Proc. nº 290/2017
Relator: Cândido de pinho
Data do acórdão: 04 de Outubro de 2018
Descritores:
- Cumulação de pedidos
- Prática do acto devido
- Concessão de terras
- Actividade vinculada
- Audiência de Interessados
- Equilíbrio financeiro (art. 167º, nº1, al. a), do CPC)
- Abuso do direito
SUMÁRIO:
I - É na petição inicial do recurso contencioso que o recorrente, além do pedido principal de feição anulatória, pode acumular outro de feição condenatória à prática do acto devido, não o podendo formular nas alegações facultativas.
II - É vinculada a natureza do acto administrativo que declara a caducidade da concessão pelo decurso do respectivo prazo. Assim, uma vez verificado o facto objectivo do decurso do prazo da concessão sem aproveitamento, à Administração não resta (ope legis) senão declarar a caducidade preclusiva.
III - A falta da audiência de interessados, até pelos princípios do aproveitamento do acto administrativo e da celeridade, em tais circunstâncias se degrada em formalidade não essencial, se se concluir que outra não podia ser a decisão administrativa no que concerne à declaração de caducidade.
IV - Não se pode dizer estar violado o art. 167º, al. a), do CPA na parte em que se refere ao equilíbrio financeiro da concessionária se a Administração, ao não prorrogar o prazo da concessão, se limitou a cumprir a lei imperativa nesta matéria.
V - O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
VI - Os princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, da protecção da confiança legítima, corolário do princípio da boa-fé, bem como os da proporcionalidade e da igualdade são característicos e limites internos da actividade discricionária sendo irrelevantes no quadro da actividade vinculada.
Proc. nº 290/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
“COMPANHIA DE CORRIDAS DE GALGOS MACAU (YAT YUEN) S.A.”, em Chinês “澳門逸園賽狗股份有限公司”, e em Inglês “MACAU (YAT YUEN) CANIDROME COMPANY LIMITED”, com sede em Macau, na Avenida General Castelo Branco, 1/F, edifício Canídromo Corridas de Galgos, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o número 810 (SO) matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel sob o n.º 810, a fls. 24v., do Livro C-3º, -----
Recorre contenciosamente-------
Do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, de 13 de Fevereiro de 2017, tornado público por Despacho do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 17/2017, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 8, II Série, de 22 de Fevereiro de 2017, ----
Que declara a caducidade da concessão do terreno com a área de 5 235 m2 designado por lote «SK1», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, a favor da Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen) S.A.,
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Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
“I. O presente Recurso vem interposto do douto Despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo de 13 de Fevereiro de 2017, exarado sobre o parecer do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 22 de Janeiro de 2016, que concordou com o proposto no processo nº 56/2015 da Comissão de Terras, tomado público por Despacho do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 17/2017, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 8, II Série, de 22 de Fevereiro de 2017, devidamente notificado à ora Recorrente no dia 28 de Fevereiro de 2017, por Oficio nº 57/DAT/2017 de 23 de Fevereiro de 2017 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (doravante DSSOPT), que vem declarar a caducidade da concessão do terreno com a área de 5235 m2 designado por lote “SK1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, a favor da Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen) S.A., com sede em Macau, na Avenida General Castelo Branco, n.º 1/F, Edifício Canídromo Corridas de Galgos, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o 810 SO a fls. 24V do livro C3, titulada por pelo Despacho n.º 17/SATOP/89, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 26 de Dezembro de 1989, pelo decurso do prazo de validade da concessão, mais declarando que, em consequência da caducidade, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno reverterão, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), sem direito a qualquer indemnização por parte da Recorrente.
II. Por Despacho nº 17/SATOP/89, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 52, 2º suplemento, de 26 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 5.235 m2, situado em Macau, Coloane, na Zona Industrial de SEAC PAI VAN, LOTE “SK1”, a favor da Concessionária Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen) S.A, ora Recorrente,
III. Tendo sido o prazo de concessão fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública,
IV. E o prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 24 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o respectivo contrato.
V. A referida concessão tinha por finalidade o aproveitamento do terreno em causa para a construção de vários edifícios até 2 pisos, destinados à criação de cães, a explorar directamente pelo Concessionário, dado que a Concessionária desenvolvia a sua actividade profissional no Canídromo em Macau e necessitava de um edifício de apoio ao seu negócio.
VI. Posteriormente, por escritura pública outorgada em 30 de Novembro de 1990 na Direcção dos Serviços de Finanças foi titulado o referido contrato de concessão.
VII. A Concessionária, ora Recorrente, pagou a totalidade das prestações do prémio do contrato no valor de MOP$ 1.572.928,00 desde 19 de Julho de 1991.
VIII. Por Despacho do SA TOP de 30 de Agosto de 1993 exarado na informação nº 063/SOTSDB/98, de 6 de Agosto de 1993, constante a fls. 138 do processo administrativo n.º 8111.03, foi decidido o seguinte:
IX. Afectar o loteamento de SEAC PAI VAN à finalidade habitacional em vez de industrial;
X. Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
XI. Por ofício nº 857/8111.01/SOLDEP/93 de 2 de Dezembro de 1993 constante a fls.143 do processo administrativo, foi comunicada à ora Recorrente a decisão referida.
XII. E por carta datada de 14 de Dezembro de 1993, veio a ora Recorrente concordar com a alteração da finalidade do terreno para fins habitacionais.
XIII. A partir desta data a ora Recorrente não obteve por parte da DSSOPT qualquer outra comunicação relativamente a este assunto ou a qualquer outra decisão tomada quanto a este terreno.
XIV. E efectivamente, no despacho apresentado ao Secretário Adjunto a 11 de Agosto de 1993, constante a fls.138 do processo administrativo, é referido o seguinte: “2 - O Plano Geral de Exploração e Recuperação da Pedreira de Coloane, Intervenção em SEAC PAI VAN, visa fundamentalmente:
- regularizar a situação contratual existente;
- definir em concreto os limites máximos da área de intervenção. A intervenção contempla: - a exploração da Pedreira; - a regularização da plataforma; - o tratamento paisagístico.
A proposta correspondente à “opção A” reúne condições para merecer parecer favorável, devendo contudo o seu prazo global máximo ser reduzido para 5 anos, mas contemplar tudo que é referido em 3.
5 - Os prazos de intervenção na área do loteamento industrial de SEAC PAI VAN devem ser reduzidos/encurtados a fim de viabilizar o mais cedo possível, o mais cedo possível, o aproveitamento dos lotes já concedidos e a realização das infra-estruturas necessárias.
6 - Face aos descrito, leva-se à consideração superior o seguinte:
- a aprovação do plano apresentado, condicionado à apresentação de um programa limitado ao máximo de 5 (cinco) anos;
- a revisão do contrato com a EMPIMAC de modo a definir a nova área de intervenção, os prazos a cumprir e os novos valores de taxas e rendas;
- a definição com a CM das Ilhas, dos critérios e métodos de controle da exploração;
- o contacto a estabelecer com as concessionárias dos lotes de Seac Pai Van para lhes dar a conhecer a intenção de intervir na área para regularização do terreno com vista ao seu aproveitamento e execução das infra-estruturas.
- A alteração do acordo, por escrito, dos concessionários anteriormente referidos para evitar futuros contratempos durante o desenvolvimento dos trabalhos pela EMPIMAC;
- revisão de contratos de concessão, a acordar com os concessionários de SEAC P AI VAN a fim de serem definidos prazos de aproveitamento compatíveis com os previstos para a disponibilização dos lotes e ajustamento dos prémios pagos tendo em conta os trabalhos de regularização do terreno e recuperação paisagística que lhes competiam e que vão ser levados a cabo pela Administração;
- averiguação das reais intenções dos concessionários em construir os edifícios e manter as finalidades previstas no contrato afim de ajuizar das possibilidades de revisão dos tipos de ocupação previstos e proceder em conformidade.
- após a obtenção do acordo dos actuais concessionários de Seac Pai Van, a EMPIMAC deve apresentar um documento de compromisso de execução dos trabalhos e cumprimentos dos prazos na área de Sea Pai Van.”
XV. Tal parecer mereceu a concordância superior por despacho de 30/08/1993, a fls. 138 e 138v do processo administrativo.
XVI. Resulta do referido despacho que, para além da comunicação que a DSSOPT deveria efectuar a cada um dos concessionários com vista a obter o seu acordo, muitas outras acções impendiam sobre a Administração, entre outras: a aprovação de um plano de loteamento, a revisão do contrato com a EMPIMAC; a definição com a CM das Ilhas dos critérios e métodos de controle da exploração; a revisão de contratos de concessão;
XVII. A ora Recorrente, enquanto Concessionária, teria que aguardar pela concretização deste plano de urbanização e de infra-estruturas a definir pelo Governo,
XVIII. E bem assim, teria que aguardar que a Administração viesse a concretizar a revisão do contrato com a EMPIMAC,
XIX. Após o que, a Recorrente seria contactada pela Administração com vista à revisão dos restantes elementos do contrato de concessão (uma vez que a mudança de finalidade já havia sido modificada com a concordância da Recorrente).
XX. E a Recorrente aguardou ... pacientemente!
XXI. Desde o dia em que respondeu à Administração concordando com a alteração da finalidade do terreno, a ora Recorrente não recebeu qualquer outro comunicado ou instrução da Administração, fosse em que sentido fosse.
XXII. Nem a Administração procedeu a qualquer outro desenvolvimento quanto a esta questão.
XXIII. A Administração decidiu, por acto que a vincula, alterar a finalidade do aproveitamento do terreno concessionado, mas desde então, nada fez!
XXIV. A este respeito, numa Comunicação de Serviço Interno de 8/06/2007, constante a fls. 158 do processo administrativo, consta que: “(...) devido á inexistência de infra-estruturas, à elaboração do Plano de Ordenamento de Coloane e à inviabilidade dos projectos industriais foram suspensos todos os processos de aproveitamento, autorizada a alteração da finalidade industrial para habitacional e iniciados estudos de definição das condicionantes urbanísticas do novo parque residencial. Até à presente data, devido aos atrasados no processo de revisão do contrato de concessão a favor da Empimac (empresa a quem foi autorizada a exploração da pedreira) bem como da definição das condições reguladoras do fim actividade e de recuperação da encosta do ponto de vista paisagístico, não foi ainda aprovado o loteamento e respectivas finalidades daquela zona (incluindo agora já os terrenos explorados pela Empimac) (...). (Destacado nosso).
XXV. Por outro lado, na Proposta nº 237/DSODEP/2015 de 13 de Novembro de 2015, a fls. 370 do processo administrativo, é referido no seu Ponto 7.1 o seguinte: “As partes, a Administração e concessionária, não procederam à respectiva revisão do contrato de concessão, mantendo-se em silêncio desde 15 de Dezembro de 1993 até ao dia em que a concessionária apresentou o requerimento com entrada nº 03569/GSTOP/EN/2015 em 14 de Maio de 2015.” (sublinhado nosso)
XXVI. É notório e reconhecido pela própria Administração a sua inércia no presente processo administrativo,
XXVII. O que obstou a que os termos da revisão do contrato de concessão imposta pela Administração em virtude da alteração da finalidade do aproveitamento do terreno viessem a ser discutidos e concretizados,
XXVIII. E que também por via disso, obstou a que a concessão pudesse passar de provisória a definitiva,
XXIX. Motivos estes que não podem ser nunca imputados à concessionária, ora Recorrente.
XXX. Na verdade, tudo se deveu à própria inércia da Administração já que suspendeu todos os processos de aproveitamento relativamente aos lotes da Zona Industrial de Seac Pai Van.
XXXI. Suspendendo necessariamente o processo de aproveitamento do lote SK1 concedido à Recorrente.
XXXII. E abrindo o processo de revisão da concessão por iniciativa do Governo,
XXXIII. Com a concordância da concessionária, ora Recorrente.
XXXIV. Assim, a falta de infra-estruturas nas imediações do Lote SK1 e todos estes factores acima descritos fizeram com que a ora Recorrente tivesse que aguardar pela concretização do plano urbanístico.
XXXV. Desde 1993, apesar de não poder dar qualquer uso ao terreno concessionado, a Recorrente sempre manifestou o propósito de garantir a possibilidade de investir no terreno concessionado, conforme proposto no ofício da D.S.S.O.P.T. de N.º 857/8111.1/SOLDEP/93 de 2 de Dezembro de 1993 e aceite por carta datada de 14 de Dezembro de 1993.
XXXVI. Para o efeito, apesar de não poder dar uso para os fins concessionados por alteração das condições imposta pela Administração, a Recorrente nunca deixou de pagar as rendas devidas.
XXXVII. O Governo nunca deixou de cobrar as rendas referentes à concessão, bem sabendo que a concessionária não podia dar uso ao terreno concessionado para os aludidos fins industriais.
XXXVIII. O Governo também nunca deixou de receber da concessionária, ora Recorrente, as rendas referentes à concessão, bem sabendo que a concessionário não poder dar uso ao terreno concessionado para os aludidos fins industriais.
XXXIX. Apesar de não poder dar uso para os fins concessionados, a Recorrente nunca deixou de agir quando foi confrontada com a utilização do terreno por parte de ocupantes ilegais.
XL. Atendendo ao impasse verificado por parte da Administração, o terreno em causa foi alvo de ocupação abusiva por parte de terceiros tendo a concessionária agido e tomado todas a diligências judiciais para levar à efectiva desocupação do terreno.
XLI. Para o efeito, intentou a acção judicial em 24/03/2008 que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o número CV3-08-0018-CAO, cujo exemplar se encontra junto ao processo administrativo a fls. 159 a 205,
XLII. Bem como posterior Acção de Execução para Entrega de Coisa Certa sob a forma sumária que correu termos no mesmo Tribunal com o número CV3-08-0018-CAO-A, em 15/09/2009.
XLIII. Na constância deste processo os representantes da ora Recorrente, o Tribunal e os funcionários da Direcção dos Serviços de Cartografia, dirigiram-se ao local para entrega do mesmo
XLIV. Posteriormente, em 14/06/2013 a ora Recorrente apresentou queixa na PSP contra desconhecidos já que o terreno voltou a ser ocupado, seguindo o processo para os Serviços do Ministério Público com o número 5338/2013.
XLV. Aliás, na sequência dessas ocupações que visaram não apenas o lote concessionado à ora Recorrente mas também os lotes vizinhos, incluindo os lotes pertencentes ao Governo da RAEM, a DSSOPT enviou à Recorrente um oficio em 11/04/2011, que se encontra junto a fls. 209 do processo administrativo e no qual requer à concessionária, ora Recorrente, a remoção de objectos do local, bem como, a colocação de cerca para delimitar o Lote.
XLVI. Entretanto, a Recorrente tem cumprido pontualmente com todas as suas obrigações enquanto concessionária, tendo pago pontual e assiduamente a respectiva renda de concessão à Direcção dos Serviços de Finanças.
XLVII. E tendo procedido aos necessários trabalhos de manutenção e limpeza, feito por sua iniciativa e por último a pedido da própria administração.
XLVIII. Face à inércia e ao silêncio da Administração, em 13 de Maio de 2015 a ora Recorrente veio a apresentar ao Exmo. Senhor Secretário para os Transporte e Obras Públicas, fazendo referência a todo o supra alegado historial, veio uma vez mais impulsionar o processo pedindo a revisão do contrato de concessão do lote SK1, sito na Zona Industrial de Seac Pai Van em Coloane, (cfr. fls. 267 e seguintes do processo administrativo),
XLIX. No qual a Recorrente se propõe edificar um complexo habitacional especialmente destinado ao sector populacional.
L. E como resulta do projecto em anexo ao aludido requerimento o complexo habitacional tem uma área total de 63,235 m2, é composto por uma estrutura de quatro torres de 16 andares erigidas sobre um pódio destinado às áreas de comércio e estacionamento que albergará 528 fracções do tipo T0, 64 fracções do tipo T1, 80 fracções do tipo T2, 64 fracções do tipo T3, 49 fracções destinadas a fins comerciais e 555 parques de estacionamento, sendo que 444 se destinam a veículos ligeiros e 111 a ciclomotores.
LI. Tendo em conta que é objectivo do Governo da RAEM aumentar a área habitacional e comercial da zona de Coloane, face ao desenvolvimento que se tem registado na área nos últimos anos, o presente projecto vem assim ao encontro do interesse público da RAEM.
LII. Com o referido pedido, a Recorrente procurou ir de encontro ao seu real interesse em aproveitar o terreno concessionado e cujo processo desde 1993 se encontrava suspenso por acto da Administração.
LIII. Adivinhando as condições com que poderia desenvolver o terreno, uma vez que a Administração ainda não aprovou o Plano Urbanístico para a referida área, como melhor se alega infra.
LIV. Com o referido pedido, a Recorrente procurou também ir de encontro aos interesses da Administração, já que, em face da inércia e silêncio desta, procurou a Recorrente arranjar soluções concretas com vista à revisão do contrato de concessão que havia sido imposta pela própria Administração e comunicada por oficio nº 857/8111.01/SOLDEP/93 de 2 de Dezembro de 1993.
LV. Face ao exposto, não pode a ora Recorrente aceitar o teor da nenhuma das decisões administrativas proferidas, quer a do Secretário para as Obras Públicas e Transportes, cujo recurso se encontra pendente, quer a do Chefe do Executivo, que ora se recorre.
LVI. Com efeito, o Secretário para as Obras Públicas e Transportes referiu, na sua decisão, que “Respeitante ao pedido referido em epígrafe, dado que o prazo de arrendamento da concessão provisória não pode ser renovado nos termos do número I do artigo 48º da Lei nº 10/2013 “Lei de Terras” e que o prazo de arrendamento da concessão provisória em causa é até 29 de Novembro de 2015, assim o tempo não é bastante para o seguimento da aprovação dos projectos e da revisão de concessão”.
LVII. Não pode ora Recorrente deixar de salientar que se o tempo não é bastante é porque a própria Administração foi inerte na sua actuação.
LVIII. Desde logo porque nunca permitiu a continuação dos processos de revisão da concessão, como é o caso da Recorrente,
LIX. Porque nunca aprovou o Plano de Reordenamento Urbano de Seac Pai Van de Coloane.
LX. Facto esse confessado pelo próprio governo,
LXI. Nos termos das próprias LAG (Linhas de Acção Governativa) de 2014, o Governo da RAEM assumiu não ter ainda concretizado o Plano de Reordenamento Urbano de Seac Pai Van de Coloane, ou seja, o documento urbanístico essencial para que a concessionária possa saber as condições urbanísticas da construção que poderá edificar no terreno.
LXII. O teor das LAG é autoexplicativo: “2.2. Promoção do planeamento dos bairros e dos trabalhos respeitantes aos estudos sobre o reordenamento dos bairros antigos O Governo da RAEM tem continuado em promover o reordenamento dos bairros antigos. No ano transacto realizou-se uma requalificação mais profunda dos bairros antigos, tendo sido dado inicio a estudos sobre a requalificação dos vários bairros antigos, em particular dos situados na Península de Macau e em Coloane, seguindo o princípio de “ponto”, “linha” e “plano”. Nesta óptica, continuamos a elaborar os planos de pormenor relativos a várias pequenas zonas e os estudos sobre projectos cruciais, nomeadamente, o Plano Pormenor dos Estaleiros Navais de Lai Chi Vun de Coloane, o Plano Conceptual de Intervenção Urbanística da Zona do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco e Envolvente, o Estudo sobre o Plano de Reordenamento Urbano da Taipa Norte, o Plano de Reordenamento Urbano de Seac Pai Van de Coloane, a Concepção Urbanística Geral da Zona da Barra, o Plano de Reordenamento da Zona do Porto Interior, o Estudo sobre o Planeamento Geral da Zona Nuclear do Património Mundial (Ruínas de S. Paulo), o Estudo sobre o Plano Urbano da Zona Noroeste de Macau, o Estudo para a Criação do Mapa do Clima de Macau, o Estudo sobre a Classificação dos Terrenos e os seus estudos mais aprofundados. O desenvolvimento de cada zona será regido pelas suas características e ambiente natural próprios, criando uma indústria de turismo e de lazer e estabelecendo uma relevante referência para a futura gestão de solos de Macau.”
LXIII. Com efeito, no parecer constante a fls. 370, a técnica subscritora do mesmo, no ponto 8 refere que: “8.2. O prazo do terreno é válido até 29 de Novembro de 2015, mas a solicitação já foi apresentada em 14 de Maio de 2015; 8.3. Quanto à revisão do contrato da concessão, devem ser concluídos os procedimentos nos temos da legislação em vigor, incluindo: 8.3.1. O procedimento da emissão de Planta de condições urbanística, de acordo com a Lei n.º 12/2013 “Lei do planeamento urbanístico” e Regulamento Administrativo n.º 5/2014 “Regulamentação da Lei do planeamento urbanístico”; 8.3.2. O procedimento da apreciação, aprovação dos projectos apresentados, nos termos do Decreto-Lei n.º 79/85/M de 21 de Agosto “Regulamento Geral da Construção Urbana”; 8.3.3. O procedimento da revisão de contrato da concessão e a sua publicação no Boletim Oficial da RAEM conforme a Lei n.º 10/2013 “Lei de Terras”; 8.4. Além disso, a licença de obras para o seu aproveitamento do terreno só pode ser concedido após a conclusão de todos os procedimentos citados.
LXIV. Todos estes procedimentos dependem da actuação da própria Administração,
LXV. Que ao longo dos vários anos nada fez para que fossem aprovados o loteamento e respectivas finalidades daquela zona.
LXVI. E que por isso não deveria ser ignorada pelos serviços da DSSOPT na tornada de decisão relativas ao processo sub judice.
LXVII. O Governo não teve semelhante comportamento com outras concessionárias nas mesmas condições, ou seja, titulares de contratos de concessão de terreno na zona de Seac Pai Van.
LXVIII. A título de exemplo, a sociedade “Fábrica de Artigos de Plástico Chung Va, Limitada”, com sede em Macau, na Avenida Venceslau de Morais, n.º 185 a 191, Edifício “Centro Industrial de Macau”, 5.º andar J, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 1 183 (SO), foi titular do direito resultante da concessão por arrendamento do terreno com a área 2 260 m2, situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká Hó, na Zona Industrial de Seac Pai Van, designado por lote “SN”, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 22 976 do livro B, conforme inscrição a seu favor sob o n.º 19 377F.
LXIX. A aludida concessão regeu-se pelo contrato titulado pelo Despacho n.º 106/SATOP/90, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 46, de 12 de Novembro de 1990.
LXX. De acordo com as cláusulas terceira e quinta do contrato de concessão, o terreno deve ser aproveitado com a construção de um edifício, compreendendo dois pisos, destinado a indústria de fabrico de artigos de plástico, a explorar directamente pela concessionária, devendo este aproveitamento operar-se no prazo global de 24 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial de Macau do sobre dito despacho.
LXXI. O Governo deu início a um processo negocial com a sociedade concessionária com vista à reversão do lote “SN” para a Região Administrativa Especial de Macau, que culminou com a aceitação pela aludida sociedade da proposta formulada pela entidade concedente de concessão do lote “SI1”, também situado na zona de Seac Pai Van, com a área de 2 260 m2, em contrapartida da desistência da concessão do lote “SN”.
LXXII. A Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, procedeu ao cálculo das contrapartidas devidas e elaborou a minuta de contrato, relativamente à qual a sociedade concessionária propôs, em 30 de Março de 2011, alterações, bem como manifestou discordância quanto ao prazo da entrega à Administração do lote “SN” e solicitou esclarecimentos sobre a data em que o lote “SI1” reunirá condições para aproveitamento.
LXXIII. Após reunião com o representante da sociedade concessionária, realizada na DSSOPT, em 6 de Maio de 2011, na qual foram prestados os esclarecimentos solicitados, procedeu-se à alteração da minuta de contrato, tendo a nova versão merecido a concordância daquela sociedade expressa em declaração apresentada em 27 de Julho de 2011.
LXXIV. Por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2012 o Governo da RAEM concedeu, por arrendamento e com dispensa de concurso público, a favor da referida concessionária Fábrica de Artigos de Plástico e Desenvolvimento Imobiliário Xin Zhi Zhong Hua, Limitada, o terreno com a área de 2 260 m2 (dois mil, duzentos e sessenta metros quadrados), não descrito na CRP, designado por lote “SI1” situado na ilha de Coloane, junto à Estrada do Altinho de Ká Hó, na Zona Industrial de Seac Pai Van, com o valor atribuído de $37508689,00 (trinta e sete milhões, quinhentas e oito mil, seiscentas e oitenta e nove patacas), demarcado e assinalado na planta n.º 479/1989, emitida pela DSCC, em 3 de Dezembro de 2010.
LXXV. Tudo em menos de 6 meses!!!
LXXVI. O novo contrato de concessão atribuído à Fabrica de Artigos de Plástico e Desenvolvimento Imobiliário Xin Zhi Zhong Hua, Limitada é válido pelo prazo de 25 (vinte e cinco) anos, a contar da data da publicação no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau do despacho, ou seja, desde 2 de Maio de 2012.
LXXVII. O referido prazo do arrendamento, pode, nos termos da legislação aplicável, ser sucessivamente renovado!
LXXVIII. Apesar de ininteligível e confusa, a decisão comunicada parece indicar que o Governo pretende fazer valer-se da caducidade do contrato de concessão, não declarada, por decurso do prazo da mesma,
LXXIX. Descurando ou olvidando o compromisso da administração em proceder à revisão do contrato de concessão para os novos fins: habitacionais!
LXXX. A Recorrente teve conhecimento dos novos factos relativos aos 16 processos administrativos que vieram a merecer decisão de não declaração de caducidade por parte da mesma Entidade Recorrida,
LXXXI. Factos esses que não poderão deixar de ser considerados no âmbito do presente recurso atendendo aos fundamentos ora invocados.
LXXXII. Através das notícias publicadas nos jornais de língua portuguesa, e cuja cópia se protesta juntar, a ora Recorrente teve conhecimento da existência de 16 processos administrativos onde o Exmo. Senhor Chefe do Executivo não veio a declarar a caducidade das respectivas concessões, não obstante os referidos terrenos não terem sido atempadamente aproveitados.
LXXXIII. O próprio Governo da RAEM disponibilizou no dia 23 de Junho de 2015, através do website da DSSOPT (http://www.dssopt.gov.mo/pt/), os detalhes dos despachos publicados no Boletim Oficial correspondentes aos referidos 16 processos administrativos.
LXXXIV. No referido website o Governo da RAEM apresenta também “as razões e fundamentos da não declaração da caducidade da concessão...” dos referidos terrenos.
LXXXV. Sabe já a Recorrente que, de acordo com o que veio a ser noticiado, a Administração, através do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, admitiu perante a Comissão para o Acompanhamento de Assuntos de Terras e Concessões Públicas da Assembleia Legislativa que houve falhas administrativas por parte do Governo da RAEM no tratamento de formalidades processuais junto das entidades concessionárias.
LXXXVI. Na verdade, e conforme declarações prestadas à imprensa pelo Sr. Ho Ion Sang, Presidente da Comissão para o Acompanhamento de Assuntos de Terras e Concessões Públicas da Assembleia Legislativa: “O Governo mostrou-se impossibilitado de resolver todos os terrenos a tempo” (...) “Houve problemas com os procedimentos administrativos” (...) “O Governo não conseguiu responder atempadamente (...) não emitiu as Plantas de Condições Urbanísticas”. E mais adiantou: “Para a construção de um empreendimento há que ter a concepção e a elaboração de projectos que necessitam de uma planta de condições urbanísticas, e o Governo não conseguiu facultar essas plantas. Noutros casos, o concessionário fez um pedido e o Governo não deu resposta, atrasando o processo. Noutra situação, o Governo, em relação a um determinado projecto, não conseguiu tratar atempadamente das formalidades junto do concessionário”.
LXXXVII. Foi o que aconteceu nos presentes autos, tendo a Requerente solicitado a planta de condições urbanísticas em 25 de Junho de 2015.
LXXXVIII. Tendo a DSSOPT recusado a responder atempadamente, tendo apenas respondido em 04/01/2016.
LXXXIX. Tendo-se recusado a fornecer tal planta, invocando o termo da concessão (?!)
XC. Face ao supra exposto, resulta claro que a razão pela qual o Exmo. Senhor Chefe do Executivo não declarou a caducidade da concessão dos referidos 16 terrenos residiu no facto de a reconhecida actuação culposa da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes ter provocado atrasos no andamento dos processos administrativos,
XCI. Atrasos esses que, na perspectiva do Exmo. Senhor Chefe de Executivo, não foram imputados aos ali concessionários.
XCII. É o próprio Governo da RAEM a fazer mea culpa pelo não aproveitamento destes terrenos e, bem assim, a confessar atrasos e falhas administrativas nestes processos administrativos.
XCIII. Nos supra referidos processos administrativos, as demoras dos serviços competentes foram consideradas pelo Senhor Chefe de Executivo para justificar a não declaração de caducidade das respectivas concessões.
XCIV. In casu, foi declarada a caducidade da concessão de que a Recorrente é titular quando o prazo se encontra suspenso.
XCV. Nos termos do Relatório de investigação sobre os 16 terrenos cuja caducidade de concessão não foi declarada, produzido pelo Comissariado Contra a Corrupção: “Segundo o critério definido pela DSSOPT, eram preliminarmente classificados como sendo imputáveis aos concessionários os casos em que se verificasse, nomeadamente a falta de pagamento de prémio, a interrupção do desenvolvimento do terreno concedido por um período relativamente longo e a falta de desenvolvimento do terreno nos termos do contrato mesmo nos casos em que existiram várias prorrogações do prazo de aproveitamento, sendo 48 o total dos casos inseridos nesta classificação. Numa primeira análise, tratando-se de situações como a alteração ou não concretização do planeamento urbanístico, o envolvimento em acções judiciais, situações em que as obras de aproveitamento de terreno já foram iniciadas, entre outras, a não conclusão do aproveitamento dentro do prazo estipulado era classificada como se tratando de casos não exclusivamente imputáveis aos respectivos concessionários, e não era incluída pela DSSOPT no grupo relativamente ao qual era necessário proceder a uma análise mais aprofundada para decidir se se deveria iniciar o processo de declaração de caducidade de concessão, sendo 65 o número de casos inseridos nesta classificação.”
XCVI. Os prazos suspensos... não podem por natureza causar qualquer caducidade!
XCVII. E como já se deixou dito, o não aproveitamento do terreno aqui em causa apenas poderá ser imputado à Administração, na medida em que foi a mesma que causou o não aproveitamento,
XCVIII. proibindo-o mesmo atendendo à intenção do Governo em afectar o terreno a finalidade habitacional.
XCIX. Nem se diga que a Recorrente não apresentou oportunamente uma proposta formal de aproveitamento para fins habitacionais durante a vigência do contrato de concessão.
C. A Recorrente, sabendo que o Plano de Reordenamento Urbano de Coloane ainda não se encontra aprovado, cumpriu com o que pôde e apresentou seis meses antes do termo do prazo da concessão o pedido de revisão que deveria ter sido proposto por parte da RAEM.
CI. Com efeito, e como resulta do parecer que mereceu a condordância do Chefe do Executivo, em 14 de Maio de 2015, a concessionária apresentou um requerimento ao Gabinete do STOP, a explicar que devido às variações sócio-económicas, à transformação do sector industrial e ao estabelecimento da RAEM, o governo não tinha tomado uma decisão final relativamente ao planeamento de Coloane e Seac Pai Van.
CII. Como vem identificado no parecer que faz parte da decisão recorrida, “[...] visto que havia uma carência de infra-estruturas nas imediações do lote concedido e que o terreno tinha sido ocupado abusivamente por terceiros, tendo apenas sido revertido para a concessionária depois do Tribunal Judicial de Base ter proferido a sentença em 2009, sendo tudo isto motivos para que concessionária não tivesse podido concretizar o aproveitamento do terreno, a responsabilidade pelo não aproveitamento não devia ser, por conseguinte, imputada à concessionária.
CHI. Actualmente, a fim de articular com o desenvolvimento da zona de Seac Pai Van, a concessionária veio solicitar à Administração autorização para a modificação da finalidade do terreno, para construir um complexo destinado à habitação, comércio e estacionamento, tendo anexado um estudo prévio.”, factos que se deverão aceitar por aceite e confessados pela Recorrente.
CIV. Ao longo de seis meses o Governo nada disse.
CV. E, numa conduta que raia a má fé, a Administração esperou que chegasse do prazo inicialmente conferido para a concessão para informar a Recorrente que já não havia tempo para rever o contrato de concessão,
CVI. Tendo notificado a Recorrente do Despacho do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 24 de Novembro de 2015, por comunicação de 19.05.2015 constante do processo administrativo n.º 8111.03/DSODEP/2015 (de ora em diante designado por “processo administrativo”) que vem comunicar que: “Respeitante ao pedido referido em epígrafe, dado que o prazo de arrendamento da concessão provisória não pode ser renovado nos termos do número 1 do artigo 48º da Lei nº 10/2013 “Lei de Terras” e que o prazo de arrendamento da concessão provisória em causa é até 29 de Novembro de 2015, assim o tempo não é bastante para o seguimento da aprovação dos projectos e da revisão de concessão.”, referindo-se esta comunicação ao pedido dirigido pela ora Recorrente ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, para seguimento da aprovação dos projectos e da revisão da concessão do terreno com a área de 5 235 m2 situado em Coloane, na zona Industrial de SEAC PAI VAN, titulado pela escritura pública de 30 de Novembro de 1990, cfr. Documento n.º 9 (Doc. 9)
CVII. Da referida decisão interpôs a ora Recorrente o competente recurso contencioso que corre termos nesse Venerando Tribunal de Segunda Instância, sob o número Processo n.º 15/2016.
CVIII. Esses factos condicionantes não foram considerados pelo Senhor Chefe do Executivo para optar pela decisão de que ora se recorre.
CIX. Também o facto de a Administração ter demorado a dar respostas à Recorrente no âmbito do processo administrativo não foi considerado pelo Chefe do Executivo para optar pela decisão de que ora se recorre.
CX. Já no que se refere aos 16 processos administrativos que mereceram essa decisão de não declaração de caducidade dos terrenos concessionados o Senhor Chefe do Executivo decidiu de forma diferente, considerando como falhas da Administração, e logo fundamentos para a sua decisão, a não emissão atempada de Plantas de Alinhamento Oficial (cfr. Processo Administrativo nº 1 181.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 56/SOPT/03), ou a falta de respostas ou demora nas mesmas aos pedidos do concessionários (cfr. Processo Administrativo nº 2 328.01 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo aos despachos 32/SOPT/01 e 67/SOPT/04, Processo Administrativo nº 2342.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 43/SOPT/01, Processo Administrativo nº 6 270.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 173/SATOP/97), Processo Administrativo nº 6 283.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 32/SATOP/98 e Processo Administrativo nº 6 295.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 13/SATOP/98)
CXI. Também aqui o facto de estar a decorrer o processo de revisão do contrato de concessão não foi considerado pelo Senhor Chefe do Executivo.
CXII. Ao contrário do que ocorreu, por exemplo, no âmbito do Processo Administrativo nº 6 396.2 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo aos Despachos 100/SOPT/01 e 31/SOPT/12, onde o fundamento para a declaração de não caducidade do terreno ali concessionado foi o de “O processo de revisão da concessão do terreno estava a decorrer.”
CXIII. A concessionária nunca deixou de pagar as rendas da concessão, apesar da suspensão do processo.
CXIV. A Administração notificou a Recorrente para pagar a renda referente ao período de 01/01/2017 até 30/06/2017, contradizendo directamente a sua interpretação de que a concessão havia caducado.
CXV. Renda essa que foi paga pela Recorente.
CXVI. A Recorrente nunca, em momento algum do processo administrativo de revisão do contrato de concessão, foi chamada a apresentar esclarecimentos e justificações fosse do que fosse, nem nunca foi dado à Recorrente o direito de audiência prévia, consagrado na lei;
CXVII. É inegável que os atrasos objectivamente verificados no âmbito do contrato de concessão sub judice se ficaram a dever em exclusivo às decisões da Administração que vieram a constituir modificações unilaterais do contrato que impediram a Recorrente de aproveitar o terreno por mais de 20 anos, obrigando-a por um lado a aguardar pela conclusão do Plano Urbanístico a ser definido pela Administração para aquela zona, e a aguardar por outro lado pela revisão da concessão condicionada a esse mesmo Plano;
CXVIII. Em momento algum a Administração - nem a DSSOPT, nem directamente a entidade recorrida - notificou a Recorrente da sua intenção em declarar a caducidade da concessão e, por isso mesmo não facultou nem a notificou dos elementos resultantes do n.º 2 do artigo 94.º do CPA;
CXIX. A Recorrente não pôde exercer o direito elementar de se pronunciar sobre as questões relevantes do procedimento, nem requerer diligências complementares de prova;
CXX. A preterição da realização da audiência de interessados inquina o acto, por vício de forma, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do C.P.A.C, porquanto, não se verificando nenhuma das situações previstas do artigo 96.º do CPA e a entidade recorrida não deu cumprimento ao estabelecido no artigo 93.º do C.P.A., verifica-se o invocado vício de forma, por preterição de formalidade essencial decorrente do referido normativo, que conduz à anulabilidade do acto, como estatui o artigo 124.º do CPA;
CXXI. A decisão recorrida, sustentada no parecer da Comissão de Terras nº 53/2016, omite circunstâncias essenciais para a decisão de caducidade que veio a ser proferida e por isso parte de pressupostos falsos e errados, de facto e de direito;
CXXII. O despacho posto em crise contém, para além desse elemento objectivo (caducidade prec1usiva), os elementos sancionatórios proferidos contra a Recorrente quais sejam a de não poder reaver benfeitorias e bem assim não poder reclamar quaisquer compensações;
CXXIII. A posição adoptada pela Entidade Recorrida passa, essencialmente, por uma análise rígida do contrato de concessão sem cuidar de saber se o contrato se modificou, em resultado de uma decisão de interesse público adoptada pela própria Administração;
CXXIV. A Administração fez tábua rasa de todas as circunstâncias factuais ocorridas na execução do contrato que apenas a ela são imputáveis, mormente a modificação contratual imposta unilateralmente pela própria Administração;
CXXV. A própria Administração quem reconhece (no próprio processo administrativo) e confessa publicamente que o aproveitamento do lote concessionado, para fins habitacionais, está dependente da existência de um plano de pormenor para a Zona de Seac Pai Van e que a Administração ainda não completou os estudos para o plano que não aprovou;
CXXVI. A modificação das condições contratuais pode ser permitida por um conjunto de circunstâncias, sendo uma dessas circunstâncias a alteração do interesse público durante a fase de execução do contrato que, em determinados casos, justifica a alteração unilateral dos contratos administrativos;
CXXVII. Os contratos administrativos estão sujeitos aos princípios gerais que regem todas as relações contratuais, entre os quais o princípio da estabilidade das relações contratuais, o princípio pacta sunt servanda e o princípio da protecção dos direitos e expectativas contratualmente adquiridos; não obstante, por vezes a alteração da conjuntura de interesse público pode pôr em causa a plenitude de tais princípios, como foi o caso dos autos;
CXXVIII. É esse interesse público que domina a acção da Administração e que pode determinar que esta possa, em determinados casos, a proceder à alteração unilateral dos contratos;
CXXIX. No que concerne os contratos administrativos, entre os quais o de concessão, nada impede que Administração e administrado alterem os negócios que celebram, sobretudo quando estão em causa razões de interesse público;
CXXX. No caso dos autos a Entidade Recorrida actuou inicialmente de boa-fé propondo à concessionária a alteração contratual sujeita, necessariamente às alterações do Plano Urbanístico da Zona de Seac Pai Van, ou seja, dependente de actos que cabiam em exclusivo à Administração;
CXXXI. Esse acordo foi confessado pela Administração, ficando a suspensão do aproveitamento pois, sujeita à instância da Administração, ou seja, à realização de actos que só a Administração pode promover e realizar, entre os quais a elaboração do plano e gestão das infra-estruturas públicas;
CXXXII. As condições e razões dessa suspensão... ainda perduram, na medida em que ainda não foi elaborado e aprovado o Plano Urbanístico de Seac Pai Van;
CXXXIII. Os prazos suspensos... não podem por natureza causar qualquer caducidade!
CXXXIV. A Recorrente, sabendo que o Plano de Reordenamento Urbano de Coloane ainda não se encontra aprovado, cumpriu com o que pôde, nomeadamente, solicitando a emissão de Plantas de Alinhamento e apresentando um projecto de desenvolvimento;
CXXXV. Ao longo desses 20 anos a Administração nada fez, e numa conduta que excede os limites da boa-fé, deixa decorrer o prazo da concessão estipulado no contrato, e continua, após esse período, a executar actos tendentes à revisão do contrato de concessão;
CXXXVI. Numa decisão surpresa, declara a caducidade;
CXXXVII. Também o facto de estar a decorrer o processo de revisão do contrato de concessão não foi considerado pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas;
CXXXVIII. A Administração, até à presente data, percebeu todas as vantagens do contrato de concessão, entre os quais o pagamento integral do prémio e de todas as Rendas, sem nunca ter permitido o aproveitamento e exploração da concessão por parte da Recorrente;
CXXXIX. Um dos requisitos para a modificação dos contratos é a necessidade de salvaguarda do equilíbrio financeiro do contrato e decorrente também dos princípios de protecção da propriedade privada, da tutela da confiança legítima dos particulares, da justiça, da boa fé, da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legítimos e da igualdade na repartição dos encargos públicos;
CXL. Tal dever que vincula a Administração está consagrado na al. a) do art. 167º do CPA;
CXLI. O princípio do equilíbrio financeiro, fundando-se no princípio da boa-fé e da tutela da confiança, vincula a Administração a gerir e administrar o contrato em respeito pelos legítimos interesses da concessionária e pelas legítimas expectativas que a mesma possa legitimamente ter;
CXLII. O dever que incumbe à Administração de repor esse equilíbrio financeiro do contrato, no caso em apreço, implicaria necessariamente uma prorrogação do prazo da concessão dando novo prazo;
CXLIII. No âmbito do regime jurídico instituído pela Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, em vigor à data da celebração do contrato de concessão, previa-se desde logo a possibilidade da renovação das concessões, quer definitivas, quer provisórias;
CXLIV. Ao estabelecer um regime jurídico com prazos específicos de renovação no art. 55º dirigido especificamente às concessões definitivas, à contrário, o art. 54º, necessariamente, terá de se referir às concessões provisórias;
CXLV. Qualquer interpretação que seja feita, quer ao contrato, quer à nova Lei de Terras, essa mesma interpretação nunca pode ser feita no sentido de se violarem os princípios do equilíbrio económico-financeiro, da boa-fé e da tutela da confiança, e da protecção dos direitos já constituídos na esfera jurídica do particular;
CXLVI. Se não fosse pelo caminho da prorrogação da concessão, a mesma Lei de Terras, na redacção actual, já protege através do artigo 215º, al. 2) os interesses em causa nos presentes autos, porquanto faz prevalecer as normas já acordadas entre a Administração e a Recorrente;
CXLVII. O legislador da Lei de Terras, demonstrando um interesse em proteger os direitos já constituídos, impõe ao aplicador da Lei e à Administração um cuidado especial de atentar às normas clausuladas pelas partes no contrato de concessão a que respeitam;
CXLVIII. In casu, resulta do próprio contrato que as partes quiseram prever a possibilidade de ampliar a duração do contrato para além daquele inicialmente fixado;
CXLIX. A lei nova não pode assim, por força do art. 215º, al.) 2, restringir as posições jurídicas contratualmente assumidas entre as partes;
CL. É evidente pois que a Administração e a Recorrente protegeram-se, e em especial, protegeram a Recorrente, que veria sempre a possibilidade de se alargar tal prazo de concessão a qualquer momento por se tratar in casu de facto causado pela Administração;
CLI. A protecção dos interesses e direitos da Recorrente está ainda consagrado na Lei Básica como decorre do art. 120º da Lei Básica;
CLII. A Recorrente tem o direito próprio que é não só protegido pelo contrato de concessão, como, para além disso, tem a protecção soberana da Lei Básica da RAEM provada por quem tem uma legitimidade normogenética superior à legitimidade dos órgãos legislativos da Região;
CLIII. Ainda que se entendesse que foi entendimento dos órgãos legislativos da RAEM de restringir direitos previamente constituídos e salvaguardados nos contratos de concessão pretéritos, o certo é que a Assembleia Nacional Popular da Republica Popular da China protegeu tais direitos e todos os órgãos, quer legislativos, quer administrativos, quer judiciais, lhes deve obediência;
CLIV. É consabido que no direito administrativo é possível distinguir dois tipos de caducidade, enquanto formas de extinção dos actos administrativos: a caducidade prec1usiva e a caducidade sanção;
CLV. A primeira - caducidade prec1usiva - tem apenas como requisito objectivo o mero decurso do tempo, operando a mesma automaticamente, pelo que a declaração de caducidade que venha a ser emitida, enquanto meramente enunciativa de um facto que se verifica na realidade, não tem efeitos constitutivos, mas meramente declarativos;
CLVI. Na segunda - caducidade sanção - existe já uma margem e um dever de apreciação da Administração, tendo a declaração de caducidade que vier a ser emitida, efeitos constitutivos;
CLVII. A Lei de Terras, no que respeita a concessões e a fortiori a direitos reais que entram na esfera jurídica dos particulares, não podia deixar de prever a possibilidade de se declarar a caducidade de tal direitos, com os elementos que implicam a determinação do incumprimento de uma das partes;
CLVIII. Exige-se da parte da Administração a verificação e confirmação de dois pressupostos sine qua non: do lado dos pressupostos objectivos temos necessariamente o evidente decurso do tempo, isto é, o decurso do prazo da concessão, e bem assim o não aproveitamento; do lado dos pressupostos subjectivos temos necessariamente o incumprimento, ou dito de outra forma, os elementos de culpa que motivam a cessação do direito concedido, ou seja, que o não aproveitamento se ficou a dever a culpa do concessionário;
CLIX. De acordo com o princípio da investigação o órgão da Administração competente teria de, uma vez decorrido o prazo da concessão, verificar no caso concreto se o concessionário estava em condições de aproveitar o terreno e se, não estava, se essa impossibilidade se lhe era imputável ou não;
CLX. Nem a própria Entidade Recorrida sustenta a tese da caducidade preclusiva, e tanto assim é que a mesma, para motivar a declaração de caducidade, invoca o não aproveitamento por parte da Recorrente;
CLXI. A Administração ignorou, ou quis ignorar, o facto de esse não aproveitamento ser impossível de exigir da Recorrente, porquanto foi motivado pela própria Administração;
CLXII. Neste particular, a decisão incorre em manifesto abuso de direito;
CLXIII. Resulta dos factos que a Administração investiu a Recorrente numa confiança de que iria ser titular de uma concessão com o fim prometido, o habitacional, para depois derrogar a sua própria palavra, sendo manifesto aqui o venire contra factum proprium que impede, por abusivo, que a Administração exerça o direito (se o houvesse) de declarar a dita caducidade;
CLXIV. Por outro lado, e por saber que colocou a Recorrente na situação de impossibilidade de aproveitamento (que só à Administração se deve) para mais tarde vir a invocar essa mesma falta de aproveitamento contra a Recorrente, é manifesto tratar-se de uma inalegabilidade formal, ou seja, um impedimento que se justifica pelo facto de que quem cria uma situação de facto não pode invocar essa mesma situação em que deveras colocou a contraparte com o objectivo de retirar daí vantagens, como é o caso dos autos;
CLXV. Está também expresso no próprio despacho recorrido o elemento de culpa porquanto sanciona a Recorrente no que respeita à perda de direitos decorrentes de benfeitorias ou compensações;
CLXVI. Ao declarar a caducidade nos termos em que o fez, a Administração incorre no vício de violação de lei, por violação das seguintes normas legais: art. 120º da Lei Básica, art. 54º e 55º da Lei 6/80/M, de 5 de Julho; art. 48º e 215º da Lei 10/2013, al. a) do art. 167º do CPA, art. 326º do Código Civil e da cláusula segunda do contrato de concessão;
CLXVII. Que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21 º do CPAC;
CLXVIII. A decisão assenta em fundamentação de facto e de direito errada, pelo que está inquinada com o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e erro de direito;
CLXIX. O pressuposto de que o acto recorrido partiu - isto é, de que o aproveitamento contratualmente estabelecido não se mostrava verificado e de que esse não aproveitamento se ficou a dever a culpa da Recorrente - está errado, pelo que o mesmo se encontra inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto;
CLXX. Há uma manifesta discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, o que constitui um vício de violação de lei na vertente de erro de direito, na senda do que vem sendo jurisprudência unânime, isto é, de que o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito) consubstancia uma hipótese de violação de lei;
CLXXI. Donde resulta o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e erro de Direito, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC;
CLXXII. Tendo em conta a decisão administrativa de alteração da finalidade do terreno e do consequente processo de revisão do contrato de concessão, a Recorrente tinha legitimas expectativas de que o contrato de concessão pudesse vir a ser revisto e o terreno pudesse vir a ser aproveitado;
CLXXIII. Ao longo de todos estes anos, a ora Recorrente por diversas vezes recorreu aos serviços de arquitectos, engenheiros e projectistas a fim de pôr em prática o efectivo aproveitamento do terreno;
CLXXIV. A Recorrente incorreu em avultadas despesas, nomeadamente com planeamentos de obra, projectos de arquitectura e engenharia, manutenção do terreno, instalação de electricidade.
CLXXV. A Administração Pública, no domínio do Direito Privado, e bem assim no domínio do Direito Público, subordina-se ao princípio da Boa-Fé, nos termos previstos no artigo 8º do CPA, o qual foi manifestamente violado;
CLXXVI. A entidade recorrida, ao decidir como decidiu, violou o Princípio da Protecção da Confiança Legítima, corolário do Princípio da Boa-Fé;
CLXXVII. A actuação da Administração Pública é total e manifestamente desproporcional e inadequada;
CLXXVIII. Ao decidir como decidiu, o Exmo. Senhor Chefe do Executivo desrespeitou os mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, o princípio da protecção da confiança legítima, corolário do princípio da boa fé, bem como o princípio da proporcionalidade,
CLXXIX. O que configura uma enfermidade do acto por violação de lei, o que gera a anulabilidade do mesmo acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do CPAC;
CLXXX. No caso do tratamento dado pela Entidade Recorrida ao lote SN não aproveitado e cuja caducidade não foi declarada pela Entidade Recorrida, o Senhor Chefe do Executivo teve dois pesos e duas medidas;
CLXXXI. Também em 16 processos administrativos devidamente identificados as demoras dos serviços competentes foram consideradas pelo Senhor Chefe de Executivo para justificar a não declaração de caducidade das respectivas concessões;
CLXXXII. No que se refere aos 16 processos administrativos que mereceram essa decisão de não declaração de caducidade dos terrenos concessionados o Senhor Chefe do Executivo decidiu de forma diferente, considerando como falhas da Administração, e logo fundamentos para a sua decisão, a não emissão atempada de Plantas de Alinhamento Oficial (cfr. Processo Administrativo nº 1 181.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 56/SOPT/03), ou a falta de respostas ou demora nas mesmas aos pedidos do concessionários (cfr. Processo Administrativo nº 2 328.01 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo aos despachos 32/SOPT/01 e 67/SOPT/04, Processo Administrativo nº 2342.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 43/SOPT/01, Processo Administrativo nº 6 270.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 173/SATOP/97), Processo Administrativo nº 6 283.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 32/SATOP/98 e Processo Administrativo nº 6 295.1 da Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes relativo ao Despacho 13/SATOP/98);
CLXXXIII. Resulta inequívoco que, nestes novos 16 processos administrativos que vieram agora a ser divulgados pela Administração, o Senhor Chefe do Executivo teve dois pesos e duas medidas, em clara e grave violação do Princípio da Igualdade plasmado no nº 1 do artigo 5º do CPA, e que vincula a Administração;
CLXXXIV. No caso sub judice a entidade recorrida não considerou como fundamentos para a sua decisão factos que naqueles 16 processos administrativos vieram a ser justificativos para a não declaração de caducidade, tratando ostensivamente de forma diferente processos que se encontravam nas mesmas circunstâncias, e fazendo-o em claro prejuízo do ora Recorrente;
CLXXXV. A violação do princípio da igualdade gera uma enfermidade do acto recorrido por violação de lei, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
CLXXXVI. Estando a Entidade Recorrida vinculada ao cumprimento da palavra dada, atendendo aos compromissos assumidos, à expectativa criada e atendendo à sua sujeição à Lei, declarada que esteja a anulação do acto recorrido, deverá a Entidade Recorrida ser condenada à prática de acto administrativo legalmente devido nos termos do artigo 24º, n.º 1, alínea a) do CPAC, que corresponde, in casu, em dar andamento ao processo de revisão de concessão.
Nestes termos e nos melhores de direito requer-se seja proferido Douto Acórdão por esse Venerando Tribunal que, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1 do CPAC, anule o acto recorrido de declaração da caducidade da concessão do terreno com a área de 5 235 m2 designado por lote «SK1», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, a favor da Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen) S.A., com sede em Macau, na Avenida General Castelo Branco, n.º 1/F, Edifício Canídromo Corridas de Galgos, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o 810 SO a fls. 24V do livro C3, titulada por pelo Despacho n.º 17/SATOP/89, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 26 de Dezembro de 1989, por se mostrar inquinado de:
a) Vício de forma por preterição de formalidade essencial - audiência prévia prevista no artigo 93.º do CPA;
b) Vício de violação de lei por violação por violação dos arts. 120º da Lei Básica; art. 54º e 55º da Lei 6/80/M, de 5 de Julho; art. 48º e 215º da Lei 10/2013; al. a) do art. 167º do CPA; art. 326º do Código Civil e da cláusula segunda do contrato de concessão;
c) Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e por erro de direito;
d) Vício de violação de lei por violação dos princípios princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, o princípio da protecção da confiança legítima, corolário do princípio da boa fé, o principio da proporcionalidade e o princípio da igualdade.”
*
A entidade recorrida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do recurso.
*
A recorrente apresentou alegações (facultativas), reiterando no essencial a posição anteriormente assumida na petição inicial.
*
Alegou igualmente a entidade recorrida, insistindo na tese da improcedência da impugnação contenciosa.
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seu parecer final, com o seguinte teor:
“Objecto do presente recurso contencioso é o acto de 13 de Fevereiro de 2017, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 5 235 m2, situado em Coloane, na Zona Industrial de Seac Pai Van, constituído pelo lote denominado SK1, cujo contrato fora titulado por escritura pública de 30 de Novembro de 1990.
A recorrente, “Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen) S.A.”, acha que o acto padece· dos vários vícios que lhe imputa na sua petição de recurso, a saber: preterição da formalidade de audição; violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito; violação de lei por violação dos artigos 120.º da Lei Básica, 54.º e 55.º da Lei 6/80/M, 48.º e 215.º da Lei 10/2013, 167.º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, 326.º do Código Civil e cláusula segunda do contrato de concessão; e violação de lei por violação dos princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, da boa-fé e protecção da confiança legítima, da proporcionalidade e da igualdade.
A entidade recorrida contesta a ocorrência de qualquer destes vícios, asseverando a legalidade do acto e batendo-se pela sua manutenção na ordem jurídica.
Vejamos, não sem uma breve alusão preliminar ao pedido de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, que, enquanto tal, ou seja, como pedido, a recorrente apenas formula no fmal das suas alegações facultativas. É certo que, já na petição de recurso, a recorrente havia aflorado esta matéria, fazendo-o, todavia, na exposição das razões de direito em que fundamentava o recurso, mas nenhuma pretensão deste jaez tendo formulado na sede própria, em que obrigatoriamente o devia ter feito, ou seja, em sede de pedido (cf. artigos 42.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Administrativo Contencioso, e 389.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Assim, não se poderá conhecer, salvo melhor juízo, deste pedido, que, em bom rigor apenas foi formulado na fase das alegações facultativas, em que é processualmente inadmissível, atento o disposto no artigo 68.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e considerando o princípio da estabilidade da instância, o que deve levar à respectiva rejeição.
Quanto ao recurso contencioso e vícios que lhe são imputados, começa a recorrente por assacar ao acto a preterição da formalidade essencial de audição.
O princípio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, proclamado no artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo, encontra expressão prática no exercício do direito de audiência previsto nos artigos 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo. Finda a instrução, os interessados são convocados ou notificados para exercitarem tal direito. Só assim não será nos casos de inexistência e de dispensa de audição, incluindo-se nos primeiros as hipóteses em que a decisão se revele urgente ou possa ver comprometida a sua execução ou utilidade pela própria audiência, bem como os procedimentos em massa, e pontuando entre os segundos. as situações em que os interessados já se hajam pronunciado no procedimento sobre as provas produzidas e sobre as questões pertinentes para a decisão, bem como quando o procedimento aponte para uma decisão favorável aos interessados. Nenhuma destas hipóteses estava em causa, pelo que, tendo havido instrução, havia lugar ao exercício do direito de audição, sendo seguro que não foi facultada à recorrente a possibilidade de exercitar esse direito.
Posto isto, importa ponderar que o acto administrativo em crise é proferido no exercício de poderes estritamente vinculados. Entendemos, tal como defende a entidade -recorrida, que, preenchidos que se mostrem os pressupostos da declaração da caducidade preclusiva, tem a Administração a obrigação vinculada de produzir essa declaração. Então, a preterição daquela formalidade, que, como referido, temos por verificada, mostra-se indiferente para o resultado a que tem que chegar a decisão final do procedimento. Qualquer desvio que conduza a um resultado diverso daquele que vinculadamente se impõe há-de relevar noutra sede que não a da falta de audição do interessado. O que significa que, em casos tais, e quando, como no presente, não esteja em causa um direito fundamental de audição, visto que o procedimento não pode considerar-se sancionatório, a formalidade degrada-se em não essencial, sendo de dar prevalência ao interesse inerente ao princípio do aproveitamento do acto.
Tendemos, pois, a pronunciarmo-nos pela improcedência, porque despido de relevância anulatória, do invocado vício de falta de audiência.
Passemos ao erro nos pressupostos de facto e de direito.
A recorrente sustenta que o acto está viciado de erro nos pressupostos de facto porquanto partiu do princípio de que o aproveitamento contratualmente estabelecido não foi levado a cabo por culpa do concessionário, culpa que a recorrente refuta veementemente.
Ora bem, os pressupostos fácticos com que lidou o acto foram, na verdade, a falta de aproveitamento e o decurso do prazo da concessão. Estes pressupostos adoptados no acto recorrido mostram-se exactos. Na verdade, é irrefutável que, em 29 de Novembro de 2015, expirou o prazo de 25 anos do arrendamento do terreno, sem que este se mostrasse aproveitado, tal como reza o acto. Portanto, o acto não lidou - nem tinha que lidar, conforme entendimento pacífico da jurisprudência da Região Administrativa Especial de Macau, patente, v.g., no acórdão do Tribunal de Última Instância, de 11 de Outubro de 2017, in Processo n.º 28/2017 - com a questão da culpa, pelo que não ocorre o apontado erro de facto. Saber quais as vicissitudes que estão por detrás do não aproveitamento e quem por isso é responsável é matéria que, por não ter sido aflorada no acto, é inócua em termos de pressupostos e não cabe aqui analisar.
A recorrente acha também que o acto labora em equívoco no que toca ao decurso do prazo de caducidade, uma vez que esse prazo está suspenso, pois não foi ainda elaborado e aprovado o Plano Urbanístico de Seac Pai Van. Daí que entenda que não podia ser declarada a caducidade, porquanto o respectivo prazo não teria decorrido por inteiro.
Todavia, não explica a recorrente de que modo a falta de Plano Urbanístico tem, à luz do direito, o efeito de suspender o prazo de caducidade. Mesmo que se tenha por líquido que essa falta implicou a suspensão dos processos de aproveitamento, como refere a recorrente, isso não tem a virtualidade de interferir com o decurso do prazo de caducidade, não se divisando, pois, qualquer erro de direito na selecção dos pressupostos.
Improcede o aventado erro nos pressupostos de facto e de direito.
A recorrente aponta também ao acto a violação das várias disposições que enumera, concretamente dos artigos 120.º da Lei Básica, 54.º e 55.º da Lei 6/801M, 48.º e 215.º da Lei 10/2013, 167.º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, 326.º do Código Civil e cláusula segunda do contrato de concessão.
Também aqui, cremos que não lhe assiste razão.
A Lei Básica manda proteger o direito à propriedade privada, tal como impõe o reconhecimento e protecção dos contratos de concessão de terras celebrados antes do estabelecimento da RAEM e que se prolonguem para além da data de transferência de soberania. Mas relega, para a lei, a forma e as condições que moldam essa protecção, como melhor se vê das normas pertinentes (artigos 6.º e 120.º). Pois bem, no que respeita aos terrenos pertença do antigo Território de Macau e da actual RAEM - terrenos do Estado -, não há concessões por tempo indeterminado. Há prazos de concessão e há regras para o aproveitamento dos terrenos. Esses prazos e regras estão disciplinados por lei e, na maioria dos casos, até são vertidos para os contratos de concessão.
Portanto, a protecção conferida pela Lei Básica é uma protecção subordinada ao cumprimento das regras legalmente instituídas, que se pode esvair com a inobservância dessas regras. E as regras, em matéria de terras, têm como pano de fundo a finalidade social dos direitos associados ao seu uso, o que demanda o seu efectivo aproveitamento nos prazos que o legislador teve por razoáveis, adentro do seu poder de conformação. Daí que a impossibilidade de renovação das concessões provisórias, que resulta da nova Lei de Terras, como já resultava da antiga lei de Terras, em nada afronte os princípios vertidos naqueles artigos da Lei Básica, não tendo igualmente o acto violado as apontadas normas das Leis 6/80/M e 10/2013, nem a cláusula segunda do contrato, cuja referência a 19 de Dezembro de 2049 radica na Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a questão de Macau e no acordo aí firmado de manter, após a transferência de soberania, e até à referida data de 2049, o sistema capitalista vigente em Macau.
Quanto à questão do equilíbrio financeiro dos contratos, é óbvio que a Administração deve respeitá-lo quando modifique unilateralmente o conteúdo dos contratos. Mas a reposição desse equilíbrio não tem que ser feita à custa do prolongamento do prazo contratual, como decidiu o acórdão do Tribunal de Última Instância, de 23 de Maio de 2018, Processo 7/2018. Sobretudo se, como sucede, a Administração não pode prolongar o prazo da concessão, por impedimento resultante de norma imperativa.
No que toca ao aventado abuso de direito, também o Tribunal de Última Instância, no acórdão supra-referido, de 23 de Maio de 2018, alvitrou que a declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão sem o aproveitamento do terreno constitui um poder-dever, prescrito por normas imperativas, pelo que não pode traduzir qualquer abuso de direito.
Improcedem também estes vícios de violação de lei.
Por fim, vem invocada a violação de vários princípios que regem a actividade administrativa.
Trata-se de princípios cuja acuidade releva no exercício de poderes discricionários. Ora, como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores de Macau, verificados os pressupostos falta de aproveitamento e decurso do prazo da concessão provisória, a Administração está estritamente vinculada a declarar a caducidade dos contratos de concessão. Foi o que sucedeu no presente caso. Estando em causa, como estava, o exercício de poder vinculado, aqueles princípios mostram-se inoperantes em termos de poderem influir na validade do acto.
Improcede igualmente a suscitada violação de tais princípios.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
1 – O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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2 – Nas suas alegações a recorrente formulou o pedido de condenação da entidade recorrida à prática do acto devido, nos termos do art. 24º, nº1, al. a), do CPAC.
Trata-se de um pedido tardio. É na petição, e não nas alegações facultativas, que este tipo de pedido pode ser cumulado ao pedido principal de feição anulatória (neste sentido se pronunciou já este TSI no Ac. de 21/06/2018, Proc. nº 152/2017).
Assim sendo, não conheceremos deste pedido, que assim se rejeita, por extemporâneo.
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3 – Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - Pelo Despacho nº 17/SATOP/89, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 52, 2º suplemento, de 26 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 5.235 m2, situado em Macau, Coloane, na Zona Industrial de SEAC PAI VAN, LOTE “SK1”, a favor da Concessionária Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen) S.A, aqui Recorrente,
2 - O prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública.
3 - E o prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 24 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o respectivo contrato.
4 - A referida concessão tinha por finalidade o aproveitamento do terreno em causa para a construção de vários edifícios até 2 pisos, destinados à criação de cães, a explorar directamente pelo Concessionário, dado que a Concessionária desenvolvia a sua actividade profissional no Canídromo em Macau e necessitava de um edifício de apoio ao seu negócio.
5 - Posteriormente, por escritura pública outorgada em 30 de Novembro de 1990 na Direcção dos Serviços de Finanças foi titulado o referido contrato de concessão.
6 - A Concessionária, ora Recorrente, pagou a totalidade das prestações do prémio do contrato.
7 - Por Despacho do SATOP de 30 de Agosto de 1993 exarado na informação nº 063/SOTSDB/98, de 6 de Agosto de 1993, constante a fls. 138 do processo administrativo n.º 8111.03, foi decidido o seguinte:
a) Afectar o loteamento de SEAC PAI VAN à finalidade habitacional em vez de industrial;
b) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
8 - Por ofício nº 857/8111.01/SOLDEP/93 de 2 de Dezembro de 1993 constante a fIs.l43 do processo administrativo, foi comunicada à ora Recorrente a decisão referida.
9 - E por carta datada de 14 de Dezembro de 1993, veio a ora Recorrente concordar com a alteração da finalidade do terreno para fins habitacionais.
10 - A partir desta data a ora Recorrente não obteve por parte da DSSOPT qualquer outra comunicação relativamente a este assunto ou a qualquer outra decisão tomada quanto a este terreno.
11 - No despacho apresentado ao Secretário Adjunto a 11 de Agosto de 1993, constante a fls.138 do processo administrativo, é referido o seguinte:
“2 - O Plano Geral de Exploração e Recuperação da Pedreira de Coloane, Intervenção em SEAC PAI VAN, visa fundamentalmente:
- regularizar a situação contratual existente;
- definir em concreto os limites máximos da área de intervenção.
A intervenção contempla:
- a exploração da Pedreira;
- a regularização da plataforma;
- o tratamento paisagístico.
A proposta correspondente à “opção A” reúne condições para merecer parecer favorável, devendo contudo o seu prazo global máximo ser reduzido para 5 anos, mas contemplar tudo que é referido em 3.
5 - Os prazos de intervenção na área do loteamento industrial de SEAC PAI VAN devem ser reduzidos/encurtados a fim de viabilizar o mais cedo possível, o mais cedo possível, o aproveitamento dos lotes já concedidos e a realização das infra-estruturas necessárias.
6 - Face aos descritos, leva-se à consideração superior o seguinte:
- a aprovação do plano apresentado, condicionado à apresentação de um programa limitado ao máximo de 5 (cinco) anos;
- a revisão do contrato com a EMPIMAC de modo a definir a nova área de intervenção, os prazos a cumprir e os novos valores de taxas e rendas;
- a definição com a CM das Ilhas, dos critérios e métodos de controle da exploração;
- o contacto a estabelecer com as concessionárias dos lotes de Seac Pai Van para lhes dar a conhecer a intenção de intervir na área para regularização do terreno com vista ao seu aproveitamento e execução das infra-estruturas.
- A alteração do acordo, por escrito, dos concessionários anteriormente referidos para evitar futuros contratempos durante o desenvolvimento dos trabalhos pela EMPIMAC;
- revisão de contratos de concessão , a acordar com os concessionários de SEAC PAI VAN afim de serem definidos prazos de aproveitamento compatíveis com os previstos para a disponibilização dos lotes e ajustamento dos prémios pagos tendo em conta os trabalhos de regularização do terreno e recuperação paisagística que lhes competiam e que vão ser levados a cabo pela Administração;
- averiguação das reais intenções dos concessionários em construir os edifícios e manter as finalidades previstas no contrato afim de ajuizar das possibilidades de revisão dos tipos de ocupação previstos e proceder em conformidade.
- após a obtenção do acordo dos actuais concessionários de Seac Pai Van, a EMPIMAC deve apresentar um documento de compromisso de execução dos trabalhos e cumprimentos dos prazos na área de Seac Pai Van.”
12 - Tal parecer mereceu a concordância superior por despacho de 30/08/1993, a fls. 138 e 138v do processo administrativo.
13 - Desde o dia em que respondeu à Administração concordando com a alteração da finalidade do terreno, a Recorrente não recebeu qualquer outro comunicado ou instrução da Administração, fosse em que sentido fosse.
14 – No Processo nº 56/2015 de Terras, foi emitido o seguinte Parecer nº 7/2016, pela Comissão de Terras:
“Proc. n.º 56/2015 - Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 5 235m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SK1”, a favor da Companhia de Corridas das de Galgos Macau (Yat Yuen), S.A., pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 29 de Novembro de 2015.
I
1. Ao abrigo do disposto no artigo 44.º da Lei n.º 10/2013, Lei de terras, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. Ao abrigo do disposto no artigo 48.º da mesma Lei, a concessão provisória não pode ser renovada. Assim, por despacho do Chefe do Executivo, declarar a caducidade de concessão, por decurso do prazo, de acordo com o artigo 167.º da mesma Lei.
2. Ao abrigo do disposto no artigo 179.º da Lei de terras e no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, o despejo do concessionário ou do ocupante é ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique no caso de declaração da caducidade da concessão, quando o concessionário não tenha executado no prazo que lhe tenha sido determinado, a ser executado pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT).
3. Em face do exposto, o Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da DSSOPT, através da proposta n.º 349/DSODEP/2015, de 18 de Novembro de 2015, propôs autorização superior para dar início ao procedimento de declaração de caducidade da concessão provisória do terreno por decurso do prazo, bem como o início dos respectivos trabalhos por ordem crescente das datas em que terminou o prazo de arrendamento de cada um daqueles processos. Na sequência do parecer concordante do director da DSSOPT com o proposto, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) aprovou a proposta por despacho de 25 de Novembro de 2015.
II
4. Através do Despacho n.º 17/SATOP/89, publicado no 2.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 26 de Dezembro de 1989, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com I dispensa de hasta pública, do terreno não descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP), com a área de 5 235m2, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, lote “SK1”, a favor da Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen), S.A.R.L. (adiante designado pela concessionária), destinado à instalação de canis e instalações de apoio. A referida concessão do terreno foi titulada por escritura pública outorgada em 30 de Novembro de 1990.
5. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, terminou em 29 de Novembro de 2015.
6. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato da concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de vários edifícios, até 2 pisos, destinados à criação de cães, a explorar directamente pela concessionária.
7. Conforme o previsto na cláusula quinta do contrato da concessão, o prazo global de aproveitamento do terreno foi estipulado em 24 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o contrato, ou seja, de 26 de Dezembro de 1989 até 25 de Dezembro de 1991.
8. Sem prejuízo do cumprimento do prazo global de aproveitamento do terreno, a concessionária deveria apresentar os projectos e início da obra conforme os prazos fixados, isto é, 60 dias contados a partir da data da publicação do despacho para a elaboração e apresentação do anteprojecto de obra (projecto de arquitectura), 90 dias contados a partir da data da notificação da aprovação do anteprojecto de obra para a elaboração e apresentação do projecto de obra (projectos de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais), e 45 dias contados a partir da data da notificação da aprovação do projecto da obra para o início da obra.
9. Conforme a cláusula sexta do contrato de concessão, constituem encargos especiais a serem suportados exclusivamente pela concessionária a desocupação do terreno concedido e a remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existentes.
10. Da leitura das informações da folha de acompanhamento financeiro constante do processo, a concessionária pagou integralmente o montante do prémio no valor de $1 502 126,00 patacas previsto na cláusula décima do contrato.
11. O terreno referido em epígrafe está descrito na CRP sob o n.º 22 015 a fls. 12 do livro B106A e o direito resultante da concessão encontra-se inscrito a favor da concessionária sob o n.º 429 a fls. 32 do livro F2.
12. Em 6 de Março de 1990, a concessionária apresentou um projecto de arquitectura à Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes e esta, através do ofício n.º 3678/DCULIC/90, de 18 de Junho de 1990, informou a concessionária que de acordo com o despacho de 12 de Junho de 1990, o mesmo tinha sido aprovado condicionalmente.
13. Em seguida, em cumprimento do despacho emitido em 30 de Agosto de 1993 pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na informação n.º 063/SOTSDB/93, de 6 de Agosto de 1993, a DSSOPT, através do ofício n.º 857/8111.l/SOLDEP/93, de 2 de Dezembro de 1993, comunicou à concessionária o seguinte:
“..... devido à sua localização e ao elevado custo e dificuldade na execução das infra-estruturas de uma zona com as características de Seac Pai Van, foi decidido por despacho do Exmo. Senhor Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 30 de Agosto de 1993, o seguinte:
a) Afectar o loteamento do Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial;
b) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
Assim, e porque a referida regularização do terreno, o tratamento paisagístico e comparticipação nos custos das infra-estruturas dos lotes concedidos, constituem encargos dos respectivos concessionários toma-se necessário, a fim de se evitarem contratempos, obter um acordo, por escrito, de V. Exa., quanto à aceitação de revisão do contrato de concessão, face à nova finalidade do terreno o qual implicará, nomeadamente:
a) A definição de um novo prazo de aproveitamento compatível com o prazo previsto para a disponibilização do lote;
b) O ajustamento do montante do prémio.
Caso V. Exa. continue a ter preferência pela concessão com finalidade industrial, deverá igualmente informar esta Direcção de Serviços com vista à concessão, por troca, de um terreno equivalente, em local mais adequado a essa finalidade.
Tornando-se necessário programar rapidamente o inicio dos trabalhos, solicita-se uma resposta de V. Exa. até dia 20 de Dezembro de 1993.”
14. Respondendo ao ofício acima referido, a concessionária apresentou uma carta à DSSOPT em 15 de Dezembro de 1993, na qual manifestou interesse na alteração da finalidade do terreno para fins habitacionais.
15. Em 14 de Maio de 2015, a concessionária apresentou um requerimento ao Gabinete do STOP, a explicar que devido às variações socio-económicas, à transformação do sector industrial e ao estabelecimento da RAEM, o governo não tinha tomado uma decisão final relativamente ao planeamento de Coloane e Seac Pai Van. Para além disso, visto que havia uma carência de infra-estruturas nas imediações do lote concedido e que o terreno tinha sido ocupado abusivamente por terceiros, tendo apenas sido revertido para a concessionária depois do Tribunal Judicial de Base ter proferido a sentença em 2009, sendo tudo isto motivos para que concessionária não tivesse podido concretizar o aproveitamento do terreno, a responsabilidade pelo não aproveitamento não devia ser, por conseguinte, imputada à concessionária. Actualmente, a fim de articular com o desenvolvimento da zona de Seac Pai Van, a concessionária veio solicitar à Administração autorização para a modificação da finalidade do terreno, para construir um complexo destinado à habitação, comércio e estacionamento, tendo anexado um estudo prévio. O STOP emitiu um despacho neste requerimento no mesmo dia e o requerimento foi enviado para a DSSOPT para efeitos de prosseguimento do processo.
16. O DSODEP fez a sua análise, através da proposta n.º 237/DSODEP/2015, de 13 de Novembro de 2015. Visto que o prazo de arrendamento iria terminar em 29 de Novembro de 2015, assim o tempo restante não é suficiente para concluir os procedimentos de aprovação dos projectos e de revisão da concessão, pelo que se propôs autorização superiormente que este motivo fosse comunicado à concessionária. Na sequência do parecer concordante do director da DSSOPT com a proposta, o STOP manifestou igualmente a sua concordância por despacho de 24 de Novembro de 2015.
Assim, através do ofício n.º 911/8111.02/DSODEP/2015, de 27 de Novembro de 2015, a DSSOPT comunicou à concessionária a decisão acima referida.
17. De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato, ou seja, o prazo terminou em 29 de Novembro de 2015. No entanto, uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão ainda é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, as concessões provisórias não podem ser renovadas. Nestas circunstâncias, o DSODEP procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 375/DSODEP/2015 de 17 de Dezembro de 2015, propôs superiormente que fosse autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e enviado o processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores a fim de que a caducidade da concessão fosse declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial da RAEM nos termos do disposto no artigo 167.º da Lei de terras. Na sequência do parecer concordante do director subst.º da DSSOPT com a proposta, o STOP manifestou igualmente a sua concordância por despacho de 23 de Dezembro de 2015.
18. Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 29 e Novembro de 2015 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tomar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
III
Reunida em sessão de 21 de Janeiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração o parecer e proposta constante na proposta n.º 375/DSODEP/2015, de 17 de Dezembro de 2015, bem como o despacho nela exarado do STOP, de 23 de Dezembro de 2015, considera que verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 29 de Novembro de 2015, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Comissão de Terras, aos 21 de Janeiro de 2016.”
15 – Em 13/02/2017, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho (a.a):
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 56/2.015 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.
Aos 13 de Fevereiro de 2017.
O Chefe do Executivo, Chui Sai On”
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IV- O Direito
1 – Os vícios
Foram os seguintes os vícios imputados ao acto:
a) Vício de forma por preterição de formalidade essencial - audiência prévia prevista no artigo 93.º do CPA;
b) Vício de violação de lei por violação dos arts. 120º da Lei Básica; art. 54º e 55º da Lei 6/80/M, de 5 de Julho; art. 48º e 215º da Lei 10/2013; al. a) do art. 167º do CPA; art. 326º do Código Civil e da cláusula segunda do contrato de concessão;
c) Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e por erro de direito;
d) Vício de violação de lei por violação dos princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, da protecção da confiança legítima, corolário do princípio da boa fé, da proporcionalidade e da igualdade.”
Conheçamo-los.
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2 – Do vício de forma por preterição de formalidade essencial - audiência prévia prevista no artigo 93.º do CPA.
Entende a recorrente que não lhe foi dada oportunidade de se pronunciar nos termos do art. 93º do CPA sobre o projecto de decisão.
É verdade que esta formalidade não foi observada no caso em apreço, sendo certo que, tendo havido instrução, em princípio ela não deveria deixar de observar-se.
No entanto, e como este tribunal tem decidido inúmeras vezes, inclusive em casos semelhantes a este do ponto de vista substantivo, é vinculada a natureza deste acto administrativo concernente à caducidade, no sentido de que, uma vez verificado o facto objectivo do decurso do prazo da concessão sem aproveitamento, à Administração não resta (ope legis) senão declarar a caducidade preclusiva.
Neste sentido, entre tantos:
- Acs. do TUI, de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017; 23/05/2018, Proc. nº 7/2018;
- Acs, do TSI, de 2/03/2017, Proc. nº 433/2015; 13/07/2017, Proc. nº 743/2016; 20/07/2017, Proc. nº 15/2006; 21/09/2017, Proc. nº 672/2015; 1/02/2018, Proc. nº 26/2017, de 31/05/2018, Proc. nº 574/2016, de 14/06/2018, Proc. nº 16/2017; de 5/07/2018, Proc. nº 633/2017.
Ora sendo assim, isto é, se outra solução não podia encontrar-se neste caso, então a observância da formalidade de audiência nenhum novo “quid” podia contribuir para a formação a decisão, nenhum contributo podia fornecer no sentido propugnado pela ora recorrente. Isto significa que a formalidade, até pelos princípios do aproveitamento do acto administrativo e da celeridade, em tais circunstâncias se degrada em formalidade não essencial. De tal modo que a omissão da audiência não gera, no caso em apreço, invalidade relevante.
Neste sentido, por exemplo:
- Acs. do TUI, de 25/07/2012, Proc. nº 48/2012, 25/04/2012, Proc. nº 11/2012, 23/05/2018, Proc. nº 7/2018; Acs. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016; 9/11/2017, Proc. nº 375/2016, 14/06/2018, Proc. nº 16/2017.
Improcede, pois, o vício.
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3 – Do vício de violação de lei por violação dos arts. 120º da Lei Básica; art. 54º e 55º da Lei 6/80/M, de 5 de Julho; art. 48º e 215º da Lei 10/2013; al. a) do art. 167º do CPA; art. 326º do Código Civil e da cláusula segunda do contrato de concessão.
Sobre o assunto, servir-nos-emos do que este TSI teve oportunidade de afirmar muito recentemente:
“Quanto ao erro no pressuposto de direito, as alegadas violações também não se verificam.
É certo que a Lei de Terra antiga (Lei n° 6/80/M) não prevê expressamente a caducidade da concessão provisória com o decurso do prazo da concessão, mas tal resulta da interpretação sistemática da própria Lei.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o legislador da Lei de Terra antiga diferenciou duas fases da concessão: provisória e definitiva.
Dispõe o art° 49° da Lei nº 6/80/M que "A concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão e só se converterá em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente".
Só as concessões convertidas em definitivas é que são passíveis de renovação (cfr. art° 55°, n° 1 da Lei n° 6/80/M).
A falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo estipulado ou legal implica a declaração da caducidade da concessão provisória (cfr. art° 166°, n° 1, al. a) e n° 2 da Lei n° 6/80/M).
Ora, estas disposições legais permitem concluir que no âmbito da vigência da Lei nº 6/80/M, uma concessão de terreno chegada ao termo do prazo da concessão e que ainda está numa situação provisória, isto é, não se encontra convertida em definitiva, a verificação da caducidade da mesma é inevitável, já que nunca pode ser objecto de renovação.
Nesta conformidade, não se vê como é que o acto recorrido, que foi praticado em cumprimento do dever vinculado resultante da Lei n° 10/2013, viola o art° 120° da Lei Básica.
Por força dos art°s 48°, n° 1 e 52°, todos da nova Lei de Terras, o termo do prazo da concessão provisória, sem esta ter sido convertida em definitiva, determina inevitavelmente a declaração da caducidade da concessão, que consiste numa actividade vinculada da Administração, pelo que nunca se pode dizer que a Entidade Recorrida agiu com abuso de direito, e/ou com violação dos preceitos legais e da cláusula contratual em causa”.
Reiteramos e remetemos para o trecho transcrito a nossa fundamentação acerca deste vício de múltiplas vertentes impugnativas.
Acrescentamos apenas uma outra transcrição e que do mesmo modo aqui serve para a decisão desta causa.
“….e olhando para o nº2 do art. 48º não se vê qualquer possibilidade de que ele possa servir para o presente caso, pois longe está a sua “fattispecie” da situação dos presentes autos, tendo em conta que o despacho sindicado teve lugar após o decurso do prazo da concessão e, precisamente, com fundamento na caducidade preclusiva.
Quer dizer, ainda que aquele artigo 48º, bem ou mal, permita uma renovação de uma concessão provisória, o pressuposto em que ela assenta nunca pode servir para, ao seu abrigo, regular uma situação que já ultrapassou essa fase. Isto é, não é possível fazer retroceder a realidade do momento em que o despacho recorrido é praticado ao momento do termo do prazo do aproveitamento. Se na ocasião em que a caducidade é declarada já o prazo geral da concessão decorreu, então nenhum préstimo serve o nº2, do art. 48º, pensado que está para regular uma situação ocorrida a montante ou em momento muito prévio e com requisitos específicos.
Temos assim que não podemos concordar com a recorrente em toda a sua estratégia de impugnação no apelo que faz à possibilidade contratual e legal de reposição do equilíbrio financeiro através da invocação da via prorrogatória ou renovatória nos termos em que o fez.
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4.2.3.1 – E que dizer do art. 215º, al. 1)? Ver-se-á na norma a afirmação do direito que a recorrente reclama ao ponto de dizer que uma interpretação contrária à sua significaria uma ofensa aos artigos 6º e 120º, §1º, da Lei Básica (…)?
Quanto ao primeiro dos preceitos, cremos que a sua invocação está deslocada e, portanto, defasada do objectivo da própria norma. Com efeito, não nos parece que em lado nenhum do acto possamos ver uma ofensa ao direito de propriedade da recorrente, se o que está em causa é simplesmente a caducidade de uma concessão de um terreno, cuja propriedade pertence somente à RAEM.
(…) Talqualmente não parece fazer sentido a invocação do art. 120º, da Lei Básica - o contrário poderia corresponder à sua violação, segundo se depreende da posição da recorrente – para sustentar que a Administração deveria ter procedido à renovação ou prorrogação da concessão.
É correcto afirmar que a Lei Básica, no corpo do artigo, reconhece e protege os contratos de concessão de terras celebrados, e os direitos deles decorrentes, antes do estabelecimento da RAEM que se prolonguem para depois de 19/12/1999. Mas tal segmento normativo apenas pode ser utilizado para consagrar o respeito que a RAEM deve reconhecer aos direitos emergentes dos contratos que se encontrem em vigor após 19/12/1999. Ora, quanto a este aspecto, e como já tivemos ocasião de observar, o contrato celebrado em nada impedia a prática do acto administrativo que aqui está em apreciação, por em nada ter afrontado o clausulado inicial do contrato e das suas revisões.
E mesmo quanto ao seu parágrafo único1, igualmente não encontramos no acto nenhuma ofensa à força imperativa deste inciso legal, se pensarmos que ele se limita a mandar aplicar às novas concessões e às renovações (quando possíveis, obviamente) o regime legal e as “políticas” que vierem a ser produzidos já no âmbito da RAEM. A imposição que brota deste parágrafo está, de resto, em sintonia com o art. 11º do Código Civil e com o princípio tempus regit actum.
Improcede, pois, esta invocação” (Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016).
Quanto ao art. 167º, al. a), do CPA, invocado, no fundo, para pugnar pelo equilíbrio financeiro da recorrente, que a entidade recorrida alegadamente não teria respeitado ao não prorrogar o prazo da concessão, somos a dizer que, e tal como o afirmou já o TUI (Ac. de 23/05/2018, Proc. nº 7/2018), que este equilíbrio não pode ser feito à custa do prolongamento de um prazo de caducidade que a lei não tolera (no mesmo sentido, Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016).
Por fim, quanto ao abuso de direito (art. 326º do CC), é patente a sua inexistência, porquanto a Administração se limitou a aplicar a lei imperativa (daí a vinculação acima abordada) e a cumprir o contrato, no que à duração do contrato respeita (Ac. do TUI, de 23/05/2018, Proc. nº 7/2018). Dito por outras palavras, “O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões” (Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016)
Por todo o teor exposto nas transcrições efectuadas, que fazemos nosso, somos a concluir pela improcedência deste vício.
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4 – Vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e por erro de direito;
Quanto a este vício, recorremos, por uma questão de economia, ao que o digno Magistrado do MP afirmou no seu parecer e que também aqui fazemos nosso, com a devida vénia:
“A recorrente sustenta que o acto está viciado de erro nos pressupostos de facto porquanto partiu do princípio de que o aproveitamento contratualmente estabelecido não foi levado a cabo por culpa do concessionário, culpa que a recorrente refuta veementemente.
Ora bem, os pressupostos fácticos com que lidou o acto foram, na verdade, a falta de aproveitamento e o decurso do prazo da concessão. Estes pressupostos adoptados no acto recorrido mostram-se exactos. Na verdade, é irrefutável que, em 29 de Novembro de 2015, expirou o prazo de 25 anos do arrendamento do terreno, sem que este se mostrasse aproveitado, tal como reza o acto. Portanto, o acto não lidou - nem tinha que lidar, conforme entendimento pacífico da jurisprudência da Região Administrativa Especial de Macau, patente, v.g., no acórdão do Tribunal de Última Instância, de 11 de Outubro de 2017, in Processo n.º 28/2017 - com a questão da culpa, pelo que não ocorre o apontado erro de facto. Saber quais as vicissitudes que estão por detrás do não aproveitamento e quem por isso é responsável é matéria que, por não ter sido aflorada no acto, é inócua em termos de pressupostos e não cabe aqui analisar.
A recorrente acha também que o acto labora em equívoco no que toca ao decurso do prazo de caducidade, uma vez que esse prazo está suspenso, pois não foi ainda elaborado e aprovado o Plano Urbanístico de Seac Pai Van. Daí que entenda que não podia ser declarada a caducidade, porquanto o respectivo prazo não teria decorrido por inteiro.
Todavia, não explica a recorrente de que modo a falta de Plano Urbanístico tem, à luz do direito, o efeito de suspender o prazo de caducidade. Mesmo que se tenha por líquido que essa falta implicou a suspensão dos processos de aproveitamento, como refere a recorrente, isso não tem a virtualidade de interferir com o decurso do prazo de caducidade, não se divisando, pois, qualquer erro de direito na selecção dos pressupostos.”
Queremos apenas acrescentar que o facto de não ter havido plano urbanístico para a zona de Seac Pai Van, não tem virtualidade suspensiva do prazo de caducidade. Como já dissemos, o que releva é unicamente o decurso do prazo (facto objectivo) necessário à verificação a caducidade.
É bom lembrar que não estamos no âmbito do direito privado, em que predomina o princípio da liberdade e autonomia contratual, mas, pelo contrário, como tivemos oportunidade de afirmar noutra ocasião neste TSI (Ac. do TSI, de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015), tudo está subjugado ao interesse público dominante, tudo ocorre numa matéria de direito público, em que a alteração do prazo está excluída da disponibilidade das partes (art. 325º, do CC), e em que, portanto, o art. 323º, nº2 do CC não se mostra aplicável (tb. Vaz Serra, RLJ ano 98, pág. 352 e também em Prescrição Extintiva e Caducidade, in BMJ nº 107, págs. 258-260).
Improcede, em suma, o vício.
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5 – Do vício de violação de lei por violação dos princípios da colaboração entre a Administração e os particulares, da protecção da confiança legítima, corolário do princípio da boa fé, da proporcionalidade e da igualdade.
Estes princípios constituem limites internos da actividade discricionária da Administração como é sobejamente conhecido.
Neste sentido, entre outros:
- Ac. do TUI, de 8/06/2016, Proc. nº 9/2016;
- Ac. do TUI, de 22/06/2016, Proc. nº 32/2016;
- Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016;
- Ac. de 15/03/2018, Proc. nº 299/2013;
- Ac. do TSI, de 14/06/2018, Proc. nº 16/2017;
- Ac. do TSI, de 5/07/2018, Proc. nº 633/2017.
Ora, como já trás dissemos, a actividade em apreço nos autos tem natureza vinculada. Portanto, a violação dos referidos princípios mostra-se deslocada e, como é óbvio, improcedente.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 20 UCs.
T.S.I., 04 de Outubro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
1 “As concessões de terras feitas ou renovadas após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau são tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da Região Administrativa Especial de Macau”.
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290/2017 54