Proc. nº 200/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Julho de 2018
Descritores:
- Trabalhador não residente
- Renovação de contrato
SUMÁRIO:
I - Tendo o art. 3º, nº3, al. d), do DL nº 24/89/M afirmado que as normas desse diploma não se aplicariam às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, e que se lhes aplicariam as normas especiais que se encontrassem em vigor, é de entender, mesmo assim, que elas, por analogia, se devem aplicar a contratos celebrados com trabalhadores não residentes enquanto não existisse nenhum diploma especial com vocação para regular essas relações.
II - De acordo com o art. 22º da Lei nº 7/2008 (agora aplicável à situação no momento em que foi celebrado o 2º contrato), “Considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de renovação” (nº4), “…contando-se a antiguidade do trabalhador desde o início da produção de efeitos do primeiro contrato, com excepção do período que medeia entre os contratos” (nº 5).
III - Se as partes se limitarem a renovarem o contrato anterior caducado sem mais, o renovado mantém-se materialmente com igual conteúdo. Mas se, diferentemente, tiverem motivos justificados para a celebração de um outro contrato a termo certo diferente do primeiro, não deve entender-se que se esteja perante um único contrato, mas sim dois contratos distintos e autónomos.
Proc. nº 200/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
B, casado, de nacionalidade americana, residente em Casa ...... C-...-..., ...... Golf & Country Club, ...... Petaling ......, ......, Malásia, portador do Passaporte dos Estados Unidos da América número 047******, emitido em 29 de Dezembro. de 2005,------
Instaurou no TJB (Proc. nº LB1-12-0069-LAC):
“COMPANHIA DE XXXX DE COMÉRCIO INTERNACIONAL (MACAU) S.A.”, em inglês “MACAU XXXX INTERNATIONAL COMPANY, LTD.”, com sede na Rua do ......, no. ..., ...º Andar, Edifício ......, em Macau,
Acção com processo declarativo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento de MOP1.781.727,01 a título de créditos laborais que identificou.
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Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré no pagamento da quantia de MOP$417.444,88 e juros respectivos.
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O autor, inconformado com esta sentença, dela interpôs recurso jurisdicional, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:
“A) Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de trabalho com não residente, a termo certo e com renovação automática.
B) O contrato foi denunciado pela Recorrida, com um mês de pré-aviso, tendo as partes outorgado novo documento antes do respectivo termo.
C) Na sequência da renovação da relação laboral, a Recorrida passou a pagar ao Recorrente diuturnidades ou um prémio de antiguidade.
D) Porém, neste novo documento, a retribuição do Autor foi diminuída:
- O salário passou de MOP$93,771.20 para MOP$90,000.00;
- Deixou de estar previsto o pagamento do 13º mês;
- O subsídio de renda diminuiu de MOP15,000.00 para MOP$l0,000.00.
E) A douta sentença recorrida interpretou a situação dos autos como se de um novo contrato de trabalho se tratasse, admitindo que a diminuição do salário do Recorrente não tem protecção legal.
F) Porém, o artigo 20º da Lei 21/2009 remete para o regime geral das relações de trabalho no que respeita a direitos, deveres e garantias dos trabalhadores;
G) Bem como o seu artigo 24º admite expressamente que o contrato de trabalho com não residente possa ser renovado.
H) O Artigo 10º da Lei 7/2008 proíbe ao empregador diminuir a remuneração base salvo nos casos previstos na Lei.
I) A celebração de um novo documento intitulado “contrato de trabalho” significa apenas que houve uma alteração das condições jurídicas existentes à data do final do primeiro contrato mas não se trata de uma relação laboral criada ex-novo.
J) Considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de renovação; e
K) Considera-se que existe renovação do contrato de trabalho caso, no prazo de três meses após a cessação do contrato a termo, seja celebrado novo contrato entre as partes, contando-se a antiguidade do trabalhador desde o início da produção de efeitos do primeiro contrato, com excepção do período que medeia entre os contratos.
L) A solução preconizada na sentença não protege a garantia de irredutibilidade do salário, a garantia de não redução da categoria profissional, bem como a impossibilidade de renúncia, cessão, compensação e penhora da retribuição;
M) O segundo contrato de trabalho foi celebrado durante a vigência do primeiro, pelo que, pelo menos, gozava da protecção de proibição de redução da retribuição do “primeiro contrato”.
N) A Recorrida ao denunciar o contrato nunca quis despedir o Recorrente - apenas quis “terminar” o contrato... Para celebrar outro que fosse mais do seu agrado, reduzindo substancialmente o salário do Recorrente, incluindo retirar-lhe o 13º mês.
O) A Lei 7/2008 não pode ser interpretada no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho mais favoráveis aos trabalhadores, vigentes à data da sua entrada em vigor.
P) A título subsidiário, é ineficaz a diminuição da remuneração base por não ter sido comunicada à DSAL, em contravenção ao disposto no artigo 59º da Lei 7/2008.
Q) Os juros de mora são uma indemnização pelo atraso no pagamento de uma prestação pecuniária.
R) As quantias reclamadas pelo Recorrente advêm do contrato de trabalho que o ligou à Recorrida, cujos prazos de pagamento são estabelecidos pelo artigo 62º da Lei 7/2008,
S) Há um regime legal específico para as relações laborais relativo ao momento da constituição em mora que prevalece sobre o regime geral do Código Civil.
T) As prestações reclamadas pelo Autor a título de diferenças salariais, subsídio de renda e 13º mês são prestações compreendidas no conceito de “remuneração de base”, nos termos do disposto no artigo 59º/1 da Lei no. 7/2008.
U) A obrigação de pagamento das diferenças salariais peticionadas venceu-se respectivamente no último dia de cada mês do pagamento do salário correspondente.
V) A obrigação de pagamento do 13º mês peticionado venceu-se respectivamente no último dia de cada aniversário do contrato.
W) A obrigação de pagamento da diferença do subsídio de renda venceu-se respectivamente no último dia de cada mês.
X) Não havendo mora do credor, nem a mesma foi alegada pela Recorrida, a falta de pagamento da remuneração de base no tempo devido, é imputável ao empregador.
Y) Os créditos laborais reclamados são obrigações pecuniárias derivadas de contrato e a indemnização pela mora no respectivo cumprimento corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Z) Os créditos reclamados são certos, líquidos e exigíveis.
AA) A jurisprudência do Acórdão do TUI no processo 69/2010 refere-se unicamente à indemnização pecuniária por facto ilícito.
BB) As quantias reclamadas pelo Recorrente não o são a título de indemnização.
CC) Ainda que assim se não entenda, a falta de liquidação das quantias em dívida é da responsabilidade da Recorrida.
DD) Subsidiariamente, o Recorrente liquidou ele próprio as quantias em dívida, bem como os juros vencidos, na sua petição inicial.
EE) Pelo que deu o próprio Recorrente cumprimento à obrigação de liquidação imposta pelo artigo 794º/4 do Código Civil.
FF) O Recorrente juntou com a sua p.i. tabelas com o cálculo e a liquidação dos juros até à data da citação.
GG) A negação do direito ao recebimento dos juros desde a data da constituição em mora com o pretexto da falta de liquidação da dívida afronta contra o direito do trabalhador a receber os créditos laborais tempestivamente.
HH) O direito à retribuição é uma característica essencial do contrato de trabalho e é a principal contrapartida do trabalhador.
II) A lei não pode ser interpretada de forma a permitir que o pagamento tardio ou incompleto da remuneração “beneficie o infractor”,
JJ) Muito menos pode colocar sobre o trabalhador o ónus de suportar a má vontade, a insolvência ou apenas incompetência da entidade patronal que não paga “a horas”.
KK) A interpretação do regime da mora e dos juros legais efectuada pela douta sentença recorrida conduz a uma solução injusta que não tem acolhimento na lei positiva.
LL) A douta sentença recorrida violou a jurisprudência obrigatória fixada no douto Acórdão do TUI proferido a 2 de Março de 2011, no processo 69/2010, dado que este apenas se aplica à “indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais”
MM) A douta sentença recorrida violou as normas constantes dos artigos 794º/4 e 795º do Código Civil, artigos 20º e 24º da Lei no. 21/2009 e os artigos 4º/2, 10º-5), 22º, 59º e 62º da Lei 7/2008.
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, DEVENDO A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E EM SUA SUBSTITUIÇÃO SER PROFERIDA OUTRA QUE CONDENE A RECORRIDA A:
1) PAGAR AO RECORRENTE AS QUANTIAS PETICIONADAS A TÍTULO DE DIFERENÇAS SALARIAIS, 13º MÊS E SUBSÍDIO DE RENDA,
2) PAGAR OS JUROS VENCIDOS SOBRE TODAS AS QUANTIAS PETICIONADAS DESDE A DATA DA RESPECTIVA MORA, BEM COMO OS QUE SE VENCEREM ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.”
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A ré respondeu ao recurso, nos seguintes termos conclusivos:
“A) A Douta Sentença proferida aplicou bem o Direito, em nada se tendo a apontar-lhe.
B) O Regime Jurídico aplicável ao Recorrente, enquanto Trabalhador Não Residente, é o identificado e aplicado.
C) O Recorrente celebrou, com diferentes premissas, dois contratos de trabalho distintos, que aceitou consciente e livremente.
D) O Recorrente já recebeu os montantes que lhe eram devidos pelo Complemento Salarial Anual equivalente ao 13º mês e ao trabalho efectivo prestado em dias de Feriado Obrigatório;
E) Os Juros só serão devidos nos termos constantes da Douta Sentença e da Jurisprudência Uniforme da RAEM.;
F) O Recorrente, A., litigou e litiga de má-fé, pelo que deverá ser condenado no pagamento de custas e honorários de Advogado no valor de MOP$60.000,00.
Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o Vosso Douto Suprimento, deverá ser julgado improcedente o Recurso e o Recorrente, A., condenado em custas e Honorários de Advogado”.
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Também a ré, por seu turno, interpôs recurso da sentença concluindo a sua alegação nos seguintes termos:
“A) A matéria de facto foi erroneamente apreciada, e porque é óbvio e patente que assim é, deve ser reapreciada, motivo porque a prova testemunhal foi integralmente transcrita e se identificou a restante existente no Processo, quer documental, quer a publicada em Boletim Oficial da RAEM.
B) Assim, reiterando o que se expôs, é nula a Sentença nos termos do nº 1, alíneas b), c) e d) do art. 571º do Código de Processo Civil.
C) Tendo reconhecido e efectuado o pagamento do Suplemento Salarial Anual e trabalho prestado em dias de Feriado Obrigatório registados, não pode a R. ser condenada a pagar novamente.
D) A fórmula de cálculo usada para computar as quantias devidas pelo trabalho efectivo prestado em dias de Feriado Obrigatório não é a prevista no art. 45º da Lei 7/2008, devendo ser.
E) Os Feriados Obrigatórios constantes da matéria Assente quanto a trabalho efectivo do A. estão errados, pois alguns dos dias aí constantes nem sequer eram Feriados Obrigatórios de acordo com a determinação para o efeito de Sua Excelência, o Sr. Chefe do Executivo para os anos de 2008 a 2010.
F) Ainda, primordial e não de somenos, não se provou que o A., na qualidade de Piloto, tivesse a descrição de funções constante dos factos provados; não consta do contrato de trabalho, de nenhum regulamento interno ou Legislação, tão pouco da prova testemunhal produzida.
Por todo o exposto, e sempre com o Vosso Douto Suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se quanto aos apontados vícios, a Sentença recorrida e proferindo-se, ao invés, outra que que reapreciando a matéria de facto, seja justa e correcta e absolva a R. quanto à questões já especificadas na presente motivação.
JUSTIÇA”
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O autor respondeu ao recurso, pugnando pela rejeição liminar do recurso ou, subsidiariamente, pelo seu não provimento.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- A R. é uma sociedade comercial com sede em Macau, regularmente constituída e inscrita na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis sob o número 2****(50); (alíneas A) dos factos assentes)
- A R. dedica-se, entre outras actividades, à actividade de transportes internacionais por via aérea e ao aluguer de aeronaves; (alíneas B) dos factos assentes)
- O A. foi contratado pela Ré no dia 2 de Junho de 2008 para, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, prestar a sua actividade de Capitão de aeronaves a partir do dia 1 de Julho de 2008, pelo prazo de dois anos, renovável automaticamente, mediante o pagamento de retribuição, nos termos dos documentos de folhas 20 a 26 os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos, tendo ficado convencionado que não haveria período experimental; (alíneas C) dos factos assentes)
- No final do mês de Maio de 2010, a Ré enviou ao Autor a carta cuja cópia consta de folhas 29 e aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos, onde escreveu que tinha decidido não renovar o contrato no final do seu termo em 30 de Junho de 2010; (alíneas D) dos factos assentes)
- Entre os meses de Julho e Setembro do ano 2008, o Autor prestou o seu trabalho em Macau; (alíneas E) dos factos assentes)
- Durante o mês de Setembro de 2008, a Ré solicitou ao Autor que se deslocasse para a Malásia, para aí prestar o seu trabalho, o que acontece ainda hoje, tendo o Autor a sua residência em Kuala Lumpur e aí prestando o seu serviço, quando não está a voar para Macau ou outros locais; (alíneas F) dos factos assentes)
- Durante os meses de Julho de 2008 a Junho de 2010, a Ré sempre pagou ao Autor a quantia de HKD$91,040.00 (equivalente a MOP$93,771.20); (alíneas G) dos factos assentes)
- A partir do mês de Julho de 2010, a Ré passou a pagar ao Autor mensalmente a quantia de MOP$90,000.00; (alíneas H) dos factos assentes)
- A Ré pagou ao Autor a quantia MOP$15.000,00 mensais a titulo de subsidio de renda até ao mês de Janeiro de 2009 e desde essa data até ao presente, a Ré passou a pagar mensalmente ao Autor apenas MOP$10,000.00; (alíneas I) dos factos assentes)
- Na cláusula IV. 4. do contrato celebrado no dia 2 de Junho de 2008 as partes acordaram que o Autor iria receber um suplemento salarial anual equivalente a um mês de ordenado por cada ano completo de serviço; (alíneas J) dos factos assentes e resposta ao quesito 2° da base instrutória)
- Apesar das inúmeras insistências do Autor, a Ré até à presente data, nunca pagou ao Autor o bónus anual referido na alínea anterior; (alíneas L) dos factos assentes)
- No período compreendido entre o início da relação laboral e o mês de Janeiro de 2010, o A. nunca gozou qualquer feriado obrigatório, nem gozou nenhum dia compensatório por trabalhar nesses dias; (alíneas M) dos factos assentes)
- O Autor trabalhou nos seguintes dias feriados obrigatórios:
. Ano de 2008 trabalhou 4 dias: Chong Chao (15 de Setembro), 1 de Outubro, Chong Yeong (7 de Outubro) e 20 de Dezembro;
. Ano de 2009 trabalhou 10 dias: 1 de Janeiro; Novo Ano Lunar (26, 27 e 28 de Janeiro); Dia de finados (4 de Março); 1 de Maio; Dia seguinte ao do Bolo Lunar (19 de Setembro); 1 de Outubro; Culto dos Antepassados (26 de Outubro); 20 de Dezembro;
. Ano de 2010 trabalhou 4 dias: 1 de Janeiro; Novo Ano Lunar (14, 15 e 16 de Fevereiro) (alíneas N) dos factos assentes)
- Entre o Autor e a Ré em 24.06.2010 foi celebrado novo contrato de trabalho cuja cópia consta de folhas 30 a 34 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (alíneas O) dos factos assentes)
- Entre outras tarefas, o Autor tem a responsabilidade máxima sobre a operação eficiente e segura de aeronaves, incluindo a respectiva tripulação e os passageiros.
a) Três dias por semana em que não voa, o Autor verifica o estado geral da aeronave, fazendo uma inspecção visual do exterior, compra e repõe o stock do material da cabine.
b) O Autor vai levantar as cartas aeronáuticas, cartas dos aeroportos, mapas e outros materiais actualizados, estuda-os, actualiza e organiza os mesmos.
c) Quando tem que voar, é o Autor quem faz o controlo pré-voo da aeronave, verifica o estado do tempo, verifica o estado geral da aeronave e a operação regular de todos os controlos e dispositivos de segurança do aparelho, certifica-se da regular operação de todos os sistemas de navegação e comunicação e dá as instruções pertinentes à tripulação.
d) Munido das informações sobre o peso e equilíbrio da aeronave, a rota, o tempo, número de passageiros e tripulação, elabora o plano de voo, calcula o combustível necessário, a rota e altitude.
e) Antes da descolagem, deve seguir as instruções da torre de controlo, cumprir as normas de ruído.
f) Durante o voo, deve compreender e interpretar os dados dos instrumentos e controlos, verificar a performance de todos os sistemas técnicos e posicionais, verificar o estado do tempo e o tráfego aéreo, respondendo com diligência a todas as alterações de contexto e emergências.
g) Depois do voo, actualiza o diário de bordo, elabora relatórios de voo e anota qualquer incidente ou problema técnico do aparelho, verificando se há fugas de óleo ou combustível, verifica a limpeza do aparelho. (Resposta ao quesito 1ºda base instrutória)
- A Ré ordenou ao Autor que permanecesse (stand by) contactável e com o telemóvel ligado 24 horas por dia, sete dias por semana, mesmo na altura em que trabalhava na Malásia, porque a qualquer momento poderia ser chamado para pilotar o avião. (Resposta aos quesitos 5° e 17° da base instrutória)
- O A. era chamado para pilotar o avião pelo menos um dia antes do dia do voo. (Resposta aos quesitos 6° e 7° da base instrutória)
- O A gozou todos os descansos semanais a que tinha direito durante a vigência de todos os contratos. (Resposta ao quesito 8° da base instrutória)
- A profissão do autor exige elevados níveis de concentração e responsabilidade. (Resposta ao quesito 10° da base instrutória)
- O Autor é trabalhador não residente em Macau. (Resposta ao quesito 13° da base instrutória)
- Até 26 de Janeiro de 2010 a Ré era apenas Operadora Privado de Aviões, sendo que a partir de 27 de Janeiro de 2010 passou a ter o Estatuto de Operadora Certificada, tendo deixado de poder obedecer apenas aos seus exclusivos desígnios para ter que passar a obedecer aos desígnios públicos impostos pela Autoridade de Aviação Civil de Macau, situação que determinou a alteração de todas as relações contratuais estabelecidas pela R com quaisquer terceiros. (Resposta ao quesito 14° da base instrutória)
- A partir de Fevereiro de 2010 em vez de ser o Piloto Chefe a marcar directamente com o Autor os seus descansos, passou a ter uma escala mensal de marcação. (Resposta ao quesito 16° da base instrutória)
- A Ré paga todos os meses ao Autor a quantia de MOP$3,772.00 a título de diuturnidades ou prémio de antiguidade. (Resposta ao quesito 18° da base instrutória)
- Nunca foi pedido ao Autor que indicasse à Ré os seus dias de folga. (Resposta ao quesito 20° da base instrutória).
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III – O Direito
Nota prévia
Começa-se pelo recurso da ré, em virtude de esta ter posto em causa o julgamento da matéria de facto, o que, em caso de procedência da impugnação, pode ter reflexos no desfecho do próprio recurso do autor.
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A – DO RECURSO DA RÉ
1 - Invocando erro no julgamento de facto, a ré recorre da sentença, para defender que:
- É falso que o A não tenha gozado os seus dias de descanso semanal;
- Não resulta de nenhum depoimento qualquer prova de que não pagou o 13º mês ao recorrente, e pelo contrário resulta dos autos documentação comprovativa de o haver pago em 12/10/2012 (documentos A e B juntos em 7/11/2012);
- Não foi feita prova de nunca ter gozado os feriados obrigatórios e que, além disso, está provado que, aqueles em que trabalhou foram pagos em 12/10/2012 (cits. docs. A e B);
- O subsídio de renda do mês de Janeiro de 2009 foi pago, pelo que a haver condenação deveria ter considerado apenas o período de Fevereiro de 2009 a Junho de 2010.
Por estas razões, pugna pela nulidade da sentença.
Apreciemos.
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2 – Da pretensa nulidade
Seguindo nos é dado crer, a recorrente suscitou a nulidade da sentença sem grande convicção, reconheçamo-lo, pois nem sequer invocou a disposição legal em que se suportou para a arguir.
De qualquer maneira, mesmo sem a invocação do art. 571º do CPC, somos desde já a concluir que o problema, tal como foi posto, não pode ser de nulidade. Na verdade, a recorrente limita-se a entender que o tribunal “a quo” julgou mal os factos e que, por assim ser, acabou por tomar uma má decisão. Só que isso, como é bom de ver, não representará a nulidade da sentença a que respeita o referido art. 571º.
Improcede, pois, a nulidade suscitada.
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3 – Da impugnação dos factos
3.1 – Dos dias de descanso semanal
Acha a recorrente que não foi feita prova de o autor não ter gozado os seus dias de descanso semanal.
Ora, quanto a esta matéria, o recurso é improcedente claramente, pela simples razão de que a sentença não condenou a ora recorrente a pagar ao autor o serviço alegadamente prestado nos dias que deveria ser de descanso semanal e compensatório. Basta ver o que na sentença foi afirmado a fls. 13, último parágrafo, para se concluir que o próprio julgador também entendeu que “não está provado nos autos que o Autor nunca gozou qualquer dia de descanso semanal nem dia de descanso compensatório”.
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3.2 – Do crédito salarial referente ao 13º mês.
A sentença condenou a ora recorrente a pagar ao autor MOP$ 187.542,40 (93.771,20 x 2 anos).
Afirma a ré/recorrente, no entanto, que pagou ao autor este crédito no dia 12/10/2012, conforme documentos A e B juntos em 7/11/2012 (fls. 122).
Verdade que esta matéria foi levada à matéria assente na alínea J) e L) no despacho saneador (fls. 151 e sgs.) e isso se deveu à circunstância de o autor a ter invocado nos arts. 19º e 20º da petição, o que foi aceite expressamente no art. 8º da contestação.
Contudo, a especificação da matéria de facto não faz caso julgado e pode ser alterada (a não ser em casos especiais em que a lei fornece certo valor de prova plena a alguns documentos), se os elementos obtidos nos autos, segundo o princípio da aquisição processual, apontarem em sentido diferente, tal como no-lo revelam os arts. 556º, nº 2 e 629º, do CPC.
Ora, o documento de fls. 122 mostra claramente que essa importância, e a esse título, foi depositada na conta bancária do Bank Of China, tendo o autor como beneficiário (fls. 123), sendo certo que este documento nunca foi impugnado.
Portanto, de acordo com os elementos em apreço, outra deveria ter sido a decisão sobre aquele facto. Razão pela qual o teor da alínea L) tem que ser alterado, de modo que a que fique a constar que a ré já efectuou o pagamento daquela quantia a título de bónus ou suplemento anual correspondente a um mês de salário (vulgo 13º mês).
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3.3 – Dos feriados obrigatórios
A sentença atribuiu ao autor o valor de MOP$ 168.788,16 a título de feriados obrigatórios correspondentes ao período em que o autor teria trabalhado nos anos de 2008, 2008 e 2010.
No recurso, a ré vem dizer não é verdade ter o autor sempre trabalhado nos dias feriados e acrescenta que aqueles em que trabalhou foram pagos, conforme documentação junta em 7/11/2012 nos autos.
Vejamos.
Quanto aos dias de trabalho prestado em períodos de feriado obrigatório, não temos dados para dar sustentação à posição da recorrente. Estamos, desta maneira, a acolher como boa a convicção do tribunal “a quo” no julgamento que fez dos factos, se melhores elementos não temos para a contrariar.
Quanto ao pagamento de alguns dias de serviço prestado em feriados obrigatórios, os documentos juntos a fls. 122 e sgs. revelam que a recorrente terá chegado a pagar, embora em singelo, alguns dias de feriado obrigatório entre 1/10/2008 e 20/12/2011.
Não se consegue, contudo, apurar o momento em que tal foi pago, nem o valor respectivo, visto que os documentos de depósito bancário de fls. 129 e 131 não discriminam esse pagamento.
Cremos, pois, que essa matéria deve ser relegada para liquidação em execução de sentença, alterando-se, no entanto, previamente o teor da alínea.
E nela, deverá seguir-se o critério de compensar pelo triplo os dias de serviço prestado nos feriados obrigatórios no período de vigência da Lei nº 24/89 e pelo dobro, no período de vigência da Lei nº 7/2008, sem prejuízo do montante pago em singelo.
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3.4 – Do subsídio de renda
Insurge-se também a recorrente contra a condenação neste crédito laboral, pois o correspondente a Janeiro de 2009 foi pago.
Tem toda a razão. Aliás, o próprio autor na petição inicial afirmou que a ré apenas tinha pago aquela quantia de 15000 patacas até Janeiro de 2009 (incluindo-o, obviamente) e que desde essa data apenas passou a receber 10000 patacas. E para o comprovar, juntou documentos (nºs 10, 11 e 13 a fls. 36, 37 e 39, respectivamente), em que se pode avistar que o primeiro pagamento do subsídio de renda no valor de 10000 ocorreu em Fevereiro de 2009. Razão pela qual o autor apenas inscreveu este crédito no documento de fls. 39 somente a partir de Fevereiro de 2009.
Em suma, o concernente a Janeiro foi pago.
Significa isto que o recurso merece proceder, parcialmente.
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B – DO RECURSO DO AUTOR
1 – O autor da acção, piloto de profissão, celebrou com a ré um contrato no dia 2/06/2008 para iniciar no 1/07/2008, e pelo prazo de 2 anos, uma relação laboral, renovável automaticamente. Portanto, essa relação terminaria no dia 30/06/2010.
Em Maio de 2010 recebeu uma carta da ré, comunicando-lhe que lhe comunicava a não renovação do contrato.
Mais tarde, em 24/06/2010, celebrou novo contrato com a ré, com um salário inferior ao do primitivo contrato. Após o termo deste contrato a relação laboral cessou definitivamente.
Veio, por isso, pedir a condenação da ré no pagamento de várias importâncias a títulos diversos, nomeadamente diferenças salariais, subsídio de renda, 13º mês, descansos semanais e compensatórios e feriados obrigatórios, tudo num total de MOP$ 1.781.727,01, e juros respectivos.
A acção foi julgada parcialmente procedente, vindo a ré a ser condenada a pagar-lhe a quantia de MOP$ 417.444,88, acrescida de juros de mora contados desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.
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2 – Do regime aplicável aos contratos
Vem agora o autor insurgir-se contra esta sentença, começando por tratar do regime aplicável ao contrato de trabalho.
A este respeito, a sentença considerou, e bem, que o autor era trabalhador não residente (TNR), o que significaria que lhe seria aplicável a Lei nº 21/2009, se não se desse o caso de a sua relação laboral ter sido iniciada em Julho de 2008 para vigorar até Julho de 2010. Mas ultrapassou essa dificuldade, aplicando ao caso o DL nº 24/89/M.
Deste entendimento discorda o recorrente, por entender que houve renovação do contrato ao abrigo do disposto nos arts. 24º da Lei nº 21/2009 e 22º da Lei nº 7/2008.
Vejamos.
Efectivamente, o “primeiro contrato” foi celebrado em Julho de 2008, quando ainda não havia legislação especial reguladora das relações laborais estabelecidas com TNR, apesar de o art. 3º do DL nº 24/89/M estabelecer no seu art. 3º, nº3, al. d) que as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não-residentes seriam reguladas por normas especiais que se encontrassem em vigor. O problema é que não havia normas em vigor para essas relações de trabalho!
Daí que se tivesse que aplicar por analogia as pertinentes normas do DL nº 24/89/M, tal como foi decidido nos Acs. do TSI, de 30/06/2011, nos Processos nºs 596/2010 e 805/2010.
A aplicação desse regime jurídico das relações de trabalho (DL 24/89/M) é assim inquestionável, relativamente ao “primeiro contrato”.
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2.1 - E quanto ao “segundo contrato”? Estaremos nós perante a continuação do primeiro? Poder-se-á falar de um novo contrato? Ou será que teremos que falar num mesmo contrato prolongado?
Note-se que este 2º contrato foi celebrado em 24/06/2010, num altura em que ainda estava em vigor o 1º (que só terminava em 30/06/2010) e em que já vigorava a Lei nº 21/2009.
Ora, o art. 24º desta Lei nº 21/2009 dispõe que o contrato não está sujeito a renovação automática (nº3), mas pode ser renovado “sem limite temporal nem do número de renovações” (nº4). Ou seja, apesar de não permitir renovações automáticas, ao menos tolera que as partes se ponham de acordo para efectuar uma ou mais renovações. E estas renovações estão sujeitas à verificação das exigências materiais da sua celebração (nº 5).
De acordo com o art. 22º da Lei nº 7/2008 (agora aplicável à situação no momento em que foi celebrado o 2º contrato), “Considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de renovação” (nº4), “…contando-se a antiguidade do trabalhador desde o início da produção de efeitos do primeiro contrato, com excepção do período que medeia entre os contratos” (nº 5). Ou seja, não se estaria perante uma sucessão de dois contratos distintos e autónomos entre si. Esta mesma ideia está patente em arestos portugueses, que aqui citamos a título de exemplo e em sede de direito comparado (cfr. Ac. do STJ, de 16 de Dezembro de 2010, tirado na Revista n.º 3/07.5TTBRR.L1.S1; tb. de 9/10/2013, Proc. nº 1104/10).
Ora bem. O recorrente advoga que o facto de a lei dizer que existe um “único contrato” impediria baixar as condições do anterior, nomeadamente as que diziam respeito ao valor da remuneração.
Não é bem assim, como diz o recorrente. Não há dúvida que o contrato é único, em caso de renovação, tal como o proclama o citado art. 22º, nº4 da Lei nº 7/2008.
Trata-se de uma disposição equivalente à que já existiu em Portugal (art. 140º, nº5, do Código de Trabalho e que actualmente está vazada no art. 149º, nº4 do Novo Código de Trabalho introduzido pela Lei nº 7/2009).
Ora, sobre esta disposição a doutrina tem entendido que “a renovação não consubstancia acto constitutivo de novo contrato, mas alteração do existente, que se mantém” (Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 2ª ed., 2004, pág. 252). A renovação tem interesse com vista a ser contemplada antiguidade do trabalhador, para efeito de diuturnidades e outras regalias referentes ao tempo da relação, mas ao que se supõe não interfere com a modificação substancial da relação. Para esse efeito, sendo único, o contrato renova-se por igual período, mas do ponto de vista das condições materiais “não é o mesmo”, necessariamente.
É por isso que, se as partes se limitarem a renovarem o contrato anterior caducado sem mais, o renovado mantém-se materialmente com igual conteúdo. Mas se, diferentemente, tiverem motivos justificados para a celebração de um outro contrato a termo certo distinto do primeiro, não deve entender-se que se esteja perante um único contrato, “mas sim dois contratos diversos” (Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Anotado – Lei nº 7/2009, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pág. 393).
Diz-se, aliás, que “I - A renovação do contrato a prazo ou a termo pode ser tácita ou expressa, esta com a celebração de um novo contrato, existindo assim um só contrato. II – Se a renovação for expressa, pode haver alteração das condições anteriores.” (Ac. da Relação de Coimbra, de 13/05/1992, in Colec. Jurisprudência 1992, III, pág. 158).
Significa isto que a circunstância de ter celebrado um novo contrato, ainda antes do termo do anterior, além de possível (Ac. do STJ, de 27/04/2006, in AD nº 540, pág. 2058), não implicava a reiteração imperativa das cláusulas anteriores.
Aliás, que assim é basta ver o próprio nº 2 do art. 22º da Lei nº 7/2008, que estipula que “A renovação do contrato está sujeita à verificação das exigências….de forma no caso de alteração das menções obrigatórias previstas no nº 1 do artigo 20º”. E entre essas menções está a categoria profissional, as funções acordadas e a respectiva remuneração (art. 20º, nº1, al. 3)). Portanto, que a alteração das condições do contrato pode ser feita parece indiscutível. O que significa que o salário podia ser diminuído, o 13º mês podia deixar de ser previsto e o subsídio de renda podia ter descido de 15 mil para 10 mil patacas, tal como aconteceu.
Quando o art. 10º, al. 5) da Lei nº 7/2008 proíbe que o empregador diminua a remuneração de base do trabalhador, salvo nos casos permitidos por lei, está a fazê-lo pensando durante a execução do contrato de trabalho, isto é, durante o mesmo período para o qual o trabalhador foi contratado a termo ou, no caso de ser sem termo, durante a relação de trabalho estabelecida entre ambos. O que não era o caso.
Neste entendimento, então também não concordamos que a diminuição fosse necessariamente enquadrada no disposto no art. 59º, nº5, da Lei nº 7/2008, segundo o qual “A remuneração de base só pode ser diminuída mediante acordo escrito entre as partes, o qual só produz efeitos após comunicação à DSAL, a efectuar pelo empregador no prazo de dez dias”. Estamos convencidos de que esta necessidade de comunicação à DSAL apenas será obrigatória quando no decurso de um contrato ambas as partes acordam na diminuição do salário do trabalhador. Não é o que aqui se está em discussão.
Neste caso, tendo ocorrido a caducidade do anterior contrato, nada obstava que o novo (mesmo que celebrado ainda na recta final do anterior) tivesse um clausulado diferente, desde que estabelecido por convenção ou consenso, tal como aqui sucedeu.
Por esta razão não vemos motivo para dizer que as normas legais citadas e outras da lei deveriam ser interpretadas no sentido mais favorável ao trabalhador e que, assim não tendo sido feito, elas teriam sido violadas. Não concordamos por tudo o que já expusemos.
Assim, não se pode dizer ter andado mal a 1ª instância a respeito desta situação, nomeadamente quanto à lei aplicável.
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3 – Dos juros de mora
A sentença condenou a ré a pagar ao autor a quantia de MOP$ 417.444,88, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data da sua prolação até ao efectivo pagamento, nos termos do art. 794º, nº4, do CC, em conjugação com a jurisprudência fixada no Ac. do TUI, de 2/03/2011, no Proc. nº 69/2010.
Pois bem.
No Ac. deste TSI, de 7/07/2011, Proc. nº 49/2008 foi dito o seguinte:
“Não tendo o pagamento sido feito em tempo, considera-se que o empregador se constituiu em mora, ficando a partir desse momento obrigado a reparar os danos causados ao trabalhador-credor (art. 793º do C.C.).
O art. 794º do Cod. Civil estabelece, por seu turno, o momento da constituição em mora, apresentando como regra geral o da interpelação judicial ou extrajudicial para o respectivo cumprimento feita pelo credor (n. 1), ao mesmo tempo que estabelece excepções (n.2). Contudo, para os casos em que o crédito é ilíquido1 no momento em que é reclamado judicialmente – como sucede nos autos – a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido (n.4), o que, em regra, sucederá com a sentença da 1ª instância pois é nesse instante que o direito fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.
Só que a definição do direito pode não ter ainda um carácter definitivo, atendendo ao facto de poder haver recurso jurisdicional da sentença. Portanto, o trânsito da sentença é crucial, na medida em que estabiliza o julgado. Mas também aqui há que distinguir entre duas situações, conforme a decisão do recurso confirma ou não a sentença recorrida. Se a confirmação é total, a liquidez definida na 1ª instância mantém-se e, então, entende-se que a mora se reporta à data da sentença. Se a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do direito (leia-se, do crédito), então a mora começa a contar-se somente a partir da data desta.
Esta tem sido a posição deste TSI (v.g., Acs. de 22/06/2006, Proc. n. 14/06 e de 12/03/2009, Proc. n. 683/2007), recentemente confirmada em acórdão do TUI tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010)”
O aresto transcrito foi produzido tomando em linha de conta o DL nº 24/89/M. Foi à luz deste diploma que o TSI estabeleceu a sua fundamentação e parte dispositiva condenatória.
Verdade que aquele DL nº 24/89/M não continha nenhuma disposição sobre mora do empregador equivalente à que a Lei nº 7/2008 introduziu no art. 62º, nº4. Este inciso legal, com efeito, diz agora que “O empregador fica constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, o trabalhador não puder dispor do montante da remuneração de base no tempo devido”. E o tempo devido é o “prazo de nove dias úteis, contados da data do vencimento da obrigação” (nº3).
Pensamos, no entanto, que não há razão para alterar a jurisprudência acima citada e que este TSI tem seguido incessantemente. É que, apesar da citada norma da Lei nº 7/2008, continuamos a estar perante um crédito ilíquido, que só a sentença definiu e tornou líquido e da qual nós, TSI, mesmo assim discordamos parcialmente, como atrás se viu. E a iliquidez não é imputável ao devedor, mas sim à circunstância de só após a prova efectuada em sede de julgamento e à posterior subsunção dos factos ao direito efectuada na decisão judicial sindicada se terem por certos quais os créditos laborais a que o autor tem direito e o respectivo montante.
Assim, é de manter a posição jurisprudencial acima transcrita, a qual aqui uma vez mais reiteramos na aplicação ao presente caso, indo improcedente tudo o que o recorrente a este propósito explanou em sentido contrário nas suas alegações e conclusões do recurso a propósito dos artigos 794º, 795º do CC, 62º da Lei nº 7/2008.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar:
1 - Parcialmente procedente o recurso da Ré/recorrente e, em consequência:
a) - Altera-se o teor da alínea L) da matéria de facto assente, que passará a ter a seguinte redacção:
“ A ré efectuou o pagamento do bónus anual (13º mês) no valor de MOP$ 187.542,40 por depósito bancário no Bank of China Macau Branch no dia 12/10/2012“.
b) - Altera-se o teor da alínea I) da matéria de facto assente, que passará a ter a seguinte redacção:
“A ré pagou ao Autor a quantia de MOP$ 15.000,00 a título de subsídio de renda até ao mês de Janeiro inclusive e desde Fevereiro em diante, a Ré passou a pagar mensalmente ao Autor apenas MOP$ 10.000,00”
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2 – Revoga-se a sentença na parte referente:
a) - À liquidação a que procedeu na condenação da Ré no pagamento do serviço prestado pelo autor nos feriados obrigatórios e relega-se a liquidação do valor dos respectivos créditos a esse título entre 1/10/2008 e até 16/02/2010 para execução de sentença.
b) – À condenação da Ré no pagamento do subsídio de renda, cujo valor se reduz de MOP$ 90.000,00 pra 85.000,00.
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3 – Julga-se improcedente o recurso do autor.
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4 – Condena-se a Ré no pagamento da importância de MOP$ 85.000,00, ora liquidada, bem como no que se vier a apurar em sede execução de sentença de acordo com o ponto 2.a) supra, tudo acrescido de juros de mora nos termos definidos pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no Processo nº 69/2010.
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Custas pelos recorrentes na proporção do decaimento.
T.S.I., 26 de Julho de 2018
Relator José Cândido de Pinho
Primeiro Juiz-Adjunto Tong Hio Fong (vencido quanto à parte dos feriados obrigatórios por entender que na vigência do DL. nº. 24/89/M, além do valor do salário recebido ef, digo, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois dias de salário)
Segundo Juiz-Adjunto Lai Kin Hong
1 2 A obrigação diz-se ilíquida quando, apesar de existência certa, o seu montante não está ainda apurado (Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed., pag. 113).
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200/2018 1