Processo nº 671/2018 Data: 06.09.2018
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “detenção de utensilagem”.
“Garrafa de plástico”.
Absolvição.
SUMÁRIO
A condenação, ou não, pelo crime de “detenção de utensilagem” do art. 15° da Lei n.° 17/2009, pode depender de vários factores, entendimento havendo que considera que o crime em questão quando cometido pelo mesmo agente do crime de “consumo ilícito de estupefacientes” está numa relação de “concurso aparente”, ou de “unidade criminosa”, tendo-se também defendido que (meros) “instrumentos ou utensílios sem durabilidade”, e que não sejam “especificamente destinados ao consumo de estupefaciente” não devem ser considerados para efeitos de integração no dito crime.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 671/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, (1°) arguido com os sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8° da Lei n.° 17/2009, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 mês de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 mês de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão; (cfr., fls. 197 a 205-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado, veio o arguido recorrer para pedir apenas a absolvição pelo crime de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009; (cfr., fls. 212 a 215).
*
Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 217 a 218).
*
Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Recorre A do acórdão exarado a fls. 197 e seguintes dos autos, que o condenou na pena conjunta de 4 anos e 4 meses de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares de 4 anos e 3 meses, 1 mês e 1 mês, aplicadas respectivamente pelos crimes de tráfico de droga, consumo de droga e detenção indevida de utensílio ou equipamento.
Restringe a motivação de recurso à condenação pelo crime de detenção indevida de utensílio, pugnando pela sua absolvição.
Na sua minuta de resposta à motivação, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, fazendo-o de forma que reputamos adequada e a que damos a nossa adesão, não muito mais havendo a acrescentar.
O recorrente acha que, no caso, não se está perante instrumentos produzidos ou vendidos especificamente para consumo de drogas, pelo que, na falta dessa especificidade em termos de uso, não podiam ser usados prolongadamente, e chama em abono da sua pretensão dois acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância.
Sabemos que a jurisprudência não tem adoptado entendimento uniforme sobre esta questão. Temos para nós, porém, que, no caso, a condenação autónoma pelo crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento não merece reparo. Se num concreto acto de consumo o agente esgota o utensílio ou equipamento, funcionando este como meio necessário e indispensável ao acto de consumo, não há justificação para a punição autónoma, atenta a unidade de acção, a relação de causalidade entre consumo e utilização da utensilagem, bem como a similitude dos bens jurídicos protegidos pelas normas de incriminação. Se tal não sucede, e o agente, além de haver consumido produto estupefaciente, conserva e detém igualmente ferramentas ou utensílios que podem proporcionar o consumo posterior, como pensamos suceder no caso em análise, não se vê como contrapor à violação de dois tipos de ilícito diversos uma relação de consumpção justificativa da absolvição pelo crime de detenção indevida de utensilagem.
Improcede, pois, o fundamento do recurso.
Ante o que sucintamente se deixa dito, vai o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 268 a 268-v).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 199 a 200-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8° da Lei n.° 17/2009, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 mês de prisão, e 1 outro de “detenção de utensilagem”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, na pena de 1 mês de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão.
Bate-se – apenas – pela sua absolvição em relação ao crime de “detenção de utensilagem”.
–– Pois bem, sobre a questão, e tanto quanto julgamos saber, várias são as soluções possíveis, e que – perante as circunstâncias da situação em concreto – se tem vindo a adoptar.
De facto, entendimento existe que considera que o crime em questão quando cometido pelo mesmo agente do crime de “consumo ilícito de estupefacientes” está numa relação de “concurso aparente”, ou de “unidade criminosa”, certo sendo que também se tem defendido que (meros) “instrumentos ou utensílios sem durabilidade”, e que não sejam “especificamente destinados ao consumo de estupefaciente” não devem ser considerados para efeitos de integração do previsto no art. 15° que prevê o crime de “detenção de utensilagem”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. de 23.03.2017, Proc. n.° 223/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017, de 18.01.2018, Proc. n.° 1068/2017, e, mais recentemente, de 28.06.2018, Proc. n.° 264/2018).
No caso dos autos, considerando a “natureza do objecto” em questão, uma (mera) “garrafa de plástico”, de uso corrente para o consumo de água ou de outro refrigerante, (cfr., fls. 34, 35 e 83), e adoptando a maioria deste Colectivo a última das aludidas posições, há que revogar a condenação do arguido recorrente em relação ao crime do art. 15° da Lei n.° 17/2009.
–– Com o assim decidido, importa agora avançar para o cálculo de uma nova “pena única”.
E, nesta conformidade, tento presente as penas aplicadas aos crimes de “tráfico” e “consumo”, respectivamente, (de 4 anos e 3 meses de prisão e de 1 mês de prisão), e atento o estatuído no art. 71° do C.P.M., apresenta-se justa e equilibrada a pena única de 4 anos, 3 meses e 15 dias de prisão.
Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, absolvendo-se o arguido do crime de “detenção indevida de utensílio” do art. 15° da Lei n.° 17/2009, ficando o mesmo condenado na pena única de 4 anos, 3 meses e 15 dias de prisão.
Sem custas.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 06 de Setembro de 2018
José Maria Dias Azedo [Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, dou como reproduzido o entendimento que explanei na declaração de voto anexa ao Ac. de 31.03.2011, Proc. n.° 81/2011].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 671/2018 Pág. 10
Proc. 671/2018 Pág. 9