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Processo nº 677/2018 Data: 06.09.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “roubo”.
Crime de “arma proibida”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
C.R.C..


SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre (toda) a matéria objecto do processo, ou seja, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição, (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, podiam a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, determinando uma alteração de direito.
No fundo, a “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes, e os factos provados não permitem, com a segurança necessária, uma decisão justa.

2. Provado estando que o arguido tinha sido condenado com trânsito em julgado ocorrido antes da audiência de julgamento e que nesta declarou confirmar o teor do seu C.R.C. junto aos autos de onde constava tal condenação, nenhuma “insuficiência” existe se aquela condenação foi objecto de ponderação na fixação da pena que se decretou, (sendo mesmo de notar que mal seria se assim não tivesse sucedido).

O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 677/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2, al. b) conjugado com o art. 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, e 1 outro de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. d) e art. 6°, n,° 1, al. b) do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão, e no pagamento de HKD$130.000,00 de indemnização à ofendida dos autos; (cfr., fls. 245 a 252-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para concluir afirmando o que segue:

“I. Por acórdão de 27 de Outubro de 2017, proferido nos autos supra referenciados, foi a ora Recorrente condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 204.°, n.° 1 e n.° 2 alínea b), conjugado com o artigo 198.°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo n.° 1 do artigo 262.° conjugado com artigo 6.°, n.° 1, alínea b) e artigo 1.°, n.° 1, alínea d), ambos do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, cujo cúmulo resulta numa pena única de 8 anos de prisão efectiva.
II. Na audiência de discussão e julgamento, não foi provado que o Recorrente tivera conhecimento pessoal da decisão proferida nos auto do Proc. n.° CR4-16-0453-PCC no momento da prática de crimes em causa, a circunstãncia desfavorável não foi provada nos presentes autos.
III. Para que o Recorrente seja aplicada a pena única de 8 anos de prisão efectiva, o Tribunal a quo considerou circunstância não provada que é: o Recorrente ter praticado os factos dos presentes autos dentro do prazo de suspensão da pena do crime antecedente;
IV. O acórdão condenatório, salvo o muito e devido respeito, padece do vício da alínea a) do n.° 2 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, isto é, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”; (cfr., fls. 258 a 262).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 264 a 266).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Submetido a julgamento em processo comum perante tribunal colectivo, foi o ora recorrente A condenado, pela prática de um crime de roubo e de um crime de detenção de arma proibida, na pena global de 8 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de 6 anos e 6 meses e de 3 anos e 6 meses de prisão, que lhe foram impostas, respectivamente, por cada um daqueles crimes.
Vem interpor recurso do acórdão condenatório, impetrando pena mais leve, porquanto o acórdão recorrido teria valorado – indevidamente, a seu ver – a circunstância de os crimes haverem sido cometidos no período de suspensão da execução de pena que anteriormente lhe fora aplicada, sem que apurasse se o recorrente havia tomado conhecimento pessoal da referida suspensão da execução da pena, o que, na sua óptica, integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público em primeira instância rebate a pretensão do recorrente, entendendo que não se verifica o imputado vício e que não há espaço para a pretendida redução de pena.
Também nos parece que o recorrente não tem razão.
Entre as diversas circunstâncias ponderadas, na determinação da medida da pena, o acórdão aludiu ao antecedente criminal do arguido, como não podia deixar de ser, demonstrado que estava ele, no processo, através do respectivo certificado de registo criminal. E para o que ora interessa foi dado como provado que, em 27 de Outubro de 2017, no âmbito do processo CR4-16-0453-PCC, o arguido foi condenado pela prática de um crime de usura para jogo, com aceitação/exigência de documento de identificação, na pena de dois anos e três meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dois anos, tendo a decisão transitado em julgado em 16 de Novembro de 2017, não se mostrando ainda decorrido o prazo de suspensão da execução dessa pena.
É esta a matéria de facto que, conjugada com a que respeita à data da prática dos factos em apreciação no acórdão – 21 de Dezembro de 2017 –, respalda, de modo irrefutável, a afirmação, vertida no acórdão impugnado, de que o arguido cometeu os factos dentro do prazo de suspensão da pena do crime antecedente.
Não se divisa, pois, onde reside a imputada insuficiência.
A dúvida esgrimida pelo recorrente acerca de ter tomado, ou não, conhecimento pessoal da referida suspensão antes do cometimento dos factos apreciados pelo acórdão impugnado em nada belisca a suficiência da matéria de facto para a produção daquela afirmação.
Mesmo que porventura não tivesse ainda tomado conhecimento da suspensão da execução da pena anterior, aquando do cometimento dos factos delituosos agora submetidos a julgamento – o que não resulta esclarecido, nem era, cremos, um facto cujo esclarecimento se impusesse – é evidente e irrefutável, face à matéria de facto dada por provada, que estes foram cometidos no período de suspensão da execução da pena do crime antecedente.
A afirmação e o que ela possa representar na determinação da medida da pena estão, pois, ancorados em suficiente matéria de facto.
Soçobra a argumentação do recorrente e improcede o vício imputado ao acórdão, pelo que deve negar-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 334 a 335).

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Nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 247 a 248-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 1 e 2, al. b) conjugado com o art. 198°, n.° 1, al. a) do C.P.M., na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, e 1 outro de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. d) e art. 6°, n,° 1, al. b) do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão.

Imputa ao Acórdão recorrido o vício de “excesso de pena”, alegando haver também “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Porém, apresenta-se-nos claro que incorre em equívoco, nenhuma razão lhe assistindo.

Vejamos.

Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.12.2017, Proc. n.° 1081/2017, de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017 e de 14.06.2018, Proc. n.° 451/2018, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

No caso, em sede da “decisão da matéria de facto provada”, e para o que aqui agora importa, consignou-se (também) que:

“Mais se provaram os seguintes na audiência:
Do Certificado de Registo Criminal do arguido resultou que o mesmo não é primário, tendo o seguinte antecedente criminal:
1. No dia 27 de Outubro de 2017, o arguido, no âmbito do processo nº CR4-16-0453-PCC, foi condenado pela prática de um crime de usura para jogo e de aceitação ou exigência de documento de identificação para servir de garantia, na pena de dois anos e três meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dois anos. Ao arguido foi ainda aplicada a pena acessória de interdição de entrada em todos os casinos em Macau pelo período de dois anos e seis meses. A decisão transitou em julgado no dia 16 de Novembro de 2017. Ainda não decorreu o prazo de suspensão de execução da pena”; (cfr., fls. 299 a 300).

E, perante isto, e apurado estando que os factos dos presentes autos ocorreram em 21.12.2017, mal se compreende o inconformismo do ora recorrente, (embora se nos apresente conclusiva a afirmação quanto ao (não) “decurso do prazo de suspensão da execução da pena”).

Dito isto, (e seja como for) visto está que nenhuma razão tem o recorrente, sendo pois, atento o princípio da economia processual, de dar aqui como integralmente reproduzido o que o Exmo. Representante do Ministério Público consignou no seu douto Parecer como solução do presente recurso.

Seja como for, não se deixa de consignar a nota que segue.

Alega o recorrente que provado não está que “teve conhecimento da sua anterior condenação no âmbito do dito processo CR4-16-0453-PCC”.

Porém, basta uma mera consulta aos autos para se ver que tal condenação consta do seu C.R.C. a fls. 222 e segs., que a certidão do respectivo Acórdão condenatório com nota de trânsito em julgado consta a fls. 228 e segs., sendo de se referir que, em sede da audiência de julgamento do presente processo, e quando inquirido sobre os seus antecedentes criminais, declarou o recorrente confirmar todo o teor do seu C.R.C. junto aos autos; (cfr., fls. 243 a 244).

Perante isto, mais não se mostra de dizer.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 04 de Setembro de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 677/2018 Pág. 16

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