ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório e factos pertinentes
A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B pedindo a sua condenação no pagamento de MOP$1,908,144.65.
O Exm.º Juiz-Presidente do Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
A autora interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), mas este considerou o recurso intempestivo, por entender que em processo laboral não é aplicável subsidiariamente o disposto no n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores”, nos quais se fixam os prazos para alegações das partes nos recursos.
O TSI considerou que o prazo adicional para alegações nos recursos quando se peça a reapreciação da prova gravada não é compatível com a celeridade do processo laboral (em que o prazo geral de alegações é de 10 dias, enquanto no processo comum é de 30 dias), nem com a sua tipicidade, em que se pretendeu prever um regime próprio.
Inconformada, recorre a autora para este Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação do Acórdão recorrido, por entender, além do mais, que em processo laboral é aplicável subsidiariamente o disposto no n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil.
II – O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber que se em processo laboral é aplicável subsidiariamente o disposto no n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil, atrás mencionado.
2. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao processo laboral cível
No processo em causa a autora, no recurso para o TSI pretendeu a reapreciação da prova gravada.
Em processo civil, quando isso sucede, são acrescidos de 10 dias os prazos para alegações das partes nos recursos, nos termos do n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil.
O Código de Processo do Trabalho não contém norma semelhante a esta.
Para a autora, ora recorrente, havendo um caso omisso, tal norma deve-se aplicar subsidiariamente, nos termos do n.º 2 do art. 1.º do Código de Processo do Trabalho.
Já para o acórdão recorrido assim não deve suceder porque a prorrogação dos 10 dias não é compatível com a celeridade do processo laboral (em que o prazo geral de alegações é de 10 dias, enquanto no processo comum é de 30 dias), nem com a sua tipicidade, em que se pretendeu prever um regime próprio.
Salvo melhor opinião, a decisão recorrida não se afigura correcta.
O Código de Processo do Trabalho regula a tramitação processual nos processos de natureza laboral, tanto de natureza civil, como criminal. Trata-se de um Código relativamente pouco extenso, com 115 artigos, pelo que só dispõe sobre aquelas questões em que se afasta do processo civil - cujo Código tem 1297 artigos – e do processo penal – cujo Código tem 499 artigos. No mais, aplica-se, consoante os casos, o Código de Processo Civil ou o Código de Processo Penal.
É o que resulta do art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, onde se dispõe:
“Artigo 1.º
Direito aplicável
1. O processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho.
2. Nos casos omissos em que as disposições deste Código não puderem observar-se por analogia, recorre-se, sucessivamente, à regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum civil ou penal, aos princípios gerais de direito processual do trabalho e aos princípios gerais de direito processual comum”.
É exacto que a regulamentação do processo laboral está enformada, entre outras, por uma ideia de simplicidade e celeridade relativamente ao processo comum cível.
Mas também o processo sumário cível comum está regulado com base na mesma ideia de simplicidade e celeridade, relativamente ao processo ordinário cível comum – com redução de prazos entre outras especificidades – e é indiscutível que no processo sumário cível comum se aplica o disposto no n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil (apesar do valor das acções no processo sumário há casos em que é admissível recurso independentemente do valor da causa).
Por outro lado, mesmo naqueles processos em que a celeridade é mais premente – os processos urgentes – é também indiscutível que a eles se aplica o disposto no n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil. Isto por não haver nenhuma norma específica a determinar a sua não aplicação ou a impor um regime diverso, como sucede, por exemplo, na contagem dos prazos (art. 94.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Por ser assim, é que num Projecto de alteração ao Código de Processo Civil, recentemente posto em consulta pública pelo Gabinete para Reforma Jurídica, em se prevêem prazos mais curtos para as alegações em recurso nos processos urgentes, foi também previsto um prazo adicional mais curto quando o recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada (art. 591.º, n.º 7 do Projecto).
De resto, há processos laborais urgentes – os previstos no art. 5.º do Código de Processo do Trabalho – mas entre eles não se encontra o dos autos.
Por fim, não parece ser exacta a tese do Acórdão recorrido de que do art. 111.º do Código de Processo do Trabalho resultaria a intenção do legislador de prever um regime próprio para os recursos, diverso do processo cível comum.
O que no art. 111.º do Código de Processo do Trabalho se faz é prever um conjunto de derrogações ao regime geral de recursos, entre elas o prazo para as alegações das partes (n.º 1) e o modo conjunto de interposição do recurso e junção das alegações (n.º 5). Mas não há nenhuma regulamentação completa dos recursos que afaste o regime geral.
E também não se pode dizer que a aplicação subsidiária do n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil não se compadece com o processo de trabalho. Pois não há, também, neste caso, necessidade de um prazo adicional para o recorrente poder ouvir a gravação da prova, a fim de dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do art. 599.º do Código de Processo Civil? (especificar quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida).
Logo, impõe-se a aplicação das normas do Código de Processo Civil aos casos omissos, como é o que vem suscitado no presente recurso.
Quer isto dizer que o disposto no n.º 6 do art. 613.º do Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente no processo laboral, com o que se dá provimento ao recurso.
III – Decisão
Face ao expendido, dá-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, devendo considerar-se tempestivo o recurso.
Custas pela recorrida, tanto neste Tribunal como no TSI.
Macau, 16 de Abril de 2008.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Chu Kin
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Processo n.º 6/2008