ou factualidade; (cfr., C. Ferreira in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, pág. 36 e segs. e S.J., T VII, n.° 35, pág. 302 e E. Correia in “Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, pág. 7 e segs.).
Por sua vez, e como (sobre situação igualmente próxima à dos presentes autos) considerou também o S.T.J. no seu Acórdão de 20.10.2010, Proc. n.° 3554/02:
“Na verdade, o caso julgado enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão. (…)
Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de um decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da sentença (efeito executivo). Por seu turno, o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento. O direito de perseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado.
No que concerne à extensão do caso julgado pode distinguir-se entre caso julgado em sentido absoluto e relativo: no primeiro caso a decisão não pode ser impugnada em nenhuma das suas partes. O caso julgado relativo é objectivamente relativo quando só uma parte da decisão se fixou e será subjectivamente relativo quando só pode ser impugnada por um dos sujeitos processuais.
Há caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
Em processo penal o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo –, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.
A decisão definitiva sobre a materialidade de facto que consta da anterior decisão do STJ constitui caso julgado formal nos sobreditos termos impedindo qualquer nova apreciação. Está precludida qualquer apreciação da mesma matéria que se impõe agora como definitiva”; (in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, em causa está matéria a que se tem chamado de “caso julgado progressivo”, ou seja, a “formação progressiva do caso julgado”.
Como sobre a questão considera Damião da Cunha “… toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma reapreciação (portanto uma proibição de regressão), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, regredir no procedimento). Este raciocínio vale, não só em primeira instância, como em segunda ou terceira instância (embora o grau de vinculação dependa da especificidade teleológica de cada grau de recurso). E este mecanismo vale – ao menos num esquema geral – para qualquer tipo de decisão, independentemente do seu conteúdo, isto é, quer se trate de uma decisão de mérito, quer de uma decisão processual … Neste sentido, qualquer decisão, mesmo que não esteja em causa uma decisão de mérito, … contém um efeito de vinculação intra-processual…”; (in “O Caso Julgado Parcial”, 2002, pág. 138 a 144).
No mesmo sentido, afirma P. Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 426°-A do C.P.P. português:
“9. A decisão do tribunal superior sobre a restante matéria (as questões que o tribunal superior não “colocar” para resolução pelo tribunal inferior) transita em julgado.
É o chamado “caso julgado progressivo” (giudicato progressivo), que está expressamente definido no artigo 624º, n° 1, do CPP Italiano, nos termos do qual “se a anulação não respeitar a todas as disposições da sentença, esta tem autoridade de caso julgado na parte que não tenha uma conexão essencial com a parte anulada”. Por exemplo, o tribunal inferior não pode conhecer dos obstáculos processuais da responsabilidade criminal se o tribunal superior não conheceu dos mesmos ou rejeitou a sua existência dos mesmos e reenviou o processo para decisão sobre questões atinentes ao mérito (neste sentido a jurisprudência da sentença das secções unidas da Corte di Cassazione, de 23.5.1997”; (podendo-se sobre a questão ver também A. dos Reis in “C.P.C. Anotado”, Vol. III, pág.92 e segs., o Ac. do Vdo T.U.I. de 16.02.2004, Proc. n.° 3/2004, da Rel. de Lisboa de 17.05.2016, Proc. n.° 569/10, da Rel. de Guimarães de 05.03.2018, Proc. n.° 422/14 e da Rel. de Évora de 10.04.2018, Proc. n.° 377/14).
E, mostrando-se de considerar adequado, e de, aqui e agora, confirmar o que se deixou expendido, à vista, está a solução.
Decisão
4. Em face do que se deixou explanado, e ainda que com fundamentação não coincidente, acordam conceder provimento ao recurso do arguido, declarando-se a nulidade do Acórdão recorrido por violação de caso julgado formal, voltando os autos ao T.J.B. para, após os procedimentos entendidos adequados, se proferir nova decisão em conformidade com o decidido no Acórdão deste T.S.I. de 01.03.2018.
Sem tributação.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 26 de Julho de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 605/2018 Pág. 38
Proc. 605/2018 Pág. 39