Processo n.º 617/2018 Data do acórdão: 2018-9-6 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– passagem de moeda falsa
– acto de pagamento sem êxito com cartão de crédito falso
– crime tentado
S U M Á R I O
Os actos de pagamento, sem êxito, com cartão de crédito falso devem ser qualificados como crimes tentados, e não consumados, de passagem de moeda falsa.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 617/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 667 a 681 do Processo Comum Colectivo n.o CR1-17-0401-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base:
– o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de oito crimes consumados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de um ano de prisão por cada, e de um crime consumado continuado de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do CP, na pena de um ano de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas nove penas parcelares, finalmente na pena única de quatro anos de prisão.
Inconformado, veio esse arguido recorrer desse acórdão para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado (no seu essencial) e rogado o seguinte, na sua motivação apresentada a fls. 699 a 710 dos presentes autos correspondentes:
– os factos provados 7 e 11 descritos na fundamentação fáctica do acórdão recorrido dariam para integrar três crimes tentados de passagem de moeda falsa como vinha ele acusado pelo Ministério Público;
– deveria ele ser condenado a final em sete crimes consumados de passagem de moeda falsa (um dos quais praticado na forma continuada) e em dois crimes tentados de passagem de moeda falsa, com nova medida da pena;
– e mesmo que assim não se entendesse, teria havido sempre excesso na medida da pena feita no aresto recorrido, com violação do disposto nos art.os 40.o e 65.o do CP.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido a fls. 748 a 755 no sentido de provimento do recurso apenas na parte respeitante à questão de crimes tentados.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, emitiu parecer a fls. 775 a 777v, entendendo que só procederia a questão de crimes tentados levantada pelo recorrente, e que, oficiosamente falando, não haveria no caso qualquer crime consumado continuado de passagem de moeda falsa (por não se vislumbrar qualquer situação exterior que teria diminuído consideravelmente o grau de culpa do recorrente, devendo, pois, a qualificação jurídico-penal dos factos provados ser alterada em conformidade).
Concluído o exame preliminar (com prévia notificação do recorrente da eventualidade de ser alterada oficiosamente a qualificação jurídico-penal dos factos nos termos opinados no dito parecer, não tendo o recorrente respondido a isso) e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
A. O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 667 a 681, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica e jurídica) se dá por aqui integralmente reproduzido.
B. Segundo a factualidade dada por provada e descrita nesse acórdão:
– 1) em 18 de Março de 2017, o recorrente comprou um bilhete de aviação no valor de MOP1.018,00, e pagou com sucesso esse preço com um cartão de crédito falso (cfr. a primeira parte do facto provado 3);
– 2) nesse dia, em momento depois, o recorrente comprou, num mesmo balcão de venda, dois conjuntos de bilhetes de avião no valor, respectivamente, de MOP1.298,00 e MOP1.397,00, e pagou com sucesso com um cartão de crédito falso (cfr. a segunda parte do facto provado 3);
– 3) nesse dia, cerca das 23:52 horas, o recorrente pagou, com sucesso, com um cartão de crédito falso, uma noite de quarto de hotel pelo preço de MOP2.642,70 (cfr. o facto provado 4);
– 4) em 19 de Março de 2017, cerca das 11:18 horas, o recorrente pagou, com sucesso, com um cartão de crédito falso, duas noites de quarto de hotel pelo preço de MOP3.445,40 (cfr. o facto provado 5);
– 5) nesse mesmo dia 19 de Março de 2017, cerca das 12:00 horas, o recorrente comprou duas mochilas de MOP16.000,00 e MOP17.100,00 de valor venal, e pagou-as com um cartão de crédito falso, mas sem sucesso (cfr. a primeira parte do facto provado 7);
– 6) então voltou o recorrente a pagar essas duas mochilas com um outro cartão de crédito falso, e já com sucesso (cfr. a segunda parte do facto provado 7);
– 7) nesse mesmo dia 19 de Março de 2017, cerca das 15:51 horas, o recorrente pagou, com sucesso, com um cartão de crédito falso, uma refeição pelo preço de MOP943,00 (cfr. o facto provado 8);
– 8) em 20 de Março de 2017, cerca das 15:00 horas, o recorrente pagou, com sucesso, com um cartão de crédito falso, uma mala pelo preço de MOP5.500,00 (cfr. o facto provado 9);
– 9) nesse mesmo dia 20 de Março de 2017, cerca das 16:00 horas, o recorrente comprou duas malas de mão; ao pagá-las, usou um cartão de crédito falso, o qual lhe foi devolvido pelo empregado de venda depois de este obter a informação do respectivo centro de cartão de crédito no sentido de haver problema com o cartão (cfr. a primeira parte do facto provado 11);
– 10) assim, voltou o recorrente a pagar essas duas malas de mão com um outro cartão de crédito falso, tendo o mesmo emprego de venda obtido informação do respectivo centro de cartão de crédito no sentido de haver problema com esse cartão (cfr. a segunda parte do facto provado 11).
C. Da fundamentação jurídica do acórdão recorrido, retira-se que o Tribunal recorrido considerou que:
– o acto de pagamento com cartão de crédito falso, mas sem sucesso, como tal referido na primeira parte do facto provado 7, e os dois actos de pagamento com cartão de crédito falso, também tudo sem sucesso, como tal referidos no facto provado 11 devem ser considerados também como actos de consumação de três crimes de passagem de moeda falsa, por um lado, e, por outro, estes dois últimos actos devem ser considerados como integrando um só crime continuado de passagem de moeda falsa;
– raciocínio esse que levou o mesmo Tribunal recorrido a condenar finalmente o recorrente pela prática de nove crimes consumados de passagem de moeda falsa, um dos quais considerado cometido na forma continuada.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Como questão principal posta no recurso, o recorrente veio insurgir-se contra a qualificação jurídico-penal dos factos provados feita pelo Tribunal recorrido, opinando ele que os factos provados 7 e 11 dariam para integrar, em princípio, três crimes tentados de passagem de moeda falsa, tal como vinha ele inicialmente acusado.
Procede esta objecção levantada pelo recorrente, porquanto na esteira do critério adoptado e já veiculado no acórdão do TSI de 17 de Março de 2011 no Processo n.o 913/2010, e seguido também no acórdão do TSI de 14 de Março de 2013 no Processo n.o 922/2012, aqueles três actos de pagamento, sem êxito, com cartão de crédito falso devem ser qualificados como crimes tentados, e não consumados, de passagem de moeda falsa, pelo que o recorrente tem que passar a ser condenado como autor material, na forma consumada, desses três crimes tentados.
Entretanto, quanto à pretensão do recorrente de haver também crime continuado, a solução fica a descontento dele, uma vez que na esteira do entendimento já assumido nos ditos dois acórdãos do TSI sobre casos fácticos semelhantes, não se vislumbra também, ante toda a factualidade já dada por provada no acórdão ora recorrido, que haja qualquer situação exterior susceptível de diminuir consideravelmente a culpa do ora recorrente na prática dos delitos (quer consumados quer tentados) de passagem de moeda falsa, pelo que não se lhe aplica a figura de crime continuado de que se fala no n.o 2 do art.o 29.o do CP.
Assim sendo, em suma, perante os actos do recorrente de pagamento com cartão de crédito falso tudo já referidos nas dez alíneas do ponto B da parte II do presente acórdão de recurso, há que passar a condenar o recorrente, como autor material, de sete crimes consumados de passagem de moeda falsa, e de três crimes tentados de passagem de moeda falsa, como vinha ele inicialmente acusado pelo Ministério Público.
No tocante à medida da pena, é de louvar in totum o julgado já feito em primeira instância quanto aos sete crimes consumados de passagem de moeda falsa a que correspondem os sete actos de pagamento com sucesso referidos nas alíneas 1) a 4) e 6) a 8) do ponto B da parte II do presente acórdão de recurso: ou seja, um ano de prisão para cada um desses sete actos de pagamento com sucesso, dentro da moldura penal aplicável de um mês a cinco anos de prisão (cfr. o art.o 255.o, n.o 1, alínea a), e o art.o 41.o, n.o 1, ambos do CP).
E agora quanto aos três crimes tentados acima referidos, cada um dos quais puníveis com pena de prisão de um mês a três anos e quatro meses de prisão (cfr. os art.os 22.o, n.os 1 e 2, e 67.o, n.o 1, alíneas a) e b), do CP): afigura-se ser de impor ao recorrente sete meses de prisão por cada um desses três crimes tentados, aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP.
Em cúmulo jurídico das dez penas de prisão em causa (sete das quais em um ano de prisão e as restantes três em sete meses de prisão), dentro da moldura penal aplicável de um ano a oito anos e nove meses de prisão, é de condenar o recorrente em três anos de prisão única, nos termos do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, pena única essa que não se suspende na sua execução, dadas as elevadas exigências de prevenção geral do tipo legal de passagem de moeda falsa praticado por pessoas vindas do exterior de Macau.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a condenar o arguido como autor material de sete crimes consumados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), e 257.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, na pena de um ano de prisão por cada, e de três crimes tentados de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos art.os 255.o, n.o 1, alínea a), 257.o, n.o 1, alínea b), 21.o e 22.o, n.os 1 e 2, do mesmo Código, na pena de sete meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas dez penas parcelares, finalmente na pena única de três anos de prisão efectiva.
Pagará o recorrente 2/3 das custas do seu recurso e duas UC de taxa de justiça por causa do decaimento parcial do recurso. Fixam em duas mil e cem patacas os honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso, sendo 2/3 dessa quantia por conta do recorrente e o restante 1/3 suportado pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao Serviço de Acção Penal do Ministério Público (com referência ao ofício de fl. 771).
Macau, 6 de Setembro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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