Processo nº 393/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 13 de Setembro de 2018
Recorrente: A (1ª Ré)
Recorrido: B (Autor)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 01/03/2018, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a 1ª Ré A a pagar ao Autor B a quantia de MOP$93,990.00, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer a 1ª Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a 1ª Ré A, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global MOP$93.990,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório entendendo a Recorrente que no que respeita ao subsidio de alimentação, trabalho prestado em dia de descanso semanal, compensação pelo descanso compensatório e trabalho extraordinário, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu, em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos vícios de erro na aplicação do direito e nulidade da Sentença.
2. Foi assim a seguinte a factualidade tida por assente e provada após audiência e discussão de julgamento: Entre 1 de Julho de 1997 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (A), prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente (Cfr. doc.1). (A) O Autor foi recrutado pela C, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, aprovado pelo Despacho n.° 01124/IMO/SEF/2000, de 26/06/2000 (Cfr. doc. 2 e 3). (B) Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré (A) para a 2.ª Ré (D), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 4). (C) Entre 22/07/2003 a 31/01/2009 o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (D), prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (D) Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (E) Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de MOP$7,500.00, a título de salário de base mensal. (F) Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (G) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (A) num regime de 3 turnos rotativas de 8 horas por dia (H): Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h),Turno C: (das 00h às 08h).
3. Ficou ainda provado que: Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de "(...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação". (1º) Entre 01/07/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (2.º) Entre 22/07/2003 e 31/01/2009, a 2.ª Ré (D) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3.º) Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, que "(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território". (4.º) Entre 01/07/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (A) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, (5.º) Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) "(...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço (6.º) Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7.º) Entre 01/07/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º) Entre 22/07/2003 e 31/01/2009, a 2.ª Ré (D) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9.º) Entre 01/07/1997 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (A) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10.º) A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11.°) A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal, (12.°)
4. Mais ficou provado que: A 1.ª Ré (A) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (13.º) A 1.ª Ré (A) nunca pagou ao Autor lima qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (15.º) A 2.ª Ré (D) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia- se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º) Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a lima dedução no valor de HKD750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de "comparticipação nos custos de alojamento". (18.º) Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (18.º-A) A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou nela na habitação que lhe era providenciada pela 1.ª Ré. (18.°-B) As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º) Para além dos períodos de férias anuais, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização remunerados (21.°).
5. E ainda que: "Entre 22/7/2003 e 31/12/2009, para além dos períodos de férias anual, o Autor foi dispensado da prestação de trabalho para a 2.ª Ré (D) com ou sem remuneração, durante 46 dias por cada ano civil (22.º-A). O Autor gozou férias anuais por cada ano civil e tendo-se deslocado ao Nepal, nomeadamente 22 dias em 1998 (16/7-8/8), 24 dias em 1999 (17/6-10/7), 2000 (2113-13/4), 2001 (5-28/6), 2002 (26/2-21/3), 2003 (6-29/5), 2004 (6-29/5), 2005 (5-28/4) e 2006 (20/4-13/5), e ainda 25 dias em 2007 (3-27/4) e em 2008 (4-28/3) (23.º). Entre 08/04/2001 e 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividades de segurança durante os 6 dias de feriados obrigatórios (Ide Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias); 1 de Maio e 1 de Outubro), por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré (A) (24.º). Entre 26/3/1997 e 31/12/2009, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante os 6 dias de feriados obrigatórios (1 de Janeiro, ano Novo Chinês (3 dias); 1 de Maio e 1 de Outubro) por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré, com a excepção do dia 2 de Maio de 2006 (14.°, 16. ° e 25.º). 自2007年01月01日起,第二被告D公司向當值保安員提供膳食 (26º). A partir de 1 de Janeiro de 2007 a 2.ª Ré D começou a oferecer a alimentação aos guardas de segurança.
6. Quanto ao subsídio de alimentação o douto Tribunal a quo condenou a ora Recorrente a pagar ao Autor, ora Recorrido, a quantia de MOP$l5.240,00 a título de subsídio de alimentação e fundamentou assim o Tribunal a aludida condenação, em tradução livre da nossa responsabilidade [...] Considerando que foi provado que além dos 48 dias das férias anuais que o Autor gozou, não há qualquer outro dado que demonstre que o Autor tenha falta justificada ou injustificada, a forma de cálculo é (o período de prestar trabalho 9/04/2001 a 21/07/2003 (834 dias) - os dias das férias anuais (48) x MOP20.00 (subsídio de alimentação por dia) = 15.240,00 (Valor total de subsídio de alimentação) (...) Por isso, a Primeira Ré tem de pagar ao Autor o subsídio de alimentação em (…) total por MOP 15,240.00.»
7. Com o devido respeito está a Recorrente em crer que o Tribunal não estava em condições de proceder à condenação nos termos em que o fez. Com efeito, já havia ficado provado na 1ª sentença e confirmado pelo Douto Acordão proferido nos presentes autos relativo ao primeiro julgamento realizado que durante o período em que o Recorrido trabalhou para a Recorrente nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, ou seja, o que se provou foi que durante o período em que o Recorrido prestou trabalho nunca deu qualquer falta ao trabalho, sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, resultando assim assumido pelo Recorrido, perguntando-se então quantos dias o Recorrido esteve ausente do trabalho? Ou, a contrário, quantos dias trabalhou? É que o direito invocado pelo Recorrido não se pode presumir como certo, e o Tribunal terá que apreciar com base nos factos alegados pelo Recorrido e conforme o Direito. E não o faz! E a parca matéria fáctica dada como a provada em audiência, não pode conduzir, sem mais, à procedência do pedido.
8. Resultou apurado que o Recorrido deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Recorrente, mas a verdade é que não se comprova quais são esses dias. É que, conforme tem vindo a ser entendido por esse Venerando Tribunal não se trata apenas de determinar o número de dias de trabalho efectivo e o número de ausência, mas antes de determinar quais os dias em que o trabalho foi prestado. Mais do que o quanto importa apurar o quando! E não se tendo apurado os dias em que o Recorrido trabalhou e sendo o subsídio de alimentação atribuído em função da efectiva prestação de trabalho, o Tribunal a quo não poderia ter determinado o número de dias em que o Recorrido tem direito a perceber o subsídio de alimentação, parecendo que não estaria o Tribunal a quo em condições de determinar quais os dias relativos aos quais o Recorrido tem direito ao subsídio de alimentação, o qual, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário, tal como tem vindo a ser entendimento doutamente defendido por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância em diversos arestos dos quais se destaca o proferido em 13.04.2014 no processo 414/2012. E lançando mão à douta decisão, para que houvesse condenação da ora Recorrente no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que, de resto, não sucedeu, estando, aliás, a decisão em contradição com a factualidade provada (cfr. resposta ao quesito 21°).
9. Mais ainda, pode ler-se na douta sentença recorrida que "Além dos 72 dias das férias anuais que o Autor tinha gozado (incluindo 5 de Junho a 28 de Junho de 2001, no total de 24 dias, 26 de Fevereiro a 21 de Março de 2002, no total de 24 dias e 6 a 29 de Maio de 2003, no total de 24 dias), sem a existência de dados para mostrar que o Autor tinha falta justificada ou injustificada, por isso, a maneira da calcula é (o período de prestar trabalho - os dias das férias anuais) x MOP20.00 (subsídio de alimentação por dia) = Valor total de subsídio de alimentação." E ainda no relatório relativo à resposta da matéria de facto na parte da convicção do tribunal é referido pelo Digno Tribunal "a quo" que: "Quanto ao cálculo do número de dias da prestação de trabalho à 1ª Ré por parte do Autor, além de se provar o número de dias de férias que o Autor gozou através do registo de migração de fls. 525 a 529, não há qualquer outra informação que mostra que o Autor teve falta ao trabalho." Ora, a a partir daqui parece-nos que pretende o Digno Tribunal de Primeira Instância inverter o ónus da prova, ónus esse que compete ao Autor, ou seja, pretende o Digno Tribunal recorrido que seja a Ré a apresentar prova quanto á indicação dos dias de faltas e de ausências que o Autor teve durante a sua relação laboral com a Recorrente, quando tal a esta lhe não compete.
10. Ora, salvo devido respeito, o ónus da prova não respeita à ora Recorrente mas sim ao Recorrido e nem o legislador assim esperava essa obrigação por parte da Recorrente já que antes da Lei 7/2008 podíamos supor a obrigação de manutenção de documentos até 5 anos após o terminus da relação laboral aplicando-se analogicamente o Código Comercial, mas que para uma Companhia com a enorme dimensão como a da Executada e dada a enorme mobilidade de recurso humanos existente em Macau e na própria Recorrente, se tornava mesmo assim completamente impossível manter documentos de trabalhadores que saíram da Companhia há 15 anos, como o Recorrido. E, aliás, quanto à obrigação do recorrido e ao ónus que sobre si impende se pronunciou já este Venerando Tribunal em casos em tudo semelhantes, dando como exemplo o processo 858/2017 (pagina 30) quando diz: "Ainda que não se enjeite essa possibilidade, numa recondução a um completamento da matéria de facto, estamos em crer que a presente solução aponta para uma necessidade de exigência e de rigor, desde logo para as próprias partes - muitas nem sequer aqui permanecendo, porventura desinteressando-se dos seus direitos aquando da cessação dos contrato, visto até o tempo entretanto decorrido - não podendo elas facilitar na concretização e prova das prestações que dizem estar em dívida. Quanto se diz não retira de forma nenhuma o reconhecimento à tutela dos direitos dos trabalhadores que tenham sido violados, apenas se pretendendo a sua cooperação e responsabilização na realização da Justiça."
11. Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douta Sentença, nesta parte, do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsídio de alimentação.
12. Quanto á compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal e compensatório com relevo para a apreciação de tais pedidos deu o Tribunal a quo por provado que: "Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização (21.°) O Autor gozou 24 dias de férias anuais por cada ano civil tendo-se deslocado ao Nepal (23.º)."
13. Em face da sobredita matéria o Tribunal a quo condenou a Recorrente a pagar ao Autor a quantia de MOP$40,000.00 entendendo que eram 80 o número de dias de descanso semanal devidos e não gozados, podendo ler-se na decisão - em tradução livre da nossa responsabilidade que - os factos assentes demonstram que além das férias anuais de 24 dias que o Autor gozou todo os anos durante o período que trabalhou para a 1ª Ré, o Autor não tem qualquer registo de ausência ao trabalho, parece-nos que, aqui novamente pretendeu o Digno Tribunal de Primeira Instância inverter o ónus da prova, ónus esse que compete ao Autor, i.e. pretende o Digno Tribunal a quo que seja a Ré a apresentar prova quanto à indicação dos dias de faltas e de ausências que o Autor teve durante a sua relação laboral com a Recorrente, quando tal a esta lhe não compete.
14. Contudo, salvo devido respeito, o ónus da prova não respeita à ora Recorrente mas sim ao Recorrido, como já acima explanado, dando-se também aqui como reproduzido. Por outro lado, da factualidade provada nada resulta quanto ao quantum e ao quando o Autor trabalhou para que se pudesse chegar à conclusão que tem direito a ser compensado por 80 dias de descansos semanais, não se tendo provado que o Autor não tem registo de ausências. Não se provou o número de dias concretos que o Autor trabalhou para se poder concluir pelo número de dias de descanso semanal que deixou de gozar, aplicando-se o mesmo raciocínio à condenação do tribunal relativamente aos créditos reclamados pelos dias de descanso compensatório. Por isso, novamente se mostra insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permitisse ao Tribunal condenar a Recorrente pelo alegado trabalho prestado em dias de descanso semanal. E a quantificação de qualquer montante estará dependente do concreto apuramento ou não de dias efectivo de trabalho, factualidade não apurada.
15. Verificando-se, assim, uma errada aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, em violação do princípio do dispositivo consagrado no artigo 5.° do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17.° do DL 24/89/M, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado.
16. Quanto ao trabalho por turnos e trabalho extraordinário e no que diz respeito à reclamação das compensações reclamadas pela prestação de trabalho em regime de turno e trabalho extraordinário, à semelhança do ocorrido com os demais pedidos, o Recorrido limitou-se a invocar factos genéricos, ou seja, o Recorrido não alega especificadamente quais os factos que permitam concluir que tenha direito a pedir qualquer tipo de compensação a esse título, isto porque o Recorrido não especifica datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias, não sendo por isso possível apurar quais as horas que o Recorrido teria trabalhado a mais ou a menos, dada a falta de prova em julgamento.
17. E mais, se se comprovou que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) e que gozava de 24 dias de férias anuais, não se vislumbra como pôde o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que estava de turno e quantas horas extraordinárias foram feitas por dia. Não se provou em concreto quantos dias o Autor prestou a sua actividade pelo que não se pode com certeza afirmar quantos ciclos de 21 dias de trabalho continuo e consecutivo prestou durante a relação de trabalho até 21/07/2003. Motivo pelo qual também aqui o Tribunal andou mal ao condenar a Recorrente, em violação do artigo 5.° do CPC e do artigo 10.° do DL 24/89/M, devendo assim ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou que tão-somente condene Recorrente a pagar ao Recorrido compensação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n° 2 do artigo 564º do CPC.
18. Por outro lado, com o devido respeito, a decisão em crise padece ainda do vício de falta de fundamentação por manter na íntegra as conclusões incoerentes aduzidas pelo Autor em sede de petição inicial, ficando por apurar algumas questões vícios que a seguir se enumeram (i) Ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da Ré; (ii) Quantos foram esses dias de faltas justificadas que vêm referidas pelo Digno Tribunal a quo na decisão sobre a matéria de facto? Ou seja, esta decisão, por essa razão, padece também de vício de falta de fundamentação decorrente do ónus de alegação por parte do Recorrido, sendo, por isso, nula nos termos e para os efeitos do disposto no artigo art. 571°, b) do CPC.
19. E neste caso não poderemos deixar de aqui transcrever a solução adoptada nos processos que correram termos nesse Venerando Tribunal de Segunda Instância sob os números 313/2017, 326/2017 e 341/2017, em tudo semelhantes as presentes autos, onde se pode ler: «Diga-se, desde já, que não é só o número de dias de trabalho efectivo e o número das ausências que estará em causa, mas ainda a determinação de quais os dias em que o trabalho foi prestado, pois que essa concretização se mostra essencial para determinadas rubricas, como é o caso da compensação pelos dias de feriados obrigatórios não gozados. Observa-se que, neste particular aspecto bem andou o Mmo. Juiz ao relegar para execução de sentença essa liquidação por não se saber quais os feriados em que o A. terá trabalhado. [...] A questão que ora se coloca vinha já sendo anunciada, quando, em passos vários, tivemos necessidade de dizer que a liquidação se faria em sede própria, perspectivando-se uma anulação de sentença com repetição do julgado na parte respectiva ou uma liquidação de execução de sentença. Invoca-se uma insuficiente fundamentação e afigura-se-nos que a Ré, ora recorrente, tem razão, na medida em que o Mmo. Juiz se terá baseado num cômputo de dias que vêm alegados pelo A., não se alcançando em que bases se louvou para o seu cálculo. […] Ressalvando o devido respeito por opinião diversa parecem não subsistir dúvidas que se impõe a anulação do julgamento, por imposição do estatuído no art. 571°, b) do CPC, por forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestados pelo Recorrido.
20. Ou, caso assim não seja entendido, ainda face ao acima exposto a decisão em crise padece do vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, conforme estipulado no artigo 571.º, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil, pois existe total contradição entre o que foi dado como provado pelo Digno Tribunal a quo e o que foi decidido, já que tendo ficado provado em relação à 1ª Ré a matéria constante no quesito 21°, que para além dos períodos de férias anuais o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem e autorização, ou seja, tendo ficado provado que o Autor deu faltas justificadas ao serviço (...) como pode tribunal a quo apurar os dias de efectivo trabalho do Autor e assim condenar a Ré A no pagamento da compensação relativa ao subsídio de alimentação, ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, ao descanso compensatório e trabalho extraordinário por turnos, tal como se alude na douta sentença recorrida? Ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, parecem não subsistir dúvidas que se encontra a douta sentença ferida de nulidade nos termos e para os efeitos do artigo 571°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil, pelo que deverá a mesma ser revogada nesta parte e substituída por outra que absolva a 1ª Ré A do peticionado a título de subsídio de alimentação, ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, ao descanso compensatório e trabalho extraordinário por turnos.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da 1ª Ré, nos termos constantes a fls. 618 a 626, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Entre 01 de Julho de 1997 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (A), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (Cfr. doc.1). (A)
2. O Autor foi recrutado pela C, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, aprovado pelo Despacho n.º 01124/IMO/SEF/2000, de 26/06/2000 (Cfr. doc. 2 e 3). (B)
3. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré (A) para a 2.ª Ré (D), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 4). (C)
4. Entre 22/07/2003 a 31/01/2009, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (D), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (D)
5. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (E)
6. Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de MOP$7,500.00, a título de salário de base mensal. (F)
7. Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (G)
8. Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (A) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia (H):
* Turno A: (das 08h às 16h)
* Turno B: (das 16h às 00h)
* Turno C: (das 00h às 08h)
9. Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (1.º)
10. Entre 01/07/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (2.º)
11. Entre 22/07/2003 e 31/01/2009, a 2.ª Ré (D) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3.º)
12. Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, que “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (4.º)
13. Entre 01/07/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (A) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (5.º)
14. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (6.º)
15. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7.º)
16. Entre 01/07/1997 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (A) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º)
17. Entre 22/07/2003 e 31/01/2009, a 2.ª Ré (D) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9.º)
18. Entre 01/07/1997 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (A) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10.º)
19. A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11.º)
20. A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (12.º)
21. A 1.ª Ré (A) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (13.º)
22. A 1.ª Ré (A) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (15.º)
23. A 2.ª Ré (D) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º)
24. Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (18.º)
25. Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (18.º -A)
26. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1.ª Ré. (18.º -B)
27. As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º)
28. Para além dos períodos de férias anuais, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização remunerados (21.º).
29. Entre 22/07/2003 e 31/12/2009, para além dos períodos de férias anual, o Autor foi dispensado da prestação de trabalho para a 2.ª Ré (D) com ou sem remuneração, durante 46 dias por cada ano civil (22.º-A).
30. O Autor gozou ferias anuais por cada ano civil e tendo-se deslocado ao Nepal, nomeadamente 22 dias em 1998 (16/7-8/8), 24 dias em 1999 (17/6-10/7), 2000 (21/3-13/4), 2001 (5-28/6), 2002 (26/2-21/3), 2003 (6-29/5), 2004 (6-29/5), 2005 (5-28/4) e 2006 (20/4-13/5), e ainda 25 dias em 2007 (3-27/4) e em 2008 (4-28/3) (23.º).
31. Entre 08/04/2001 e 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividades de segurança durante os 6 dias de feriados obrigatórios (1de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias); 1 de Maio e 1 de Outubro), por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré (A) (24.º).
32. Entre 26/03/1997 e 31/12/2009, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante os 6 dias de feriados obrigatórios (01 de Janeiro, ano Novo Chinês (3 dias); 01 de Maio e 01 de Outubro) por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré, com a excepção do dia 01 de Maio de 2006 ( 14.º, 16.º e 25.º).
33. 自2007年01月01日起,第二被告D公司向當值保安員提供膳食(26.º).
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação:
Entende a 1ª Ré que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Como é sabido, a fundamentação da sentença visa dar conhecimento às partes quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão judicial, ou seja, permitir às partes conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela tribunal, para que possa optar em aceitar a decisão em causa ou impugná-la através dos meios legais.
No caso em apreço, face ao teor da sentença recorrida, na nossa opinião, a mesma não só é suficientemente clara no seu texto para dar conhecimento às partes o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes da decisão.
Dela resulta de forma clara que o nº dos dias de trabalho efectivamente prestado pelo trabalhador (Autor) é calculado em função do nº total dos dias anuais, subtraíndo o nº de dias de férias anuais gozadas e das faltas dispensadas, uma vez que não resultam provados, nem foram alegados, outros dias de faltas ao serviço do trabalhador.
É de improceder este fundamento do recurso.
2. Do erro de julgamento quanto ao subsídio de alimentação, compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal e compensatório, trabalho por turnos e horas extraordinárias:
Para a 1ª Ré, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento no que respeita ao nº de dias de trabalho efectivo do Autor, já que ficou provado no quesito 21º da Base Instrutória que o Autor deu faltas justificadas além das férias anuais, e assim sendo, sem saber quais são essas faltas, o Tribunal a quo não pode determinar os dias de trabalho efectivo do Autor simplesmente com base nos cálculos efectuados nos termos referidos no ponto nº 1 do presente aresto.
Também não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar, não ficou provado que o Autor deu faltas justificadas além das férias anuais.
O que ficou provado é o seguinte:
“Para além dos períodos de ferias anuais, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização remunerados”.
Esta factualidade conjugada com os factos provados nos quesitos 22º-A e 23º de que “Entre 22/07/2003 e 31/12/2009, para além dos períodos de ferias anual, o Autor foi dispensado da prestação de trabalho para a 2ª Ré (D) com ou sem remuneração, durante 46 dias por cada ano civil” e “O Autor gozou ferias anuais por cada ano civil e tendo-se deslocado ao Nepal, nomeadamente 22 dias em 1998 (16/7-8/8), 24 dias em 1999 (17/6-10/7), 2000 (21/3-13/4), 2001 (5-28/6), 2002 (26/2-21/3), 2003 (6-29/5), 2004 (6-29/5), 2005 (5-28/4) e 2006 (20/4-13/5), e ainda 25 dias em 2007 (3-27/4) e em 2008 (4-28/3)”, é lógica para o Tribunal retirar a conclusão de que o Autor não deu mais faltas além dos dias de férias anuais autorizados e das faltas dispensadas, uma vez que não foram alegadas outras faltas do mesmo, matéria fáctica essa que, a nosso ver, constitui excepção peremptória que obsta ou modifica o pedido do Autor, pelo que incumbe à parte contrária o ónus de alegar e provar.
Pois, como o Autor alegou que só tinha dado aquele nº de dias de faltas, caso a 1ª Ré entender que o Autor tinha dado mais faltas do que alegou, tem o ónus de alegar e provar tal matéria fáctica.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela 1ª Ré, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela 1ª Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 13 de Setembro de 2018.
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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393/2018