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Proc. nº 888/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Setembro de 2018
Descritores:
- Procedimento disciplinar
- Inviabilização da manutenção da relação funcional
- Acto desproporcional e injusto

SUMÁRIO:

I - O conceito inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose em que a Administração goza de grande liberdade de apreciação, embora se reconheça ao tribunal, em certos casos, o poder de averiguar da integração e subsunção dos factos à cláusula geral contida na referida fórmula.

2 - Acto desproporcional é aquele que ofende o princípio plasmado no art. 5º do CPA, por ter feito uso um uso excessivo dos meios adoptados em relação ao fim que a lei persegue ao dar ao Administrador os poderes que este exerce.

3 - Acto injusto é aquele que, por violar o princípio previsto no art. 7º, do CPA, é praticado sem o administrado o merecer, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas.

4 - Os princípios da justiça e da proporcionalidade funcionam como limites internos à actividade administrativa discricionária, ficando a sua sindicância limitada às situações em que o acto os tenha violado de forma grosseira, ostensiva e intolerável

Proc. nº 888/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo feminino, titular do BIRM n.º XXX, residente em XXX,
Recorre contenciosamente da decisão do Procurador da RAEM, de 20/10/2016, que no termo de um procedimento disciplinar, lhe aplicou a pena de demissão.
Na petição inicial a recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. Em 20 de Outubro de 2016, o Procurador proferiu o acórdão do processo disciplinar e decidiu aplicar à recorrente a pena de demissão. Em 25 de Outubro de 2016, a recorrente assinou a notificação n.º 104/DGPF/NOT/2016.
2. A recorrente não concorda com a maioria dos factos que se dá apurados no acórdão do processo disciplinar, vem opor-se e esclarecer os factos relacionados ao processo disciplinar.
3. Antes de mais, quanto aos 9º a 14º pontos da alínea 2 do acórdão do processo disciplinar, em 27 de Março de 2014, a recorrente não estava presente no local de trabalho de perícia sobre os objectos apreendidos do processo de inquérito n.º 7117/2013.
4. Deste modo, a recorrente com certeza não sabe que ordem ou que tratamento sobre o objecto em causa (refere-se apenas a um dos objectos apreendidos no saco n.º B-17 da Alfândega descrito nos autos) resolveram perante acordo os indivíduos presentes naquele trabalho de perícia.
5. Porém, segundo os autos de inquirição dos indivíduos presentes constante dos autos de processo disciplinar, as testemunhas prestaram depoimentos diferentes sobre tratamento do objecto em causa, mas todas estas declararam que o objecto estava insectífero; B, C e D indicaram que uns indivíduos presentes exigiram tratar o objecto; o Magistrado Judicial E admitiu que ordenou tratar o objecto em separado quanto mais cedo possível.
6. De resto, F levou o objecto apreendido do armazém de provas, ninguém lhe exigiu assinar qualquer documento, assim, é inevitável fazê-lo acreditar que estava a tratar apenas uma madeira insectífera.
7. Como indicou F na declaração prestada em 29 de Março de 2016, às 10H00, que precisava de tratar o objecto apreendido porque os outros colegas tinham aula de processo penal e saíram da sala de arquivos. Já se telefonou o ex-Procurador, que ordenou deslocar e jogar para fora o objecto apreendido em questão, para evitar influenciar os outros objectos apreendidos e documentos. F comunicou à recorrente que precisava de jogar o objecto para fora e guardou-o na sala exclusiva de computadores. A madeira corrompida estava lá guardada por longo tempo sem tratamento, F considerou que já assumiu as suas responsabilidades e jamais tratou o objecto.
8. Em 23 de Julho de 2014, o Secretário Judicial-adjunto substituto perguntou a F onde estava o objecto, na altura tirou fotos e enviou-lhe, mas F não percebeu porque o Secretário Judicial-adjunto substituto consultou um objecto que deveria ser descartado. Permite-se ver que, em 23 de Julho de 2014, quando se consultou sobre o objecto, F não estava ciente de que foi um objecto apreendido.
9. E mais, na declaração prestada em 7 de Abril de 2016, às 10H30, o Magistrado Judicial E indicou que, por telefone comunicou a opinião dos especialistas ao então Chefe do Gabinete G sobre a questão do objecto apreendido.
10. F participou no trabalho de perícia dos objectos apreendidos dum processo conforme a instrução directa do Gabinete do Procurador e tratou os ulteriores assuntos segundo a ordem do ex-Procurador.
11. Por motivo de segredo de justiça, a recorrente nunca sabia o processo de inquérito n.º 7117/2013.
12. A recorrente opõe-se nomeadamente ao 32º ponto da alínea 2 do acórdão do processo disciplinar. A recorrente não sabia que o objecto em causa foi objecto apreendido do processo de inquérito n.º 7117/2013. A recorrente limitou-se a descartar o objecto conforme a informação de F e entendendo que o ex-Procurador e o Magistrado Judicial E assim ordenaram.
13. Ninguém comunicou à recorrente, então Chefe do Departamento de Apoio Judiciário, que o objecto deveria ser devolvido uma vez que foi objecto apreendido do processo de inquérito n.º 7117/2013.
14. Como se indica no 24º ponto do acórdão do processo disciplinar, até um determinado dia de Outubro de 2014, F abriu a porta da sala de equipamentos informáticos e mandou H (indicou H na declaração de 30 de Março de 2016) deslocar por carrinho de mão um objecto empacotado em saco plástico preto para o parque do Ministério Público no Edf. Hotline.
15. Permite-se ver que, até que a recorrente decidiu descartar por ela própria o objecto insectífero, ainda não sabia que foi prova, achava que estava a tratar um lixo.
16. E mais, a recorrente foi informada de que tratou-se de uma madeira insectífera e corrompida. Se a recorrente e F estavam cientes de que o objecto foi prova, não iriam mandar o motorista colocar o objecto num local onde ninguém vigiava, as pessoas passavam e o objecto podia ser levado por outrem a qualquer tempo, pode-se ver que a recorrente não considerou que o objecto foi precioso de forma nenhuma.
17. No art.º 3.º (funcionamento do Departamento de Apoio Judiciário) do Regulamento Administrativo n.º 13/1999 que aprova a organização e funcionamento do Gabinete do Procurador, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 38/2011, a perícia não significa que o Chefe ou os pessoais do Departamento de Apoio Judiciário são capazes de fazer perícia, mas que, conforme a exigência do Procurador/Gabinete do Procurador/Magistrado Judicial, vão arranjar especialistas ou entidades qualificados exteriores e locais para fazer perícia.
18. A recorrente sabia bem que as provas/objectos apreendidos dos processos de inquérito penal deveriam ser destruídas conforme os procedimentos previstos no Código de Processo Penal, o Departamento de Apoio Judiciário e a recorrente nunca prestaram auxílio ao trabalho de destruição.
19. É inequívoco que, o tratamento de provas deve ser feito de acordo com o procedimento legal pelos funcionários de justiça aprovados e profissionalmente formados. É difícil acreditar que, se o objecto em questão foi objecto apreendido, porque foi tão fácil levá-lo sem qualquer procedimento? Na altura o Magistrado da Secção de Processos e os funcionários de justiça estavam presentes, os quais tinham deveres de especialidade e prudência, porque não são efectivadas as suas responsabilidades?
20. Além disso, a recorrente também opõe-se aos 20º, 29º, 30º e 31º pontos da línea 2 do acórdão do processo disciplinar.
21. Mesmo que 5% dos objectos apreendidos sejam plantas da categoria de aquilaria, não é igual à natureza verdadeira do objecto em causa. Várias pessoas presentes no local de trabalho de perícia de 27 de Março de 2014 declararam nos autos que o objecto estava insectífero e tinha mau cheiro, pelo que, não se pode concluir o valor e a perda patrimonial indicados nos 29º, 30º e 31º pontos da alínea 2 do acórdão do processo disciplinar.
22. Na verdade, a recorrente só lembrou-se do assunto até Outubro de 2014, para evitar a expansão do assunto, decidiu proceder pessoalmente. Preocupando-se que o superior iria saber que não foi tratado pontual ou adequadamente, resolveu não o colocar no recipiente de lixo do Edifício, mandou F descolá-lo no parque, para que a recorrente poderia descartá-lo na caixa de lixo da sua residência durante o intervalo de almoço, podendo prevenir as pessoas de queixar que jogou lixo grande no recipiente de lixo perto do Ministério Público.
23. a recorrente entende que o acto recorrido padece do vício de erro de pressuposto fáctico.
24. O pressuposto fáctico que fundamenta a decisão consiste em requisito da validade do acto administrativo, a ilegalidade de pressuposto (sic.) conduz ao vício de violação da lei, isto é, o órgão administrativo considera erroneamente existente o pressuposto. Embora da contradita referida sobre os factos não se pode dizer que a acusação no acórdão do processo disciplinar inventa coisas da nada, a apreciação sobre os factos é parcial sem dúvida.
25. O acórdão do processo disciplinar entende que a recorrente violou o art.º 279.º n.º 1, n.º 2 alíneas a), b) e d), n.º 3, e n.º 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, ou seja os deveres de isenção, zelo e lealdade.
26. A recorrente não retirou no caso quaisquer vantagens pecuniárias ou outras. Pelo que, não violou o dever de isenção previsto no art.º 279.º n.º 1 e n.º 2 alínea a) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
27. A recorrente participou continuadamente em formações para aperfeiçoar o seu trabalho. A recorrente sabia bem que as provas/objectos apreendidos dos processos de inquérito penal deveriam ser destruídas conforme os procedimentos previstos no Código de Processo Penal, mas não incumbe ao Departamento de Apoio Judiciário destruir provas, a recorrente nunca prestaram auxílio ao trabalho de destruição.
28. Ocorreu o incidente porque a recorrente nunca ponderou que o objecto contido no saco plástico preto levado por F do Magistrado Judicial E foi prova/objecto apreendido dum processo de inquérito penal, não violou a disposição de exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos. Assim, a recorrente não violou o dever de zelo previsto no art.º 279.º n.º 1 e 2 alínea b) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
29. Como acima dito, a recorrente só descartou o objecto em causa em função da ordem do ex-Procurador e Magistrado Judicial, comunicada por F. Tendo em conta que o objecto estava insectífero, iria influenciar a sanidade do ambiente de trabalho, a sua execução de função visava realizar interesses públicos. Além disso, a deponente (sic.) não obteve qualquer interesse individual no caso.
30. Assim, a recorrente não violou o dever de lealdade previsto no art.º 279.º n.º 1 e 2 alínea d) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
31. A recorrente não violou os deveres gerais dos trabalhadores de administração pública, e mais, como indica o art.º 40.º do acórdão do processo disciplinar, o acto da recorrente não tem carácter público, ela praticou o acto por motivo de ser mal informada por F, não se pode concluir que a sua conduta afectou negativamente a imagem da RAEM ou do serviço ou entidade que serviu e diminuiu a autoridade necessária para o exercício do cargo.
32. O acórdão do processo disciplinar entende que a recorrente violou gravemente o art.º 11.º das Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia e os deveres de isenção, zelo e lealdade previstos no art.º 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, resultando em que o Gabinete do Procurador não podia manter a sua situação jurídico-funcional (sic.), essa conclusão padece do vício de erro do pressuposto fáctico.
33. Embora a falha de manutenção da situação jurídico-funcional seja um conceito indeterminado, há que confirmá-la através do juízo de prognose sobre os factos provados, em vez de exercer erronea ou inadequadamente o poder discricionário conferido pela lei.
34. O acórdão do processo disciplinar entende que a infracção disciplinar da recorrente conduz à falha de manutenção da situação jurídico-funcional, significando que revelem indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício das suas funções.
35. Em 1 de Março de 2015, a recorrente deixou de ser Chefe do Departamento de Apoio Judiciário e passou a ser uma adjunta-técnica, sendo responsável pela organização de documentos, tem trabalhado diligentemente segundo a ordem do superior, o seu trabalho é classificado em bom.
36. Em vista da experiência profissional de tantos anos na administração pública e habilitação académica da recorrente, sem dúvida, é totalmente capaz de desempenhar a função de adjunto-técnico.
37. Mesmo que o acórdão do processo disciplinar acuse a recorrente pela prática dos factos, apreciando o fundo da recorrente e tendo em conta a relação profissional boa e estável entre a recorrente e o Gabinete do Procurador, não se pode concluir que é irreparavelmente prejudicada a devida confiança entre a recorrente e o Gabinete do Procurador e não pode ser mantida a relação funcional.
38. No caso, pode-se concluir da contradita sobre os factos na 1ª parte que não há provas fácticas suficientes para verificar que o acto da recorrente é tão grave que não é possível manter a situação jurídico-funcional e, assim, fundamentar a pena de demissão disciplinar aplicada, de resto, o acórdão do processo disciplinar padece do vício de erro do pressuposto fáctico.
39. Pelo que, quando o acto recorrido aplica à recorrente a pena de demissão prevista no art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, existe erro grave, ou seja injustiça notória, a pena aplicada e a negligência da recorrente são obviamente desproporcionais.
40. A recorrente entende que há circunstância dirimente no acto recorrido.
41. O art.º 284 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau enumera uma série de circunstâncias dirimentes.
42. Como acima dito, a recorrente só descartou o objecto em causa porque F disse que estava insectífero e deveria ser jogado para fora em função da ordem do ex-Procurador e Magistrado Judicial, cumpriu o dever de obediência com certeza, o que construi a circunstância dirimente prevista no art.º 284.º alínea e) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
43. Além disso, dispõe o art.º 277.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau que, “Aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor no Território, com as devidas adaptações.” Pelo que, o art.º 16.º (Erro sobre a ilicitude) do Código Penal é aplicável ao regime disciplinar.
44. É de realçar que, a recorrente não sabia que o objecto em apreço foi objecto apreendido do processo de inquérito n.º 7117/2013. Não estando dentro do âmbito da competência, o Departamento de Apoio Judiciário e a recorrente nunca fazem directamente o trabalho de tratamento de provas/objectos apreendidos dos processos de inquérito penal, portanto, não considerou que o objecto associou-se ao procedimento de destruição de provas/objectos apreendidos.
45. A recorrente nunca percebeu que, foi ilegal descartar um objecto insectífero segundo a ordem o ex-Procurador e Magistrado Judicial E.
46. A recorrente decidiu descartar por ela própria o objecto insectífero “em vista dos princípios de eficiência e prossecução do interesse público”, não tinha qualquer intenção de enriquecimento, por isso, nos termos do art.º 16.º do Código Penal não há qualquer acto individual e ilegal imputável à recorrente.
47. Mesmo entendendo que não existe exclusão da ilicitude, pelo menos pode confirmar que existe exclusão prevista no art.º 15.º do Código Penal. Na apreciação dos factos no acórdão do processo disciplinar, só se pondera a matéria de facto objectiva, ignora completamente o elemento subjectivo de infracção, a recorrente não participou no processo de inquérito n.º 7117/2013, não sabia a situação do objecto em causa, constituindo erro sobre um estado de coisas, pelo mais praticou a infracção por negligência, não se pode entender que a realizou dolosamente.
48. A recorrente entende que o acto recorrido viola o princípio de proporcionalidade.
49. O art.º 5.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo prevê o princípio de proporcionalidade: “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.” A doutrina divide esse princípio em 3 princípios: idoneidade, necessidade e proporcionalidade ou equilíbrio em senso restrito.
50. Entre as sanções disciplinares, a pena de demissão é obviamente a mais grave, que só deve ser aplicada ao acto doloso e grave.
51. Antes de mais, o acórdão do processo disciplinar já indica que estão satisfeitas as circunstâncias dirimentes previstas no art.º 282.º, alíneas a) e f) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
52. Além disso, quando a recorrente era Chefe do Departamento de Apoio Judiciário, participou por várias vezes na prossecução dos processos de burla associados a Macau ou Interior da China, solicitada pela Procuradoria Suprema Popular, Procuradoria de Guangdong ou Procuradoria de Zhuhai; durante vários anos, foi apresentadora da reunião de discussão detalhada, realizada 2 vezes por ano com o Departamento de Auxílio de Investigação do Procuradoria de Guangdong, representou por várias vezes o Ministério Público para assistir com os representantes da Procuradoria de Guangdong às reuniões de comunicação, visita e discussão, realizadas em regiões diferentes do Interior da China com procuradorias locais. A Procuradoria Suprema Popular elaborou os processos de auxílio de investigação no arquivo de 10 processos associados ao exterior para sensibilizar as entidades de procuradoria de todo o país.
53. Está satisfeita a alínea c) do art.º 282.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau: “A prestação de serviços relevantes ao Estado e ao Território.”
54. Outrossim, durante os 23 anos de serviço da recorrente para o Governo da RAEM, o comportamento foi bom e nunca foi punida por qualquer erro de trabalho.
55. Mesmo entendendo que a recorrente tinha culpa no tratamento do objecto em questão, não se pode negar que foi um incidente fortuito que não tinha carácter público nem exerceu qualquer influência ao órgão ou terceira pessoa.
56. Pelo que, deve-se fazer juízo em função das 3 circunstâncias atenuantes e aplicar a atenuação especial à recorrente nos termos do art.º 316 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
57. Por isso, quanto à pena de demissão aplicada à recorrente, a decisão das autoridades administrativas violou intoleravelmente o princípio de proporcionalidade.
58. Pelo exposto, o acórdão do processo disciplinar padece dos seguintes vícios: há muitas dúvidas sobre os factos acusados; o entendimento de “impossibilidade de manutenção da situação jurídico-funcional” é erro de pressuposto fáctico; não se atende às circunstâncias dirimentes; a recorrente não estava ciente da ilicitude e culpa do incidente; não são consideradas as circunstâncias atenuantes, é violado o princípio de proporcionalidade.
59. O TUI indicou no seu acórdão que, o princípio de presunção da inocência e o princípio de in dubio pro reo na produção de provas são aplicáveis ao processo disciplinar.
60. Como indica o TUI no seu acórdão, em princípio, a medida disciplinar aplicada pelas autoridades administrativas dentro dos tipos de sanção legal e moldura de pena não pode ser apreciada através de acção judicial, a não ser que haja erro notório, injustiça óbvia ou violação dos princípios gerais da lei administrativa, como os princípios de legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcial.
61. Vem a recorrente negar todas as acusações no acórdão do processo disciplinar e pugnar que não violou os deveres gerais ou especiais previstos no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia, ou seja, não praticou infracção disciplinar, não existe pressuposto de punição legal.
62. Cabe realçar que, nas funções diferentes desempenhadas pela recorrente, trabalhou sempre com zelo, assiduidade, isenção, lealdade, diligência e dedicação, cumpriu rigorosamente os deveres de função pública e prosseguiu sempre o interesse público, não deixa de ser excessivo, injusto e violar os princípios de justiça e imparcial se for aplicada a pena de demissão à recorrente meramente pela prática dum acto acidental de violação dos deveres sem considerar completamente as circunstâncias favoráveis à recorrente.
63. No fim, se os Juízes entenderem que a recorrente é responsável, é responsável pelo acto de negligência, mas não de dolo, conforme os princípios de adequação de proporcionalidade, não se deve aplicar a pena de demissão.
64. Em vista dos vícios referidos do acto recorrido, nos termos do art.º 124.º do Código de Procedimento Administrativo, deve ser anulada a decisão de aplicação da pena de demissão proferida pelo Procurador em 20 de Outubro de 2016.”
*
A entidade recorrida apresentou contestação, que concluiu desta maneira1:
“76. De acordo com os factos provados, no dia 27 de Março de 2014, F informou erradamente a recorrente de que o objecto apreendido B-17 tinha de ser deitado fora e que o magistrado responsável E lhe exigiu para mover e tratar do mesmo o mais cedo possível (deitar fora); F também disse à recorrente que tinha telefonado ao então Procurador I e exprimido o seu entendimento do parecer do funcionário do IACM J, e o então Procurador I deu instruções a F para mover e deitar de imediato o objecto apreendido B-17 que estava manchado de insectos; não houve qualquer sinal no objecto apreendido B-17 para o identificar como objecto apreendido; e a recorrente alegou que tinha informado, após a deposição do objecto em causa e por telefone, o então Procurador I da respectiva situação, que por sua vez, disse que ficou ciente e não houve problema; mas de facto, a recorrente, que na altura exerceu o cargo de chefe do DAJ, sabia que a madeira que alegou ser húmida, fedorenta e manchada de insectos era objecto apreendido, e no meio dia dum certo dia de Outubro de 2014, ela violou os dispostos no CPP (designadamente o art.º 170.º), na falta de ordem da autoridade judiciária e sem elaboração do auto de execução, levou ilegitimamente o objecto apreendido B-17 ao processo de inquérito n.º 7117/2013 junto com o seu irmão mais velho, que era comerciante e não tinha competência para participar na investigação criminal. Até ao presente, o objecto apreendido em causa ainda se encontra em parte incerta, o que causa ao seu proprietário um prejuízo patrimonial de pelo menos MOP$53.533,5 (o valor estimado mais alto do objecto apreendido B-17 é de MOP$2.301.574).
77. A recorrente, sabendo do valor económico do objecto apreendido B-17 e com objectivo estranho à prossecução do interesse público, aproveitou-se das suas funções e competências para levar ilegitimamente bem alheio apreendido ao processo penal (objecto apreendido B-17), violando a lei.
78. Segundo as regras da experiência, o objectivo da recorrente foi apropriar-se do objecto em causa ou entregar a outrem, e certo é que a recorrente, que exerceu o cargo de chefe do DAJ na altura, pelo menos sabia bem que a sua conduta causaria necessariamente danos ao interesse patrimonial do proprietário do objecto apreendido B-17, e que o objecto apreendido fez parte dos objectos colocados sob o poder público, e o acto de o levar ilegitimamente podia impedir a investigação correspondente. No entanto, a recorrente, aproveitando-se das suas funções e competências, e em violação da lei, ainda levou dolosamente o objecto apreendido, afectando negativamente a imagem da RAEM ou do serviço ou entidade que servem e diminuindo a autoridade necessária para o exercício do cargo (a ausência de publicidade da conduta e se a conduta causou os respectivos danos são coisas diferentes, e nos caso sub judice, foi diminuída nomeadamente a autoridade necessária para o exercício do cargo), bem como violando os deveres de isenção, zelo e lealdade acima referidos.
79. A recorrente, sabendo bem que as suas condutas eram ilegais, ainda as praticou de forma livre, consciente e voluntária, com intensidade de dolo consideravelmente elevada.
80. A recorrente é pessoal do quadro, e as suas condutas violaram, de forma grave, o seguinte compromisso legalmente prestado na tomada de posse: “afirmo solenemente que pela minha honra que cumprirei com lealdade as funções que me são confiadas”.
81. A recorrente alegou que verificou-se a circunstância dirimente de “o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever”, prevista pela al. e) do art.º 284.º do ETAPM.
82. Primeiro, é de salientar que segundo os factos provados, a recorrente aproveitou-se das suas funções e competências, e praticou a respectiva infracção disciplinar no exercício das funções, enquanto o magistrado responsável e o então Procurador nunca permitiram ou deram instruções ao recorrente para não respeitar o procedimento legal do tratamento do objecto apreendido B-17. A recorrente sabia que as suas condutas eram ilegais, mas não declarou a sua posição nem recusou ordens ou instruções eventualmente ilegais, pelo que não se verifica qualquer circunstância dirimente, ou a situação de erro sobre a ilicitude que exclua a culpa, prevista pelo n.º 1 do art.º 16.º do CPM.
83. Considerando o resultado da classificação de serviço da recorrente, esta tem circunstância atenuante prevista pela al. a) do art.º 282.º do ETAPM, e a ausência de publicidade das suas condutas constitui a circunstância atenuante na al. f) do mesmo artigo.
84. Além disso, não há prova de que a recorrente tem outras circunstâncias atenuantes.
85. Por outro lado, a recorrente tem habilitações literárias de nível superior em Direito, começou a trabalho no GP a partir de 17 de Junho de 2002 e exerceu o cargo de chefe do DAJ por muitos anos, mas as suas condutas violam gravemente os deveres especiais e inerentes ao cargo de chefe do DAJ, pelo que verifica-se a circunstância agravante prevista pela al. j) do n.º 1 do art.º 283.º do ETAPM.
86. Existem duas circunstâncias atenuantes e uma circunstância agravante, pelo que deve-se ponderar sinteticamente o valor destas, a fim de decidir se atenua ou agrava a pena, ou seja, aplica pena de escalão mais baixo ou de escalão superior do que ao caso caberia.
87. Porém, o valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes não é determinado em função do seu número, pelo que através da ponderação das supracitadas circunstâncias atenuantes e agravantes, nomeadamente a al. j) do n.º 1 do art.º 283.º do ETAPM, não vemos qualquer motivo sério para abaixar o escalão da pena aplicável.
88. A recorrente alegou que cessou de exercer o cargo de chefe do DAJ no dia 1 de Março de 2015, e voltou a exercer a função de adjunta-técnica. Ela trabalhou com diligência e o seu serviço foi classificado de “satisfeito”, tem experiências ricas e é completamente qualificada para o exercício do cargo de adjunta-técnica, sendo a sua relação de trabalho com o GP boa e estável, pelo que não se pode concluir pela quebra definitiva e irreversível da confiança que deve existir entre o serviço e a recorrente, que inviabiliza a manutenção da relação funcional.
89. Como é sabido, o MP é um órgão judicial responsável por fazer a justiça, sendo o GP o seu serviço de apoio, que se destina a prestar apoios financeiro e técnico para garantir o bom funcionamento do MP, pelo que são relativamente elevadas as exigências da ética dos seus funcionários.
90. Porém, a recorrente abusou do poder inerente ao seu cargo de chefe do DAJ, violou os respectivos deveres, levou ilegitimamente um objecto de certo valor económico apreendido ao processo de inquérito, desmereceu a confiança nela depositada pelo serviço, e enfraqueceu gravemente a confiança que os cidadãos depositam no MP (O objecto apreendido foi levado por pessoal do MP quando se encontrava no controlo legal deste, causando, pelo menos, prejuízo patrimonial de valor elevado para o proprietário. E o objecto apreendido fez parte dos objectos colocados sob o poder público, e o acto de o levar ilegitimamente podia impedir a investigação correspondente e afectar a realização da justiça). Uma vez que o MP perde a sua confiança básica na recorrente, não pode permitir à recorrente continuar a exercer funções no GP (ainda a função de adjunta-técnica), senão, não será recuperada a confiança dos cidadãos.
91. Pelo exposto, tendo em conta todas as circunstâncias (designadamente as circunstâncias atenuantes e agravantes, e a culpa da recorrente), os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, a violação dolosa e grave, por parte da recorrente, dos deveres previstos pelo art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 – Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia, nomeadamente os deveres de “isenção”, “zelo” e “lealdade”, previstos pelo art.º 279.º, n.º 1, n.º 2, al.s a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do ETAPM, aprovado pelo DL n.º 87/89/M, e aplicáveis por força do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 13/1999 – Organização e Funcionamento do Gabinete do Procurador, a violação grave da honestidade devida para o exercício de funções públicas e a falta de arrependimento, a gravidade das condutas da recorrente inviabiliza a manutenção da relação funcional com o GP, pelo que nos termos do art.º 315.º do ETAPM, o Procurador aplicou à recorrente a pena de demissão, o que corresponde completamente às disposições legais.”
*
Na oportunidade, apenas o recorrente formulou alegações facultativas, que sintetizou assim:
“1. Antes de mais, a recorrente mantém a sua posição tomada na petição de recurso, designadamente que a decisão de demissão ora recorrida padece do vício de erro nos pressupostos de facto, que existe circunstância dirimente na conduta da recorrente e que a referida decisão viola o princípio da proporcionalidade.
2. Em conformidade com as provas obtidas através da investigação realizada no âmbito do processo disciplinar, pode-se confirmar que o pedaço de madeira descartada pela recorrente era gravemente infectado por insectos, que o delegado do Procurador pelo menos mandou tratá-lo separadamente, e que F afirmou à recorrente que o objecto em causa precisava de ser descartado e que já tinha sido obtido o consentimento e confirmação superior para isso.
3. Semelhantemente, pode-se ter a certeza que quando tal pedaço de madeira se encontrava guardado na sala de equipamentos informáticos do MP, não houve qualquer sinal ou menção de o mesmo ser prova ou ter a ver com um processo de inquérito penal.
4. Acresce que, findo o trabalho de investigação do processo disciplinar, não se verificou, de forma alguma, indício de a recorrente se ter apropriado do referido objecto ou o ter entregue a qualquer terceiro.
5. Foram o zelo pelo trabalho e a lealdade em relação às decisões do delegado do Procurador e do Procurador que motivaram a recorrente para descartar, por sua iniciativa, o objecto em causa. A mesma não fez isso no seu interesse próprio nem para o benefício ilegal de qualquer terceiro. Não se violaram, portanto, os deveres de isenção, de zelo e de lealdade a que se refere o artigo 279.º do ETAPM.
6. Só depois de a recorrente ter deitado o objecto fora é que ela veio a tomar conhecimento de que se tratou duma prova de processo judicial. A sua conduta não pode ser considerada violadora de qualquer dos deveres de isenção, de zelo e de lealdade a que se refere o artigo 279.º do ETAPM. Logo, o processo disciplinar em causa chegou a uma decisão conclusiva totalmente errada.
7. Partindo duma posição objectiva, é de facto irreflectida e imprudente para a recorrente descartar a madeira em causa sob o impulso do momento, sem obter mais conhecimento e confirmação em relação ao assunto. Porém, durante todo esse facto, a recorrente só estava ciente de que ela estava a cumprir as instruções superiores. Logo, pese embora se dê como assente que ela violou quaisquer deveres dos trabalhadores da Administração Pública, os factos supra referidos são, ao abrigo do artigo 284.º, al. e) e artigo 315.º, n.º 5, ambos do ETAPM, suficientes para constituir circunstância dirimente que possa diminuir a sua responsabilidade. Assim sendo, mesmo que ela deva ser punida, a gravidade nunca deve atingir o nível da demissão.
8. Acresce que, na óptica da recorrente, a entidade recorrida, aquando da determinação da espécie e moldura da punição, não ponderou nem o facto de ela ter mantido um bom comportamento durante os 23 anos da sua carreira na Administração Pública, sem ter qualquer registo de erro, nem o facto de se tratar dum incidente isolado de que não resultou, quer no seu Serviço quer em terceiro, qualquer grave impacto, factos que deveriam ter merecido a concessão duma atenuação proporcional.
9. Razão pela qual, parece à recorrente que a referida decisão de demissão deve ser corrigida por violar o princípio da proporcionalidade.
Pede-se que se faça a costumeira justiça!”
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer final.
“… No que toca ao alegado erro nos pressupostos de facto, a recorrente questiona que haja infringido os deveres em cuja violação assentou a punição que lhe foi imposta através do acto recorrido. Diz que não violou os deveres de isenção, zelo e lealdade que a entidade recorrida considerou atingidos.
Parece-nos que o juízo de apreciação da prova recolhida a coberto da liberdade probatória que assiste à Administração não aparenta enfermar de erro no apuramento dos factos. E do mesmo modo, crê-se que não ocorre qualquer erro de integração dos factos apurados na infracção aos deveres considerados violados pela conduta da recorrente.
Nesta matéria, a tese da recorrente assenta essencialmente no alegado desconhecimento da relação entre o objecto (saco com madeira) guardado na sala de informática do 16.º andar do Edifício Hotline e qualquer processo penal. Segundo ela, essa madeira, acondicionada num saco, fora levada para a sala de informática por F, seu subordinado, e estaria destinada, segundo ordens supostamente transmitidas pelo magistrado E e pelo então Procurador, a ser imediatamente descartada, por se encontrar contaminada. Daí que a recorrente tenha providenciado, em 1 de Outubro de 2014, para que fosse removida daquela sala para o silo-auto, a fim de ela própria a levar para lançar num contentor de lixo, como afirma ter sucedido.
Mas esta tese não tem cabimento à luz das regras da experiência, atentando até contra a inteligência de um cidadão mediano. Como explicar que o seu subordinado F tenha levado para uma sala especialmente preparada para oferecer uma temperatura ambiente constante madeira que devia ser deitada imediatamente fora? Como explicar que, devendo essa madeira ser imediatamente jogada fora, sem qualquer formalidade, segundo â tese da própria recorrente, não tenha o seu subordinado tratado dessa tarefa menor de imediato e tenha “incumbido” a chefe de tratar do assunto? Como explicar que, em face da alegada urgência reclamada naquelas ordens do magistrado E e do Procurador, a recorrente haja protelado, por 6 meses, a sua execução? Como explicar que a recorrente, chefe do F e a quem este reportou prontamente o depósito da madeira na sala dos computadores, não soubesse que ele acabara de participar numa diligência de perícia, auxiliando os colegas afectos aos processos de Inquérito?

A estas, muitas outras interrogações se poderiam acrescentar no sentido de que a versão da recorrente é inverosímil e não se compagina com a postura de um funcionário diligente ou de uma pessoa medianamente prudente, tal como a autoridade recorrida ponderou.
Alguns pormenores probatórios igualmente contribuem para abalar a versão da recorrente. É o caso, por exemplo, do número de vezes que trocou impressões com o F sobre a madeira. Ela sustenta que apenas o fez quando ele trouxe a madeira para a sala dos equipamentos informáticos; ele assevera que terão trocado impressões sobre o assunto em mais ocasiões. É também o caso, nada despiciendo, do local em que o saco com a madeira teria sido arremessado para o lixo. A recorrente foi ajudada nesta tarefa pelo irmão, mas as versões de ambos não coincidem sobre o local exacto e características do contentor de lixo para onde foi lançado o saco com a madeira.
Em face da prova produzida e das inúmeras incongruências de que padece a versão da recorrente, não podia esta - que aliás é licenciada e possui pós-graduações em direito e exerceu durante vários anos o cargo de chefe do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurador - deixar de saber que estava perante objecto apreendido em processo de Inquérito penal, cujo tratamento está sujeito às formalidades previstas na legislação processual e que não pode ser descaminhado e subtraído ao poder público a que está submetido, pelo que o descaminho lhe é imputável e justifica o juízo de censura disciplinar que lhe foi dirigido, mostrando-se irrelevante o desconhecimento do verdadeiro destino que a recorrente conferiu à madeira, bem como o real valor venal desta.

Posto isto, não se crê que ocorra qualquer erro nos pressupostos de facto.
O dever de isenção, um dos que foram considerados infringidos, consiste em não retirar do exercício das funções quaisquer vantagens que não sejam devidas por lei, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras. Na análise feita ao comportamento da arguida, ora recorrente, em sede disciplinar, e fazendo eco da incongruência da sua versão e tomando por base regras da experiência comum, considerou-se que ela subtraiu ao poder público a que estava sujeito por força da apreensão em processo penal, e levou consigo, uma quantidade de madeira de aquilária. A circunstância de tal madeira se encontrar contaminada por insectos e com mofo não a toma desprezível em termos de valor, apenas a torna menos valiosa que madeira idêntica não afectada, como ficou claro a partir da perícia efectuada no processo de Inquérito e do próprio depoimento do importador, de que se dá eco no processo disciplinar. Não se vê, pois, motivo de censura por se ter considerado infringido o dever de isenção.
Por seu turno, o dever de zelo consiste em exercer as funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os conhecimentos técnicos e métodos de trabalho. Ao actuar como ficou demonstrado no processo disciplinar, a recorrente não procedeu com eficiência e empenhamento na consecução do interesse público da sua função e aparentou o desconhecimento de normas legais essenciais quanto ao tratamento a observar relativamente a objectos apreendidos em processo penal. Igualmente não se vislumbra razão de censura por ter sido considerado infringido o dever de zelo.

O dever de lealdade, também considerado violado, consiste em desempenhar as funções de acordo com as instruções superiores em subordinação aos objectivos de serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público. Pois bem, dadas as conclusões a que sustentadamente se chegou no processo disciplinar, que apontam para uma situação de tratamento e depósito em separado da madeira apreendida que tinha indícios de contaminação por insectos, sendo esse o sentido da ordem de transferência da madeira dada pelo magistrado do processo, o que a recorrente não podia ignorar, é óbvia a falta de consonância da actuação da recorrente com as instruções do magistrado e o desvio dos objectivos de serviço e da salvaguarda do interesse público. Também aqui não se descortina motivo para ter por infundada a infracção do dever de lealdade.
Resta, ainda nesta sede do erro nos pressupostos de facto, abordar a questão da gravidade da violação dos deveres enquanto motivo de inviabilização da manutenção da relação jurídico-funcional. O pessoal de direcção e chefia está sujeito, nos termos do artigo 11.º das Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia (Lei 15/2009), aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública da RAEM, bem como aos deveres específicos inerentes às respectivas funções, sem prejuízo das derrogações e especialidades decorrentes do seu estatuto próprio. Entre aqueles deveres gerais pontuam os de isenção, zelo e lealdade que foram considerados infringidos pela recorrente. Como a actuação da recorrente ocorre num círculo de valores que relevam da essência do Ministério Público enquanto órgão incumbido do exercício da acção penal, onde a investigação e tudo quanto a rodeia, incluindo as provas físicas substanciadas nos objectos apreendidos, tem que ser tratado com a imparcialidade, seriedade e probidade esperadas e exigidas na exercitação da justiça penal, igualmente não se vislumbra erro no juízo de inviabilidade da manutenção da relação jurídico-funcional. E a tal não obsta a circunstância de a recorrente, enquanto chefe do Departamento de Apoio Judiciário, não lidar habitualmente com a tramitação directa de processos, já que não se está perante uma pequena falha negligente, antes se indiciando conduta dolosa, altamente censurável, porquanto provinda de uma chefia que pontualmente interveio em acto conexo com a investigação criminal.
Em suma, improcede o invocado vício de erro nos pressupostos de facto.
A petição de recurso salienta também que o acto punitivo padece de violação de lei por não ter relevado a responsabilidade disciplinar da recorrente devido à existência da circunstância dirimente cumprimento de um dever prevista no artigo 284.º, alínea e), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, e ainda por não ter considerado que houve erro sobre a ilicitude, o qual, por não lhe ser censurável, deveria relevar como causa de exclusão da culpa.
Argumenta que apenas levou, das instalações do Ministério Público, o objecto apreendido, porque lhe foi transmitido que devia ser deitado fora por ordem do ex-Procurador e do magistrado do processo E. Teria, assim, actuado a coberto do dever de obediência, o que constitui circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar.
A especificidade da exclusão da responsabilidade disciplinar no âmbito do dever de obediência a ordens superiores está contemplada no artigo 285.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, onde aparecem previstos os requisitos a observar quando as ordens possam suscitar dúvidas de legalidade. No caso, sendo embora evidente que esses requisitos não foram observados, tal apresenta-se manifestamente espúrio para a abordagem da questão da exclusão da responsabilidade disciplinar. É que não ficou demonstrada a existência de qualquer ordem no sentido de “jogar fora” ou “deitar ao lixo” a madeira infectada com insectos e mofo. O magistrado do processo é peremptório em rejeitar que uma tal ordem, verbal ou escrita, haja sido dada, esclarecendo que o que foi ordenado foi a guarda e o tratamento em separado do apreendido infectado, no que é secundado pela generalidade das pessoas que estiveram presentes no início da perícia em que foi detectada a presença de insectos em parte da madeira apreendida. De resto, o andamento registado quanto à madeira guardada na sala de equipamento informático do 16.º andar do Edifício Hotline, nomeadamente a sua permanência ali durante 6 meses, o facto de entretanto ter havido conversas entre a recorrente e F sobre tal madeira e a circunstância de, por alturas de Julho de 2014, o Secretário Judicial Adjunto substituto ter perguntado pela estado da madeira, o que levou a que fossem tiradas e lhe fossem facultadas fotos, tudo isso permite pôr de parte a hipótese de ter havido qualquer ordem de destruição da madeira. Ordem que, a existir, teria que ser dada no processo, em despacho escrito, e cujo cumprimento sempre teria que ser executado com observância das necessárias formalidades, nomeadamente mediante elaboração do competente auto de destruição. Sendo de salientar que a destruição de substâncias infestadas por parasitas, como era o caso, costuma ser levada a cabo por incineração e não mediante lançamento num qualquer contentor de lixo. Não havia, pois, que ponderar a apontada circunstância dirimente.
Quanto à aventada causa de exclusão da culpa, não se vê, desde logo, como pode a recorrente sustentar que não tinha consciência da ilicitude, ante a matéria apurada no processo disciplinar, onde foi possível concluir que sabia, ou não podia deixar de saber, que a questionada madeira estava afecta a um processo penal, no qual fora objecto de perícia. E, ainda que porventura não tivesse consciência da ilicitude, sempre essa falta de consciência lhe seria censurável, dada a sua formação e o cargo que desempenhava, pelo que nunca poderia haver exclusão da culpa, improcedendo também esta causa de desresponsabilização.
Soçobra, assim, o invocado vício de violação de lei.
Por fim, a recorrente insurge-se contra a desproporcionalidade de que diz padecer a decisão recorrida.
Nesta sede, deixa subentendido que não foi objecto de adequada ponderação o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres que se lhe impunham. Para além disso, aduz que foram apenas valoradas duas circunstâncias atenuantes (mais de 10 anos de serviço classificado de Bom e ausência de publicidade da infracção), quando se impunha que tivesse igualmente sido considerada a atenuante prestação de serviços relevantes ao Estado e ao Território. Daí que conclua que, mesmo entendendo-se que deve ser responsabilizada disciplinarmente, o especial valor daquelas três atenuantes deveria conduzir à aplicação da atenuação especial prevista no artigo 316.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o que obrigaria à aplicação de uma pena de escalão necessariamente inferior à de demissão.
Independentemente da feição que a recorrente confere à abordagem da questão, de que resulta que o vício até nem residiria tanto na violação da proporcionalidade, mas sobretudo na indevida preterição de uma circunstância atenuante que acabaria por afectar o juízo que deveria conduzir à atenuação especial, parece incontroverso que nenhuma prova pertinente existe de que a recorrente tenha prestado serviços relevantes ao Estado e a Macau. As várias reuniões, visitas e colóquios em que participou, podendo ser embora um indício de colaboração profícua e empenhada entre o Ministério Público da Região Administrativa Especial de Macau e outras procuradorias da República Popular da China, nada demonstra, em termos de contributo e prestação pessoal da recorrente, que possa ser catalogado como serviço relevante para o Estado ou para a Região Administrativa Especial de Macau.
Por outro lado, e no que propriamente respeita à alegada violação do princípio da proporcionalidade, não resulta demonstrado que a decisão punitiva haja sacrificado ou beneficiado desproporcionadamente os interesses em confronto. Aliás, como o Tribunal de Última Instância tem vindo a decidir, a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo - cf., v.g., acórdão de 28 de Julho de 2004, Processo 27/2003. Pois bem, enquadrando-se a conduta infraccional na hipótese legal de demissão, quer por via dó preenchimento da cláusula geral da impossibilidade de manutenção do vínculo, face à gravidade concreta das infracções, atentos os valores atingidos, quer por via da integração da conduta na previsão da alínea n) do n.º 2 do artigo 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação do princípio da proporcionalidade.
Improcede, assim, o vício de violação do princípio da proporcionalidade.
Ante o exposto, vai o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.”
*
Cumpre decidir.
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II – Pressupostos Processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1. Desde 6 de Dezembro de 1993, por contrato além do quadro a arguida A desempenhou a função do quadro de adjunto-técnico de 2ª classe, 1º escalão, do Instituto Cultural; desde 31 de Julho de 1996, em regime de nomeação provisória desempenhou a função de adjunto-técnico de 2a classe, 1º escalão, do Instituto Cultural; em 31 de Julho de 1997, foi nomeada como adjunta-técnica de 2a classe, 10 escalão, do Instituto Cultural; e depois, a arguida foi promovida por várias vezes na mesma carreira.
2. Desde 17 de Junho de 2002, através de transferência a arguida desempenhou a função do quadro de adjunto-técnico especialista, 1º escalão, do Gabinete do Procurador, e foi promovida por vezes na mesma carreira; de 25 de Novembro de 2009 a 12 de Março de 2010 e de 1 de Maio de 2010 a 31 de Maio de 2011, a arguida desempenhou a função de Chefe substituto do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurador; de 1 de Junho de 2011 a 28 de Fevereiro de 2015, a arguida desempenhou a função de Chefe do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurador; desde 1 de Março de 2015, a arguida desempenhou a função do quadro de adjunto-técnico especialista, 1º escalão, do Gabinete do Procurador.
3. A arguida A possui curso de licenciatura de literatura (literatura da língua chinesa) na “South China Normal University”, que foi reconhecido em 1998 pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior; obteve em 2003 o curso de licenciatura do direito na “China University of Political Science and Law”; foi formada em 2004 em "Curso de Introdução ao Direito de Macau”, na Universidade de Macau; obteve o curso de mestrado em direito na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau em 2009.
4. Foi instaurado um procedimento disciplinar à recorrente, na sequência do desaparecimento de uma peça de madeira “aquilária”, que estava apreendida no âmbito de um processo de inquérito criminal.
5. Nesse procedimento disciplinar foi, a seu tempo, deduzida a seguinte acusação:
“Com base nos seguintes factos, decido deduzir acusação contra a adjunta-técnica especialista principal de 1º escalão do quadro do pessoal do Gabinete do Procurador, A:
I.
A arguida A é casada, nasceu em 26 de Agosto de 1971 na Província de Guangdong, e é filha de K e de L.
II.
A partir de 6 de Dezembro de 1993, a arguida A exerceu, em regime de contrato além do quadro, o cargo de adjunta-técnica de 2ª classe de 1º escalão no Instituto Cultural; a partir de 31 de Julho de 1996, A exerceu, em regime de nomeação provisória, o cargo de adjunta-técnica de 2ª classe de 1º escalão do quadro do pessoal do Instituto Cultural; em 31 de Julho de 1997, A foi nomeada, definitivamente, adjunta-técnica de 2ª classe de 1º escalão do quadro do pessoal do Instituto Cultural; depois, A foi promovida na mesma carreira por várias vezes; a partir de 17 de Junho de 2002, A foi transferida para o quadro do pessoal do Gabinete do Procurador e exerceu o cargo de adjunta-técnica principal de 1º escalão; posteriormente, o cargo de A foi promovido por várias vezes; nos períodos compreendidos entre 25 de Novembro de 2009 e 12 de Março de 2010, e entre 1 de Maio de 2010 e 31 de Maio de 2011, A exerceu, em regime de substituição, o cargo de chefe do Departamento de Apoio Judiciário do GP; no período compreendido entre 1 de Junho de 2011 e 28 de Fevereiro de 2015, A exerceu o cargo de chefe do DAJ do GP, e a partir de 1 de Março de 2015, voltou para exercer o cargo anterior, ou seja adjunta-técnica especialista principal de 1º escalão do quadro do pessoal do GP.
III.
Nos termos do art.º 3.º (Departamento de Apoio Judiciário) do Regulamento Administrativo n.º 13/1999 - Organização e Funcionamento do Gabinete do Procurador, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 38/2011 :
“1. Ao Departamento de Apoio Judiciário compete prestar apoio jurídico e técnico aos magistrados do Ministério Público no cumprimento das suas atribuições de acordo com a lei processual, gerir os funcionários de justiça e outros trabalhadores relacionados, analisar e estudar de forma concentrada a informação do Ministério Público nos âmbitos da prevenção, investigação e resolução dos crimes e ajudar os cidadãos a terem acesso a consultas jurídicas e apoio judiciário.
2. O Departamento de Apoio Judiciário compreende a Divisão de Assuntos Judiciários e a Divisão Técnica.
3. À Divisão de Assuntos Judiciários compete:
1) Prestar apoio jurídico aos magistrados do Ministério Público nos âmbitos da acção judicial, investigação criminal, perícia inspecção, inquérito e de outros assuntos relacionados;
2) Receber as denúncias apresentadas pessoalmente, ou por escrito, ou por outras formas, por pessoas singular ou colectiva, ou por outros organismos ou associações;
3) Acompanhar e analisar a situação e resultado dos processos de crimes de maior gravidade.
4. À Divisão Técnica compete:
1) Prestar apoio técnico aos magistrados do Ministério Público nos âmbitos da acção judicial, investigação criminal, perícia, inspecção, inquérito e de outros assuntos relacionados;
2) Coadjuvar, para efeitos de investigação criminal, os magistrados do Ministério Público na obtenção de informação dos arquivos da Administração e entidades públicas e autónomas através de internet ou por meios informáticos, entre outros,·
3) Assegurar a organização, instalação, operação e manutenção dos registos de informação de natureza judicial e penal do Ministério Público.” (o sublinhado é nosso)
IV.
A South China Normal University conferiu à arguida A o grau de licenciatura em Arte (Língua e Literatura Chinesa), que foi reconhecido pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior em 1998; a arguida obteve a 2ª licenciatura na Universidade da Ciência Política e Direito da China em 2003; em 2004, frequentou o curso de introdução ao Direito de Macau na Universidade de Macau e graduou-se; e em 2009, foi-lhe conferido o grau de mestrado em Direito pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.
V.
No dia 14 de Maio de 2013, o Serviço de Alfândega descobriu um caso de contrabando de carne de vaca congelada, ninho de andorinha e aquilaria, encontrou no barco utilizado para o contrabando 20 madeiras suspeitas de ser aquilaria, com peso líquido de cerca de 274,5kg, e encontrou no armazém na ponte-cais n.º 23 do Porto Interior 70 madeiras suspeitas de ser aquilaria, com peso global de 1.574,5kg junto com embalagem e peso líquido de cerca de 1.477,7kg (auto de notícia do Serviço de Alfândega n.º 1905/2013 e processo n.º 4.95).
VI.
Em 9 de Julho de 2013, o MP, com fundamento nas operações fora dos locais autorizados (crime de contrabando), instaurou o processo de inquérito n.º 7117/2013, sendo o magistrado responsável E.
VII.
M ajudou o proprietário das madeiras de aquilaria em causa a tratar das formalidades de desalfandegamento.
VIII.
No dia 28 de Fevereiro de 2014, o Magistrado E presidiu, em presença de M e nos termos do art.º 163.º, n.º 1 e n.º 3 do CPP, à apreensão de 1.---20 madeiras de aquilaria com peso bruto de 248,55kg, e 2.---70 madeiras de aquilaria com peso bruto de 1.422,5kg.
IX.
De acordo com os 30 certificados de importação emitidos pela Direcção dos Serviços de Economia, apresentados por M em 3 de Dezembro de 2014 através do seu advogado no âmbito do processo de inquérito n.º 7117/2013, M importou em 2013, através de XX Trading, 31 madeiras de aquilaria, com peso global de 4.005kg; e segundo as 53 licenças de importação emitidas pela DSE, M importou em 2013, através de XX Trading, 365 madeiras de aquilaria, com peso global de 7.297,4kg.
X.
Em 17 de Março de 2014, por despacho escrito proferido pelo Magistrado E a fls. 102 do processo de inquérito n.º 7117/2013, foram nomeados como peritos os funcionários do IACM N e J, que colheram amostras dos objectos apreendidos A-1, A-2, A-3, A-15, A-18, B-2, B-3, B-16, B-33 e B-40 para efeitos de exame laboratorial. Segundo o relatório pericial apresentado pelo IACM em 9 de Junho de 2014, os objectos A-1, A-2, A-3, A-15, A-18, B-2, B-3, B-16 e B-33 são madeiras de aquilaria, abrangida pelo Anexo II à «Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção», e apenas o objecto B-40 é planta não identificada.

XI.
No dia 27 de Março de 2014, o Magistrado E nomeou o vice-presidente da Associação de Aquilaria de Zhongshan O como perito, para proceder à perícia dos objectos apreendidos ao processo de inquérito n. º 7117/2013.
XII.
Após a nomeação como perito, O não procedeu, de imediato, à perícia dos objectos apreendidos ao processo de inquérito n.º 7117/2013 e conservados no arquivo do Serviço de Acção Penal do MP sito no 5º andar do Edf. Dynasty Plaza, por ser grande o número dos objectos apreendidos e não estar em condições de fazer a perícia plena no local.
XIII.
Não obstante, o perito O ainda abriu as embalagens de vários objectos apreendidos para fazer o exame. Durante o período, O disse ao Magistrado E que o objecto apreendido B-17 era aquilaria, mas já estava manchado de insectos e podia contagiar os outros objectos, por exemplo, os arquivos, pelo que devia ser tratado separada e imediatamente, por profissional.
XlV.
O Magistrado E nunca proferiu, verbalmente ou por escrito, qualquer despacho no processo de inquérito n.º 7117/2013 que ordenou a destruição do objecto apreendido B-17 manchado de insectos, mas apenas exigiu que o objecto fosse conservado separadamente; não se encontra, no respectivo processo de inquérito, qualquer registo de despacho oral ou escrito de destruição do objecto apreendido B-17, proferido por magistrado.
XV.
As pessoas que compareceram à referida diligência no dia 27 de Março de 2014 incluíram também o secretário judicial-adjunto substituto do Serviço de Acção Penal do MP, B, os funcionários P, C e D, e o chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário F; estas pessoas e os funcionários do IACM N e J não ouviram a ordem verbal dada pelo Magistrado E no sentido de destruir ou deitar fora o objecto apreendido B-17 manchado de insectos, e apenas F declarou que ouviu J dizer que o objecto apreendido B-17 tinha de ser deitado por estar húmida e manchada de insectos, e em consequência, o Magistrado E disse que os insectos podiam morder os documentos no arquivo, pelo que tinha de ser deitado, mas J e E negaram ter dito isso.
XVI.
No dia 27 de Março de 2014, o chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário F telefonou ao então Procurador I e contou-lhe o parecer do pessoal do IACM, e o Procurador deu instruções para mover e deitar fora de imediato o objecto apreendido B-17 manchado de insectos.
XVII.
À tarde do dia 27 de Março de 2014, após o horário de serviço, o chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário F moveu o objecto apreendido B-17 e outros dois objectos apreendidos de madeira para o 16º andar do Edf. Hotline, conservou o objecto apreendido B-17 na sala de equipamento informático onde o ar condicionado operou todo o dia, e colocou os outros dois objectos apreendidos de madeira na sua secretária, para serem posteriormente mostrados ao anterior Procurador.
XVIII.
Quando o chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário F, com ajuda de outros dois colegas, moveu os supracitados 3 objectos apreendidos para o 16º andar do Edf. Hotline, encontrou a então chefe do DAJ, ou seja a arguida A, e disse-lhe que tinha de deitar fora o objecto apreendido B-17 manchado de insectos, e depois, F colocou o objecto em causa na sala de equipamento informático.
XIX.
A arguida A também entrou na sala de equipamento informático para examinar o objecto apreendido B-17. Não obstante a falta de identificação de processo no objecto apreendido B-17 ou de sinal que o identificou como objecto apreendido, A sabia que esse objecto de madeira foi envolvido num processo de inquérito de contrabando de aquilaria, e também tinha sido informada pelo subordinado F de que a madeira já era podre e manchada de insectos, não podia ser colocada junto com outras madeiras, e o magistrado responsável E exigiu que fosse movida e tratada o mais cedo possível a madeira em causa.
XX.
O chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário F não procedeu imediatamente à deposição do objecto apreendido manchado de insectos B-17 porque ainda não foi concluída a respectiva formalidade, por exemplo, não houve o despacho sobre o destino do objecto apreendido e ainda faltou o registo de entregue e recepção do mesmo.
XXI.
No dia 9 de Junho de 2014, o Magistrado E nomeou de novo o vice-presidente da Associação de Aquilaria de Zhongshan O como perito, para proceder à perícia dos objectos apreendidos ao processo de inquérito n. º 7117/2013.
XXII.
Em 10 de Junho de 2014, o Magistrado E e o perito O elaboraram o respectivo auto de perícia. Realizou-se a perícia usando as formas de “cheiro, inspecção visual e colocação em água”, e verificou-se que a maior parte dos objectos apreendidos ao processo de inquérito n.º 7117/2013 era aquilaria, e apenas 7 objectos foram feitos de outros materiais mistos, ou seja os objectos apreendidos A17(1), B1, B22(3), B25, B40, B64 e B67; todas as madeiras de aquilaria têm a origem da Indonésia, e incluem 3 variedades, respectivamente de Ilian, de Dalaran e de Kalimantan, e classes superior, média e inferior, dos quais o valor de classe inferior é entre RMB¥4 a RMB¥80 por grama, o valor de classe média é entre RMB¥120 a RMB¥260 por grama e o valor de classe superior é entre RMB¥350 por grama, sendo esses valores estimados conforme o preço de mercado no Interior da China.
XXIII.
Supõe-se que o objecto apreendido B-17 é aquilaria de classe inferior com peso líquido de 22,25kg, e que RMB¥1 equivale a MOP$1,2815, então o seu valor é entre MOP$115.335 e MOP$2.301.574.
XXIV.
Em 23 de Julho de 2014, o secretário judicial-adjunto substituto do Serviço de Acção Penal do MP, B, telefonou ao chefe da Divisão de Técnica do DAJ F, perguntou-lhe sobre o paradeiro do objecto apreendido B-17, e F dirigiu-se para a sala de equipamento informático no 16º andar do Edf. Hotline, tirou fotos do objecto apreendido B-17 e enviou-as a B através de Whatsapp, mostrando-lhe o estado do respectivo objecto.
XXV.
Em 4 de Setembro de 2014, o Magistrado E nomeou os profissionais do Interior da China Q e R como peritos, para proceder à perícia dos objectos apreendidos ao processo de inquérito n.º 7117/2013. Os peritos Q e R colheram amostras dos objectos apreendidos B24(10), B26(7), B33(3), B50(6) e B52(4) para efeitos de exame laboratorial. Segundo o relatório pericial apresentado pelo IACM em 20 de Março de 2015 (junto com o relatório de exame elaborado por Guangzhou XXX), os objectos B24(10), B26(7), B33(3), B50(6) e B52(4) são madeiras de aquilaria, abrangida pelo Anexo II à «Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção».
XXVI.
Durante o período em que o objecto apreendido B-17 foi conservado na sala de equipamento informático no 16º andar do Edf. Hotline, o pessoal do GP nunca se queixou do mau cheiro do objecto apreendido B-17 e de insectos ou baratas.
XXVII.
No meio dia dum certo dia de Outubro de 2014, a arguida, ou seja a chefe do DAJ A telefonou ao chefe da Divisão de Técnico F, dizendo-lhe para organizar o condutor H para mover o objecto apreendido B-17 da sala de equipamento informático no 16º andar do Edf. Hotline para o auto-silo no 1º andar, e colocá-lo num lugar ao lado da parede perto do lugar de estacionamento de dois veículos do MP.
XXVIII.
Sob instruções dadas pelo chefe da Divisão de Técnica F, o condutor H moveu o objecto apreendido B-17 da sala de equipamento informático no 16º andar do Edf. Hotline para o auto-silo no 1º andar, e colocou-o num lugar ao lado da parede perto do lugar de estacionamento de dois veículos do MP.
XXIX.
Quando moveu o objecto apreendido B-17, o condutor H não sentiu o mau cheiro deste e não viu qualquer insecto ou barata a sair do mesmo, alegando que o saco plástico de lixo de cor preta usado para embrulhar o objecto não foi evidentemente sujo e apenas houve um pouco poeira,
XXX.
Na altura, o condutor H não exerceu outras funções públicas e as suas tarefas diárias incluíram transportar objectos e ajudar a deposição de lixo, e os trabalhadores da companhia de limpeza também assistiram ao tratamento de lixo
XXXI.
Na altura, a arguida, chefe do DAJ A, teve 14 subordinados, 7 de sexo masculino e 7 de sexo feminino, incluindo F e H.
XXXII.
Anteriormente, a arguida, chefe do DAJ A, nunca tinha participado, em pessoa, no trabalho de deposição de objectos pequenos ou grandes.
XXXIII.
Durante o período em que o objecto apreendido B-17 foi conservado na sala de equipamento informático no 16º andar do Edf. Hotline, o chefe da Divisão de Técnica F e a Chefe do DAJ A falaram sobre o tratamento do objecto apreendido B-17.
XXXIV.
No meio dia dum certo dia de Outubro de 2014, a arguida, chefe do DAJ A, violou os dispostos no CPP (designadamente o art.º 170.º), na falta de ordem da autoridade judiciária e sem elaboração do auto de execução, levou ilegitimamente o objecto apreendido B-17 ao processo de inquérito n.º 7117/2013. Até ao presente, o objecto apreendido em causa ainda se encontra em parte incerta, o que causa ao seu proprietário prejuízo patrimonial.
XXXV.
Segundo a avaliação do perito no processo de inquérito n.º 7117/2013, o objecto apreendido B-17 tem um valor entre MOP$115.335 e MOP$2.301.574; e conforme o que alegou M, que ajudou o proprietário dos objectos apreendidos a tratar das formalidades de desalfandegamento, o objecto apreendido B-17 faz parte das mercadorias de Indonésia, é aquilaria de qualidade relativamente baixa, e tem o valor de USD$300 a USD$400 por quilograma, pelo que, supõe-que um dólar americano equivale a MOP$8,02, o objecto em causa, com peso líquido de 22,25kg, tem o valor entre USD$6.675 e USD$8.900, ou seja entre MOP$53.533,5 e MOP$71.378.
XXXVI.
Por isso, as supracitadas condutas da arguida A causaram ao proprietário do objecto-apreendido B-17 um prejuízo patrimonial de pelo menos MOP$53.533,5.
XXXVII.
A arguida A, sabendo bem que as suas condutas eram ilegais, ainda as praticou de forma livre, consciente e voluntária, com intensidade de dolo consideravelmente elevada.
XXXVIII.
As referidas condutas dolosas da arguida A violaram, de forma grave, os deveres previstos pelo art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 - Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia: “1. O pessoal de direcção e chefia está sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública da RAEM, bem como aos deveres específicos inerentes às respectivas funções, sem prejuízo das derrogações e especialidades decorrentes do seu estatuto próprio. 2. Os indivíduos investidos em cargos de direcção e chefia devem pautar a sua conduta pessoal por forma a que a mesma não afecte negativamente a imagem da RAEM ou do serviço ou entidade que servem nem diminua a autoridade necessária para o exercício do cargo.”, nomeadamente os deveres de “isenção”, “zelo” e “lealdade”, previstos pelo art.º 279.º, n.º 1, n.º 2, al.s a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do ETAPM, aprovado pelo DL n.º 87/89/M, e aplicáveis por força do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 13/1999 - Organização e Funcionamento do Gabinete do Procurador. A gravidade das condutas da arguida inviabiliza a manutenção da relação funcional com o GP, pelo que nos termos do art.º 315.º do ETAPM, são aplicáveis à arguida as pena de aposentação compulsiva ou de demissão.
XXXIX.
A arguida A tem seguintes resultados da classificação de serviço: 1994 - Bom, 1995 a 2000 - Excelente, 2001 - Bom, 2002 a 2004 - Excelente, 17 de Junho de 2005 a 16 de Junho de 2010 - Satisfaz Muito, 1 de Maio de 2010 a 28 de Fevereiro de 2015 - Satisfaz Muito (avaliação do pessoal de chefia), e 2015 - Satisfaz, pelo que verifica-se a circunstância atenuante (al. a) do art.º 282.º do ETAPM).

XL.
As referidas condutas da arguida A não são públicas, pelo que verifica-se a circunstância atenuante (al. f) do art.º 282.º do ETAPM).
XLI.
Ao Departamento de Apoio Judiciário compete prestar apoio jurídico e técnico aos magistrados do Ministério Público no cumprimento das suas atribuições de acordo com a lei processual, por exemplo, no âmbito da perícia. E a arguida A tem o grau de licenciatura em Arte (Língua e Literatura Chinesa) da South China Normal University, o grau de 2ª licenciatura da Universidade da Ciência Política e Direito da China, frequentou o curso de introdução ao Direito de Macau na Universidade de Macau e graduou-se, e tem o grau de mestrado em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, mas as suas condutas acima referidas violaram gravemente os deveres específicos inerentes à sua função da chefe do DAJ, verificando-se, assim, a circunstância agravante (al. j) do n.º 1 do art.º 283.º do ETAPM).
*
Notifique, no prazo de 48 horas e pessoalmente, a arguida A, adjunta-técnica especialista principal de 1º escalão do quadro do pessoal do Gabinete do Procurador, da acusação deduzida contra ela, e entregue-lhe a cópia da acusação. Notifique a arguida A de que pode apresentar, após a notificação da acusação e até ao dia 23 de Junho de 2016, a defesa escrita, e durante o respectivo prazo, pode a arguida, pessoalmente ou através do advogado constituído, examinar o processo (na hora de expediente nos dias uteis, no Gabinete do Procurador no 16.º andar do Edf. Hotline da Alameda Dr. Carlos d’ Assumpção), indicar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer as diligências de defesa.
Além disso, cumpre advertir a arguida A de que a falta de resposta, dentro do prazo marcado, vale como efectiva audiência dela para todos os efeitos legais (n.º 4 do art.º 334.º do ETAPM).
Em 2 de Junho de 2016
Instrutor: (Ass.- vide o original)
XXX”
6. A recorrente apresentou a sua defesa e, afinal, o Procurador da RAEM proferiu a seguinte decisão:
“Acórdão do processo disciplinar
I. Relatório
(I) Instauração do processo disciplinar
  Quanto à suspeita de que a ex-Chefe do Departamento de Apoio Judiciário A retirou indevidamente uma aquilária contrabandeada que foi prova no processo de inquérito n.º 7117/2013, instaurei processo disciplinar por despacho de 11 de Março de 2016, nomeei como instrutor o assessor do Gabinete do Procurador S, para fazer investigação e efectivar as eventuais responsabilidades da arguida A.
(II) Sumário da acusação
  Em 2 de Junho de 2016, o instrutor concluiu a instrução do processo disciplinar e acusou a arguida, ou seja adjunta-técnica especialista principal, 1º escalão, A, pela prática dos seguintes actos de indisciplina (vide a acusação constante das fls. 375 a 385 dos autos):
  Os actos dolosos da arguida violam os deveres previstos no art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 (Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia), nomeadamente os deveres de “isenção”, “zelo” e “lealdade” previstos no art.º 279 n.º 1, n.º 2 alíneas a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, aplicado por remissão expressa do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 13/1999 (organização e funcionamento do Gabinete do Procurador), o grau de gravidade resulta em que o Gabinete do Procurador não pode manter a sua situação jurídico-funcional, deste modo, ao abrigo do art.º 315.º n.º 1 e 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, deve-se aplicar-lhe a pena de aposentação compulsiva ou demissão.
  Constitui circunstância atenuante a classificação de serviço de 1994 até 28 de Fevereiro de 2015 da arguida A (art.º 282.º alínea a) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau).
  Os actos da arguida A não têm o carácter público, o que pode constituir circunstância atenuante (art.º 282.º alínea f) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau).
  A função da arguida no Departamento de Apoio Judiciário e o seu conhecimento académico mostram que, os seus actos violam gravemente os deveres especiais na qualidade de Chefe do Departamento, constituindo assim circunstância agravante (art.º 283.º n.º 1 alínea j) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau).
(III) Sumário da contestação
  Recebida a notificação de acusação, a arguida A apresentou defesa escrita através de advogado e formulou a seguinte contestação (vide a contestação constante das fls. 453 a 469 dos autos):
1. A acusação padece dos seguintes vícios:
1.1 Há muitas dúvidas sobre os factos acusados;
  1.2 O entendimento de “impossibilidade de manutenção da situação jurídico-funcional” é erro de pressuposto fáctico;
  1.3 Não se atende às circunstâncias dirimentes;
  1.4 A recorrente não estava ciente da ilicitude e culpa do incidente;
  1.5 Não são consideradas as circunstâncias atenuantes, é violado o princípio de proporcionalidade.
2. O incidente ocorreu porque havia questão no procedimento de tratamento de objecto apreendido do processo de inquérito, o Magistrado Judicial, os pessoais de apoio e F não devolveram durante um período de 6 meses o objecto apreendido que se considerou por erro que deveria ser descartado e não o trataram conforme o procedimento legal.
3. A arguida não participou no processo de inquérito, por ser mal informada por F jogou para fora como lixo uma madeira corrompida e insectífera, pelo que, é ilegal e injusto acusá-la por retirar indevidamente o objecto apreendido.
4. A arguida negou a acusação, mesmo tendo responsabilidade, é mera responsabilidade de negligência.
(IV) Sumário do relatório de instrução
  E depois, o instrutor apresentou legalmente o relatório de instrução, deu aprovados os factos acusados, entendeu que Os actos dolosos da arguida violam os deveres previstos no art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 (Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia), nomeadamente os deveres de “isenção”, “zelo” e “lealdade” previstos no art.º 279 n.º 1, n.º 2 alíneas a), b) e d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, aplicado por remissão expressa do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 13/1999 (organização e funcionamento do Gabinete do Procurador), violam a devida honestidade de função pública, não se mostra arrependida, o grau de gravidade resulta em que o Gabinete do Procurador não pode manter a sua situação jurídico-funcional, deste modo, ao abrigo do art.º 315.º n.º 1 e 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, propôs aplicar-lhe a pena de demissão.
(V) Medida suplementar
  Em 14 de Setembro de 2016, solicitou-se à arguida reconhecer a foto duma aquilária de decoração, tirada em 23 de Janeiro de 2015 na “sala de descanso” do 16º andar do “Edf. Hotline”, no momento, a arguida declarou que, em 2012 ou 2013, viu essa aquilária de decoração no gabinete do ex-Procurador situado no 16º andar do Edifício referido (vide o auto constante das fls. 497 a 498).
II. Factos relacionados ao processo disciplinar
  Analisadas as provas do relatório de instrução, concordamos com a conclusão do instrutor no sentido de que são provados todos os factos acusados.
  Em conjugação com todos os autos escritos e declarações, entendemos que, ao decidir do processo disciplinar, cumpre extrair os seguintes factos para consideração especial entre todos os factos acusados dados provados pelo relatório de instrução:
1. Desde 6 de Dezembro de 1993, por contrato além do quadro a arguida A desempenhou a função do quadro de adjunto-técnico de 2ª classe, 1º escalão, do Instituto Cultural; desde 31 de Julho de 1996, em regime de nomeação provisória desempenhou a função de adjunto-técnico de 2ª classe, 1º escalão, do Instituto Cutural; em 31 de Julho de 1997, foi nomeada como adjunta-técnica de 2ª classe, 1º escalão, do Instituto Cutural; e depois, a arguida foi promovida por várias vezes na mesma carreira.
2. Desde 17 de Junho de 2002, através de transferência a arguida desempenhou a função do quadro de adjunto-técnico especialista, 1º escalão, do Gabinete do Procurador, e foi promovida por vezes na mesma carreira; de 25 de Novembro de 2009 a 12 de Março de 2010 e de 1 de Maio de 2010 a 31 de Maio de 2011, a arguida desempenhou a função de Chefe substituto do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurador; de 1 de Junho de 2011 a 28 de Fevereiro de 2015, a arguida desempenhou a função de Chefe do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurador; desde 1 de Março de 2015, a arguida desempenhou a função do quadro de adjunto-técnico especialista, 1º escalão, do Gabinete do Procurador.
3. A arguida A foi formada em curso de licenciatura da literatura (literatura da língua chinesa) na South China Normal University, que foi reconhecido em 1998 pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior; foi formada em 2003 em curso de licenciatura do direito na China University of Political Science and Law; foi formada em 2004 em “Curso de Introdução ao Direito de Macau” na Universidade de Macau; foi formada em 2009 em curso de mestrado do direito na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.
4. Em 14 de Maio de 2013, num caso de contrabando de carnes de vaca geladas, ninhos de aves e aquilárias, os Serviços de Alfândega encontraram 20 aquilárias com peso líquido de 274.5kg no barco de contrabando; e depois, encontraram no armazém da Ponte-Cais n.º 31A do Porto Interior 70 aquilárias com peso de 1,574.5kg, com peso líquido de 1,477.7kg (auto de notícia dos Serviços de Alfândega n.º 1905/2013; proc. n.º 4.95).
5. Quanto ao caso referido, o Ministério Público instaurou em 9 de Julho de 2013 o processo de inquérito n.º 7117/2013 pelas operações fora dos locais autorizados (crime de contrabando), pelo qual o Magistrado Judicial E foi responsável.
6. M auxiliou em Macau os respectivos donos de mercadorias a proceder às formalidades de desembaraço alfandegário das aquilárias em causa.
7. Em 28 de Fevereiro de 2014, com presença de M, o Magistrado Judicial E apreendeu as 20 aquilárias com peso bruto de 248.55kg e as 70 aquilárias com peso bruto de 1,422.5kg.
8. Em 3 de Dezembro de 2014, através de advogado M apresentou documentos comprovativos ao processo de inquérito n.º 7117/2013, entre os quais, as 30 certidões de importação emitidas pela Direcção dos Serviços de Economia mostraram que, em 2013, através de XX Trading, M importou 31 aquilárias com peso de 4,005kg; as 53 licenças de importação emitidas pela Direcção dos Serviços de Economia mostraram que, em 2013, através de XX Trading, M importou 365 aquilárias com peso de 7,297.4kg
9. Em 17 de Março de 2014, os examinadores periciais nomeados no processo de inquérito n.º 7117/2013 pelo Magistrado Judicial E, ou seja os funcionários do IACM N e J fizeram exame laboratorial por amostragem dos objectos apreendidos A-1, A-2, A-3, A-15, A-18, B-2, B-3, B-16, B-33 e B-40; por conseguinte, o relatório de exame pericial entregue em 9 de Junho de 2014 pelo IACM mostrou que, os objectos apreendidos A-1, A-2, A-3, A-15, A-18, B-2, B-3, B-16 e B-33 foram plantas de aquilária, abrangidas no anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Amaçadas do Extinção, B-40 foi planta desconhecida.
10. Em 27 de Março de 2014, o Magistrado Judicial E nomeou como examinador pericial O, Vice-Presidente permanente da Associação de Aquilária de Zhong Shan, Guangdong, para periciar os objectos apreendidos do processo de inquérito n.º 7117/2013.
11. Em vista dos imensos objectos apreendidos, em 27 de Março de 2014, dia de nomeação, o examinador pericial O não periciou completamente os objectos apreendidos do processo de inquérito n.º 7117/2013, mas abriu uns objectos apreendidos e fez exame.
12. Naquele dia, o examinador pericial O disse ao Magistrado Judicial E que, o objecto apreendido B-17 era aquilária insectífera, para evitar a expansão dos insectos às outras coisas, se deveria tratar o objecto apreendido B-17 em separado pelos profissionais quanto mais cedo possível.
13. No processo de inquérito n.º 7117/2013, o Magistrado Judicial E não ordenou de maneira verbal ou escrita destruir o objecto apreendido insectífero B-17.
14. Em 27 de Março de 2014, estavam presentes na medida de exame referida o Secretário Judicial-adjunto substituto do Serviço de Acção Penal B, o chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurador F, os funcionários P, C e D e os funcionários do IACM N e J.
15. Em 27 de Março de 2014, depois das horas de serviço, o chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário F deslocou o objecto apreendido B-17 e os outros dois objectos apreendidos de madeira para o local de trabalho do Gabinete do Procurador instituído no 16º andar do Edf. Hotline.
16. Quando F levava o objecto apreendido B-17 para a sala de equipamentos informáticos em que o ar condicionado funcionava 24 horas por dia, o seu superior, ou seja então Chefe do Departamento de Apoio Judiciário A, entrou na sala de equipamentos informáticos.
17. No momento, F disse à arguida que era preciso descartar o objecto apreendido B-17 porque no exame pericial dos objectos apreendidos do respectivo processo de inquérito, os examinadores do IACM indicaram que a madeira era insectífera e não foi adequado colocá-la junto às outras madeiras, o Magistrado Judicial ordenou F deslocar e tratá-la quanto mais cedo possível.
18. Na altura, o objecto apreendido B-17 não se prendeu com sinalização para conhecimento do processo ou marca de objecto apreendido.
19. F não jogou imediatamente o objecto apreendido B-17 para fora, uma vez que não foram completadas as formalidades, não foi proferido o despacho de disposição desse objecto apreendido e não foi feito o registo de movimentação.
20. Em 10 de Junho de 2014, o auto de exame pericial elaborado pelo Magistrado Judicial E e examinador pericial O indicou que, feita perícia através de “cheirar, inspeccionar visualmente e colocar o objecto na água”, verificou-se que a maioria dos objectos apreendidos do processo de inquérito n.º 7117/2013 foi aquilária, mas os objectos apreendidos A17(1), B1, B22(3), B25, B40, B64 e B67 foram aquilária falsificada com outros materiais; as aquilárias foram produzidas na Indonésia, foram tipificadas em irian, dalaran e kalimantan, e classificadas em 3 níveis; calculando-se em função do preço de mercado do Interior da China para aquilária limpa, o pior nível tem valor de CNY$4 a 80 por grama, o médio tem valor de CNY$120 a 260 por grama e o melhor tem valor de CNY$350 por grama.
21. Em 23 de Julho de 2014, o Secretário Judicial-adjunto substituto B perguntou via telefone ao chefe da Divisão de Técnica do Departamento de Apoio Judiciário F onde estava o objecto apreendido B-17, na altura, F foi tirar foto do objecto apreendido B-17 na sala de equipamentos informáticos do Gabinete do Procurador instituída no 16º andar do Edf. Hotline e enviou as fotos via whatsapp a B para exibir o estado do objecto apreendido B-17.
22. Em 20 de Março de 2015, o IACM entregou o relatório de exame pericial, ao qual se juntou o relatório de exame da Estação de Exame dos Produtos Florestais da Fiscalização de Qualidade de Guangdong, no qual indicaram os dois especialistas do Interior da China Q e R, nomeados pelo Magistrado Judicial E, que, segundo o exame laboratorial por amostragem de 4 de Setembro de 2014, os objectos apreendidos B24(10), B26(7), B27(10), B33(3), B50(6) e B52(4) foram plantas de aquilária, abrangidas no anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Amaçadas do Extinção.
23. Durante o período em que o objecto apreendido B-17 estava guardado na sala de equipamentos informáticos do Gabinete do Procurador instituída no 16º andar do Edf. Hotline, nenhum funcionário queixou-se de que o objecto apreendido B-17 tinha mau cheiro ou havia insectos nessa sala.
24. Em Outubro de 2014, ao meio-dia, de acordo com a instrução via telefone da arguida, então Chefe do Departamento de Apoio Judiciário, o chefe da Divisão de Técnica F ordenou o motorista H deslocar o objecto apreendido B-17 da sala de equipamentos informáticos do 16º andar do Edf. Hotline para o auto-silo do 1º andar do Edifício e colocá-lo ao lado dos dois parques de estacionamento do Ministério Público.
25. De imediato, durante o intervalo de almoço daquele determinado dia de Outubro de 2014, sem ordem das autoridades judiciárias e lavra do respectivo auto de execução, a arguida A retirou, com auxílio do seu irmão mais velho T, o objecto apreendido B-17 do processo de inquérito n.º 7117/2013 do auto-silo do 1º andar do Edf. Hotline, o qual ora se encontra em parte incerta.
26. Ao remover o objecto apreendido B-17, o motorista H não tinha outro trabalho público, também consistem no seu trabalho quotidiano remoção de objectos diversos e apoio ao descarte de lixos; os trabalhadores da companhia de prestação dos serviços de limpeza ao Gabinete do Procurador também descartam lixos e objectos diversos.
27. Na altura, a arguida A, então Chefe do Departamento de Apoio Judiciário, tinha 14 subordinados incluindo F e H, 7 masculinos e 7 femininos.
28. Durante o período em que o objecto apreendido B-17 estava guardado na sala de equipamentos informáticos do Gabinete do Procurador instituída no 16º andar do Edf. Hotline, o Chefe da Divisão de Técnica F discutiu ao menos por 1 vez a questão de tratamento do objecto apreendido B-17 com a arguida A, então Chefe do Departamento de Apoio Judiciário.
29. Conforme o preço indicado pelo examinador O no processo de inquérito n.º 7117/2013, o objecto apreendido B-17 é aquilária a nível pior com peso líquido de 22.25kg, se CNY$1 seja equivalente a MOP$1,2815, tem valor de MOP$115,335 a MOP$2,301,574.
30. M, que procedeu às formalidades de desembaraço alfandegário em Macau, indicou que o objecto apreendido B-17 é aquilária de qualidade ruína, produzida na Indonésia, tem valor de USD$300 a USD$400 por kg, deste modo, com peso líquido de 22.25kg, tem valor de USD$6,675 a USD$8,900, ou seja de MOP$53,533.5 a MOP$71,378 (se USD$1 seja equivalente a MOP$8.02).
31. Pelo que a conduta referida da arguida A causou o dano patrimonial superior a MOP$53,533.5 ao proprietário do objecto apreendido B-17.
32. A arguida praticou a conduta da forma livre, voluntária e consciente e sabia que a conduta era proibida pela lei.
33. A classificação de serviço da arguida A mostra que, 1994 – bom, 1995 a 2000 – muito bom, 2001 – bom, 2002 a 2004 – muito bom, 17 de Junho de 2005 a 16 de Junho de 2010 – satisfaz muito, 1 de Maio de 2010 a 28 de Fevereiro de 2015 – satisfaz muito (classificação para chefia) e 2015 – satisfaz.
34. A conduta referida da arguida A não tem carácter público.
III. Aplicação do direito
(I) Qualificação da infracção
  Primeiro, quanto à apreensão de coisas perecíveis, deterioráveis ou perigosas, dispõe o art.º 170.º do Código de Processo Penal que:
  Se a apreensão respeitar a coisas perecíveis, deterioráveis ou perigosas, a autoridade judiciária pode ordenar, conforme os casos, a sua venda, destruição ou afectação a finalidade socialmente útil.
  Além disso, no tocante à restituição dos objectos apreendidos, dispõe o art.º 171.º do Código de Processo Penal que:
  1. Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeitos de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito.
  2. Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor da Região Administrativa Especial de Macau.
  3. Ressalva-se do disposto nos números anteriores o caso em que a apreensão de objectos pertencentes ao arguido ou ao responsável civil deva ser mantida a título de arresto preventivo, nos termos do artigo 212.º
  Segundo, relativamente aos deveres do pessoal de direcção de chefia, dispõe o art.º 11.º da Lei n.º 15/2009 (Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia) que:
  1. O pessoal de direcção e chefia está sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública da RAEM, bem como aos deveres específicos inerentes às respectivas funções, sem prejuízo das derrogações e especialidades decorrentes do seu estatuto próprio.
  2. Os indivíduos investidos em cargos de direcção e chefia devem pautar a sua conduta pessoal por forma a que a mesma não afecte negativamente a imagem da RAEM ou do serviço ou entidade que servem nem diminua a autoridade necessária para o exercício do cargo.
  Dispõe o art.º 23.º do Regulamento Administrativo (organização e funcionamento do Gabinete do Procurador) que “Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente regulamento administrativo é subsidiariamente aplicável o previsto para os Gabinetes dos Secretários e as disposições do regime jurídico da função pública.”
  Terceiro, sobre os deveres dos funcionários públicos, dispõe o art.º 279.º n.º 1, n.º 2 alíneas a), b) d d), n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, que:
  1. Os funcionários e agentes, no exercício da função pública, estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo exercer a sua actividade sob forma digna, contribuindo assim para o prestígio da Administração Pública.
  2. Consideram-se, ainda, deveres gerais:
  a) O dever de isenção;
  b) O dever de zelo;
  c) …
  d) O dever de lealdade;
……
  3. O dever de isenção consiste em não retirar vantagens que não sejam devidas por lei, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exercem, actuando com imparcialidade e independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
  4. O dever de zelo consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.
……
  6. O dever de lealdade consiste em desempenhar as suas funções de acordo com as instruções superiores em subordinação aos objectivos de serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público.
……
Quarto, no que diz respeito à aplicação da pena de aposentação ou demissão, dispõe o art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau que:
  1. As penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional.
  2. As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
  a) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, nos locais de serviço ou em serviço;
  b) Praticarem actos de insubordinação ou de indisciplina graves ou incitarem à sua prática;
  c) No exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios constitucionais;
  d) Praticarem ou tentarem praticar qualquer acto que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado ou do Território;
  e) Participarem infracção disciplinar de algum funcionário ou agente, com falsidade ou falsificação, quando daí resulte a injusta punição do denunciado;
  f) Dentro do mesmo ano civil derem 20 faltas seguidas ou 30 interpoladas, sem justificação;
  g) Revelem comprovada incompetência profissional;
  h) Violarem segredo profissional ou cometerem inconfidências de que resultem prejuízos materiais ou morais para a Administração ou para terceiro;
  i) Em resultado do lugar que ocupem, aceitarem ilicitamente ou solicitarem, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
  j) Comparticiparem ilicitamente em oferta ou negociações de emprego público;
  l) Forem encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos;
  m) Tomarem parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar com qualquer organismo ou serviço da Administração;
  n) Com intenção de obterem para si ou para terceiro qualquer benefício ilícito, faltarem aos deveres do seu cargo, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados ou lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar;
  o) Forem condenados, por sentença transitada em julgado em que seja decretada pena de demissão ou, por qualquer forma, revelem indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
  3. A pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o funcionário ou agente reunir o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, na ausência do que lhe será aplicada a pena de demissão.
  Quinto, quanto à circunstância dirimente para as responsabilidades disciplinares, dispõe o art.º 284.º alínea e) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau que:
  São circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar:
……
  e) O exercício de um direito ou o cumprimento de um dever.
*
  Num determinado dia de Outubro de 2014, à tarde, sabendo que era aquilária do processo de inquérito o objecto apreendido B-17 guardado na sala de equipamentos informáticos do Gabinete do Procurador no 16º andar do Edf. Hotline, sem autorização das autoridades judiciárias e lavra do respectivo auto de execução, a arguida A ordenou livre, voluntaria e conscientemente os subordinados deslocar essa aquilária apreendida do local de trabalho do Ministério Público para o parque de estacionamento do Ministério Público situado no mesmo Edifício, e depois, com auxílio do seu irmão mais velho T, a arguida transportou o objecto apreendido B-17 com o jipe do irmão para parte incerta.
  Na altura, a aquilária em questão era o objecto apreendido B-17 do processo de inquérito n.º 7117/2013 que estava na fase de inquérito.
  De acordo com o relatório de exame pericial do processo de inquérito n.º 7117/213, a aquilária apreendida tem valor de MOP$115,335 a MOP$2,301,574.
  De acordo com a declaração de M, que no momento do caso auxiliou os respectivos donos dos objectos apreendidos a proceder às formalidades de desembaraço alfandegário, o objecto apreendido B-17 é aquilária de qualidade ruína, tem valor de MOP$53,533.5 a MOP$71,378.
  Como concluiu o instrutor, no caso não há circunstância dirimente pugnada pela arguida, deste modo, a conduta não autorizada da arguida de retirar o objecto apreendido do processo de inquérito constitui as seguintes infracções disciplinares:
  Primeiro, na qualidade de funcionário público, sem autorização das autoridades judiciárias e lavra do auto de tratamento do respectivo objecto apreendido, com auxílio do irmão mais velho que não é funcionário do Ministério Público, a arguida retirou livre, voluntaria e conscientemente o objecto apreendido do processo de inquérito, a conduta violou o art.º 170.º do Código de Processo Penal, que dispõe que incumbe às autoridades judiciárias tratar os objectos apreendidos, prejudicou necessaria e objectivamente os interesses públicos da medida de inquérito penal e o prestígio das autoridades administrativas públicas, pelo que, a conduta da arguida violou os deveres gerais dos funcionários públicos enumerados no art.º 279.º n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Segundo, na qualidade de funcionário público, sem autorização das autoridades judiciárias e lavra do auto de tratamento do respectivo objecto apreendido, com auxílio do irmão mais velho que não é funcionário do Ministério Público, a arguida retirou livre, voluntaria e conscientemente o objecto apreendido do processo de inquérito, do valor superior a MOP$53,533.5, deste modo, obteve directa e ilegalmente no exercício das suas funções o valor não conferido pela lei, a sua conduta violou o dever de isenção previsto no art.º 279.º n.º 1, n.º 2 alínea a) e n.º 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Terceiro, na qualidade de funcionário público, sem autorização das autoridades judiciárias e lavra do auto de tratamento do respectivo objecto apreendido, com auxílio do irmão mais velho que não é funcionário do Ministério Público, a arguida retirou livre, voluntaria e conscientemente o objecto apreendido do processo de inquérito, do valor superior a MOP$53,533.5, a conduta violou o art.º 170.º do Código de Processo Penal, que dispõe que incumbe às autoridades judiciárias tratar os objectos apreendidos, mostra-se que a arguida não exerceu as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conheceu as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, pelo que, a sua conduta violou o dever de zelo previsto no art.º 279.º n.º 1, n.º 2 alínea b) e n.º 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Quarto, na qualidade de funcionário público, no exercício das suas funções, sabendo que só se poderia vender, destruir ou afectar a finalidade socialmente útil os objectos apreendidos perecíveis, deterioráveis ou perigosos quando o Magistrado Judicial assim ordenasse, entretanto, sem autorização das autoridades judiciárias e lavra do auto de tratamento do respectivo objecto apreendido, com auxílio do irmão mais velho que não é funcionário do Ministério Público, a arguida retirou livre, voluntaria e conscientemente o objecto apreendido do processo de inquérito, a sua conduta obviamente contrariou a ordem do Magistrado Judicial responsável pelo processo de inquérito, não estava conforme aos interesses públicos que devia prosseguir na qualidade de Chefe do Departamento de Apoio Judiciário, não cumpriu as funções de prestar apoio jurídico e técnico ao Magistrado Judicial, pelo que, a conduta da arguida violou o dever de lealdade previsto no art.º 279.º n.º 1, n.º 2 alínea d) e n.º 6 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
(II) Sanção
  Primeiro, no que se toca ao concurso de infracções e critério de graduação das penas, dispõe o art.º 316.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau que:
  1. As penas graduar-se-ão de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade.
  2. Ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se provem no processo, poderá ser especialmente atenuada ou agravada a pena, aplicando-se pena de escalão mais baixo ou de escalão superior do que ao caso caberia.
  3. Havendo reincidência, a pena a aplicar, quando igual ou superior a multa, será obrigatoriamente agravada para a de escalão imediatamente superior.
  4. Não pode aplicar-se ao mesmo funcionário ou agente mais de uma pena disciplinar por cada infracção ou pelas infracções apreciadas em mais de um processo quando apensados nos termos do artigo 296.º
  5. A decisão punitiva deve referir expressamente os fundamentos de facto e de direito da pena aplicada.
Segundo, quanto às circunstâncias atenuantes, dispõe o art.º 282.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau que:
  São circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, entre outras:
  a) A prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de «Bom»;
  b) A confissão expontânea da infracção;
  c) A prestação de serviços relevantes ao Estado e ao Território;
  d) A provocação;
  e) O acatamento bem intencionado de ordem de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência;
  f) A ausência de publicidade da infracção;
  g) A falta de intenção dolosa;
  h) Os diminutos efeitos que a falta tenha produzido em relação aos serviços ou a terceiros;
  i) As pequenas responsabilidades do cargo exercido ou a pouca instrução do infractor;
  j) As que diminuam a culpa do arguido ou a gravidade da infracção.
Terceiro, relativamente às circunstâncias agravantes, dispõe o art.º 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau que:
  1. São circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar:
  a) A vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, independentemente de estes se verificarem;
  b) A produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário ou agente pudesse ou devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta;
  c) A premeditação;
  d) O conluio com outros indivíduos para a prática da infracção;
  e) O facto de ser cometida durante o cumprimento de pena disciplinar ou enquanto decorrer o período de suspensão da pena;
  f) A reincidência;
  g) A sucessão;
  h) A acumulação de infracções;
  i) A publicidade da infracção quando provocada pelo próprio funcionário ou agente;
  j) A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor;
  l) O não acatamento de advertência oportuna, feita por outro funcionário ou agente, de que o acto constitui infracção.
  2. A premeditação consiste no desígnio formado 24 horas antes, pelo menos, da prática da infracção.
  3. A reincidência dá-se quando a infracção é cometida antes de decorrido 1 ano sobre o dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por virtude de idêntica infracção.
  4. A sucessão dá-se quando a infracção for cometida depois de decorrido 1 ano sobre o dia a que se reporta o número anterior ou quando as infracções forem de natureza diferente.
  5. A acumulação dá-se quando duas ou mais infracções são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a anterior.
  Nos termos do art.º 11.º das Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia, o pessoal de chefia está sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública, bem como aos deveres específicos inerentes às respectivas funções, deve pautar a sua conduta pessoal por forma a que a mesma não afecte negativamente a imagem da RAEM ou do serviço ou entidade que serve nem diminua a autoridade necessária para o exercício do cargo.
  No momento de ocorrência da infracção, nos termos do art.º 3.º n.º 1 do Regulamento Administrativo (organização e funcionamento do Gabinete do Procurador), na qualidade de Chefe do Departamento de Apoio Judiciário, a arguida devia coordenar a operação do Departamento e prestar apoio jurídico e técnico ao Magistrado Judicial no cumprimento das suas atribuições de acordo com a lei processual.
  Segundo a experiência profissional da arguida, desde 17 de Junho de 2002 trabalhou no Gabinete do Procurador, de 25 de Novembro de 2009 a 12 de Março de 2010 e de 1 de Maio de 2010 a 31 de Maio de 2011, a arguida desempenhou a função de Chefe substituto do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurador; de 1 de Junho de 2011 a 28 de Fevereiro de 2015, por comissão de serviço, a arguida desempenhou a função de Chefe do Departamento de Apoio Judiciário do Gabinete do Procurado.
  Além disso, no momento da infracção, a arguida A foi formada em curso de licenciatura da literatura (literatura da língua chinesa) na South China Normal University, em curso de licenciatura do direito na China University of Political Science and Law, em “Curso de Introdução ao Direito de Macau” na Universidade de Macau e em curso de mestrado do direito na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, tinha habilitação académica do ensino superior nas áreas de literatura e direito.
  Pelo que, a arguida de alta habilitação académica já foi Chefe do Departamento de Apoio Judiciário há muitos anos, mas retirou o objecto apreendido sem autorização, a conduta violou gravemente os deveres específicos inerentes às suas funções, assim, constitui uma circunstância agravante prevista no art.º 283.º n.º 1 alínea j) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Por outro lado, de acordo com o registo individual da arguida A, no seu período de serviço de 1994 a 2014, o seu trabalho foi sempre classificado em “bom” ou melhor, o que constitui uma circunstância atenuante prevista no art.º 282 alínea a) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Além disso, a infracção da arguida A não tem carácter público, portanto, constitui uma circunstância atenuante prevista no art.º 282 alínea f) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Ponderando que há uma circunstância agravante prevista no art.º 283.º n.º 1 alínea j) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e duas circunstâncias atenuantes previstas no art.º 282.º alíneas a) e f), no presente processo disciplinar, nos termos do art.º 316.º n.º 1 e 2 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, deve-se determinar a medida concreta em função do valor especial das circunstâncias atenuante e agravante no caso e atentando ao grau de culpa e personalidade da arguida.
  Conforme os autos, na instrução do processo disciplinar, a arguida até disse que “descartou com zelo a madeira corrompida como lixo segundo a ordem do Magistrado Judicial” para se absolver da sua infracção, mostra-se que não está arrependido pela sua conduta.
  Além disso, falando da gravidade da infracção da arguida, na altura era Chefe do Departamento, sem autorização do Magistrado Judicial e lavra do auto de tratamento do respectivo objecto apreendido, com auxílio do irmão mais velho que não é funcionário público, a arguida retirou o objecto apreendido do processo de inquérito, do valor superior a MOP$53,533.5, (de acordo com o relatório de exame pericial do processo de inquérito n.º 7117/213, a aquilária apreendida tem valor de MOP$115,335 a MOP$2,301,574!), a conduta violou o art.º 170.º do Código de Processo Penal, que dispõe que incumbe às autoridades judiciárias tratar os objectos apreendidos, causou dano patrimonial ao proprietário do objecto apreendido, pelo que, a arguida violou as responsabilidades específicas inerentes ao pessoal de chefia administrativa, influenciou o respeito e o cumprimento da lei de processo penal e disciplina por parte dos funcionários de justiça e trabalhadores da administração pública, a conduta caracterizou-se efectivamente por “com intenção de obterem para si ou para terceiro qualquer benefício ilícito, ……lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar” previsto no art.º 315.º n.º 2 alínea n) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e “……por qualquer forma, revelem indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções” previsto no n.º 2 alínea o), o grau de gravidade atingiu ao nível de que “inviabilize a manutenção da situação jurídico-funcional” previsto no n.º 1 do mesmo artigo, pelo que, no caso, deve-se aplicar à arguida a pena de demissão prevista no art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, uma vez que, tendo em vista do grau de gravidade da infracção da arguida, não é adequado aplicar-lhe as penas de repreensão escrita, multa, suspensão de funções e aposentação, previstas no art.º 312.º a 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Por outro lado, de acordo com concurso de infracções e critério de graduação das penas previstos no art.º 316.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, atentando à gravidade de culpa e personalidade da infractora, bem como a existência duma circunstância agravante prevista no art.º 283.º n.º 1 alínea j) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, entendemos que, as duas circunstâncias atenuantes, ou seja, a circunstância atenuante no âmbito de classificação de serviço prevista no art.º 282.º alínea a) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e a circunstância atenuante de falta do carácter público prevista no art.º 282.º alínea f) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, não conduzem à aplicação de pena inferior à demissão prevista no art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Pelo que, tendo em conta todas as circunstâncias e o grau de culpa da arguida, bem como as circunstâncias atenuante e agravante, de acordo com o princípio da proporcionalidade, nos termos do art.º 57.º n.º 3 e 6 e art.º 62.º n.º 1 e 3 da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), em conjugação com o art.º 1.º do Regulamento Administrativo (organização e funcionamento do Gabinete do Procurador) e art.º 322.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, deve-se aplicar à arguida a pena de demissão prevista no art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
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IV. Decisão
  Pelo exposto, em Outubro de 2014, no exercício das funções, sem autorização das autoridades judiciárias e lavra do auto de tratamento do respectivo objecto apreendido, com auxílio de outrem, a arguida retirou livre, voluntaria e conscientemente o objecto apreendido do processo de inquérito n.º 7117/2013, quanto a essa infracção disciplinar, nos termos do art.º 57.º n.º 3 e 6 e art.º 62.º n.º 1 e 3 da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), em conjugação com o art.º 1.º do Regulamento Administrativo (organização e funcionamento do Gabinete do Procurador) e art.º 322.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, no presente processo disciplinar é aplicada à arguida a pena de demissão prevista no art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
  Se não se conformar com a decisão, a arguida pode recorrer para o TSI dentro de 30 dias contados da recepção de notificação.
Notificação e medidas.
A infracção disciplinar da arguida é susceptível de constituir o crime de destruição de objectos colocados sob o poder público, assim, é decidido lavrar certidão da capa à fls. 374 e das fls. 488 a 498 do Vol. I dos autos, a qual será remetida ao Serviço de Acção Penal do Ministério Público para aplicar medida adequada à arguida.
Procurador do Ministério Público
XXX
Ass. vide o original
21 de Outubro de 2016”
***
IV – O Direito
1 – A recorrente, na petição inicial, imputou ao acto os seguintes vícios:
- Erro nos pressupostos de facto
- Violação de lei, concretamente do art. 279º, nº1 e 2, als. a), b) e d), nº3 e 4, do ETAPM;
- Violação de lei: art. 284º, al. e), do ETAPM (não consideração da circunstância dirimente ali referida);
- Violação de lei: art. 315º do ETAPM, a propósito do preenchimento do conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional;
- Violação do princípio da justiça;
- Violação do princípio da proporcionalidade.
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2 – Do erro nos pressupostos de facto
Advoga a recorrente que o acto impugnado incorre neste vício, na medida em que a sua acção não integra nenhum ilícito disciplinar.
Está enganada. O que está em causa é a sua atitude em ter retirado um valioso pedaço de madeira (“aquilária), do local onde se encontrava (não importa se bem, se mal, lá colocado, se havia ou não razões para o tirar dali) e que se encontrava apreendido no âmbito de um processo de inquérito criminal com o nº 7117/2013.
A recorrente dizia que o colocou no 1º andar do silo-auto do Edifício Hotline, ao lado da parede do lugar do estacionamento de veículos do Ministério Público, e que o fez para o “descartar” (pensamos que queria dizer “a fim de o deitar fora”), a mando do Ex-Procurador, I ou do magistrado do processo, E, em virtude de alegadamente estar infestado de insectos e já cheirar mal.
Nenhum destes factos foi dado como provado no procedimento disciplinar. Portanto, se não era evidente que estava apodrecido, que cheirava mal e que estivesse contaminado com insectos, tão pouco importa onde a recorrente o pôs, se ficou com ele para si ou o deu a alguém da sua família, ou até mesmo se o entregou posteriormente a algum seu superior hierárquico ou ao seu irmão para se desfazer dele. O que é facto indesmentível, porque provado, é que retirou o objecto muito valioso, que estava apreendido, e que só poderia ser deitado ao lixo ou destruído com ordem legítima, vinda de quem quer que fosse competente, no âmbito do processo de investigação criminal em curso.
O facto provado é bastante para se dar como verificado o grave ilícito. Razão que nos leva a dar por improcedente este vício.
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3 – Da violação de lei (violação da normas onde estão previstos os deveres de isenção, zelo e lealdade.
Segundo o art. 279º, nºs 3, 4 e 6, do ETAPM, aqueles deveres traduzem-se no seguinte:
“3. O dever de isenção consiste em não retirar vantagens que não sejam devidas por lei, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exercem, actuando com imparcialidade e independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.
4. O dever de zelo consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.
6. O dever de lealdade consiste em desempenhar as suas funções de acordo com as instruções superiores em subordinação aos objectivos de serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público”.
Ora, face aos factos apurados, caindo ou desaparecendo a alegação de que o valioso pedaço de madeira estava podre e infestado de insectos, mesmo que o seu estado não fosse eventualmente de molde a conferir-lhe uma qualidade excepcional, não há dúvida que era valioso, tal como os autos revelam (a avaliação feita dava-lhe um valor calculado entre MOP$ 53.000,00 e MOP$ 2.300.000,00).
A vantagem económica aqui era evidente, não o pode negar a recorrente. E mesmo que ela tivesse entregado a madeira a outrem, nomeadamente a algum superior hierárquico, (hipótese possível, mas não apurada), até nessa eventualidade parece claro que a vantagem sempre existiria, ainda que de outro foro, não necessariamente material ou económico.
Por outro lado, por sua iniciativa deslocar-se ao local onde a madeira se encontrava, sem ninguém mais saber, e retirá-la, não obstante estar apreendida, tal como o estavam outros objectos no âmbito do mesmo inquérito criminal nº 7117/2013, denota uma total desconsideração pelas regras e normas legais que dominam o processo de investigação criminal.
E a recorrente, tendo em atenção o lugar funcional que ocupava, a entidade para quem desempenhava a sua função, a posição de hierarquia que detinha, as qualificações académicas que possuía, sabia que não podia fazer o que fez. Tendo-o feito, ultrapassou a linha vermelha e com isso, além de outras responsabilidades em que eventualmente tenha incorrido, ao menos incorreu na disciplinar.
Finalmente, a sua actuação denota desrespeito pelo interesse público de combate ao crime, que o Ministério Público também prossegue no quadro das suas atribuições. O objectivo de serviço que é peculiar e próprio do MP, e bem assim de todos os seus servidores, acabou por ser posto completamente de parte pela recorrente.
Sendo isto assim, não podemos concordar com a recorrente quando acha que não violou aqueles deveres.
*
4 – Violação de lei: art. 284º, al. e), do ETAPM (não consideração da circunstância dirimente ali referida).
Neste passo, crê a recorrente que não podia deixar de ter sido considerada a circunstância dirimente a que alude o art. 294º, al. e), do ETAPM, segundo a qual dirime a responsabilidade disciplinar “O exercício de um direito ou o cumprimento de um dever”.
A recorrente, a este propósito, aduz que, ao deitar fora o pedaço de madeira, o fez a cumprir uma ordem do ex-Procurador e do magistrado E. Ou seja, limitou-se a observar o dever de obediência e isso constituiria, em sua opinião, a referida circunstância dirimente. A isto acresce, diz ainda, o facto de ter agido sem culpa por ter agido sem consciência da ilicitude do facto, conforme art. 277º do ETAPM e 16º do CP (erro sobre a ilicitude).
Não a acompanhamos, porém, nesta tese. A recorrente não conseguiu demonstrar que agiu daquela maneira a mando do ex-Procurador da RAEM ou de qualquer outra pessoa. E vamos até mais longe: ainda que algum desses magistrados tivesse admitido que era necessário “descartar” (deitar fora, deitar ao lixo) o pedaço de madeira pelo facto de alegadamente estar contaminada de insectos (mas só no pressuposto de que o admitissem, o que não está sequer provado), isso deveria ser entendido como uma preocupação de cautela futura que seria necessário observar oportunamente, e de qualquer maneira sempre respeitando os meios legais e formais que é costume cumprir em tais casos, e nunca por iniciativa da recorrente e pelo modo que bem lhe apetecesse.
Serve isto para dizer, portanto, que a situação de facto se insere no âmbito de previsão dos deveres tidos por violados e que se não pode acompanhar a recorrente quanto à circunstância dirimente invocada.
*
5 – Da Violação de lei: art. 315º do ETAPM.
Está em causa desta vez o preenchimento do conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional.
Como se sabe, o conceito inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose em que a Administração goza de grande liberdade de apreciação (Acs. TUI, de 3/05/2000, Proc. nº 9/2000; 15/10/2003, Proc. nº 26/2003; 29/06/2005, Proc. nº 15/2005; TSI, de 20/10/2011, Proc. nº 695/2009), embora se reconheça ao tribunal, em certos casos, o poder de averiguar da integração e subsunção dos factos à referida cláusula geral contida na referida fórmula2.
Como tivemos ocasião de referir no Ac. do TSI, de 20/10/2011, Proc. nº 695/2009 acima citado “Nessa tarefa, para a subsunção ao preceito (art. 315º nº1, do RJFPM) não basta a gravidade do facto objectivo. É necessário ter ainda em conta as circunstâncias particulares em que ele foi praticado, os seus efeitos ou consequências no desenvolvimento da função e o reconhecimento de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício de funções públicas3.
Há-de haver, além disso, um “quid” perturbador da relação de confiança recíproca que inviabilize a manutenção do vínculo profissional. Como ainda se disse noutro aresto, a pena de demissão aplica-se «a comportamentos que atinjam um grau de desvalor de tal modo grave que mine e quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço público e o agente»4
Tal como se decidiu no Ac. de 01.04.2003 do mesmo tribunal português, que aqui se convoca a título de jurisprudência comparada – Rec. 1.228/02, “A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções”5
Quer dizer, se é certo que ao órgão com competência disciplinar se reconhece «no preenchimento dessa cláusula geral, ampla margem de liberdade administrativa, tal tarefa está limitada pelos princípios da imparcialidade, justiça e proporcionalidade – além de ficar, depois, sujeita ao poder sindicante dos tribunais administrativos, se forem detectáveis erros manifestos» 6
Ou, como é dito noutro aresto «…o preenchimento do conceito indeterminado que corresponde à inviabilidade da manutenção da relação funcional, a que alude o nº 1, do artigo 26º do ED, constitui tarefa da Administração, a concretizar mediante um juízo de prognose. Contudo, a jurisprudência deste STA, tem realçado que tais juízos têm de assentar em pressupostos como a gravidade objectiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequado para o exercício de funções públicas. Confrontar, a título meramente exemplificativo, os Acs. STA de 6-10-93 – Rec. 30463 e de 18-6-96 – Rec. 39860»7
Ora, manda o rigor que se diga que os elementos trazidos aos autos não nos permitem concluir pelo erro grave, grosseiro e manifesto de que falávamos. Ou seja, o quadro de facto, realmente, pode ser revelador de uma insustentável manutenção da relação funcional do recorrente. Eles demonstram a violação do dever de lealdade (cfr. art. 279º, nº2, als. b) e d), nº3 e 6 do RJFPM) de uma forma particularmente severa.”
O trecho transcrito adequa-se perfeitamente ao nosso caso e a ele serve de fundamentação. Daí que também aqui possamos dizer que, em especial tendo em atenção a função e qualificação da recorrente nos serviços do Ministério Público a que pertencia, a violação dos deveres a que já nos referimos e as circunstâncias em que ela ocorreu, é grave ao ponto de poder realmente abalar, de um modo definitivo, a confiança que os dirigentes poderiam depositar nela. Aceitamos, por isso, que o digno recorrido tenha considerado que a recorrente, efectivamente, quebrou os elos que a ligavam ao MP, mostrando não ter mais condições para a manutenção da sua relação funcional.
A ser assim, não cremos que tenha havido má aplicação dos poderes da entidade recorrida na utilização do conceito contido no art. 315º do ETAPM.
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6 – Da violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
Por último, a recorrente acha que estes princípios de direito administrativo terão sido violados com a pena expulsiva que lhe foi aplicada.
Vejamos.
Acto desproporcional é aquele que ofende o princípio plasmado no art. 5º do CPA, por ter feito um uso excessivo dos meios adoptados em relação ao fim que a lei persegue ao dar ao Administrador os poderes que este exerce.
Acto injusto é aquele que, por violar o princípio previsto no art. 7º, do CPA, é praticado sem o administrado o merecer, ou porque vai além do que o aconselha a natureza do caso e impõe sacrifícios infundados atendendo à matéria envolvida, ou porque não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas (Ac. do TSI, de 29/10/2015, Proc. nº 94/2015).
Mas, como é sabido, estes são dois princípios que funcionam como limites internos à actividade administrativa discricionária, ficando a sua sindicância limitada às situações em que o acto os tenha violado de forma grosseira, ostensiva e intolerável (Ac. do TUI, de 22/03/2018, Proc. nº 83/2016; de 4/11/2015, Proc. nº 71/2015; do TSI, de 10/03/2016, Proc. nº 456/2015).
Ora, tal como decorre de tudo quanto já deixamos atrás dito, não vemos que a entidade recorrida tenha cometido algum erro grosseiro e ostensivo no exercício dos seus poderes e, consequentemente, no sancionamento disciplinar a que procedeu.
Assim, não procede a invocada violação dos ditos princípios.
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Em suma, o recurso não pode proceder.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
T.S.I., 13 de Setembro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 As conclusões não foram apresentadas autonomamente, e com uma numeração específica, mas sim obedecendo a uma sequência numérica, sem interrupção, dos artigos da contestação.
2 Ac. do STA de 30/11/94, Proc. Nº 032 500; ver ainda o Ac. do STA de 05/05/87, Proc. Nº 024 090
3 Entre outros, o Ac. do STA de 6/10/93, in Ap. ao DR de 15/10/96, pág. 4831.
4 Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06.
5 N mesmo sentido, os acórdãos do STA 18.6.96, proc.º nº 39.860, de 16.5.02, proc.º nº 39.260, de 5.12.02, proc.º nº 934/02, de 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; e 11/10/2006, Proc. nº 010/06.
6 Cfr. o cit. 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; tb. Ac. do STA/Pleno de 19/03/99, Proc. nº 030896.
7 Ac. do STA de 2/12/2004, Proc. nº 01038/04
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Proc. nº 888/2016 65