--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------------------
--- Data: 06/09/2018 --------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo ---------------------------------------------------------------------
Processo nº 718/2018
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu em audiência Colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como co-autor material da prática em concurso real de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, e 1 outro de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 e 2, al. a) do C.P.M., na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos; (cfr., fls. 298 a 306-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que a decisão recorrida padecia do vício de “errada qualificação jurídica” quanto ao crime de “sequestro”, que a sua conduta apenas preenche os elementos típicos do art. 152°, n.° 1 do C.P.M. – e não, do n.° 2, al. a) – considerando também que apenas teve uma “participação diminuta” no crime de “usura para jogo”, pedindo a redução e suspensão da execução da pena única em que foi condenado; (cfr., fls. 328 a 335).
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Respondendo, pugna o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 339 a 342).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Recorre A do acórdão exarado a fls. 298 e seguintes dos autos, que o condenou na pena conjunta de 4 anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares de 3 anos e 9 meses e de 9 meses, aplicadas respectivamente pelos crimes de sequestro e de usura para jogo.
Entende, relativamente ao sequestro, que a matéria provada não permite a integração da conduta na agravação prevista no artigo 152.°, n.° 2, alínea a), do Código Penal, o que inculcaria a sua absolvição ou uma pena menos gravosa, e que, quanto à usura, a sua escassa comparticipação e a circunstância de ser primário e jovem justificavam pena mais branda. Do que conclui que a pena global não deveria ter ido além dos 3 anos de prisão e que a sua execução deveria ser objecto de suspensão.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, fazendo-o de forma que reputamos adequada e bastante, a que damos a nossa adesão, não havendo muito mais a acrescentar.
Desde logo, não explicita minimamente o recorrente as razões por que defende a sua absolvição, ante uma hipotética inverificação da circunstância prevista no n.° 2, alínea a), do artigo 152.° do Código Penal. Se porventura não devesse operar a agravante, isso não acarretaria, por si só, a absolvição, mas sim uma punição balizada pela moldura do tipo simples.
Parece-nos, contudo, óbvio, face à matéria de facto provada, que ocorre a circunstância qualificativa do n.° 2, alínea a), do aludido artigo 152.°. O bem jurídico protegido pelo artigo 152.° é a liberdade de locomoção, como liberdade de deslocação ou de mudança de local. Se a pessoa vítima é constrangida a permanecer entre quatro paredes por mais de dois dias, sem poder daí sair e exercitar livremente o seu direito de deslocação, como ficou demonstrado, está preenchida a hipótese qualificativa do n.° 2, alínea a), daquele artigo 152.°. A mera circunstância de a vítima ser mudada de local, por estratégia dos próprios sequestradores, visando o êxito do sequestro, e permanecendo a vítima confinada a outras quatro paredes, mantendo-se o impedimento de sair e de se mudar de local de acordo com o seu livre alvedrio, não interrompe obviamente o processo de cativeiro a que estava sujeita.
Improcede, pois, este fundamento do recurso, nenhum motivo se divisando para operar uma punição diversa, e nomeadamente mais branda do que aquela que o acórdão recorrido teve por adequada, situada no patamar inferior da moldura abstracta, muito próxima aliás do mínimo legal.
Quanto à usura, também se afigura improcedente a argumentação do recorrente no sentido de ver reduzida a pena.
A matéria tida por provada não abona a afirmação do recorrente de que teve uma participação muito diminuta na prática do crime de usura. Embora possa não ter sido determinante na negociação dos pormenores do empréstimo, a sua intervenção está presente em todas as fases principais do desenrolar da acção delituosa, desde a angariação, prosseguindo com a acção de vigilância durante o jogo, e tomando parte na cobrança forçada do empréstimo, mediante retenção da vítima com cerceamento da respectiva liberdade de deslocação. Dada a forma como se estrutura, na prática, a acção de usura para jogo em Macau, o crime não se consuma por inteiro e imediatamente com a mera combinação do empréstimo e com a sua concessão inicial. O mutuante acompanha o mutuário, ou providencia para que alguém o acompanhe, a fim de ir cobrando os juros “limpos” do empréstimo, à medida que o mutuário vai jogando, e como forma de assegurar que este não foge com o produto do empréstimo. Ora, de acordo com a prova produzida, o recorrente interveio nestas tarefas essenciais, tendo tido um papel fundamental na execução do ilícito, pelo que não se compreende a afirmação de que teve um papel muito diminuto na prática do crime de usura.
Também este fundamento do recurso improcede, nenhuma censura havendo a dirigir ao acórdão pela pena atinente ao crime de usura, que se afigura equilibrada face aos elementos e circunstâncias correctamente levados em linha de conta.
Posto isto, resta acrescentar que, em face da adequação das penas parcelares e do acerto do cúmulo jurídico, a questão da suspensão da execução da pena perde qualquer acuidade, dado estar em causa uma pena superior a três anos, cuja execução não pode, por isso, ser objecto de suspensão – artigo 48.°, n.° 1, do Código Penal.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 420 a 421-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 300 a 302, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como co-autor material da prática em concurso real de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, e 1 outro de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 e 2, al. a) do C.P.M., na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos.
Considera, como já se deixou relatado, que se incorreu em “errada qualificação jurídica”, quanto ao crime de “sequestro”, que a sua conduta apenas preenche os elementos típicos do art. 152°, n.° 1 do C.P.M. – considerando também que apenas teve uma “participação diminuta” no crime de “usura para jogo”, pedindo a redução e suspensão da execução da pena única em que foi condenado.
E, como igualmente já se deixou adiantado, patente é a improcedência do recurso, sendo antes de se acompanhar, na íntegra, o teor do douto Parecer do Ministério Público que dá uma clara e cabal resposta ao recurso do arguido, e que, por uma questão de economia processual, aqui se dá como reproduzido.
Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.
Vejamos.
–– Nos termos do art. 152° do C.P.M.:
“1. Quem detiver, prender, mantiver detida ou presa outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2. O agente é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos se a privação da liberdade:
a) Durar por mais de 2 dias;
b) For precedida ou acompanhada de ofensa grave à integridade física, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano;
c) For praticada com o falso pretexto de que a vítima sofria de anomalia psíquica;
d) For praticada simulando o agente a qualidade de autoridade pública ou com abuso grosseiro dos poderes inerentes às suas funções públicas; ou
e) Tiver como resultado suicídio ou ofensa grave à integridade física da vítima.
3. Se da privação da liberdade resultar a morte da vítima, o agente é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
4. Se a pessoa sequestrada for uma das referidas na alínea h) do n.º 2 do artigo 129.º e o tiver sido no exercício das suas funções ou por causa delas, as penas referidas nos números anteriores são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo”.
Como já tivemos oportunidade de considerar, o bem jurídico protegido com o crime de “sequestro” é a liberdade de deslocação actual ou potencial e de hétero-locomoção, consistindo o tipo objectivo na privação absoluta da liberdade de movimentação de outrem e o subjectivo no dolo em qualquer das suas modalidades.
Importa também ter presente que o direito à liberdade de movimentos abrange o direito a não ser por qualquer forma confinado a um determinado espaço, não exigindo uma forma especial para o conseguir, nem dependendo do lapso de tempo em que durou a privação daquela liberdade; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 21.11.2016, Proc. n.° 964/12, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Ac. do ora relator de 13.12.2016, Proc. n.° 329/2016).
No caso dos autos, e tal como da matéria de facto dada como provada consta, ficou a ofendida (continuamente) privada da sua liberdade desde as 14:49 horas do dia 22.06.2017 até às 14:31 horas do dia 28.06.2017, não nos parecendo que os períodos de tempo para troca de um quarto para outro possa ser considerado como período de tempo em que não esteve privada da sua liberdade, até porque a referida “troca” não foi opção ou decisão sua e mantinha-se sob vigia e guarda dos seus sequestradores.
Assim, evidente é que preenchido está o prescrito no art. 152°, n.° 2, al. a) do C.P.M., nenhuma censura merecendo o Tribunal a quo na qualificação jurídica efectuada, o mesmo sucedendo com a pena aplicada que até se mostra benevolente.
–– Quanto ao crime de “usura”, diz o arguido que a sua “participação foi diminuta”.
Também aqui, evidente é a sua falta de razão.
Com efeito, e como repetidamente temos considerado, são requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de “decisão” e de “execução conjuntas”.
O “acordo” pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à “execução”, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma “actuação concertada” entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado; (cfr., também os Acs. deste T.S.I. de 23.01.2014, Proc. n.° 816/2013, de 24.07.2014, Proc. n.° 428/2014, e a Decisão Sumária de 27.07.2018, Proc. n.° 651/2018).
Por sua vez, é “cúmplice” aquele que tem uma actuação à margem do crime concretamente cometido, quedando-se em actos anteriores ou posteriores à sua efectivação. Na cumplicidade, há um mero auxílio ou facilitação da realização do acto assumido pelo autor e sem o qual o acto ter-se-ia realizado, mas em tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Portanto, aqui, o cúmplice, fica fora do acto típico e só deixa de o ser, assumindo então o papel de co-autor, quando participa na execução, ainda que parcial, do projecto criminoso.
E, face à factualidade provada, da qual resulta que a ofendida (até) foi persuadida pelo arguido para pedir o empréstimo para jogo, tendo sido o mesmo que a levou a negociar com quem acabou por facultar o dinheiro, provado estando também que o arguido obteve vantagens com o empréstimo concedido, (cfr., factos provados com a referência 1°, 2° e 6°), certo sendo ainda que participou, posteriormente, no “sequestro” da ofendida, mais não se mostra de dizer para se considerar que apenas por equívoco se pode entender que teve uma “participação diminuta”.
Posto isso, e também aqui, inexistindo qualquer vício na decisão proferida e recorrida, o que igualmente se mostra de dizer em relação à pena parcelar para o crime de “usura” e quanto à pena única fixada, que se apresenta em perfeita sintonia com o estatuído no art. 71° do C.P.M., e que não é passível de suspensão na sua execução, (cfr., art. 48° do C.P.M.), visto está que há que decidir como segue.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 06 de Setembro de 2018
José Maria Dias Azedo
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