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Processo n.º 134/2018 Data do acórdão: 2018-7-26 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de passagem de moeda falsa
– compra feita com uso de cartão de crédito falso
– prevenção geral do crime
S U M Á R I O
1. Embora o arguido tenha feito, no total, quatro transacções de cartão de crédito falso em dois dias diferentes numa mesma agência de viagens, as duas transacções em cada um desses dois dias foram feitas a propósito de uma só relação jurídica de compra (i.e., uma relação jurídica de compra num desses dias, e uma outra relação jurídica de compra no outro dia), pelo que se deve entender que praticou o arguido um só crime consumado de passagem de moeda falsa em cada um desses dois dias na referida agência de viagens.
2. São elevadas as exigências da prevenção geral do crime de passagem de moeda falsa, especialmente quando praticado por pessoas vindas do exterior de Macau.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 134/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrentes:
– 1.o arguido A
– 3.o arguido B
Não recorrente:
– 2.a arguida C




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 841 a 873v do Processo Comum Colectivo n.o CR3-17-0334-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB):
– o 1.o arguido A ficou condenado como autor material de 13 crimes consumados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de um ano de prisão por cada, e de dois crimes tentados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de sete meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas 15 penas parcelares, finalmente na pena única de cinco anos de prisão;
– a 2.a arguida C ficou condenada como autora material de 14 crimes consumados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de um ano e três meses de prisão por cada, e de um crime consumado de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, p. e p. pelos art.os 256.o, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas 15 penas, finalmente na pena única de seis anos e seis meses de prisão;
– o 3.o arguido B ficou condenado como autor material de seis crimes consumados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de um ano de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas seis penas parcelares, finalmente na pena única de três anos de prisão.
Inconformados, vieram recorrer desse acórdão os 1.o e 3.o arguidos para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
O 1.o arguido, na sua motivação apresentada a fls. 914 a 918 dos presentes autos correspondentes, assacou ao Tribunal sentenciador o cometimento do vício referido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP) e o excesso na medida da pena, tendo alegado, para o efeito, o seguinte:
– os actos de compra praticados por ele, por duas vezes, na loja “X1” deveriam passar a integrar tão só um crime de passagem de moeda falsa;
– e os actos de compra praticados por ele, por três vezes, na loja “X2” deveriam passar a integrar somente um crime de passagem de moeda falsa;
– tendo confessado francamente os factos, mereceria ele a redução considerável da pena;
– e deveria ser ele absolvido de todos os crimes tentados de passagem de moeda falsa.
Enquanto o 3.o arguido, na sua motivação apresentada a fls. 920 a 924 dos autos, alegou e pretendeu o seguinte:
– os actos dele de compra de bilhetes de avião com cartão de crédito falso, praticados numa agência de viagens dentro do Aeroporto de Macau, o foram em 8 de Março de 2017 e 22 de Março de 2017, sendo certo que a transacção de compra em cada um desses dois dias foi feita com dois pagamentos divididos;
– nessa situação, conjugada com a sua confissão franca dos factos, faz merecer ele a redução considerável da pena.
Ao recurso do 1.o arguido, a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido respondeu (a fls. 937 a 939v) no sentido de procedência parcial da argumentação desse recorrente, devendo as transacções feitas pelo 1.o arguido na loja “X1” consideradas como integrando um crime consumado continuado de passagem de moeda falsa, e na loja “X2” como integrando um crime consumado continuado de passagem de moeda falsa, com consequente nova medida da pena.
Ao recurso do 3.o arguido, a mesma Digna Delegada do Procurador respondeu (a fls. 940 a 942), no sentido de provimento parcial do recurso, devendo as transacções de cartão de crédito falso praticadas por esse arguido em dois dias diferentes na dita agência de viagens passar a integrar um crime consumado continuado de passagem de moeda falsa por cada um dos dois dias em causa, com consequente nova medida da pena.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, emitiu parecer (a fls. 968 a 970v), entendendo que só deveria ser alterada a decisão recorrida na parte em que condenou o 3.o arguido pela prática de quatro crimes consumados de passagem de moeda falsa contra a dita agência de viagens, pois conforme a matéria de facto provada em primeira instância, as duas transacções de cartão de crédito feitas em cada um dos dois dias em questão foram respeitantes a uma só relação jurídica de compra, pelo que em cada um dos dois dias, praticou um só crime, e não dois crimes, de passagem de moeda falsa, com o que há que proceder à nova medida da pena.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 841 a 873v, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica e jurídica) se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Os dois arguidos recorrentes imputaram identicamente à decisão recorrida o vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP. Mas, do teor concreto da argumentação tecida por eles nas respectivas motivações, resulta que a discordância deles do julgado feito em primeira instância se circunscreve materialmente à problemática da qualificação jurídico-penal dos factos quanto aos crimes consumados de passagem de moeda falsa por que vinham condenados.
Entretanto, ante toda a factualidade já dada por provada em primeira instância, não se vislumbra que haja qualquer situação exterior susceptível de diminuir consideravelmente a culpa dos dois recorrentes na prática dos delitos consumados de passagem de moeda falsa, pelo que não se lhes aplica a figura de crime continuado de que se fala no n.o 2 do art.o 29.o do CP.
Contudo, há que proceder à nova qualificação jurídico-penal dos factos provados em relação às transacções de cartão de crédito falso praticadas pelo 3.o arguido em dois dias diferentes numa mesma agência de viagens dentro do Aeroporto de Macau. De facto, embora esse arguido tenha feito, no total, quatro transacções de cartão de crédito falso nessa agência de viagens em dois dias diferentes, as duas transacções em cada um desses dois dias foram feitas a propósito de uma só relação jurídica de compra (i.e., uma relação jurídica de compra num desses dois dias, e uma outra relação jurídica de compra no outro dia), pelo que se deve entender que praticou esse arguido um só crime consumado de passagem de moeda falsa em cada um desses dois dias na referida agência de viagens.
Quanto à pretendida absolvição de todos os crimes tentados de passagem de moeda falsa, improcede essa pretensão do 1.o arguido, porquanto atenta a factualidade já dada por assente no acórdão recorrido, é de louvar a decisão recorrida na parte em que condenou esse arguido pela autoria material, na forma tentada, de dois crimes de passagem de moeda falsa.
Os dois recorrentes pediram também a redução da pena.
No tocante à medida da pena do 1.o arguido, é de louvar in totum o julgado já feito em primeira instância.
E no concernente à medida da pena do 3.o arguido, é de eliminar duas das quatro penas parcelares de prisão aplicadas no aresto recorrido às transacções de cartão de crédito falso feitas pelo arguido na acima dita agência de viagens.
Como é de louvar também todas as restantes quatro penas (todas elas de um ano de prisão) parcelares já aplicadas no acórdão recorrido, é de passar a condenar o 3.o arguido em dois anos de prisão única, por prática, no total, de quatro crimes (e não seis crimes) consumados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, pena única essa que não se suspende na sua execução, dadas as elevadas exigências da prevenção geral deste tipo legal de crime, especialmente quando praticado por pessoas vindas do exterior de Macau.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso do 1.o arguido e parcialmente provido o recurso do 3.o arguido, passando a condenar o 3.o arguido pela prática material, na forma consumada, de apenas quatro crimes de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, em um ano de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas parcelares, finalmente na pena única de dois anos de prisão efectiva.
Custas do recurso do 1.o arguido por conta deste, com seis UC de taxa de justiça e mil e oitocentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Pagará o 3.o arguido metade das custas do seu recurso, e duas UC de taxa de justiça por causa do decaimento parcial do recurso. Fixam em mil e seiscentas patacas os honorários da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, sendo uma metade dessa quantia por conta desse 3.o arguido, e a outra metade suportada pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 26 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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