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Processo n.º 687/2016 Data do acórdão: 2018-9-13
Assuntos:
 – arbitramento oficioso da indemnização
 – art.o 390.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
– contrato de contrato
– trabalho extraordinário
– período normal de trabalho
– art.o 36.o da Lei n.o 7/2008
– consentimento concreto para o trabalho extraordinário
– registo comprovativo do consentimento
S U M Á R I O

1. No presente processo contravencional laboral, não ultrapassando o montante indemnizatório civil por que vinha condenada a recorrente na sentença recorrida a metade do valor da alçada da Primeira Instância em matéria cível laboral, o Tribunal de Segunda Instância, por força do art.o 390.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, não pode conhecer da pretensão dela da invalidação da decisão, tomada nessa sentença, de arbitramento oficioso da indemnização.
2. No caso dos autos, do clausulado do contrato então celebrado pela recorrente como empregadora com o trabalhador queixoso, resulta que o “trabalho extraordinário de uma hora após o período normal de trabalho em cada dia” está, desta forma, aí previsto de antemão como tendo carácter normal e permantente, o que não é compatível com a lógica da figura de trabalho extraordinário.
3. O verdadeiro trabalho extraordinário, aos olhos do Legislador da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto, só pode ser prestado por determinação do empregador nos termos do n.o 2 do seu art.o 36.o, ou mediante o consentimento de que se fala alternativamente nas alíneas 2) e 3) do n.o 1 do mesmo art.o 36.o.
4. Daí que a concordância do trabalhador no teor do contrato de trabalho então assinado entre ele e a recorrente não afasta, aquando da execução concreta do contrato, a necessidade de obtenção, por parte da recorrente como empregadora, sempre que vier solicitar concretamente ao trabalhador a prestação do trabalho extraordinário, do consentimento concreto deste, com registo comprovativo desse consentimento concreto, para a prestação do trabalho extraordinário.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 687/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Companhia de A (Macau) Limitada
(A(澳門)有限公司)







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 191 a 194v do Processo de Contravenção Laboral n.° LB1-16-0033-LCT do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, ficou condenada a arguida transgressora Companhia de A (Macau) Limitada (A(澳門)有限公司), aí já melhor identificada, em MOP14.000,00 (catorze mil patacas) de multa, pela prática de uma contravenção p. e p. pelos art.os 85.º, n.º 2, alínea 2), e 33.o, n.os 1 e 2, da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto, ex vi do art.o 20.o da Lei n.o 21/2009, de 27 de Outubro, bem como no pagamento, a favor do trabalhador ofendido B, da quantia indemnizatória civil de MOP6.197,89 (seis mil cento e noventa e sete patacas e oitenta e nove avos), arbitrada oficiosamente, com juros legais contados a partir da data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, veio a arguida transgressora recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a invalidação dessa decisão condenatória, tendo, para o efeito, alegado, em essência, o seguinte na sua motivação, apresentada a fls. 202 a 213 dos presentes autos correspondentes:
– a decisão recorrida padece dos vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, aludidos nas alíneas b) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), respectivamente;
– há erro de aplicação do art.o 33.o da Lei n.o 7/2008 (não se devendo julgar que a recorrente negou ao trabalhador o direito de descanso);
– há erro de aplicação do art.o 36.o da Lei n.o 7/2008 (não se devendo julgar que a recorrente arranjou trabalho extraordinário ao trabalhador queixoso, sem consentimento deste, nos períodos de Fevereiro a Julho de 2014 e de Maio a Junho de 2015, e, como tal, não se devendo arbitrar oficiamente indemnização ao trabalhador queixoso);
– e seja como for, há excesso na medida da pena contravencional, ao arrepio dos art.os 40.o e 65.o do Código Penal (CP), ex vi do art.o 124.o, n.o 1, do CP.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 216 a 218v, no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fl. 226 a 227v, opinando que se deveria julgar que o trabalhador ofendido concordou com a prestação do trabalho extraordinário, a não ser que se considerasse que o registo comprovativo do consentimento da prestação do trabalho extraordinário como tal referido no art.o 36.o, n.o 4, da Lei n.o 7/2008, e no caso concreto dos autos inexistente nos dois períodos de tempo acima referidos, fosse um pressuposto legal da possibilidade de prestação do trabalho extraordinário.
Feito o exame preliminar (em sede do qual foi determinada a notificação da recorrente para se pronunciar sobre a eventualidade de o seu pedido de invalidação da decisão de arbitramento de indemnização cível não ser conhecido por força das normas dos art.os 390.o, n.o 2, do CPP e 18.o, n.o 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ), tendo a recorrente vindo responder a fls. 230 a 231, opinando pela necessidade de conhecimento desse pedido no caso de procedência dos vícios do julgamento da matéria de facto suscitados na motivação do recurso) e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
A sentença ora recorrida encontra-se proferida a fls. 191 a 194v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
O contrato escrito então celebrado entre a recorrente e o trabalhador queixoso tem teor referido a fls. 14 a 17 dos autos (o qual se dá por aqui integralmente reproduzido).
Segundo a cláusula 5.a desse contrato: o trabalhador aufere o vencimento mensal de MOP32.960,00, vencimento esse que já abrange a remuneração devida ao trabalho extraordinário de uma hora após o período normal de trabalho em cada dia.
E segundo a cláusula 9.a desse contrato: o período normal de trabalho é de 8 horas por dia e 48 horas por semana, da Segunda-Feira ao Sábado, das 08:00 às 17:00, com uma hora de tempo para almoço ao meio-dia.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
É de notar, de antemão, que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Outrossim, há que decidir primeiro da questão suscitada no exame preliminar dos autos feito pelo relator: não ultrapassando o montante indemnizatório civil por que vinha condenada a recorrente na sentença recorrida a metade do valor da alçada da Primeira Instância em matéria cível laboral (cfr. o art.o 18.o, n.o 1, da LBOJ), este TSI, por força do art.o 390.o, n.o 2, do CPP, não pode efectivamente conhecer da pretensão da recorrente da invalidação da decisão, tomada na sentença recorrida, de arbitramento oficioso da indemnização cível, isto também porque à luz do art.o 73.o, ex vi do art.o 74.o, n.o 3, ambos do CPP, a sentença que arbitrar oficiosamente a reparação civil não deixa de ter a natureza civil.
Na sua motivação, a recorrente começou por apontar os vícios de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova à decisão contravencional recorrida.
Entretanto, após lido o teor da fundamentação da sentença recorrida, não se detecta qualquer contradição irredutível nessa fundamentação, pelo que naufraga desde já a arguição do vício aludido na alínea b) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
E no tocante ao suscitado vício previsto na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP: depois de vistos todos os elementos probatórios constantes dos autos e referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra como patente que o Tribunal recorrido tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência da vida humana na normalidade de situações, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto, pelo que não pode ter esse Tribunal cometido o erro notório na apreciação da prova. Aliás, o Tribunal recorrido já explicou, na fundamentação probatória da sentença, minuciosa e congrentemente o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos.
A recorrente também imputou à decisão contravencional recorrida a errada aplicação do disposto nos art.os 33.o e 36.o da Lei n.o 7/2008.
Pois bem, a recorrente foi condenada em primeira instância por prática de uma contravenção ao disposto no art.o 33.o, n.os 1 e 2, desta Lei, ex vi da Lei n.o 21/2009.
No caso dos autos, da conjugação das cláusulas 5.a e 9.a do contrato então celebrado pela recorrente com o trabalhador queixoso, resulta nítido que o “trabalho extraordinário de uma hora após o período normal de trabalho em cada dia” está, desta forma, aí previsto de antemão como tendo carácter normal e permantente, o que não é compatível com a lógica da figura de trabalho extraordinário.
É que para o trabalho ser extraordinário, é porque o trabalho não é ordinário. E agora, através da claúsula 5.a do contrato, uma coisa extraordinária passa a ser encarada como ordinária, o que faz com que o verdadeiro período normal de trabalho do trabalhador não seja de 8 horas por dia nem de 48 horas por semana, mas sim de 9 horas por dia e de 54 horas por semana. É evidente, pois, a violação da lei (se não mesmo uma fraude à lei), porquanto o art.o 33.o, n.o 1, da Lei n.o 7/2008 determina que o período normal de trabalho não pode exceder 8 horas por dia e 48 horas por semana.
É assim totalmente coerente o raciocínio exposto pelo M.mo Juiz a quo no 2.o parágrafo da página 6 do texto da sentença, a fl. 193v dos autos.
O verdadeiro trabalho extraordinário, aos olhos do Legislador da Lei n.o 7/2008, só pode ser prestado por determinação do empregador nos termos do n.o 2 do seu art.o 36.o, ou mediante o consentimento de que se fala alternativamente nas alíneas 2) e 3) do n.o 1 do mesmo art.o 36.o (sendo certo que no caso dos presentes autos não releva a alínea 3), por ter sido o trabalhador quem apresentou queixa da situação).
Na situação sub judice, não existindo, em relação ao trabalho extraordinário prestado pelo trabalhador nos períodos de Fevereiro a Julho de 2014 e de Maio a Junho de 2015, registo comprovativo do consentimento concreto do trabalhador exigido no n.o 4 do referido art.o 36.o da Lei n.o 7/2008, conjugado com a alínea 2) do n.o 1 deste artigo, andou bem o Tribunal recorrido quando decidiu condenar a recorrente contravencionalmente nos termos constantes do dispositivo da sentença recorrida. Por aí se vê também reflexamente que não houve qualquer erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido.
É que, frisa-se, a concordância do trabalhador no teor do contrato de trabalho então assinado entre ele e a recorrente não afasta, aquando da execução concreta do contrato, a necessidade de obtenção, por parte da recorrente como empregadora, sempre que vier solicitar concretamente ao trabalhador a prestação do trabalho extraordinário, do consentimento concreto deste, com registo comprovativo desse consentimento concreto, para a prestação do trabalho extraordinário. Por aí fica também demonstrada a congruência lógica (sem qualquer contradição) da fundamentação da decisão condenatória contravencional. De facto, repita-se, a concordância do trabalhador na cláusula 5.o do contrato então assinado com a recorrente como parte empregadora não pode equivaler, para os efeitos a relevar do art.o 36.o, n.o 1, alínea 2), da Lei n.o 7/2008, ao consentimento concreto dele ao superveniente pedido, por parte da empregadora, de prestação de trabalho extraordinário.
Por fim, quanto à questão da medida da pena: atentas todas as circunstâncias fácticas já apuradas e descritas na fundamentação da sentença, com pertinência à medida da pena de multa em causa aos padrões dos art.os 40.o e 65.o do CP, ex vi do art.o 124.o, n.o 1, do mesmo Código, dentro da moldura de dez a vinte e cinco mil patacas, prevista no art.o 85.o, n.o 2, alínea 2), da Lei n.o 7/2008, e vistas as exigências da prevenção geral do tipo de ilícito contravencional laboral sub judice, a multa já fixada na sentença recorrida já não admite mais margem para redução.
É, em suma, de manter a decisão condenatória contravencional recorrida, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em não conhecer a parte civil do recurso, e julgar não provido o recurso na parte referente ao pedido de invalidação da decisão condenatória contravencional.
Custas do recurso na parte contravencional pela recorrente, com seis UC de taxa de justiça. E pagará a recorrente uma UC de taxa de justiça pela inadmissibilidade do seu recurso na parte civil.
Comunique a presente decisão ao trabalhador queixoso.
Macau, 13 de Setembro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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