--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 27/07/2018 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 651/2018
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como co-autor material de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e no pagamento da quantia de HKD$281.000,00 e juros ao ofendido dos autos; (cfr., fls. 268 a 275-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que o Acórdão do T.J.B. padece de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “violação do art. 26° do C.P.M.”, pedindo a sua condenação como “cúmplice” – e não, como “co-autor” – de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado” e consequente “atenuação especial da pena”; (cfr., fls. 286 a 291).
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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 293 a 295-v).
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Admitindo o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.287 a 291 dos autos, o recorrente solicitou a redução da pena de três anos e seis meses aplicada no Acórdão recorrido à de um ano e seis meses, arrogando a insuficiência para decisão da matéria de facto provada e a errada desaplicação do n.°2 do art.26° do CPM.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.293 a 295v.).
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No aresto em escrutínio, o douto Tribunal a quo deu como 1° facto provado que “於某一不確定日子,嫌犯A與至少一名不知名人士達成協議,決定分工合作,在澳門娛樂場物色需要將人民幣款項兌換成港幣現金的內地人士,誘騙上述內地人士將人民幣款項以網上銀行方式,即時匯入嫌犯及其同伙指定的內地銀行帳戶,隨即藉故逃離交易地點,不向上述內地人士交出兌換的全數港幣現金,從而取得非法利益。”
A pretexto de “insuficiência para decisão da matéria de facto provada”, o recorrente apelou que “10. 因此,縱觀本案現有的證據,似乎是未能證實上訴人是知悉另外兩名涉嫌人的犯罪故意而合謀作出本案之詐騙行為”, e ainda “12. 故上訴人認為根據本案所蒐集的證據來說,原審法院判決第一條的獲證明之事實應視為‘未能證實’,亦未能證實到上訴人與本案之其他嫌疑人曾達成協議並存有一共同之犯罪故意。13. 上訴人認為根據本卷宗內之證據,其根本不知悉本案其他涉嫌人的詐騙計劃,只是按涉嫌人A的指示將裝有港幣69,000元的黑色斜背包交予被害人,故上訴人應被視為以從犯身份作出本案之犯罪行為。”
Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.°12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.°9/2015)
Em esteira, colhemos sossegadamente que o recorrente cometeu o erro de qualificação, com efeito os seus argumentos nunca pode ser, sem margem para dúvida, equacionado na figura jurídica de “insuficiência para decisão da matéria de facto provada” contemplada na alínea a) do n.°2 do art.400° do CPP. Pois em boa verdade, tais argumentos podem apenas pôr em dúvida a firmeza e força probatória das provas recolhidas e avaliadas pelo Tribunal a quo na formação da convicção.
Sendo assim, convém recordar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
A todas estas luzes, resta-nos concluir que o douto Acórdão em crise não enferma da assacada insuficiência para decisão da matéria de facto provada, nem outros vícios do conhecimento oficioso, por isso o recurso nesta palie é incuravelmente descabido.
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Interpretando as disposições nos arts.25° e 26° do Código Penal de Macau, a sensata jurisprudência proclama, e bem, que a distinção entre autoria e cumplicidade consiste em que o autor participa directamente na execução do crime e o cúmplice presta apenas auxílio material ou moral à prática do crime. (cfr. Acórdão do TUI no processo n.°1/2008)
Ora, para se verificar a co-autoria de execução não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista, “Por sua vez, é cúmplice aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.” (cfr. Acórdão do TSI no processo n.°1053/2015)
No caso sub judice, os 3 a 16 factos provados, sobretudo a “fuga imediata” mencionada no 16 facto provado, demonstram irrefutavelmente que o recorrente tinha chegado ao conluio de colaboração e à conjugação de esforço com outrem para a prática do crime de burla.
Nesta linha de ponderação, e em consonância com as iluminativas jurisprudências supra aludidas, inclinamos a entender que o recorrente cometeu, na co-autoria material, e não como cúmplice, o crime de burla de valor consideravelmente elevado.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 305 a 306-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 270 a 272, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como co-autor material de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e no pagamento da quantia de HKD$281.000,00 e juros ao ofendido dos autos.
Afirma que o Acórdão recorrido padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “violação do art. 26° do C.P.M.”, pedindo a sua condenação como “cúmplice” – e não, como “co-autor” – de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado” e consequente “atenuação especial da pena”.
Apresenta-se-nos evidente a improcedência do assim pretendido.
Vejamos.
–– Quanto à “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
Repetidamente temos considerado que tal vício apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.12.2017, Proc. n.° 1081/2017, de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017 e de 14.06.2018, Proc. n.° 451/2018, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).
Como decidiu o T.R. de Coimbra:
“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).
E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:
“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).
“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).
“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).
No caso dos autos, o Colectivo a quo investigou e emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que do julgamento resultou “provada” e “não provada”, e explicitando, adequadamente, as razões desta sua decisão; (cfr., fls. 270 a 273).
E, nesta conformidade, evidente é que não incorreu o Tribunal recorrido no acusado vício de “insuficiência”, mais não se mostrando de consignar, porque ocioso.
Continuemos.
–– Pretende também o arguido que a sua conduta seja considerada com a prática do crime como (mero) “cúmplice”, e não como “co-autor”, como foi.
Pois bem, nos termos do art. 26° do C.P.M.:
“1. É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
2. É aplicável ao cúmplice a pena prevista para o autor, especialmente atenuada”.
E sobre esta matéria teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, (consignando-se, nomeadamente, no Ac. de 28.04.2011, Proc. n.° 415/2010, de 14.01.2016, Proc. n.° 1053/2015 e de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, do ora relator), que são requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de “decisão” e de “execução conjuntas”.
O “acordo” pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à “execução”, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma “actuação concertada” entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado; (cfr., também os Acs. deste T.S.I. de 23.01.2014, Proc. n.° 816/2013 e de 24.07.2014, Proc. n.° 428/2014).
Por sua vez, é “cúmplice” aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.
E, in casu, motivos não havendo para se não manter o assim entendido, pouco há a dizer.
Com efeito, colhe-se claramente da factualidade provada que o arguido, agiu com outro indivíduo não identificado, de “acordo com um plano” e com “divisão de tarefas”, (cfr., “ponto 1° e 18°” da matéria de facto), correcto se nos apresentando igualmente o que pelo Ilustre Procurador Adjunto vem adiantado sobre esta questão, nomeadamente, quando considera que: “No caso sub judice, os 3 a 16 factos provados, sobretudo a “fuga imediata” mencionada no 16 facto provado, demonstram irrefutavelmente que o recorrente tinha chegado ao conluio de colaboração e à conjugação de esforço com outrem para a prática do crime de burla”.
Dest’arte, inviável sendo a pretensão do ora recorrente, e nenhum outro motivo havendo para se censurar a decisão ora recorrida, há que decidir como segue.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 27 de Julho de 2018
José Maria Dias Azedo
Proc. 651/2018 Pág. 16
Proc. 651/2018 Pág. 15