打印全文
--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 11/09/2018 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 666/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de 9 crimes de “abuso de confiança”, p. e p. pelo art. 199°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão cada, e 7 outros de “abuso de confiança de valor elevado”, p. e p. pelo art. 199°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão cada.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 4 anos de prisão, e no pagamento da quantia total de HKD$459.000,00 à demandante “B” (B有限公司); (cfr., fls. 361 a 377 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, vem o arguido recorrer para afirmar que “excessiva” é a pena, que devia ser reduzida para uma outra pena de 3 anos de prisão, pedindo também a “suspensão da sua execução”; (cfr., fls. 406 a 414).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 416 a 418-v).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“A recorre do acórdão de 27 de Abril de 2018, do 3.° juízo criminal, que o condenou na pena de 4 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico de nove penas de 6 meses de prisão e de sete penas de 1 ano e 3 meses de prisão, relativas à prática de 16 crimes de abuso de confiança, os primeiros da previsão do artigo 199.°, n.°s 1, do Código Penal, e os demais da previsão do mesmo artigo 199.°, n.°s 1 e 4, alínea a), do Código Penal.
Insurge-se contra a pena, que reputa excessiva, sustentando que o acórdão não levou em devida conta todos os factos a si favoráveis e que lhe deve ser imposta urna pena global de 3 anos e objecto de suspensão na sua execução.
Na sua resposta à motivação do recurso, o Ministério Público pronuncia-se pela adequabilidade da pena, cuja medida deve ser mantida, o que igualmente conduz à impossibilidade da suspensão da sua execução, opinando pela improcedência do recurso.
Vai neste mesmo sentido a nossa posição.
Aos crimes de abuso de confiança por que o recorrente foi condenado cabem, em abstracto, penas de prisão até 3 anos e penas de prisão até 5 anos. Os crimes foram praticados com dolo intenso e com consequências gravosas para o património lesado. Apesar de primário, de ter confessado os factos e de ter depositado um quantitativo de MOP $20.000 à ordem do ofendido, não se crê que estas circunstâncias favoráveis, aliás devidamente ponderadas na decisão, impusessem penas mais leves. Diga-se que, apesar de poder indiciar algum arrependimento, a parcela de indemnização paga pelo recorrente, a que presidiram timing e motivos não totalmente claros, apresenta-se diminuta face ao valor desviado, pelo que se tem por pouco relevante enquanto indiciária de arrependimento. E o mesmo se diga da confissão que, dada a existência de outros elementos de prova seguros, não adquire também importância acentuada enquanto manifestação de arrependimento.
Assim, não se crê que pequem por excesso as penas concretamente encontradas pelo tribunal, situadas aliás num patamar relativamente baixo, adentro da moldura penal abstracta, e suficientemente justificadas pelo tribunal.
De resto, e como é sabido, os parâmetros em que se move a determinação da pena, de acordo com a teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não se afigura ser o caso.
Igualmente não se detectam motivos de censura para o cúmulo jurídico operado, que obedeceu inteiramente às regras do artigo 71.° do Código Penal.
E dito isto sobre a adequabilidade das penas parcelares e global, fica prejudicada qualquer incursão sobre uma hipotética suspensão da execução da pena, pois é sabido que, nos termos do artigo 48.° do Código Penal, ela só é possível para penas de medida não superior a 3 anos, requisito que, à partida, afasta a sua aplicação no caso em análise.
Soçobra, pois, a argumentação da recorrente, pelo que deve negar-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 503 a 504).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 366-v a 371, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor material e em concurso real de 9 crimes de “abuso de confiança”, p. e p. pelo art. 199°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão cada, e 7 outros crimes de “abuso de confiança de valor elevado”, p. e p. pelo art. 199°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, e no pagamento da quantia total de HKD$459.000,00 à demandante dos autos.

Afirma que “excessiva” é a pena, batendo-se pela sua redução e “suspensão da sua execução”.

Apresenta-se-nos porém evidente que não se pode acolher a pretensão do arguido, havendo que se rejeitar o seu recurso.

Vejamos.

Ao crime de “abuso de confiança (simples)”, (cfr., art. 199°, n.° 1 do C.P.M.), cabe a pena de prisão até 3 anos ou multa.

E ao crime de “abuso de confiança de valor elevado”, (cfr., art. 199°, n.° 4, al. a) do mesmo Código), a de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, prescreve o art. 64° do mesmo C.P.M. que:

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018, de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018 e de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018).

É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Aliás, e como temos vindo a considerar, acompanhando o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018 e de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso, alega o recorrente que confessou os factos sem reservas, que se encontra profundamente arrependido, que os crimes cometidos foram motivados pela necessidade de fazer face a elevadas despesas médicas em cuidados de saúde da sua mãe internada no hospital e que até depositou MOP$20.000,00 como forma de reparar, parcialmente, os prejuízos da assistente.

Pede, que pelos crimes de “abuso de confiança” do n.° 1 do art. 199° do C.P.M. lhe seja aplicada uma pena parcelar de 3 meses de prisão, e que pelos do n.° 4 do mesmo preceito lhe seja fixada uma pena parcelar de 1 ano de prisão.

Porém, face ao que se deixou exposto, tendo sido detido em flagrante na posse de fichas na sequência de uma investigação em curso, e assim, reduzido valor tendo a sua “confissão”, o mesmo sucedendo com a “devolução de MOP$20.000,00”, atento o montante do prejuízo, certo sendo também que, em momento posterior, procedeu ao seu levantamento, e provada não estando igualmente a situação em relação à sua mãe, não se vê possibilidade de se acolher a pretensão apresentada.

No que toca a pena alternativa de multa, patente é que a mesma não se mostra adequada, pois que atento o tipo e modus operandi do crime em questão, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal, verificados não estando assim os pressupostos do art. 64° do C.P.M..

Por sua vez, estando as penas parcelares aplicadas pelos crimes cometidos situadas em ponto ainda próximo do seu respectivo mínimo legal, e cabendo também notar que, da factualidade apurada, resulta que agiu com “dolo directo e muito intenso” – cfr., a factualidade que dá conta que até usava uma máscara para não ser reconhecido – o que da mesma forma, para além de afastar uma eventual consideração no que toca ao estatuído no art. 29°, n.° 2 do C.P.M., torna evidente que nenhum motivo existe para se considerar as ditas penas excessivas ou inflacionadas.

–– Quanto à “pena única” resultado do “cúmulo jurídico”, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 28.09.2017, Proc. n.° 638/2017, de 11.01.2018, Proc. n.° 1133/2017 e de 08.03.2018, Proc. n.° 61/2018).

Atento ao que até aqui se deixou exposto, (e que é de manter), e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 1 ano e 3 meses” e um “limite máximo de 13 anos e 3 meses de prisão”, nenhum censura merece a pena única de 4 anos de prisão fixada, ainda a mais de 2 anos do seu meio.

Nesta conformidade, e inviável sendo também a pretendida suspensão da execução da dita pena única porque inverificados os pressupostos do art. 48° do C.P.M., vista está a solução para o presente recurso.

*

Uma nota final.

O arguido estava acusado da prática de 1 total de 16 crimes de “peculato”, p. e p. pelo art. 340°, n.° 1 e 336°, n.° 2, al. c) do C.P.M..

Outra tendo sido a qualificação pelo T.J.B. dada à factualidade que lhe era imputada, e não tendo o Ministério Público interposto recurso da referida qualificação jurídico-penal, considera-se, (independentemente do entendimento que sobre tal questão se possa ter), que mais não se mostra de consignar.

Tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 11 de Setembro de 2018
Proc. 666/2018 Pág. 16

Proc. 666/2018 Pág. 17