Processo nº 725/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 13 de Setembro de 2018
ASSUNTO:
- Declaração de insolvência
SUMÁRIO :
- O facto de o Requerido não ter cumprido a sua obrigação em 13/11/2012 não implica necessariamente o início da contagem do prazo de 2 anos a que se refere o nº 1 do artº 1083º do CPCM.
- Para tal, é necessário que tal falta de cumprimento, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do cumprimento, revela que o Requerido se encontra impossibilitado de liquidar a dívida em causa, ou seja, o seu património não é suficiente para o efeito.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 725/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 13 de Setembro de 2018
Recorrente: A Limitada (Requerente)
Objecto do recurso: Despacho que indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho de 06/04/2018, decidiu-se indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência da Requerente A Limitada.
Dessa decisão vem recorrer a Requerente, alegando, em sede de conclusão, os seguintes:
I. Só em data recente, contemporânea da propositura da presente acção, passou o requerido a estar impossibilitado de cumprir pontualmente (integral e atempadamente) as suas obrigações.
II. O desequilíbrio entre o activo e o passivo do requerido, em termos tais de o deixar impossibilitado de honrar global e tempestivamente todo o universo das suas dívidas, não ocorreu ou foi atingido quando, em 2012, com o vencimento das dívidas a que se alude no despacho a quo, o requerido não procedeu ao seu espontâneo pagamento.
III. Pode suceder que um determinado devedor vá contraindo sucessivas dívidas com prazos de vencimento certos e igualmente sucessivos ao longo de vários anos sem que se deva ou possa concluir que só até dois anos após o vencimento do prazo para cumprimento espontâneo da última daquelas dívidas é que o mesmo poderia ser alvo de um pedido de insolvência.
IV. O factor que habilita o pedido de insolvência é o atingimento de um ponto de desequilíbrio tal entre o activo e o passivo do devedor em termos tais que se torna impossibilitador da satisfação global e atempada pelo mesmo das suas dívidas, sendo que só após ser atingido tal ponto de desequilíbrio é que deve e pode ser intentada a acção de insolvência e só, desde então, se pode começar a computar o respectivo prazo de caducidade do direito de acção.
V. Em face das sucessivas penhoras de imóveis e do automóvel de que o requerido foi alvo - respectivamente, em 7 JUN 2016, 24 NOV 2017, 7 JUN 2016, 24 NOV 2017, 26 SET 2016 e 26 SET 2016, tal como consta das certidões juntas com a p.i. como Docs. 5, 6, 7 e 8 - e após ter-se gorado mais uma das várias interpelações que lhe fez (conforme se aludo no art. 11.º da p.i.) tomou a recorrente como certo que, do lado do requerido, a sua capacidade solvense se agravou e deteriorou irreversivelmente no último trimestre de 2017 até ao ponto de impossibilitá-lo de satisfazer global e em tempo as suas dívidas.
VI. No despacho recorrido, o que terá sido considerado "facto" para efeitos de subsunção no n.º 1 do art. 1083.° do C.P.C. terá sido tão-somente o segmento lexical constante no início da al. a) do art. 1082.°, isto é, a «(...) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações (...)», ou seja, que o prazo de 2 anos a que alude o n.º 1 do art. 1083.° se deverá começar a contar desde o momento em que se dê "a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações" pelo devedor, isto é, desde o momento em que, vencido o respectivo prazo, o mesmo lhes não dê espontâneo cumprimento.
VII. Contrariamente a tal interpretação, sustenta a recorrente que o facto a que se alude no art. 1083.°, n.º 1, respeitante ao art. 1082.° não é, no que diz respeito à al. a) do seu n.º 1, a "falta de cumprimento de uma ou mais obrigações" pois esta é apenas um elemento componente e eventualmente indiciador do verdadeiro facto complexo ou composto sediado nessa referida alínea a): a revelação da impossibilidade solvens do devedor.
VIII. Isto porque não é qualquer "falta de cumprimento de uma ou mais obrigações" que leva a poder concluir de per si por tal incapacidade solvens (e, ergo, a desencadear o inicio do prazo de caducidade), antes só o podendo ser a ou as faltas de cumprimento que, pelo seu valor, contexto e demais circunstancialismos, manifestem ou revelem que o devedor deixou de poder solver o conjunto do seu passivo.
IX. O que tem de se verificar para que se preencha o "tipo" da al. a) do art. 1082.° do C.P.C. não é uma ou mais faltas de cumprimento mas, diferentemente, que se revele que o devedor atingiu o ponto de desequilíbrio activo/passivo conducente à sua impossibilitação solvens.
X. O facto - complexo, compósito ou conclusivo - que tem sede na al. a) do art. 1082.° para a qual remete o n.º 1 do art. 1083.°, é, assim, essa revelação ou manifestação, no mesmo sentido se podendo invocar ainda a expressão usada na epígrafe do art. 1082.°: "Motivos de declaração da falência".
XI. Por conseguinte, por tal revelação se ter verificado apenas no último trimestre de 2017, a petição inicial dos presentes autos, apresentada em 26 MAR 2018, foi apresentada tempestivamente, muito aquém do prazo de 2 anos a que alude o art. 1083.°, n.º 1, do C.P.C.
XII. Ora, ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 1082.°, al. a), e 1083.°, n.º 1, ambos do C.P.C., o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598.° do C.P.C.
XIII. Deverá, por conseguinte, ser revogado o despacho de indeferimento liminar de 6 ABR 2018 e determinado que deve ser admitida a petição inicial e ordenado o ulterior e normal prosseguimento dos autos.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III – Fundamentação
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“Nos termos do disposto no art. 394°, n° 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art. 372°, n° 1 do mesmo código, indefere-se liminarmente o pedido de declaração de insolvência por ter sido excedido o prazo de caducidade de dois anos a que se reporta o art. 1083°, n° 1 do referido código. Com efeito, desde a data em que se iniciou o incumprimento revelador da situação de insolvência do requerido e apresentado como causa de pedir até à data da entrada em juízo da petição inicial decorreram mais de dois anos (13/11/2012 - incumprimento da dívida para com a requerente; 17/10/2012 - incumprimento da obrigação exequenda na execução CV2-16-0027-CEO). Caducou assim o direito de a sociedade comercial requerente requerer a declaração do estado de insolvência. E tal caducidade do direito de acção, porque estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, é de conhecimento oficioso (art. 325°, n° 1 do Código Civil).
Custas pela requerente.
Notifique…”
Resulta do texto da decisão recorrida que, para o Tribunal a quo, uma vez que o requerido deixou de liquidar a dívida da Requerente na data de vencimento em 13/11/2012 e uma outra dívida em 17/10/2012, que foi objecto de execução nº CV2-16-0027-CEM, o prazo de 2 anos a que se refere o nº 1 do artº 1083º do CPCM para requerer a declaração da insolvência do Requerido já se encontra caducado na data da propositura da presente acção (26/03/2018).
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar esta posição do Tribunal a quo.
Dispõe o artº 1082º do CPCM que:
A declaração da falência, quando não resulte do que especialmente fica disposto na secção anterior, tem lugar desde que se prove algum dos seguintes factos:
a) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações;
b) Fuga do empresário comercial ou, caso este seja pessoa colectiva, dos titulares do seu órgão de administração, relacionada com a falta de liquidez do devedor e sem designação de substituto idóneo;
c) Abandono da administração principal ou, caso o empresário comercial seja pessoa colectiva, da respectiva sede ou da administração principal;
d) Dissipação ou extravio de bens, constituição fictícia de créditos ou qualquer outro procedimento abusivo que revele o propósito de o devedor se colocar em situação que o impossibilite de cumprir pontualmente as suas obrigações.
Por sua vez, o artº 1083º do mesmo Código estabelece que:
1. A declaração da falência pode ser requerida no prazo de 2 anos, a contar da verificação de qualquer dos factos previstos no artigo anterior, ainda que o empresário comercial tenha deixado de exercer a sua actividade ou tenha falecido.
2. Se algum dos factos ocorrer nos primeiros 6 meses após a cessação, por parte do devedor, da sua actividade, a instância de falência pode igualmente iniciar-se nos 2 anos subsequentes à respectiva verificação.
Não temos dúvida de que o Requerido não cumpriu a sua obrigação de liquidar a dívida da Requerente vencida em 13/11/2012.
Também é verdade que o mesmo deixou de pagar outra dívida desde 17/10/2012.
Contudo, o facto de o Requerido não ter cumprido a sua obrigação em 13/11/2012 não implica necessariamente o início da contagem do prazo de 2 anos a que se refere o nº 1 do artº 1083º do CPCM.
Para tal, é necessário que tal falta de cumprimento, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do cumprimento, revela que o Requerido se encontra impossibilitado de liquidar a dívida em causa, ou seja, o seu património não é suficiente para o efeito.
No caso em apreço, a dívida da Requerente, à data de 13/11/2012, cifrava-se no valor de MOP$1.071.200,00.
O Requerido, à data de 13/11/2012, possuía juntamente com a mulher 3 fracções autónomas.
Não existem nos autos elementos que permitem concluir que a Requerente tem conhecimento de que o Requerido tinha outras dívidas naquela data.
Nem é exigível que a Requerente tem a obrigação de saber.
Perante este quadro fáctico, é incorrecto iniciar a contagem do prazo de 2 anos a que se refere o nº 1 do artº 1083º do CPCM naquela data, já que ainda não se revela a impossibilidade de cumprimento por parte do Requerido naquele momento.
Nesta conformidade, o recurso não deixará de se julgar como provido, revogando assim a decisão recorrida.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos se não existir outras causas que o obstem.
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Sem custas.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 13 de Setembro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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725/2018