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Proc. nº 81/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 13 de Setembro de 2018
Descritores:
- Divórcio litigioso
- Fundamentos
- Causa de pedir

SUMÁRIO:

I – Podendo, embora, o divórcio litigioso ser alicerçado nos fundamentos legais do art. 1635º (violação dos deveres conjugais do outro cônjuge) ou nos do art. 1637º, do CC (separação de facto por dois anos consecutivos), não é indiferente a escolha de um ou outro por parte do autor. É que cada um daqueles fundamentos tem uma estrutura própria, causas de pedir diferentes, âmbitos diferentes da prova, etc., etc. Portanto, o autor tem que desenhar muito bem cada um dos fundamentos, consoante a causa de pedir que escolher.

II – Se o autor instaura a acção, pedindo o divórcio exclusivamente na violação dos deveres conjugais por parte da Ré, não pode o tribunal introduzir oficiosamente um facto que não tem correspondência directa com os que foram alegados na petição pelo autor e que sirva para caracterizar o fundamento do divórcio na separação de facto.

III – Ao fazer isto, o tribunal viola os princípios da estabilidade da instância do dispositivo e do contraditório, o que é motivo de nulidade processual.


Proc. nº 81/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, casado, nascido na China, da nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº ... emitido pela DSI em 20 de Maio de 2014 (cfr. doc. 1), ora residente em Macau, na Taipa, na…, tel…., -----
Instautou no TJB (Proc,. nº FM1-16-0069-CDL) ----
Acção de divórcio litigioso contra- ------
B, do sexo feminino, casada, nascida na China, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM nº ... emitido pela DSI em 12 de Janeiro de 2006 (cfr. doc. 2), ora residente na Taipa, …, telefone n.º...,
Imputando à ré a culpa na violação dos deveres conjugais.
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Foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e decretou o divórcio entre A e R, sem, contudo, fixar a culpa de qualquer dos cônjuges.
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A ré, inconformada, recorre jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“i). O objecto do presente recurso é o conteúdo da decisão proferida pelo Juízo a quo em 21 de Setembro de 2017, na qual decretou a dissolução da relação matrimonial entre a recorrente e o recorrido por “separação de facto por dois anos consecutivos”.
ii). Entretanto, nos termos do disposto no art.º 430.º, n.º3 do C.P.C., vem impugnar no presente recurso o despacho de fls. 174 dos autos proferido pelo Juízo a quo e o conteúdo do despacho de fls. 165 dos autos que foi mantido pelo despacho supra.
iii). Com os seguintes fundamentos:
In casu, a partir do momento em que intentou a presente acção de divórcio até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, o recorrido (Autor) persistia no facto de que “a recorrente violou, de forma culposa, reiterada e grave, os deveres conjugais, o que torna impossível a manutenção do casamento entre ambos” como a causa de pedir e, pedia que “fosse decretado o divórcio entre o Autor e a Ré, por violação dos deveres conjugais por parte da Ré” (vide o ponto 1 da parte “IV. Pedidos” constante da última folha da petição inicial).
iv). Para tal, o Juízo a quo já reconheceu a sua causa de pedir e o seu pedido (vide o teor do 3.º parágrafo da 1.ª página ao 1.º parágrafo da 2.ª página no acórdão recorrido: “Para tanto alega o Autor …(…)… por culpa exclusiva desta”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos necessários).
v). Por isso, quer na petição inicial quer em outros articulados supervenientes, o recorrido nunca alegou ou aditou o facto que consta da【alínea j) dos factos assentes】(correspondente ao quesito 14.º da base instrutória) – “O Autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Ré”, como a causa de pedir.
vi). Nos termos do disposto no art.º 1638.º, n.º 1 do Código Civil, a “separação de facto” é constituída por dois requisitos: em primeiro, não há a comunhão de vida entre os cônjuges (ou seja, não tomar as refeições juntos, não habitar em comum e não dormir na mesma cama); em segundo, há da parte dos cônjuges, ou de um deles, o propósito de não restabelecer a comunhão de vida; e, em conjugação com o disposto no art.º 1637.º do mesmo Código, as duas situações acima referidas devem durar há dois anos consecutivos.
vii). Isto é, relativamente a uma acção de divórcio litigioso que é intentada com fundamento na separação de facto, a existência ou não do propósito de não restabelecer a comunhão de vida, por parte dos ambos cônjuges, ou por um deles, trata-se do facto essencial e necessário. Mas, uma vez que o recorrido nunca requereu o divórcio com fundamento na separação de facto, pois, o recorrido não alegou, nem precisou alegar, na petição inicial ou em seus articulados supervenientes, esse facto tão importante -【alínea j) dos factos assentes】(quesito 14.º da base instrutória.
viii). Porém, através dos despachos de fls. 174 e 165 dos autos, o Juízo a quo levou este facto à base instrutória e procedeu à investigação e apreciação de tal facto, bem como decretou a dissolução da relação matrimonial entre a recorrente e o recorrido com fundamento na separação de facto por dois anos consecutivos, violando, obviamente, o princípio dispositivo previsto no art.º 5 do C.P.C.
ix). O princípio dispositivo trata-se da regra geral, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, porque os factos essenciais devem ser alegados pelas partes e, a aplicação do princípio da oficialidade do juiz não pode, infinitamente, ser ampliada.
x). “Cabem às partes o ónus da alegação e prova dos factos. A averiguação ou não da verdade material no processo depende de que as partes alegam claramente ou não ao tribunal factos suficientes que constituem causa de pedir e, apresentam ou não provas para levar o tribunal a acreditar os factos por si alegados.” (citada pelo Acórdão do TSI no processo n.º 976/2010).
xi). Por despacho proferido a fls. 174 dos autos, o Juízo a quo aludiu que a【alínea j) dos factos assentes】era resultante da petição inicial do recorrido, nomeadamente dos factos que constam dos pontos 50 e 51 da petição inicial. Mas, tendo sido considerado e analisado todo o contexto da petição inicial, podemos saber que o recorrido persistia sempre que a violação culposa dos deveres conjugais, por parte da recorrente, tornava impossível a continuação da vida em comum entre ambos, mas nunca revelou definitivamente que, devido à separação de facto por dois anos consecutivos, “já não tinha a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a recorrente”.
xii). “A violação culposa dos deveres conjugais, por uma das partes, torna, assim, impossível a continuação da vida em comum dos cônjuges”, não é igual ao “não ter a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a contraparte”. Quanto ao primeiro, existe primitivamente uma “causa” que é a violação culposa por uma das partes dos deveres conjugais, por conseguinte, gera uma “consequência” que os cônjuges não podem viver em comum.
xiii). Assim, dado que, nos factos articulados, o recorrido nunca aludiu um facto de “já não ter a intenção de continuar a manter a relação conjugal com a recorrente”, pois, a recorrente entende que o Juízo a quo não pode inseri-lo na base instrutória, nem pode apreciá-lo.
xiv). O Juízo a quo só deveria investigar e apreciar se a recorrente violasse, de forma culposa, reiterada e grave, os deveres conjugais, o que tornava impossível a continuação da vida em comum entre a recorrente e o recorrido, em vez de investigar e apreciar o facto constante da 【alínea j) dos factos assentes】que não tem nada a ver com a causa de pedir e o pedido formulados pelo Autor.
xv). Alías, o Juízo a quo proferiu despacho a fls. 165 dos autos, que indicou que é “o mais adequado” o aditamento do quesito 14.º à base instrutória (ou seja, a【alínea j) dos factos assentes】), mas não especificou os fundamentos de facto e de direito relativo ao aditamento deste facto à base instrutória definida, do qual resulta que o despacho padece do vício de nulidade previsto no art.º 571.º, alínea b) do C.P.C.
xvi). Por outro lado, dado que o recorrido nunca manifestou na petição inicial um facto de “já não ter a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Recorrente”, pois, a recorrente nunca contestou e não podia contestar tal facto de “o recorrido já não ter a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Recorrente”, sem dúvida, isto trata-se da privação da recorrente da oportunidade e direito de defesa no processo judicial, violando o princípio do contraditório previsto pelo art.º 3.º do C.P.C.
xvii). Sendo que a nova aplicação do disposto no art.º 431.º do C.P.C. não gerou os efeitos iguais aos que a recorrente contestaria tal facto nos termos do disposto nos art.ºs 403.º e ss. do mesmo Código.
xviii). Pelos acima expostos, a recorrente entende que:
i) O despacho proferido pelo Juízo a quo a fls.174 dos autos que decidiu manter o teor do despacho de fls. 165 dos autos e aditar à base instrutória o facto do quesito 14.º, viola o princípio dispositivo e o princípio do contraditório, e padece do vício de nulidade, por força do disposto no art.º 571.º, alínea b) do C.P.C., devendo, por isso, ser revogado; e,
ii) No acórdão recorrido, a investigação e a apreciação da alínea j) dos factos assentes violam o princípio do dispositivo, o princípio do contraditório e o disposto no art.º 563.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.C., excedendo, manifestamente, os limites do conhecimento oficioso do juiz previstos no art.º 567.º do C.P.C, assim, nos termos do disposto no art.º 571.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia do Juízo a quo, devendo, portanto, ser revogado.
xix). Sendo assim, no caso de se manter os factos da base instrutória do despacho saneador de fls. 145 e 146 dos autos (em conjugação com a decisão sobre a reclamação constante de fls. 159 e 160 dos autos), dado que não se pode verificar que a recorrente violou culposamente os deveres conjugais e comprometeu a possibilidade da vida em comum (vide fls. 7 e 8 do acórdão), então, requer ao Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância se digne a decidir que toda a causa de pedir formulada pelo recorrido na petição inicial não preencha os fundamentos para o pedido do divórcio litigioso previstos pelo art.º 1635.º do Código Civil, por isso, devendo ser revogado o douto acórdão recorrido e, ser a recorrente absolvida de todos os pedidos formulados pelo recorrido.
***
xx). Caso o Venerando Juízo não concorde com o entendimento acima exposto:
Dispõe-se definitivamente, no art.º 1628.º do Código Civil, que o divórcio litigioso é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos nos artigos 1635.º e 1637.º, ou seja, a parte que intenta acção de divórcio, é obrigada a fixar algum dos fundamentos de divórcio previstos nos artigos 1635.º ou 1637.º.
xxi). In casu, o recorrido pedia que “fosse decretado o divórcio entre o Autor e a Ré, por violação culposa dos deveres conjugais por parte da ré” (vide o ponto 1 da parte “IV. Pedidos” constante da última folha da petição inicial). Daí, pode-se ver que o recorrido nunca requereu o divórcio com base em algum dos fundamentos previstos no art.º 1637.º do mesmo Código.
xxii). Após a citação da recorrente, em qualquer um dos articulados do recorrido, o mesmo nunca procedeu à modificação do pedido e/ou da causa de pedir nos termos do disposto no art.º 217.º ou art.º 425.º e ss. do C.P.C., à alteração e/ou ao aditamento da causa de pedir da presente acção de divórcio, que se funda na “separação de facto” prevista pelo art.º 1637.º em conjugação com o art.º 1638.º do Código Civil.
xxiii). Até à apresentação da discussão, por escrito, do aspecto jurídico da causa nos termos do disposto no art.º 560.º do C.P.C. (vide fls. 228 a 230 dos autos), o recorrido ainda persistia ao Juízo que fosse julgado procedente o seu pedido de divórcio com fundamento de direito na “violação culposa dos deveres conjugais que torna impossível a continuação da vida em comum dos cônjuges” prevista no art.º 1635.º, n.º 1 do Código Civil.
xxiv). Mas, finalmente, no acórdão recorrido, o Juízo a quo decretou o divórcio entre a recorrente e o recorrido com base na “separação de facto” por mais de dois anos (vide fls. 7 e 8 do acórdão), o que já ultrapassou os limites dos causa de pedir e pedido alegados pelo recorrido, violando, assim, o princípio da estabilidade da instância consagrado no art.º 212.º e o princípio dispositivo consagrado no art.º 5.º n.º 1 do C.P.C. (tendo por referência o Acórdão do TSI nos autos do recurso civil n.º 449/2016 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 10 de Outubro de 2006, no processo n.º 06A2736).
xxv). Importa salientar que o recorrido intentou em 18 de Maio de 2016 a presente acção de divórcio. Pese embora o Juízo entenda que a investigação e a apreciação da “alínea j) dos factos assentes” pelo Juízo a quo não mereça censura (só é um pressuposto, a recorrente não se conforma com isto), de acordo com o princípio da estabilidade da instância, no momento em que o recorrido intentou a presente acção, ou seja, em 18 de Maio de 2016, ainda não se encontrou satisfeito o pressuposto de facto de que existe a separação de facto entre a recorrente e o recorrido por dois anos consecutivos, bem como não se encontrou na base instrutória em causa e nos factos provados do acórdão recorrido um facto relativo à “separação de facto entre a recorrente e o recorrido por dois anos consecutivos” (vide fls. 3 e 4 do acórdão, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos necessários).
xxvi). Nos termos do disposto no art.º 566.º do C.P.C., ao tomar a sentença, o julgador deve ter em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, mas, o legislador também estabelece na parte ressalvada deste artigo o seguinte: “sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir”, quer dizer, ao aplicar este artigo, o julgador ainda deve observar o princípio do dispositivo previsto no art.º 5.º do C.P.C. e, as restrições previstas nos art.ºs 216.º e 217.º do mesmo Código.
xxvii). Pelo exposto, sendo que o Juízo a quo proferiu o acórdão recorrido, que decretou o divórcio entre a recorrente e o recorrido, não com base nos factos articulados, causa de pedir e pedido, formulados pelas partes, mas com fundamento de facto na “separação de facto por mais de dois anos” que é diversa dos factos articulados, causa de pedir e pedido formulados pelas partes, e por isso, obviamente, não só viola o princípio da estabilidade da instância e o princípio do dispositivo, mas também viola os limites da condenação do juiz impostos pelo art.º 564.º do C.P.C., bem como ainda viola os limites do conhecimento oficioso do juiz contidos no art.º 567.º do mesmo Código.
xxviii). Por outro lado, dado que o recorrido nunca alegou, tanto na petição inicial como em seus articulados supervenientes, qualquer facto relativo à “separação de facto por dois anos consecutivos” como causa de pedir, nem pediu o divórcio com base nos fundamentos previstos pelo art.º 1637.º conjugado com o art.º 1638.º do Código Civil, por isso, a recorrente nunca contestou e não podia contestar, de qualquer forma, no processo em questão, sobre o aspecto de “o Juízo a quo decretar o divórcio com base na separação de facto por dois anos consecutivos”, violando o princípio do contraditório.
xxix). Por tudo acima exposto, o acórdão recorrido não só viola o princípio da estabilidade da instância, o princípio do dispositivo e o princípio do contraditório, respectivamente, a que se referem os art.º 212.º, art.º 5.º e art.º 3.º do C.P.C., mas também viola o disposto nos art.º 567.º, art.º 563.º, n.ºs 2 e 3 e art.º 564.º, n.º1 do mesmo Código, bem como pelo excesso de pronúncia do tribunal e pela condenação em objecto diverso do pedido, o acórdão recorrido padece do vício de nulidade previsto no art.º 571.º, n.º 1, alíneas d) e e) do mesmo Código, devendo, por isso, ser revogado o acórdão recorrido.
xxx). Portanto, uma vez que o recorrido, nos termos do disposto nos art.ºs 1533.º e 1635.º do Código Civil e só por “ter a recorrente violado, de forma culposa, grave e reiterada, os deveres de respeito, cooperação e assistência” como causa de pedir, intentou acção de divórcio contra a recorrente junto ao Juízo; e, em conjugação com o facto definitivamente aludido no acórdão do Juízo a quo: “(…) Da prova produzida, nomeadamente o que consta das alíneas b) a d) dos factos assentes não resulta que a Ré haja violado dever conjugal algum.(…)”, assim, a recorrente entende que, a causa de pedir deduzida pelo recorrido na petição inicial, é patentemente improcedente, e em consequência, com base nos factos articulados aduzidos na petição inicial e em articulados supervenientes do recorrido, requer o Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância que possa vir a julgar que toda a causa de pedir, formulada pelo recorrido na petição inicial, não preenche os fundamentos do divórcio previsto no art.º 1635.º do Código Civil, por conseguinte, devendo ser revogado o acórdão recorrido e absolvida a recorrente de todos os pedidos deduzidos pelo recorrido.
***
xxxi). Caso não concorde com os fundamentos acima alegados:
Objectivamente, a maioria da doutrina e jurisprudência entende que a inexistência da comunhão de vida entre os cônjuges deve ser entendida como as partes que “não tomam refeições juntos, não habitam juntos e não dormem na mesma cama”, e há a ruptura da relação matrimonial. (vide 5.º parágrafo a 6.º parágrafo do acórdão: (…) Há comunhão de vida… salvo se razões ponderosas justificarem o contrário. (…) ).
xxxii). In casu, conforme a primeira parte da “alínea i) dos factos assentes” do acórdão recorrido, mesmo que o Juízo a quo entendesse que, a partir de Julho de 2015, a recorrente e o recorrido passaram a dormir em quartos separados, mas, in casu, nunca ficou provado que eles não “tomavam refeições juntos”, não “habitavam na mesma casa” e, não tinham os factos acima indicados que constituem os elementos da vida em comum, nem ficou provada razão real que motivou eles a dormirem em quartos separados.
xxxiii). De facto, por vários motivos, os cônjuges podem, objectivamente, deixar de habitar na mesma casa, dormir na mesma cama e tomar refeições juntos, mas, isto não pode provar que foi rompida a relação matrimonial entre os cônjuges e já não existe a comunhão de vida.
xxxiv). Especialmente, todos os factos provados enunciados no acórdão recorrido, não lograram provar que a recorrente e o recorrido, por motivo do rompimento da relação amorosa, passaram a dormir em quartos diferentes a partir de Julho de 2015 (vide o art.º 2.º da petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
xxxv). Ao contrário, as testemunhas1 da recorrente confirmaram que após Julho de 2015, os elementos da vida em comum ainda se interpunham entre a recorrente e o recorrido, como “tomar refeições juntos” e “habitar em comum”, etc., incluindo tomaram refeições juntos, andaram juntos para viajar e participaram juntos em actividades com os amigos, não se verificando a ruptura da relação deles. O Juízo a quo não impugnou estes depoimentos das testemunhas e também revelou que “…que só a partir de Novembro – Dezembro de 2015…” (vide 1.º parágrafo constante de fls. 8 da decisão sobre a matéria de facto).
xxxvi). Ainda por cima, na fls. 9 da decisão sobre a matéria de facto, o Juízo o quo julgou que a recorrente e o recorrido acabaram por se separar definitivamente (“separar definitivamente”) em Novembro de 2015, sem que haja vontade do recorrido de restabelecer a relação.
xxxvii). Mas, no acórdão recorrido, o Juízo a quo julgou que foi provado o propósito do recorrido de não restabelecer a vida em comum com a recorrida a partir de Julho de 2015. Daí, pode-se ver que há uma flagrante contradição entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e a fundamentação do acórdão recorrido do Juízo a quo, e por isso, padece do vício de nulidade previsto no art.º 571.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C.
xxxviii). Sendo assim, de acordo com os factos provados no acórdão recorrido e as informações constantes dos autos (nomeadamente, as transcrições dos depoimentos acima referidos, apresentados pelas 1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª testemunhas da recorrente: X, X, X e X), só pode-se provar que existe da parte do recorrido a intenção de não reatar a vida em comum com a recorrente, quando o mesmo moveu-se da habitação da família em Novembro (isto é um pressuposto, a recorrente não concorda com isto).
xxxix). Mesmo assim, nos termos do disposto no art.º 1637.º, alínea a) do Código Civil, conjugado com o art.º 1638.º, n.º 1, a separação de facto constitui fundamento de divórcio litigioso, só quando a sua situação - “a falta de comunhão de vida entre os cônjuges (ou seja, não tomar refeições juntos, habitar em comum e dormir na mesma cama) e a intenção da parte de cônjuges ou de um deles de não reatar a vide em comum” dura mais de dois anos consecutivos.
xl). Mesmo que possa provar que existe da parte do recorrido a intenção de não reatar a vida em comum com a recorrente, quando o mesmo moveu-se da habitação da família em Novembro (isto é um pressuposto, a recorrente não concorda com isto), depois de verificados todos os factos assentes no acórdão recorrido, nomeadamente, “as alíneas i) e j) dos factos assentes”, não se encontra nenhum facto que permita concluir que o recorrido tem a intenção de não reatar a vide em comum com a contraparte, e a qual já durou dois anos. Isto significa que o Juízo a quo não pode determinar que eles já estão definitivamente “separados de facto” há dois anos consecutivos previstos pela lei.
xli). Por outro lado, caso o Mm.º Juiz entenda que o art.º 566.º, n.º 1 do C.P.C. é aplicável ao processo em questão (a recorrente não concorda com isto, cujos fundamentos constam dos artigos 33.º a 50.º da petição de recurso), no qual dispõe-se definitivamente o seguinte: “de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”, então, foi encerrada a discussão da presente causa em 3 de Julho de 2017, mesmo que, em Novembro de 2015, o recorrente já tivesse a intenção de não reatar a vide em comum com a recorrente (só é pressuposto, a recorrente não concorda com isto), ainda não se encontrou preenchido o fundamento de divórcio litigioso, previsto pelo art.º 1637.º, alínea a), em conjugação com o art.º 1638.º, n.º1 do Código Civil – “a separação de facto por dois anos consecutivos”.
xlii). Pelo exposto, conforme o facto que consta da “alínea i) dos factos assentes” do acórdão recorrido (correspondente ao quesito 13.º da base instrutória), em conjugação com o facto que consta da “alínea j) dos factos assentes” (correspondente ao quesito 14.º da base instrutória), o Juízo a quo não tem os fundamentos de facto e direito para decretar a dissolução do casamento entre a recorrente e o recorrido por “separação de facto por dois anos consecutivos”, existe contradição entre os fundamentos de facto e o acórdão proferido, padece do vício de nulidade previsto no art.º 571.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., e viola o disposto no art.º 1637.º, alínea a), conjugado com art.º 1638.º do Código Civil, por isso, devendo ser revogado o acórdão recorrido e absolvido de todos os pedidos deduzidos pelo recorrido.
Pedidos
  Pelo acima exposto, nestes termos e nos demais do Direito, se requer ao Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância que se digne julgar o presente recurso procedente, e:
1) Julgar procedente a impugnação formulada pela recorrente contra o despacho de fls. 174 dos autos, revogando tal despacho (que decidiu manter o teor do despacho de fls. 165 dos autos);
2) Revogar a decisão recorrida em causa proferida pelo Mm.º Juiz do TJB em 21 de Setembro de 2017 a fls. 237 a 240v. dos autos;
3) Absolver do pedido de “decretação do divórcio entre a recorrente e o recorrido por violação da parte da recorrente dos deveres conjugais” e de todos os outros pedidos, formulados pelo recorrido;
4) Condenar o recorrido a pagar as custas e os honorários da defensora da recorrente.”.
*
O autor da acção, respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. Relativamente à matéria alegada nos pontos 8 a 32 das alegações do recurso, o recorrido opõe-se a que a alínea j) dos factos assentes do acórdão recorrido deva ficar excluída da base instrutória, a investigação e a apreciação de tal facto pelo Juízo a quo não violam o princípio do dispositivo e o princípio do contraditório, o acórdão recorrido não padece do vício de nulidade previsto no art.º 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
2. A alínea j) dos factos assentes do acórdão recorrido corresponde ao facto constante do quesito 14.º da base instrutória do despacho saneador: “O Autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Ré?”. O recorrido entende que, tal facto é resultante de todos os factos alegados pelo recorrido na petição inicial, especialmente dos factos constantes dos pontos 50 e 51, assim, não violando o princípio do dispositivo.
3. Além disso, no conteúdo do despacho proferido pelo Mm.º Juiz do Juízo a quo a fls. 174 dos autos (ou seja, fls. 165 dos autos: o despacho para alterar um termo do quesito 14.º da base instrutória do despacho saneador), já apontou o mesmo ponto de vista e manifestou a sua fundamentação.
4. Por outro lado, no título VI dos factos da petição inicial, o recorrido aludiu expressamente: “impossibilidade de continuar a viver em comum com a recorrente”; e, no ponto 59 constante da conclusão da petição inicial, já alegou: “A Ré violou, de forma culposa, reiterada e grave os deveres conjugais, o que torna impossível a manutenção do matrimónio entre os dois”.
5. Assim sendo, existe a correspondência entre os factos alegados pelo recorrido que integram a causa de pedir e o quesito 14.º da base instrutória do despacho saneador já alterado.
6. No entanto, o recorrido entende que, só através da acção de divórcio litigioso instaurada pelo recorrido, basta demonstrar que o recorrido já não tem a intenção de continuar a manter a relação conjugal com a recorrente (no mesmo sentido o Acórdão n.º 158/2011 do TSI de Macau).
7. Por outro lado, relativamente ao conteúdo alegado no ponto 23 das alegações do recurso, a recorrente entende que “…a alínea j) dos factos assentes não tem nada a ver com a causa de pedir e o pedido formulados pelo recorrido…”. Para tal, o recorrido apresenta expressamente o dissentimento, com os seguintes fundamentos:
8. No presente processo, a pretensão formulada pelo recorrido é: a dissolução do casamento com a recorrente. Então, com o objectivo de resolver as questões impugnadas na presente acção de divórcio litigioso, a investigação e a apreciação da alínea j) dos factos assentes estão relacionadas com a procedência ou não do pedido formulado pelo recorrido, pois, havendo a sua necessidade e a importância.
9. São ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa (nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 3 do C.P.C.).
10. Sendo assim, o recorrido entende que, a alteração do quesito 14.º da base instrutória do despacho saneador não gerou o conflito de interesses que a acção pressupõe, porque só pode concluir-se a procedência ou não de factum probandum constante da base instrutória, após o encerramento da audiência de discussão, por isso, o exercício do direito de defesa da recorrente não foi afectado.
11. Relativamente à matéria alegada nos pontos 33 a 50 das alegações do recurso, o recorrido entende que: “o Juízo a quo decretou o divórcio entre a recorrente e o recorrido com fundamento na “separação de facto por mais de dois anos”, o que não viola o princípio da estabilidade da instância, o princípio do dispositivo e o princípio do contraditório, nem padece do vício de “nulidade” previsto no art.º 571.º, n.º 1, alíneas d) e e) do C.P.C.”.
12. De facto, na decisão, o Juízo a quo decretou o divórcio não só com base em que a recorrente e o recorrido estão “separados de facto por mais de dois anos”, como também tendo em consideração os outros elementos alegados pelo recorrido que tornam impossível a manutenção da relação matrimonial: (1) A recorrente violou os deveres conjugais, da qual resulta que o recorrido já não tem a intenção de continuar a manter a relação conjugal com a recorrente; (2) O recorrido tem direito de intentar acção de divórcio junto do tribunal; (3) Foi provado que os dois estão separados de facto há mais de dois anos.
13. O recorrido intentou em 18 de Maio de 2016 a presente acção de divórcio litigioso junto do tribunal, pedindo que fosse decretado o divórcio entre ambos, por ter a recorrente violado, de forma culposa, reiterada e grave, os deveres conjugais. Nomeadamente, com base nos quesitos 3.º, 4.º, 13.º e 14.º da base instrutória do despacho saneador (ou seja, são correspondentes aos factos constantes das alíneas c), d), i) e j) dos factos assentes do acórdão recorrido, respectivamente), a recorrente violou, de forma culposa, reiterada e grave, os devidos deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência, da qual resulta que o recorrido já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a recorrente.
14. De facto, a recorrente e o recorrido passaram a dormir em quartos diferentes a partir de Julho de 2015, este facto foi dado como provado pelo Juízo a quo (vide a alínea i) dos factos assentes no acórdão recorrido).
15. Isto é, até ao dia 21 de Setembro de 2017, data em que foi proferido o acórdão, os dois estão separados de facto há mais de dois anos. O recorrido entende que, na decisão, o Juiz tem direito de decretar o divórcio com base na interrupção da vida em comum entre os cônjuges há dois anos consecutivos e a manutenção da intenção de não reatar a vida em comum (no mesmo sentido o Acórdão n.º 723/2013 do TSI de Macau).
16. Relativamente à definição da separação de facto, nos termos do disposto no art.º 1638.º n.º 1 do Código Civil, a separação de facto é constituída por dois elementos: um é elemento objectivo, ou seja, o facto de não haver a comunhão de vida entre os cônjuges; o outro é elemento subjectivo, ou seja, há da parte dos cônjuges, ou de um deles, o propósito de não restabelecer a comunhão de vida.
17. Sendo assim, relativamente ao entendimento de “não haver a comunhão de vida entre os cônjuges”, não só se limita a não tomar refeições juntos, habitar em comum e dormir na mesma cama, mas também destina-se à quebra ou inexistência de afectos entre os cônjuges.
18. “Como afirma o Prof. Antunes Varela, quando a afeição entre os cônjuges é quebrada ou inexistente, os mesmos ainda vivem sob o mesmo tecto por meros respeitos humanos ou apenas para não desgostar os filhos. Quanto a esta situação de que os cônjuges fazem a sua vida própria num mesmo tecto, como duas pessoas estranhas, não podemos dizer que há uma verdadeira comunhão de vida entre os cônjuges” (vide o Acórdão n.º 635/2015 do TSI).
19. In casu, o recorrido contraiu casamento com a recorrente em 30 de Março de 2015, pouco tempo após o casamento, a ruptura do vínculo matrimonial dos cônjuges levou o recorrido a não ter a intenção de viver em comum com a recorrente. Logo após, os cônjuges passaram a dormir em quartos diferentes em Julho de 2015 e estabelecem separadamente a vida própria (ou seja, a partir daquele momento, já não existe a verdadeira comunhão de vida entre os dois) e, o recorrido moveu-se da habitação da família em Novembro do mesmo ano. Tais factos foram dados como provados pelo Juízo a quo (vide alínea i) dos factos assentes no acórdão recorrido).
20. Por outro lado, no âmbito da interpelação e aplicação da lei, o recorrido entende que deve, nos termos da lei, ter em conta as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada (vide o Acórdão do TSI no processo n.º 271/2015 e o Acórdão do TUI no processo n.º 28/2011).
21. “De facto, quando os cônjuges estão separados há dois anos consecutivos, com a ruptura de afeição, há da parte dos cônjuges, ou de um deles, o propósito de não reatar a comunhão de vida. Caso os mesmos sejam obrigados a viver juntos, isto não faz nenhum sentido e só vai aumentar o sofrimento deles, ou torna-se o meio que uma das partes arrasta a outra ou se vinga da outra parte” (vide o Acórdão do TSI no processo n.º 271/2015).
22. “Por isso, no momento da prolação da decisão, desde que seja interrompida a comunhão de vida por dois anos consecutivos e persista a intenção de não reatar a vida em comum, é de decretar o divórcio” (vide o Acórdão do TSI no processo n.º 723/2013).
23. Face ao exposto, o recorrido entende que o Juiz deve decidir conforme a lei e em conjugação com as condições específicas do tempo em que é aplicada. Por isso, no momento da prolação do acórdão, o Juízo a quo tem direito de decretar o divórcio, por motivo que a vida em comum entre ambos já foi interrompida há dois anos consecutivos e, há da parte dos cônjuges, ou de um deles, a manutenção da intenção de não reatar a vida em comum. Por isso, o acórdão não viola o princípio da estabilidade da instância, o princípio do dispositivo e o princípio do contraditório, nem padece do vício de “nulidade” previsto no art.º 571.º, n.º 1, alínea d) e alínea e) do C.P.C., assim, devendo ser rejeitado o recurso interposto pela recorrente por ser julgada a sua improcedência.
24. Relativamente à matéria alegada nos pontos 51 a 67 das alegações do recurso, o recorrente entende que não existe a contradição entre os fundamentos e a decisão do Juízo a quo.
25. De facto, em audiência de julgamento do Tribunal Judicial de Base, as testemunhas do recorrido já confirmaram que a recorrente e o recorrido se encontram separados de facto desde Julho de 2015, até à presente data, já decorreram mais de dois anos.
26. A 1.ª testemunha do recorrido, X, empregada doméstica filipina, confirmou que a recorrente e o recorrido passaram a dormir em quartos diferentes desde Julho de 2015, o recorrido moveu-se em Novembro de 2015 da habitação da família sita na Taipa e nunca mais voltou a viver com a recorrente.
27. A 2.ª testemunha do recorrido, X, confirmou que o recorrido tinha demostrado a insusceptibilidade de se conciliar com a recorrente, a recorrente como mulher não tinha responsabilidade com a família, bem como quanto à contradição na vida sexual conjugal, o recorrido como homem era completamente impossível aceitá-la.
28. A 4.ª testemunha do recorrido, X, confirmou que o recorrido já se separou da recorrente desde Julho ou Agosto de 2015, não tinha vontade de voltar a viver com a recorrente e, moveu-se da habitação da família sita na Taipa.
29. A 5.ª testemunha do recorrido, X, confirmou que o recorrido já voltou a jogar ténis em finais do ano 2015, todos os jogadores também sabiam que o recorrido já moveu-se para fora; porque já sofreu muito, o recorrido absolutamente não tinha intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a recorrente, os laços entre ambos eram irremediáveis.
30. De acordo com os depoimentos das testemunhas acima indicados, o Juízo a quo julgou provados os quesitos 13.º e 14.º da base instrutória do despacho saneador. Isto é, correspondem, respectivamente, à alínea i) dos factos assentes no acórdão recorrido: “O recorrido e a recorrente começaram a dormir separadamente em diferentes quartos a partir de Julho de 2015 e o recorrido moveu-se da habitação da família em Novembro de 2015”; e, à alínea j) dos factos assentes no acórdão recorrido: “O recorrido já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a recorrente”.
31. O recorrido entende que, em conjugação com os dois factos, na presente acção de divórcio litigioso já encontram-se preenchidos os dois elementos da separação de facto: um elemento de carácter objectivo que consiste no facto da inexistência da comunhão da vida entre os cônjuges; e, um elemento de carácter subjectivo que consiste na intenção, por parte de ambos os cônjuges, ou de um deles, de não reatar a comunhão da vida.
32. Por outro lado, no acórdão no.º 723/2013 do TSI, indicou-se os seguintes pontos de vista: “Quanto à exigência da duração mínima de dois anos da separação de facto, o legislador apenas se concentra no preenchimento dos elementos de natureza objectiva, em vez de subjectiva. Como afirma o Prof. Antunes Varela, este chamado elemento subjectivo tem natureza complementar. Por isso, no momento da prolação da decisão, desde que seja interrompida a comunhão de vida por dois anos consecutivos e persista a intenção de não reatar a vida em comum, é de decretar o divórcio”.
33. In casu, na sequência do processo, a partir da data em que o recorrido e a recorrente passaram a dormir em quartos diferentes em Julho de 2015 até ao dia 21 de Setembro de 2017, data da prolação do acórdão, a vida em comum entre ambos já é interrompida há dois anos consecutivos e, o recorrido não tem nenhuma intenção de reatar o vínculo matrimonial com a recorrente.
34. Portanto, o Juízo a quo decretou o divórcio entre as partes por separação de facto há mais de dois anos. Isto é em conformidade com a lei e tem em consideração as condições específicas do tempo em que é aplicada, tornando-se a decisão mais correspondente às condições do tempo em que decide.
35. Por outro lado, face à matéria alegada nos pontos 55 a 60 das alegações do recurso, as testemunhas da recorrente disseram que toda a sua família (incluindo a recorrente, o recorrido, a filha da recorrente e o seu genro) deslocou-se à pátria da recorrente na altura do festival do bolo lunar em Setembro de 2015. De facto, o recorrido foi obrigado a deslocar-se juntos, naquele momento não existia nenhuma comunicação entre ambos, o recorrido regressou depois para Macau sozinho, sem a notificação da recorrente.
36. Em Outubro de 2015, na festa da celebração da implantação da República Popular da China e do aniversário do mestre X, o recorrido não se apresentou juntos com a recorrente, só que os dois também tinham sido convidados a participar na actividade acima referida. O recorrido estava sentado na mesa principal, a recorrente aproximou-se deliberadamente da mesa onde o recorrido estava sentado, e sentou-se com o recorrido. E isto, assim, por isso que foi mal-entendido que os dois estivessem juntos. De facto, não existia nenhuma comunicação entre ambos naquele momento, como duas pessoas estranhas.
37. Pelo exposto, o recorrido entende que, após a audiência de discussão, conforme os depoimentos das testemunhas, o Juízo a quo deu como provados os factos constantes das alíneas i) e j) dos factos assentes do acórdão recorrido. Com base nisto e em conjugação com as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada, tendo por referência a Jurisprudência relevante, julgou-se que o recorrido tem legitimidade para intentar a presente acção de divórcio litigioso, foi provado que não existia a vida em comum entre a recorrente e o recorrido há dois anos consecutivos e o recorrido já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a recorrente, e por isso, foi decretada a dissolução do casamento entre os dois. Daí, pode-se ver que não há contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, o acórdão recorrido não padece do vício de “nulidade” previsto no art.º 571.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., devendo, por isso, ser julgado o recurso interposto pela recorrente improcedente.
I. Pedidos
  Pelo exposto, nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se ao Mm.º Juiz do Tribunal de Segunda Instância que se digne julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente e decidir o seguinte:
1). Admitir a presente resposta ao recurso; e,
2). Julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente;
3). Manter o acórdão proferido pelo Juízo recorrido;
4). Todas as taxas de justiça e procuradoria a cargo da recorrente.
  Pede deferimento!”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
“a) O Autor e a Ré registaram o seu casamento na Conservatória do Registo Civil em 30 de Março de 2015;
b) A Ré não gosta que o Autor use preservativos;
c) A Ré acha que o Autor teve lesões nas costas e cintura e que jogar ténis não é bom para a saúde do Autor, por isso, sem informar o Autor, ela manifesta directamente aos amigos do Autor que as costas e a cintura do Autor não são boas e exigiu aos amigos do Autor que nunca mais jogassem ténis com o Autor;
d) O Autor não gostou da atitude da Ré referida no item anterior;
e) A Ré participa nas actividades de uma Associação Budista e do mestre X;
f) A Ré costuma usar o seu veículo automóvel para transportar o mestre X nas deslocações a Macau e cidades vizinhas;
g) A empregada doméstica costuma cozinhar o jantar;
h) A Ré em 06.08.2015 vendeu uma fracção por HKD8.730.000,00;
i) O Autor e a Ré começaram a dormir separadamente em diferentes quartos a partir de Julho de 2015 e o Autor moveu-se da habitação da família em Novembro de 2015;
j) O Autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Ré”.
***
III – O Direito
1 – A acção intentada pelo autor tinha em vista alcançar a dissolução do seu casamento com a ré, a quem imputava a violação de alguns dos deveres conjugais.
Efectuado o julgamento da matéria de facto, ficou por provar a factualidade pretensamente demonstrativa da referida violação.
No entanto, apurado ficou que A e R estão separados de facto desde Julho de 2015, pois que não existe comunhão de vida, nos termos do art. 1638º, do CC. Consequentemente, na óptica do tribunal ”a quo”, estando a situação enquadrada no disposto no art. 1637º, al. a), do CC, e não havendo elementos para definir a culpa da separação, foi decretado o divórcio.
*
2 – Do recurso do despacho sobre a reclamação sobre a selecção da matéria de facto
Nos termos do art. 430º, nº3, do CPC, a ré da acção vem atacar o despacho de fls. 174 dos autos, que recaiu sobre a reclamação da matéria de facto.
Este despacho tem o seguinte teor:
“In casu, nos termos do disposto no art. 430º do Código de Processo Civil, após a reapreciação do conteúdo do despacho saneador, o Juízo entende que, face ao termo de "vida em comum" que consta do facto do quesito 14º da base instrutória - "não é possível continuar a vida em comum entre o Autor e a Ré ", é o mais adequado aferir este termo em sede de decisão, pois, decide-se alterá-lo para "O Autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Ré?", sendo isto mais adequado.
Relativamente a esta decisão de alteração, a ré apresentou novamente a reclamação, na qual indicou que tal decisão violou o princípio dispositivo e o princípio de contraditório, e entendeu que tal facto era facto concludente.
Em primeiro, até ao presente momento, a presente causa ainda não se encontrou inserida na fase da audiência de discussão e julgamento, a ré tinha apresentado reclamação para manifestar o seu parecer. Esta situação é igual à de que decidiu as reclamações e, o Juízo também aplicou novamente o disposto no art.º 431º do Código de Processo Civil, portanto, entende este Juízo que nunca privou o seu direito de defesa.
Além disso, a parte alterada é resultante da petição inicial do Autor, nomeadamente dos factos constantes dos pontos 50 e 51 da petição inicial. Por isso, entende este Juízo que a alteração de tal facto não violou o princípio dispositivo.
Enfim, face ao que a ré alegou que tal facto era facto concludente, entende este Juízo que o facto alterado pode ser compreendido por qualquer pessoa comum e não empregou qualquer termo concludente.
Nestes termos, este Juízo decide manter o despacho de fls. 165 dos autos. (Mantém-se o despacho de fls. 165 dos autos)."
Por seu turno o despacho de fls. 165 tem o seguinte teor:
"(...) Nos termos do disposto no artº 430º do Código de Processo Civil, o Juízo procedeu à selecção da matéria de facto e à notificação das partes (vide fls. 145 a 146 dos autos).
Tendo sido notificado do despacho, o autor não apresentou qualquer reclamação, mas a ré apresentou uma reclamação (vide fls. 1148 (sic.) a 150 dos autos) e, consequentemente, o autor apresentou a sua resposta a tal reclamação (vide fls. 152 a 158 dos autos).
Posteriormente, foi decidida esta reclamação pelo Juízo (vide fls. 159 e 160 dos autos).
*
Nos termos do disposto no art.º 430º do Código de Processo Civil, após a reapreciação do conteúdo do despacho saneador, o Juízo entende que, face ao termo de "vida em comum que consta do facto do quesito 14.º da base instrutória - "não é possível continuar a vida em comum entre o Autor e a Ré ", é o mais adequado aferir este termo em sede de decisão. Assim, tendo sido reapreciado o conteúdo do despacho saneador, o Juízo entende que deve alterá-lo para "O Autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Ré?", sendo isto mais adequado.
Pelo exposto, este Juízo decide ordenar a alteração do facto constante do quesito 14. o da base instrutória para "O Autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação-matrimonial com a Ré?”
*
Notifique e D.N
Aplique-se novamente o disposto no artº 431º do Código de Processo Civil..".
Na opinião da recorrente, a alínea j) do rol dos factos provados na sentença deve ser eliminada por aquela matéria ter sido introduzida pelo juiz na base instrutória em violação do princípio do dispositivo.
O autor, em resposta ao recurso, acha que o juiz não violou o princípio do dispositivo, uma vez que se limitou a levar à BI uma matéria que de algum modo já está incluída na petição inicial, nomeadamente nos art.s 50º e 51º da pi.
Pois bem.
Esta alínea reproduz o teor do art. 14º da BI e diz o seguinte: “O autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Ré”.
Contudo, em lado nenhum da petição inicial esta matéria está referida. E mesmo os artigos 50º e 51º da petição não o referem expressamente, nem sequer implicitamente isso decorre do seu teor. Senão, veja-se o que dizem:
50.
 Como a ré disse ao autor que ela cometeria "suicídio" e, como é acima referido nos pontos 8, 12 e 13, a ré tem grande força e "empurrou" "puxou" e limitou a liberdade do autor, o autor entende que a ré poderia praticar actos de ofensa à integridade física do autor e por isso começou a dormir separadamente com a ré em diferentes quartos a partir de Julho de 2015.
51.
 A convivência com a ré leva ao autor a sentir-se fisicamente e mentalmente cansado.
 Desde Novembro de 2015, ele moveu-se da habitação da família e arrendou uma fracção autónoma para morar por si próprio. (cfr. doc. 15)
Como é visível, deles não resulta que o autor tenha a “intenção de não manter a relação matrimonial”
Nem o art. 53º permite essa conclusão. Na verdade ele diz que “Daí podemos ver que a ré tem culpa e violou de forma grave e constante os supracitados deveres, fazendo com que seja impossível que o matrimónio entre os dois seja mantido”.
Ora, dizer que é impossível manter-se o casamento por culpa da ré, não é o mesmo que dizer que, mesmo sem culpa desta, o autor não tem intenção de continuar a viver com a ré no seio do casamento. São factos distintos. Aliás, toda a acção estava orientada, desde o princípio, para um divórcio com culpa atribuída à ré, e não à separação de facto por ruptura da vida em comum por dois anos consecutivos acompanhada de intenção de não reatamento dos laços por parte do autor.
Repare-se, aliás, que este art. 14º tinha inicialmente a seguinte redacção: “Não é possível que o autor e a ré continuem a viver juntos?” O juiz só a alterou depois da reclamação da ré sobre a selecção da matéria de facto.
No entanto, tal facto inicial (que de certo modo resulta do art. 53º da p.i), além de ser conclusivo, não corresponde minimamente àquele que foi introduzido no art. 14º em substituição do primitivo “O autor já não tem a intenção de continuar a manter a relação matrimonial com a Ré”. Um não pode ser substituído pelo outro, porque não se correspondem, nem equivalem, e porque também nunca o autor apresentou esse facto como suporte da causa de pedir, i.é., nunca fez tal afirmação de que não tinha a intenção de manter a relação matrimonial com a ré.
É que, podendo o divórcio litigioso ser alicerçado nos fundamentos legais do art. 1635º ou do art. 1637º, do CC (cfr. art. 1628º, nº2, do CC), não é indiferente a escolha de um ou outro por parte do autor. É que cada um daqueles fundamentos tem uma estrutura própria, causas de pedir diferentes, âmbitos diferentes da prova, etc., etc. Portanto, o autor tem que desenhar muito bem cada um dos fundamentos, consoante a causa de pedir que escolher. Pode até introduzir ambas as causas de pedir (pode começar por pedir o divórcio com fundamento na violação dos deveres conjugais e, subsidiariamente, pedi-lo com fundamento na separação de facto). Mas isso deve resultar da petição inicial, sem qualquer dúvida nenhuma.
Ora, aqui, por iniciativa própria, o tribunal fez uma alteração substancial da causa de pedir. Esta estava traçada exclusivamente com um determinado figurino (culpa imputada à ré na violação dos deveres conjugais e assento legal no art. 1635º do CC), e com esse quesito foi introduzido um facto que, se provado, poderia levar à dissolução com fundamento na ruptura da via em comum (separação por dois anos consecutivos, i.é., falta de comunhão de vida entre os cônjuges acompanhada do propósito de um deles em não a restabelecer, com assento legal nos arts. 1637º e 1638º, do CC).
Só que isto, salvo o devido respeito, não podia ser feito, por atentar contra a causa de pedir, estabelecida livremente pelo autor na petição inicial e não modificada posteriormente, e por violar o princípio do dispositivo (5º, 389º e 567º do CPC) bem como o da estabilidade da instância (art. 212º, do CPC) e do contraditório (art. 3º, nº1, do CPC).
Sendo assim, o juiz extravasou os seus poderes, excedeu os limites dos referidos preceitos legais e influenciou decisivamente o exame e decisão da causa, o que o que traduz uma nulidade processual (art. 147º, nº1, do CPC), que necessariamente fulmina de invalidade absoluta o despacho em apreço e conduz à anulação de todos os actos posteriores incompatíveis.
Somos, portanto, a entender que aquele quesito não pode ser dado por provado, porque atingido pela anulação, nem consequentemente ser considerado no quadro da sentença impugnada. E isso terá os seus efeitos, como se verá. Isto é, o quesito deixa de fazer parte da BI, não pode ser considerada a prova que foi feita sobre ele em audiência de julgamento e, consequentemente, não pode ser levado em conta na sentença.
*
3 – Do recurso da sentença
3.1 – Da nulidade
A sentença, apesar de não ter dado por provados os factos do divórcio litigioso fundados na violação dos deveres conjugais por parte da ré, acabou por decretá-lo com base no disposto no art. 1637º e 1638º do CC.
A recorrente imputa-lhe a nulidade do art. 571º, nº1, al. d), do CPC. E tem razão, tanto quanto nos parece, salvo melhor opinião.
Estamos de acordo que os factos constitutivos da violação dos deveres conjugais não se provaram. Logo, a acção teria que claudicar, considerando a causa de pedir invocada na petição.
Ao fazer uso de fundamentos não invocados na petição inicial, com o apoio do facto acima referido, o tribunal da sentença conheceu de matéria de que não podia tomar conhecimento. Cometeu, por isso, a nulidade do art. 571º, nº1, al. d), do CPC, pelo que é nula.
Cumpre-nos, então, cumprir a regra da substituição prevista no art. 630º, do CPC.
*
3.2 – Da acção e seus fundamentos
O autor imputou à ré a violação dos deveres conjugais (cfr. arts. 1635º e 1533º, do CC). Era seu o respectivo ónus probatório. Todavia, os respectivos factos ficaram por demonstrar.
Em face disso, sem mais escusados considerandos, somos a concluir que a acção não pode proceder.
***
V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em:
1. Declarar nulo o despacho de fls. 174, e simultaneamente o de fls. 165 que aquele manteve, na parte em que aditou à Base Instrutória o facto 14.
2. Anular todos os actos posteriores incompatíveis com aquela nulidade.
3. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, declarar nula a sentença por violação do art. 571º, nº1, al. d), do CPC;
4. Julgar improcedente a acção, indo a ré absolvida do pedido.
Custas pelo autor em ambas as instâncias.
T.S.I., 13 de Setembro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 As testemunhas da recorrente: 1) O depoimento de X foi gravado como Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 16.06.09 (20(912K106711270), 1:47:32 a 1:49:51; 2) O depoimento de X foi gravado como Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 16.06.09 (20(912K106711270), 2:10:20 a 2:10:56, Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 16.06.09 (20(912K106711270), 2:13:08 a 2:14:17, Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 16.06.09 (20(912K106711270), 2:14:28 a 2:15:28, Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 16.06.09 (20(912K106711270), 2:19:58 a 2:20:13; 3). O depoimento de X foi gravado como Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 16.06.09 (20(912K106711270), 2:29:11 a 2:29:23, Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 18.36.09 (20(D)HO106711270), 01:41 a 02:27; 4). O depoimento de X foi gravado como Translator 2 – Recorded on 03-Jul-2017 at 18.36.09 (20(D)HO106711270), 08:19 a 08:36.
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