Processo n.º 5/2017
(Recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data: 13 de Setembro de 2018
Assuntos:
- Pena de aposentação e pena de demissão aplicada ao agente das FSM com mais de quinze anos de serviço
- Critérios de opção de uma e outra pena expulsiva de função
- Fundamentação da decisão administrativa
- Princípio de proporcionalidade e justiça
SUMÁRIO:
I - É do entendimento quase uniforme que a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao agente infractor do processo disciplinar.
II - A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.
III – A aplicação de uma ou de outra das medidas expulsivas de função (aposentação compulsiva ou demissão) não é arbitrária, visto o artigo 239º do EMFSM estabelecer que “a pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções” e que a pena de demissão está reservada - é especialmente aplicável - àqueles que tiverem cometido crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a três anos, aos que abusem dos poderes de autoridade conferidos por lei.
IV – O artigo 238º do EMFSM elenca as situações em que se pode aplicar a pena de demissão (ou de aposentação compulsiva), a opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos respectivos, enquanto nas hipóteses previstas no artigo 240º do mesmo EMFSM aplica-se a pena de demissão.
V – O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
VI - Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
VII – Tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto (artigo 232º do EMFSM) – o agente ser primário, praticar ilícitos que não têm nada a ver com as funções desempenhadas, nem perturbações para o normal funcionamento do serviço, ter sempre comportamentos exemplares, obter elogios e louvores, ser bem conceituado pelos colegas de trabalho, manifestar sempre disponibilidade para o serviço e colegas, ter mais de 21 anos de serviço - Tudo isto leva-nos a considerar que aplicação de uma censura disciplinar de menor grave é o bastante e cumpria integralmente a função sancionatória que os actos praticados pela Recorrente justificam. Ou seja, e dito de outro modo, a pena aplicada ao Recorrente é, para nós, manifestamente desajustada, por excessiva e injusta, face às circunstâncias em que os factos ocorreram. Com efeito, se a pena de suspensão ou, no limite, a pena de aposentação compulsiva cumpriam o desiderato visado pela acção punitiva que os actos reclamavam, não se devia ter optado de uma pena expulsória de tanta gravidade e de tão grandes repercussões, em cumprimento do princípio da proporcionalidade.
VIII - Deste modo, e porque se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, não foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro, é de dar provimento ao recurso e anular o acto impugnado.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 5/2017
(Recurso Contencioso)
Data : 13/Setembro/2018
Recorrente : A
Recorrida : Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, não se conformando com o Despacho Senhor Secretário para a Segurança (Despacho nº92/SS/2016, de fls. 46 e 47), que lhe aplicou a pena de demissão em processo disciplinar, veio em 19/12/2016 interpor o competente recurso contencioso para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões :
1) Através do presente recurso pretende o Recorrente impugnar o despacho do Senhor Secretario para a Segurança na parte em que decide aplicar a pena de demissão supra transcrita no âmbito do processo disciplinar com o n.º D/64/13/DEZ;
2) Nos termos da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 19 de Dezembro de 2013 - no âmbito do processo CR4-13-0161-PCC - transitada em julgado na sequência do Acórdão proferido em 15 de Abril de 2015 pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 128/2014, o Recorrente foi condenado pela prática de crime de gravação e fotografias ilícitas p.p. pelo artigo 191º, nº 2 alínea a) do Código Penal, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de dois anos, e ainda a indemnização à vítima no montante de MOP$100,000.00;
3) Em contestação a Entidade Recorrida vem considerar, para efeitos de aplicação da medida da pena, a existência de factos que não foram tidos em conta no processo disciplinar nem foram por si tidos em conta na aplicação da decisão recorrida, alegando que as fotografias tiradas pelo Recorrente à sua ex-namorada " ... foram publicadas, não obstante os apelos que ela lhe dirigiu no sentido de não levar à praticas as suas ameaças de o fazer";
4) A versão dos factos agora trazida pela Entidade Recorrida não corresponde à realidade, nem tão pouco corresponde aos factos julgados e dados por provados em sede do processo-crime génese do processo disciplinar em questão, nem sequer foi considerada nos autos de processo disciplinar aqui em discussão;
5) Tratam-se de factos novos que confessadamente foram considerados pela Entidade Recorrida na aplicação da medida da pena mas que não mereceram o contraditório do Recorrente no âmbito do processo disciplinar em causa;
6) É inequívoco que no caso em apreço cabia à Administração o dever de comunicar ao Recorrente estes factos novos e dar-lhe oportunidade de defesa;
7) A violação deste direito fundamental de defesa constitui nulidade insuprível por preterição de formalidades essenciais, invalidando o acto recorrido na sua totalidade, pelo que o acto recorrido violou o direito de audição e defesa do Recorrente, pelo que é nulo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 262º do EMFSM e do artigo 122º do Código de Procedimento Administrativo.
8) Em 18/01/2016 há muito que expirou o prazo para a instrução do processo que havia sido sucessivamente prorrogado até 3 de Setembro de 2015;
9) Em 3 de Setembro de 2015 mostrava-se verificado o efeito preclusivo do decurso do prazo para a instrução do processo disciplinar e excedido o prazo fixado na lei para a instrução do processo mostra-se precludido o direito de se realizarem quaisquer ulteriores actos instrutórios ou outros, e por essa razão deveria o processo disciplinar ter sido imediatamente arquivado;
10) São nulos todos os actos posteriores a tal nulidade, nomeadamente as prorrogações que foram concedidas quando já se tinham expirado os prazos legais e administrativos concedidos para a instrução do processo;
11) A decisão recorrida está inquinada do vício de violação de lei por violação do artigo 268º do EMFSM, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
12) Aquando da inquirição do Recorrente no processo disciplinar, o Senhor Instrutor não fez qualquer pergunta ao Recorrente sobre os factos que lhe estavam a ser imputados;
13) Ao Recorrente, ali Arguido, não foi dada a possibilidade de se defender sobre as eventuais versões dos factos que resultassem das diligências instrutórias, e o Recorrente não teve possibilidade de contar a sua versão dos factos, as circunstâncias em que os mesmos ocorreram;
14) O Sr. Instrutor limitou-se a dar como facto consumado uma decisão judicial, dela retirando as conclusões que veio a retirar nos sucessivos relatórios finais, e a audição do Recorrente no processo disciplinar mais não passou do que uma mera formalidade;
15) Incumbia sobre o Sr. Instrutor o ónus de elaborar as questões ao Recorrente que se mostrassem pertinentes para a decisão a proferir, incumbindo-lhe ainda a obrigação de dar a oportunidade ao Recorrente de contra a sua versão dos factos;
16) Não basta ao instrutor do processo chamar o Arguido a depor para ver cumprida uma formalidade que se julga essencial, sem que dessa diligência resulte o efectivo apuramento dos factos;
17) A violação do direito de audição do Arguido, direito fundamental de defesa, constitui nulidade insuprível por preterição de formalidades essenciais, invalidando o acto recorrido na sua totalidade nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 262º do EMFSM e do artigo 122º do Código de Procedimento Administrativo;
18) No que respeita às circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar, quer c Relatório Final quer a decisão recorrida são parcas na sua fundamentação, fazendo recurso a conceitos genéricos e vagos;
19) A Administração está obrigada a fundamentar os actos administrativos lesivos de interesses legitimamente tutelados dos cidadãos;
20) A fundamentação consiste em indicar, expressamente as premissas em que assenta o acto, ou em que se exprimem os motivos porque se decide de determinada forma e não de outra;
21) A fundamentação consiste em enumerar os elementos de facto e de direito de forma a permitir ao destinatário percorrer o itinerário cognitivo e valorativo constante do acto em causa, para que o destinatário do acto (re)conheça o juízo de ponderação efectuado pela administração, facultando-lhe dessa forma a possibilidade de reagir ou não contra ela;
22) É ainda necessário que com as razões de facto e de direito se componha um juízo lógico-jurídico das quais se retire a conclusão e o resultado da decisão;
23) O dever de fundamentar funciona, assim, como um meio fundamental de garantia de legalidade da actividade da administração (resultante do artigo 3.º do C.P.A.), e também de defesa dos direitos dos administrados;
24) Os factos que suportam a alegada infracção disciplinar são factos que ocorreram na esfera da vida privada e íntima do Recorrente, que nada têm a ver com a sua profissão nem com a corporação;
25) Nem do Relatório Final nem da decisão recorrida se descortinam quais os factos concretos que são imputados ao Recorrente e que podem causar danos na imagem do Corpo de Bombeiros cuja gravidade importe uma medida disciplinar tão grave;
26) A decisão recorrida é escassa na sua fundamentação quanto às circunstâncias materiais do cometimento da infracção, remetendo apenas para a decisão judicial proferida no âmbito do processo-crime, nem tão pouco concretiza as circunstâncias agravantes a que alude;
27) A decisão recorrida não se pronuncia sobre as circunstâncias atenuantes que deveriam ser ponderadas, limitando-se a afirmar de forma vaga e genérica " ... não obstante as circunstancias que atenuam a conduta, designadamente o bons comportamento e o reconhecimento do mérito, previstas, respectivamente, nas alíneas b) e h) do n.º 2 do artigo 200º do citado Estatuto";
28) O Recorrente levou ao processo factos importantes para a verificação de circunstâncias atenuantes a serem consideradas na decisão, tendo inclusive arrolado como testemunhas familiares e colegas de trabalho que concretizaram os factos relativos ao seu bom desempenho profissional durante mais de 20 anos ao serviço do Corpo de Bombeiros sem qualquer mancha no seu registo biográfico, ao seu bom relacionamento com os colegas, ao seu carácter, porém, do Relatório Final e da decisão recorrida nada consta acerca desses factos;
29) O Recorrente não sabe quais os factos considerados pelo Sr. Instrutor e pela entidade recorrida que serviram porventura como circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar;
30) No que à escolha da pena diz respeito resulta também manifesta a absoluta falta de fundamentação do acto recorrido;
31) O acto recorrido é omisso quanto à fundamentação do conceito de insustentável a manutenção do vínculo funcional.
32) Se é certo que o conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional se concretiza através de juízos de prognose em que a Administração goza de ampla liberdade de apreciação, não é menos certo que esse juízo terá necessariamente de assentar em factos concretos, materializados na decisão, factos esses que deverão estar devidamente objectivados, concretizados e descritos na decisão ou no relatório final, o que não sucede in casu;
33) Não resulta do acto recorrido por que razão a entidade recorrida optou pela pena de demissão e não pela pena de aposentação compulsiva;
34) A entidade recorrida violou o seu dever de fundamentação a que está vinculada nos termos do supra citado artigo 282º, n.º 1 do EMFSM em conjugação com o disposto no artigo 114º e 115º do CPA, o que configura um vício de forma, e que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
35) As omissões, inexactidões ou insuficiências na instrução estão na origem de um deficit de instrução, que redunda em erro invalidante da decisão, decorrente não só da omissão ou preterição de diligências legais, mas também, de não se tomar em devida conta, na instrução, interesses que tenham sido carreados pelo interessado, ou factos que indispensáveis para a decisão do procedimento;
36) In casu, é manifesto que não foram realizadas quaisquer diligências de prova necessárias para a boa decisão da causa, limitando-se a decisão recorrida a suportar numa decisão judicial;
37) Não se apurou que o ora Recorrente tenha violado, de forma grave e irreversível, os deveres de aprumo e muito menos que esta violação tenha tornado absolutamente irreversível e inviável a sua continuação como servidor do Corpo de Bombeiros;
38) O acto recorrido está inquinado do vício de violação de lei, por deficit de instrução e violação do princípio da legalidade;
39) Ao contrário do que sucede no regime disciplinar regulado no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, onde o legislador deixa uma larga margem de discricionariedade à Administração para decidir entre a aplicação da pena de aposentação compulsiva ou de demissão, o EMFSM impõe para a aplicação da pena de demissão que se verifiquem uma das circunstâncias taxativamente consagradas no artigo 240º do EMFSM;
40) A administração está vinculada por lei a aplicar a pena de demissão apenas nos casos ali previstos, encontrando-se assim limitada a sua actividade discricionária no que à pena de demissão diz respeito;
41) As infracções imputadas ao Recorrente e que justificaram a aplicação da pena de demissão não se enquadram em nenhuma das situações a que alude o artigo 240º do EMFSM, as únicas reservadas à demissão;
42) O acto recorrido está inquinado com o vício de violação de lei por violação do disposto no artigo 240º do EMFSM, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
43) O órgão competente - in casu a entidade recorrida - deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito, constituindo esse normativo a concretização do princípio do inquisitório ou da oficialidade;
44) Os factos julgados no referido processo-crime prendem-se apenas e tão só com a conduta privada e a vida pessoal do Recorrente, sem qualquer conexão com a profissão que há mais de 20 anos tem vindo a desempenhar sem reparos;
45) De acordo com o registo biográfico do Recorrente conclui-se que o seu comportamento tem sido, ao longo de mais de 21 anos, imaculado;
46) As testemunhas chamadas a depor nos presentes autos de recurso contencioso, antigos superiores hierárquicos do Recorrente, foram claras ao manifestar o seu respeito e admiração pelo Recorrente;
47) Tendo até as testemunhas referenciado que o Recorrente foi tido como um exemplo e modelo para os seus colegas mais novos, dada a sua dedicação, profissionalismo e sentido de responsabilidade;
48) As testemunhas confirmaram também que o Recorrente ao longo de 21 anos ao serviço do Corpo de Bombeiros tem tido um comportamento digno, patente nos louvores e condecorações já recebidas e pelas avaliações exemplares que tem tido ao longo da sua carreira.
49) Durante os 21 anos de serviço, o Recorrente sempre pautou o seu comportamento pessoal e profissional por elevados padrões éticos e morais;
50) O Recorrente teve na maioria dos anos que conta ao serviço do Corpo de Bombeiros a avaliação extraordinária, sendo a classe de comportamento EXEMPLAR;
51) Nunca durante a sua carreira foi o Recorrente condenado por processos disciplinares, sempre reunindo o respeito por parte dos seus colegas de profissão;
52) O Recorrente sempre foi um homem honrado e digno desempenhando as funções que lhe têm sido acometidas ao longo de mais de 20 anos com lealdade e dedicação e tendo sempre estado disponível para desempenhar as suas funções sob quaisquer circunstâncias e tendo em mente a dignidade da sua profissão.
53) O Recorrente sempre teve uma boa relação com os seus colegas de profissão que o respeitam;
54) As condutas do Recorrente julgadas no sobredito processo-crime - todas elas de foro estritamente pessoal e ocorridas na privacidade do lar entre dois adultos - não se mostram bastantes para inviabilizar a relação funcional, e fazer esquecer que o Recorrente ao longo de mais de 20 anos tem desempenhado de modo exemplar a sua profissão;
55) O Tribunal Judicial de Base decidiu, nos termos do preceituado no artigo 48º do Código de Penal de Macau, que "atendendo à personalidade do Arguido, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste" seria de lhe aplicar uma pena de prisão suspensa na sua execução e não uma pena efectiva - o que veio a ser confirmado pelo Tribunal de Ultima Instancia;
56) Em face dos mesmos factos o Tribunal optou por aplicar ao Recorrente medida menos gravosa;
57) Estando em causa factos cometidos em 2013, e tendo em conta que só agora se veio aplicar a pena de demissão, não se descortina por que motivo tal pena máxima jamais justificou por parte da Administração sequer a suspensão preventiva do Recorrente ao longo de três anos;
58) Tendo em conta os critérios a que alude o artigo 232º, no limite seria de aplicar ao Recorrente a pena de suspensão;
59) Outros foram os casos sucedidos na mesma corporação e de maior gravidade do que o que se discute nos presentes autos que mereceram penas mais leves daquelas que foram aplicadas ao Recorrente;
60) A infracção aplicada ao Recorrente, - artigo 238º, n.º 1 e n.º 2 alínea n) do EMFSM - a inviabilizar a relação funcional, não se enquadra naquelas previstas no artigo 240º, e como tal, na aplicação da pena poderia entidade recorrida optar entre a pena de demissão ou de aposentação compulsiva;
61) O acto recorrido viola o princípio da proporcionalidade na medida em que faz uma opção, em excesso e além do necessário, de punir a conduta do Recorrente com a medida mais onerosa da sua demissão, ao invés da sua aposentação compulsiva;
62) E ofende o princípio da justiça, na medida em que aplica uma pena mais gravosa que a que deveria corresponder ao desvalor manifestado pela sua conduta;
63) O acto recorrido está inquinado pelo vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade e adequação consagrado no artigo 5º do CPA e do princípio da justiça consagrado no artigo 7º do CPA, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
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Citada a Entidade Recorrida, Secretário para a Segurança, veio contestar o recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O recorrente impugna o despacho n.º 92/SS/2017 do Secretário para a Segurança que lhe aplicou a pena de Demissão com fundamento nos factos provados numa sentença condenatória proferida no Tribunal Judicial de Base e, mais tarde, confirmada no Venerando Tribunal de Ultima Instância, como adiante melhor se exporá .
2. Fá-lo, opondo-se à valoração jurídico-legal dos factos bem como à medida da pena, qualificando-a de desproporcionada e não fundamentada face ao grau de desvalor da sua conduta para com os deveres próprios do militarizado e que constam do respectivo Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro.
3. Invoca ainda : nulidade processual com fundamento na não audição do recorrente, na qualidade de arguido, antes do termo da instrução e a caducidade processual por preclusão dos prazos processuais.
4. Não tem razão o recorrente :
5. Os prazos do processo disciplinar são meramente ordenadores e não peremptórios, não estando sequer regulado o efeito do seu não cumprimento, ou prevista a caducidade da acção disciplinar por inacção da administração.
6. Vigoram, assim, simplesmente, os prazos de prescrição, cujo prazo geral é de 5 anos e vem regulado no artigo 205 do EMFSM, período de tempo que não foi consumido desde o conhecimento da falta até à conclusão do processo, com aplicação da pena.
7. De igual modo, a invocada nulidade por falta de audição prévia do arguido, antes de concluída a instrução, para o que se convoca a aplicação subsidiária do nº 3 do artigo 329.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, mesmo que existisse, com o que não se concede, teria que ser invocada até à decisão final, como prescreve o n.º 2 do artigo 262 do EMFSM, sob pena de se considerar suprida.
8. Ainda, e a este propósito, deve acrescentar-se como fundamento diverso relativamente ao que motivou o douto Acórdão citado na p.i. que, no caso concreto, a acusação se prevaleceu de uma sentença criminal, cujos factos fazem caso julgado em processo disciplinar e, daí, a desnecessidade de qualquer diligência para a descoberta da verdade dos factos, que o preceito do n.º 1 in fine do artigo 262.º citado, pretende acautelar.
9. Não se antolha, como possa, assim, vingar a invocada nulidade.
10. Sobre a adequação da medida da pena sempre se dirá, que o arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática de crimes de gravação e fotografias ilícitas p.p. pela alínea a) do n.º 2 do artigo 192 do Código Penal.
11. Tais factos tiveram como vítima a sua ex namorada e foram publicadas, não obstante, os apelos que ela lhe dirigiu no sentido de não levar à práticas as suas ameaças de o fazer.
12. Tal conduta representa simultaneamente a violação daquele tipo legal de crime e um ilícito disciplinar grave, na medida em que, na sua qualidade de elemento integrante de uma corporação militarizada e, como tal, subordinado ao Estatuto dos Militarizados das Forças de segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro.
13. Com efeito, os valores protegidos pela diferentes jurisdições, disciplinar e criminal, são diversos, cabendo a esta a protecção da coesão interna e a externação de uma imagem de idoneidade moral e cívica do pessoal da corporação, bem como o respectivo prestígio e confiança pública.
14. Não pode deixar de se considerar perturbadora da imagem de uma corporação militarizada, o conhecimento pela população da prática de actos aberrantes e indignos, por parte de um agente que despreza valores fundamentais à coesão social.
15. E não lhe valem as atenuantes de que beneficia, designadamente o bom comportamento anterior e o mérito, quando em contrapeso com o desvalor da acção.
16. Com efeito, a intensidade da culpa é elevada, traduzida em diversas insistências e actos, contrários à vontade da vítima, pelo que ao adoptar tão censurável comportamento, o recorrente, até pela sua experiência de vida, bem sabia que a molestava pessoalmente a vida, com prejuízo para a sua vida familiar e social.
17. A vítima era, também ela, uma sua colega do Corpo de Bombeiros, facto que por si só, revela perversidade e ausência de respeito corporativo.
18. A dignidade humana da vítima, a protecção da intimidade privada, foram postergados pelo recorrente, que não soube conter os seus sentimentos dentro do quadro temporal do relacionamento íntimo que com ela manteve.
19. Na medida da pena foi tido em conta a agravante da alínea d) do artigo 200 do EMFSM, porquanto o decoro e o prestigio da corporação resultaram afectados pela evidencia dos factos, sendo que a respectiva dosimetria é de inteira responsabilidade do Secretário para a Segurança que aplica, a seu critério, a medida concreta da pena que entende melhor se adequar ao superior interesse público em geral e das forças de segurança em particular.
20. E fá-lo apenas limitado pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça relativa.
21. Manter o arguido ao serviço depois de uma condenação em juízo por factos tão gravemente atentatórios da dignidade pessoal de uma colega de trabalho, numa corporação militarizada era contrariar aquilo que a sociedade pretende rever neste tipo de organizações disciplinadas, que culturalmente são consideradas reserva moral e fundamento de cidadania.
22. Daí a punição numa pena expulsiva.
23. Assim não vemos como pode o acto impugnado ser anulado com fundamento em qualquer dos vícios relacionados com a valoração dos factos e sua subsunção legal.
24. A aposentação compulsiva, alternativa que surge no quadro sancionatório para quem tenha mais de 15 anos de serviço efectivo, nos termos do artigo 239, vem sendo reservada para casos de baixa intencionalidade na pratica dos factos, o que
25. Não é o caso dos autos em que o recorrente agiu com um elevado grau de culpa, entendida esta como juizo de censurabilidade entendida esta numa perspectiva ético-jurídica, tanto junto da população como no interior da corporação e junto de seus agentes, em particular, daí se ter optado pela pena mais grave.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 164 a 166v) com o seguinte teor:
Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 14 de Novembro de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, através do qual foi aplicada ao recorrente A a pena de demissão.
O recorrente imputa ao acto os vícios de violação de lei, por ofensa ao artigo 268.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau – EMFSM –, falta de audiência, falta de fundamentação, preterição de formalidades instrutórias, violação do artigo 240.º do EMFSM, e violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e justiça.
Vejamos, começando pela alegada violação do artigo 268.º do EMFSM.
Dispõe este normativo que a instrução do processo disciplinar deve iniciar-se, salvo prazo mais curto expressamente fixado pela entidade que o mandou instaurar, no prazo máximo de 10 dias, contado da data da notificação ao instrutor do despacho de instauração, e ultimar-se no prazo de 45 dias, só podendo ser excedido este prazo mediante despacho da entidade que tiver proferido a decisão. A este propósito, diz o recorrente que, tendo sido excedido o prazo e respectivas prorrogações para ultimação do processo disciplinar, ficou precludido o direito a prosseguir a instrução ou realizar outros quaisquer actos, o que impunha o imediato arquivamento do processo disciplinar.
Nada habilita à conclusão de que aquele prazo é peremptório, e o recorrente também não indica a norma ou o princípio de que se socorre para assim considerar. É sabido que os prazos fixados na lei para instrução e ultimação dos processos disciplinares no funcionalismo público são ordenadores ou disciplinadores, pelo que a sua ultrapassagem não importa as consequências preclusivas reclamadas pelo recorrente. Nem podia ser doutra forma, dado o interesse público subjacente ao exercício do procedimento disciplinar.
Improcede este primeiro vício.
Seguidamente, o recorrente afirma que foi preterida a formalidade da sua audição, o que constitui nulidade insuprível do processo disciplinar.
Para explicitar esta imputação oferece o seguinte raciocínio: tendo sido convocado para ser ouvido antes de deduzida a acusação, o sr. instrutor apenas o confrontou com uma sentença criminal, não lhe tendo feito perguntas sobre os factos, pelo que não teve oportunidade de contar a sua versão dos factos.
É de ter presente que a audição do arguido, durante a instrução, deverá ocorrer se ele o pedir ou se o instrutor o tiver por conveniente – artigo 272.º, n.º 2, do EMFSM. E não se pode esquecer que a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado – artigo 263.º, n.º 2, do EMFSM. Não é, pois, de estranhar que o arguido haja sido confrontado, no processo disciplinar, com o teor da sentença penal condenatória, que ele aliás já conhecia, pois nela se contêm os factos que igualmente lhe são imputados no processo disciplinar, e que, como se viu, se impõem com a força de caso julgado. Não se divisa, por isso, qualquer irregularidade. Muito menos a nulidade processual insuprível de falta de audição, que, a verificar-se, se projectaria no acto final, como causa de anulabilidade. Como bem resulta da norma do artigo 262.º, n.º 1, do EMFSM, apontada pelo recorrente, esta nulidade insuprível apenas ocorre quando haja falta de audiência do arguido sobre os artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade. Ora, não é evidentemente isto o que está em causa, não configurando a audição do arguido em instrução, tal como foi feita por reporte à matéria constante da decisão penal condenatória, qualquer nulidade, e muito menos uma nulidade insuprível.
Soçobra também este vício.
Segue-se o vício de forma por falta de fundamentação, que o recorrente alicerça essencialmente na parcimónia sobre circunstâncias atenuantes e escolha da pena, bem como na escassa densificação da inviabilidade de manutenção da relação funcional.
Nos termos do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, equivalendo à sua falta a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A partir deste inciso legal, a doutrina e a jurisprudência vêm apontando a relatividade do conceito e vincando que o que importa é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
No caso vertente, afigura-se que o dever de fundamentação se mostra suficientemente cumprido, quer no plano factual, quer na vertente do direito, atentas a remissão que o acto faz para a sentença penal e para a acusação do processo disciplinar, a enunciação dos deveres infringidos, a explicitação sucinta dos motivos que tornam insustentável a manutenção do vínculo funcional, as razões da escolha da pena de demissão e do afastamento da hipótese de aplicação da pena de aposentação compulsiva… É o bastante. O recorrente parece advogar uma fundamentação exaustiva, mas não é isso o que o Código do Procedimento Administrativo exige, bastando-se este, como se disse, com uma exposição sucinta dos fundamentos, que, no caso, temos por preenchida.
Igualmente improcede este vício.
Depois, o recorrente afirma haver preterição de formalidades instrutórias ou défice de instrução, sustentando esta imputação, em suma, na circunstância de não ter havido investigação em ordem a recolher a base fáctica da decisão e apurar a relevância dos factos para efeitos disciplinares.
Também neste vector entendemos que não lhe assiste razão.
Como já se referiu, o artigo 263.º, n.º 2, do EMFSM estatui que a condenação definitiva em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado. No caso, temos efectivamente uma condenação penal, que se impõe nos exactos termos previstos naquele inciso, pelo que, proceder a nova investigação sobre os mesmos factos, além de espúrio e desnecessário, podia abrir a porta a eventuais disparidades factuais, que apenas serviriam para complicar a tarefa do instrutor.
Não ocorre, pois, o aventado défice instrutório, nem qualquer ofensa ao princípio da legalidade, pelo que também este vício naufraga.
Diz seguidamente o recorrente que foi violado o artigo 240.º do EMFSM. Na sua visão, a referida norma vincularia a Administração a aplicar a pena de demissão apenas nos casos estritamente previstos no referido artigo 240.º, o que não foi observado.
Não podemos partilhar este entendimento. Basta correlacionar as normas dos artigos 238.º, 239.º e 240.º do EMFSM para concluir que assim não é. Se a pena de demissão apenas pudesse ser aplicada nas hipóteses do artigo 240.º, o artigo 238.º ficaria despido de utilidade. A enunciação dos comportamentos e requisitos de aplicação das penas de demissão e aposentação compulsiva consta do artigo 238.º. Os artigos 239.º e 240.º, contrariamente ao entendimento do recorrente, não tipificam restritivamente as situações de aplicação dessas penas, apenas esclarecem que, nos casos e condicionalismos que recortam, haverá lugar à aplicação dessas penas.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Finalmente, vem invocada a violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e justiça, insurgindo-se o recorrente, pelas razões que aduz, ligadas ao seu passado como militarizado, contra a escolha da pena de demissão em detrimento da pena de aposentação compulsiva.
Crê-se que, também aqui, lhe falece a razão.
Como o Tribunal de Última Instância tem vindo a decidir, a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo – cf., v.g., acórdão de 28 de Julho de 2004, Processo 27/2003. E, dando a lei à Administração a liberdade de escolha entre a pena de demissão ou a de aposentação compulsiva – poder apenas restringido nos casos em que o funcionário não reúna o tempo mínimo de 15 anos para efeitos de aposentação, caso em que não há lugar à pena de aposentação compulsiva – o exercício do respectivo poder discricionário apenas pode ser sindicado no caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade, em violação do princípio da proporcionalidade ou outro, o que, no caso, não se divisa ter sucedido.
Improcede, assim, o vício de violação de lei por ofensa daqueles princípios.
Termos em que, na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
Os factos jurídico-penais provados imputados ao Recorrente (arguido no processo penal):
1. 約自2010年3月起,嫌犯A與X姓女性(下稱女方)開始認識及交往,雙方之後成為男女朋友。
2. 2011年2月,女方向嫌犯A提出分手,但二人分手後仍繼續見面,且有發生性行為。
3. 2011年5月29日,在嫌犯A位於澳門XXXX的住所內,嫌犯A與女方進行性行為,當時,嫌犯A預先啟動房內一台手提電腦的攝錄設備,將二人性行為的過程攝錄並儲存起來。
4. 期間,女方發現嫌犯A用手提電腦的攝錄彼等性行為的過程,其要求嫌犯A刪除該錄影片段,當時,嫌犯A假裝答應,但並無刪除該一片段。
5. 2011年6月11日,在嫌犯A位於澳門XXXX的住所內,嫌犯A與女方進行性行為,當時,嫌犯A預先啓動放置在房內的iPhone手提電話的攝錄設備,將二人性行為的過程攝錄並儲存起來。
6. 2011年6月19日,在嫌犯A位於澳門XXXX的住所內,嫌犯A與女方進行性行為,當時,嫌犯A預先啟動放置在房內的iPhone手提電話的攝錄設備,將二人性行為的過程攝錄並儲存起來。
7. 進行上述三次攝錄時,嫌犯A均無得到女方的同意,其行為違反女方的意願。
8. 2011年8月4日,司警人員在嫌犯A的住所內搜獲 1張Memory Stick PRO Duo記憶卡(見卷宗第26頁至27頁搜索及扣押筆錄)。
9. 經司法警察局電腦法證處鑑定,該記憶卡內有3個已經刪除的視像檔案(見卷宗第56頁至60頁電腦資料法理鑑證及分析報告)。
10. 上述3個視像檔案記錄嫌犯A與女方上述三次性行為的過程(見卷宗第42頁視像筆錄)。
11. 嫌犯A自由、自願及有意識地作出上述行為。
12. 嫌犯A明知法律禁止及處罰其上迷行為。
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Ao Recorrente foi aplicada a seguinte decisão condenatória:
1. 對嫌犯A以直接正犯和既遂方式觸犯《刑法典》第191條第2款a)項規定和處罰的三項不法之攝錄罪,每項罪行判處六個月徒刑,三罪競合處罰,合共判處一年徒刑,緩刑兩年執行,緩刑條件為,嫌犯須在判決確定後的三個月內履行本案對其就受害人訂定的賠償責任。
2. 本案判處嫌犯向受害人女方支付非財產損害賠償澳門幣十萬元($100,000.00),另加由本案判決日起計至付清期間的法定延遲利息。
Na sequência da condenação penal, foi instaurado um processo disciplinar contra o Recorrente em que a Entidade Recorrida proferiu o seguinte despacho punitivo:
Despacho n.º 92/SS/2016
Processos disciplinares nºs D/64/13/DEZ e AS/49/1SET-D/14OUT
Arguido: Subchefe n.º XXXXXX, A, do CB
Nos presentes autos vem suficientemente provado que o arguido, Subchefe n.º XXXXXX, A do Corpo de Bombeiros, foi condenado por sentença do Tribunal Judicial de Base, de 19 de Dezembro de 2013, transitada em julgado na sequência do Acórdão do Tribunal de Última Instância, datado de 15 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º 128/2014, pela prática de crime de gravações e fotografias ilícitas previsto e punido nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 191º do Código penal, a que o Tribunal fez corresponder a pena de um ano de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de dois anos e, ainda, a indemnização à vítima da sua conduta, no montante de MOP$100,000.00 ( cem mil).
Os factos constantes da sentença judicial e reproduzidos na acusação, peças processuais que se dão aqui por inteiramente integradas, designadamente quanto ao circunstancialismo de modo e de tempo em que ocorreram, tiveram como vítima urna ex-namorada do arguido e foram praticados, não obstante o apelo desta para que de tal se abstivesse.
Com esta conduta ilícita, o arguido violou de forma grave o dever de aprumo a que se refere o artigo 12.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, na formulação concreta dos respectivos nºs 1 e 2, alíneas f) e o), resultando desse comportamento desprestígio para a corporação militarizada a que pertence, o Corpo de Bombeiros, cuja imagem que se pretende seja reflectida na sociedade em geral e em cada um dos cidadãos, foi profundamente lesada.
A conduta do arguido torna insustentável a manutenção do vínculo funcional às forças de segurança que O Corpo de Bombeiros integra, porquanto a instituição não pode comportar no seu seio, elementos que revelem tão grande desprezo por valores fundamentais para boa e sadia estrutura da sociedade.
Assim, não obstante as circunstâncias que atenuam a conduta, designadamente o bom comportamento e o reconhecimento do mérito, previstas, respectivamente, nas alíneas b) e h) do n.º 2 do artigo 200.º do citado Estatuto, a verdade é que a intensidade da culpa, aferida pelo juízo de censura ético-jurídica que a sociedade faz recair sobre os factos, a sua gravidade objectiva e a intensidade como a conduta resulta agravada pela circunstância da al. d) do n.º 2 do artigo 201.º, tornam o arguido incapaz e indigno para se manter em funções, bem como afastam a faculdade de aplicação de pena mais branda, como a de Aposentação Compulsiva.
Foi ouvido o Conselho e Justiça e Disciplina, nos termos do artigo 318 n.º 1 al e) do EMFSM.
Nestes termos, no uso da competência que me advém das disposições conjugadas do Anexo G ao artigo 211º do EMFSM, como referência ao n.º 1 da Ordem Executiva n.º 111/2014, PUNO o arguido, Subchefe n.º XXXXXX, A, do CB, com a pena de DEMISSÃO, nos termos da al. n) do n.º 2 do artigo 238º, e com os efeitos constantes o artigo 228º, todos do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau.
A matéria referente ao processo AS/49/1SET-D/14OUT, é arquivada por prevalecer a circunstância dirimente alínea b) do artigo 202.º do EMFSM) em que se traduz a justificação, outorgada pelos Serviços de Saúde, relativa aos efeitos do medicamento ministrado ao arguido, susceptíveis de lhe perturbar o sono.
Notifique o arguido do presente despacho e de que, do mesmo, cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.
Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 14 de Novembro de 2016
O Secretário para a Segurança
B
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IV - FUNDAMENTOS
A imputação ao Recorrente da responsabilidade disciplinar tem por base na condenação jurídico-penal no âmbito do processo n.º 128/2014, cuja decisão é:
1. 對嫌犯A以直接正犯和既遂方式觸犯《刑法典》第191條第2款a)項規定和處罰的三項不法之攝錄罪,每項罪行判處六個月徒刑,三罪競合處罰,合共判處一年徒刑,緩刑兩年執行,緩刑條件為,嫌犯須在判決確定後的三個月內履行本案對其就受害人訂定的賠償責任。
2. 本案判處嫌犯向受害人女方支付非財產損害賠償澳門幣十萬元($100,000.00),另加由本案判決日起計至付清期間的法定延遲利息。
Passemos a analisar as questões suscitadas pelo Recorrente.
I – 1ª questão: Nulidade resultante da inserção na acusação disciplinar de factos que não constam da sentença condenatória:
A este propósito o Recorrente mediante o seu ilustre mandatário invoca o seguinte:
3) Em contestação a Entidade Recorrida vem considerar, para efeitos de aplicação da medida da pena, a existência de factos que não foram tidos em conta no processo disciplinar nem foram por si tidos em conta na aplicação da decisão recorrida, alegando que as fotografias tiradas pelo Recorrente à sua ex-namorada " ... foram publicadas, não obstante os apelos que ela lhe dirigiu no sentido de não levar à praticas as suas ameaças de o fazer";
4) A versão dos factos agora trazida pela Entidade Recorrida não corresponde à realidade, nem tão pouco corresponde aos factos julgados e dados por provados em sede do processo-crime génese do processo disciplinar em questão, nem sequer foi considerada nos autos de processo disciplinar aqui em discussão;
5) Tratam-se de factos novos que confessadamente foram considerados pela Entidade Recorrida na aplicação da medida da pena mas que não mereceram o contraditório do Recorrente no âmbito do processo disciplinar em causa;
6) É inequívoco que no caso em apreço cabia à Administração o dever de comunicar ao Recorrente estes factos novos e dar-lhe oportunidade de defesa;
7) A violação deste direito fundamental de defesa constitui nulidade insuprível por preterição de formalidades essenciais, invalidando o acto recorrido na sua totalidade, pelo que o acto recorrido violou o direito de audição e defesa do Recorrente, pelo que é nulo nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 262º do EMFSM e do artigo 122º do Código de Procedimento Administrativo.
Ora, analisado com atenção o relatório final do processo disciplinar – fls. 222 a 231 do PA, tal alegação não corresponde à verdade, porque a acusação disciplinar remete sistematicamente para o acórdão condenatório. É com base nos factos considerados provados no acórdão é que a Entidade Recorrida formou o seu juízo valorativo e tomou a respectiva decisão.
Nestes termos, torna-se inútil discutir o facto de que as fotografias tiradas foram ou não publicadas.
Pelo que, improcede a alegada nulidade.
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II – 2ª questão levantada: Nulidade dos actos praticados após expiração do prazo para a instrução do processo disciplinar.
Nesta parte, o Recorrente alega o seguinte:
8) Em 18/01/2016 há muito que expirou o prazo para a instrução do processo que havia sido sucessivamente prorrogado até 3 de Setembro de 2015;
9) Em 3 de Setembro de 2015 mostrava-se verificado o efeito preclusivo do decurso do prazo para a instrução do processo disciplinar e excedido o prazo fixado na lei para a instrução do processo mostra-se precludido o direito de se realizarem quaisquer ulteriores actos instrutórios ou outros, e por essa razão deveria o processo disciplinar ter sido imediatamente arquivado;
10) São nulos todos os actos posteriores a tal nulidade, nomeadamente as prorrogações que foram concedidas quando já se tinham expirado os prazos legais e administrativos concedidos para a instrução do processo;
11) A decisão recorrida está inquinada do vício de violação de lei por violação do artigo 268º do EMFSM, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA;
Ora, nesta matéria, o artigo 268º (Início e termo da instrução) do Estatuto dos Militarizados das FSM ((adiante designado por EMFSM), aprovado pelo aprovado pelo DL nº66/94/M, de 30 de Dezembro, dá uma resposta directa, que preceitua:
A instrução do processo disciplinar deve iniciar-se, salvo prazo mais curto expressamente fixado pela entidade que o mandou instaurar, no prazo máximo de 10 dias, contado da data da notificação ao instrutor do despacho de instauração, e ultimar-se no prazo de 45 dias, só podendo ser excedido este prazo mediante despacho da entidade que tiver proferido a decisão.
Compulsados os elementos constantes do processo administrativo, foi proferida sempre decisão expressa que autorizou o pedido de prorrogação do prazo para instrução. Aliás, Os prazos do processo disciplinar são ordenadores e não peremptórios, não estando sequer regulado o efeito do seu não cumprimento, ou prevista a caducidade da acção disciplinar por inacção da administração.
Vigoram, assim, simplesmente, os prazos de prescrição, cujo prazo geral é de 5 anos e vem regulado no artigo 205º do EMFSM, período de tempo que não foi consumido desde o conhecimento da falta até à conclusão do processo, com aplicação da pena.
Pelo que, é de julgar improcedente a argumentação do Recorrente nesta parte, por inverificada a alegada nulidade ou ilegalidade.
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III - 3ª questão suscitada: Nulidade resultante de violação do direito de audiência do arguido/Recorrente.
Neste ponto, o Recorrente invoca o seguinte:
12) Aquando da inquirição do Recorrente no processo disciplinar, o Senhor Instrutor não fez qualquer pergunta ao Recorrente sobre os factos que lhe estavam a ser imputados;
13) Ao Recorrente, ali Arguido, não foi dada a possibilidade de se defender sobre as eventuais versões dos factos que resultassem das diligências instrutórias, e o Recorrente não teve possibilidade de contar a sua versão dos factos, as circunstâncias em que os mesmos ocorreram;
14) O Sr. Instrutor limitou-se a dar como facto consumado uma decisão judicial, dela retirando as conclusões que veio a retirar nos sucessivos relatórios finais, e a audição do Recorrente no processo disciplinar mais não passou do que uma mera formalidade;
15) Incumbia sobre o Sr. Instrutor o ónus de elaborar as questões ao Recorrente que se mostrassem pertinentes para a decisão a proferir, incumbindo-lhe ainda a obrigação de dar a oportunidade ao Recorrente de contra a sua versão dos factos;
16) Não basta ao instrutor do processo chamar o Arguido a depor para ver cumprida uma formalidade que se julga essencial, sem que dessa diligência resulte o efectivo apuramento dos factos;
17) A violação do direito de audição do Arguido, direito fundamental de defesa, constitui nulidade insuprível por preterição de formalidades essenciais, invalidando o acto recorrido na sua totalidade nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 262º do EMFSM e do artigo 122º do Código de Procedimento Administrativo (…).
A Entidade Recorrida defende por seguintes argumentos:
7. De igual modo, a invocada nulidade por falta de audição prévia do arguido, antes de concluída a instrução, para o que se convoca a aplicação subsidiária do nº 3 do artigo 329.° do Estatuto dos Trabalhadores da Administração de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, mesmo que existisse, com o que não se concede, teria que ser invocada até à decisão final, como prescreve o n.º 2 do artigo 262º do EMFSM, sob pena de se considerar suprida.
8. Ainda, e a este propósito, deve acrescentar-se como fundamento diverso relativamente ao que motivou o douto Acórdão citado na p.i. que, no caso concreto, a acusação se prevaleceu de uma sentença criminal, cujos factos fazem caso julgado em processo disciplinar e, daí, a desnecessidade de qualquer diligência para a descoberta da verdade dos factos, que o preceito do n.º 1 in fine do artigo 262.º citado, pretende acautelar.
9. Não se antolha, como possa, assim, vingar a invocada nulidade.
Não tem razão o Recorrente nesta parte, pois:
- Em primeiro lugar, inexistem normas que obrigam que, durante a instrução do processo disciplinar, o instrutor tenha de formular activamente perguntas às testemunhas. Aliás, o quadro fáctico está fixado no acórdão condenatório, que o Recorrente sabe;
- Em segundo lugar, estando presentes e provados os elementos objectivos e subjectivos necessários à imputação jurídico-disciplinar, cabe ao arguido/Recorrente invocar as circunstância pertinentes para que o instrutor pondere, situação diferente será aquela que não houve condenação penal e existe apenas o processo disciplinar, neste caso, sim, o instrutor tem de apurar os factos imputados e avaliar todos os elementos dos autos.
- Em terceiro lugar, é de ter presente que a audição do arguido, durante a instrução, deverá ocorrer se ele o pedir ou se o instrutor o tiver por conveniente – artigo 272.º, n.º 2, do EMFSM. E não se pode esquecer que a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado – artigo 263.º, n.º 2, do EMFSM.
- Em quarto lugar, neste ponto, o Digno. Magistrado do MP opina: “Não se divisa, por isso, qualquer irregularidade. Muito menos a nulidade processual insuprível de falta de audição, que, a verificar-se, se projectaria no acto final, como causa de anulabilidade. Como bem resulta da norma do artigo 262.º, n.º 1, do EMFSM, apontada pelo recorrente, esta nulidade insuprível apenas ocorre quando haja falta de audiência do arguido sobre os artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade. Ora, não é evidentemente isto o que está em causa, não configurando a audição do arguido em instrução, tal como foi feita por reporte à matéria constante da decisão penal condenatória, qualquer nulidade, e muito menos uma nulidade insuprível,” argumento este que subscrevemos inteiramente sem reserva.
- Por último, como fica provado que o Recorrente estava presente na diligência de audição, foi-lhe dada toda a oportunidade de exercer o seu direito contraditório e direito de defesa, não se pode assacar à decisão ora recorrida o vício da violação do seu direito de audição.
Julga-se, por isso, improcedente o argumento produzido pelo Recorrente neste ponto.
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IV – 4ª Questão suscitada: Vício da ilegalidade resultande de fundamentação insuficiente e da défice de instrução.
Nesta matéria, é do entendimento quase uniforme que a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado. Não é, pois, de estranhar que o arguido haja sido confrontado, no processo disciplinar, com o teor da sentença penal condenatória, que ele aliás já conhecia, pois nela se contêm os factos que igualmente lhe são imputados no processo disciplinar, e que, como se viu, se impõem com a força de caso julgado.
O que coordena com o disposto no artigo 263º/2 do EMFSM. Aliás, desde muito cedo tem sido esta ideia defendida pelo STJ de Portugal, citada aqui em sede de direito comparado, que nos parece ser uma boa posição, e que merece a nossa concordância.
Ora, como a acusação disciplinar tem por base os factos assentes do acórdão condenatório (transitado em julgado), em princípio, é de entender-se que a decisão administrativa está fundamentada em termos de factos, pois estão verificados os elementos objectivos e subjectivos necessários à imputação jurídico-disciplinar. Agora, para efeitos da responsabilidade disciplinar, os factos estão bem qualificados e bem subsumidos aos preceitos legais aplicáveis? Já é uma outra questão, que passa a ser imediatamente o objecto da nossa reflexão.
No caso, a fundamentação, na parte essencial, tem o seguinte teor :
Com esta conduta ilícita, o arguido violou de forma grave o dever de aprumo a que se refere o artigo 12.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, na formulação concreta dos respectivos nºs 1 e 2, alíneas f) e o), resultando desse comportamento desprestígio para a corporação militarizada a que pertence, o Corpo de Bombeiros, cuja imagem que se pretende seja reflectida na sociedade em geral e em cada um dos cidadãos, foi profundamente lesada.
A conduta do arguido torna insustentável a manutenção do vínculo funcional às forças de segurança que O Corpo de Bombeiros integra, porquanto a instituição não pode comportar no seu seio, elementos que revelem tão grande desprezo por valores fundamentais para boa e sadia estrutura da sociedade.
Assim, não obstante as circunstâncias que atenuam a conduta, designadamente o bom comportamento e o reconhecimento do mérito, previstas, respectivamente, nas alíneas b) e h) do n.º 2 do artigo 200.º do citado Estatuto, a verdade é que a intensidade da culpa, aferida pelo juízo de censura ético-jurídica que a sociedade faz recair sobre os factos, a sua gravidade objectiva e a intensidade como a conduta resulta agravada pela circunstância da al. d) do n.º 2 do artigo 201.º, tornam o arguido incapaz e indigno para se manter em funções, bem como afastam a faculdade de aplicação de pena mais branda, como a de Aposentação Compulsiva.
É de ver que o fundamento da aplicação de pena da demissão ao Recorrente não é o que consta do artigo 240º do EMFSM, mas sim reside no conceito de “cláusula geral”, prevista no artigo 238º do mesmo EMFSM, tendo sido invocada, para este efeito, a violação do dever de aprumo.
Em suma, a Entidade Recorrida entende que a conduta do Recorrente afecta a imagem da instituição e torna ele incapaz e indigno para se manter em funções (nos termos acima citados), em termos formais, cremos que o dever de fundamentação se mostra cumprido, quer no plano factual, quer na vertente do direito, tendo em conta a remissão que o acto faz para a sentença penal e para a acusação do processo disciplinar, a enunciação dos deveres infringidos, a explicitação sucinta dos motivos que tornam insustentável a manutenção do vínculo funcional.
Agora, em termos substanciais, se a decisão viola ou não os princípios gerais do Direito Administrativo já é uma questão de mérito que veremos mais adiante.
Pelo que, deve julgar-se improcedente o argumento da fundamentação insuficiente ou défice de instrução.
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V - 5ª questão levantada: Violação do princípio da proporcionalidade e de justiça.
Uma outra questão alegada pelo Recorrente é a violação do princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 5º do CPA, ao estabelecer que
«2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionados aos objectivos a realizar”.
Entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
Nesta óptica, a questão essencial reside em saber qual medida punitiva – demissão ou aposentação compulsiva – que é mais proporcional à sanção motivada pelos factos praticados pelo Recorrente.
No fundo, importa saber se o tipo de penas foi bem escolhido ou não. Ou seja, é uma matéria que se prende com a questão da aplicação correcta ou não do artigo 238º, 239º e 240º do EMFSM.
Nas hipóteses tipificadas no artigo 238º do EMFSM pode aplicar-se tanto a pena de aposentação compulsiva, como a de demissão! A opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos exigidos.
Nas situações previstas no artigo 240º do EMFSM aplica-se a pena de demissão!
Nas hipóteses do artigo 239º do EMFSM, aplica-se a pena de aposentação compulsiva, desde que se verifiquem os pressupostos aí fixados.
Ora, é do conhecimento quase uniforme que “as penas de inactividade ou de aposentação compulsiva e demissão são aplicáveis às infracções (…), conforme, ponderadas todas as circunstâncias atendíveis, inviabilizem ou não a manutenção da relação funcional”, o que significa que não basta a prática de “conduta constitutiva de crime…que possa atentar contra o prestígio e dignidade da função” ou que traduza a “violação de segredo profissional e omissão de sigilo devido relativamente aos assuntos conhecidos em razão do cargo ou da função, sempre que daí resulte prejuízo para o desenvolvimento do trabalho policial ou para qualquer pessoa” (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Há-de haver, além disso, um “quid” perturbador da relação de confiança recíproca que inviabilize a manutenção do vínculo profissional. Como ainda recentemente se disse em aresto do STA, a pena de demissão aplica-se «a comportamentos que atinjam um grau de desvalor de tal modo grave que mine e quebre, definitiva e irreversivelmente, a confiança que deve existir entre o serviço público e o agente» (Ac. do STA de 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Como se decidiu no Ac. de 01.04.2003 do mesmo Supremo – Rec. 1.228/02, “A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções” (no mesmo sentido, os acórdãos de 18.6.96, proc.º nº 39.860, de 16.5.02, proc.º nº 39.260, de 5.12.02, proc.º nº 934/02, de 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; e 11/10/2006, Proc. nº 010/06).
Quer dizer, se é certo que ao órgão com competência disciplinar se reconheça «no preenchimento dessa cláusula geral, ampla margem de liberdade administrativa, tal tarefa está limitada pelos princípios da imparcialidade, justiça e proporcionalidade – além de ficar, depois, sujeita ao poder sindicante dos tribunais administrativos, se forem detectáveis erros manifestos» (cf. o cit. 24/03/2004, Proc. nº 0757/03; tb. AC. do STA/Pleno de 19/03/99, Proc. nº 030896).
Ou, como é dito noutro aresto do STA do Portugal, “…o preenchimento do conceito indeterminado que corresponde à inviabilidade da manutenção da relação funcional, (…) constitui tarefa da Administração, a concretizar mediante um juízo de prognose. Contudo, a jurisprudência do STA, tem realçado que tais juízos têm de assentar em pressupostos como a gravidade objectiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequado para o exercício de funções públicas. Confrontar, a título meramente exemplificativo, os Acs. de 6-10-93 – Rec. 30463 e de 18-6-96 – Rec. 39860” (Ac. do STA de 2/12/2004, Proc. nº 01038/04).
Em Macau, o Tribunal de Última Instância tem vindo a decidir, a aplicação pela Administração de penas disciplinares, dentro das espécies e molduras legais, é, em princípio, insindicável contenciosamente, salvo nos casos de erro manifesto, notória injustiça ou violação dos princípios gerais do Direito Administrativo – cf., v.g., acórdão de 28 de Julho de 2004, Processo 27/2003, se isto é certo, não é menos certo que, esta posição, salvo o merecido respeito, tem de ser entendida em termos hábeis, pois, não pode significar que a Administração pode tomar decisão a seu bel-prazer, ou de modo arbitrário, muito menos poder, para tomar decisões, atirar a moeda para o ar para saber se é a solução A ou solução B que venha a ser optada.
Por outro lado, em matéria da aplicação das penas disciplinares, o legislador manda atender a conjunto de factores:
- A natureza e a gravidade dos factos;
- A categoria do funcionário ou agente;
- A sua personalidade;
- O grau de culpa do infractor;
- Os danos e prejuízos causados;
- A perturbação produzida no normal funcionamento dos serviços;
Em geral, a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor do arguido.
É o que resulta do artigo 232º do EMFSM.
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Com estes padrões de avaliação em matéria da decisão de medidas punitivas, é de atender, no caso em apreciação, aos seguintes factores relevantes:
1) - Os ilícitos imputados ao Recorrente não têm nada a ver com as funções desempenhadas pelo Recorrente, nem no domínio temporal, nem no espacial. É certo que sobre agente das FSM impede um conjunto de deveres especiais, nomeadamente o de cuidar em todas as circunstâncias da sua boa apresentação e evitar praticar acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou do decoro das FSM, mas o agente também é pessoa, um cidadão, tem a sua vida pessoal, privada. Ele não é um santo! Até diz-se “errar é humano!” Voz do povo, voz de Deus!
2) – Não obstante a conduta do Recorrente merecer censura, ele é primário, não está em causa um crime “grave”, o que se alcança pela moldura penal, que o legislador fixa até 1 anos de prisão ou multa até 240 dias (artigo 196º do CPM)!
3) – Os factos praticados não produzem perturbações ao normal funcionamento de serviço, nem danos concretos aos serviços;
4) – Os mesmos factos imputados ao Recorrente afecta a imagem da instituição? Parece que sim, mas de modo grave? Cremos que não.
5) - Não mostra ter uma personalidade desadaptada dos critérios e valores socialmente relevantes, uma vez que se lhe não aponta a prática anterior de um único ilícito disciplinar ou social, conforme decorre do procedimento disciplinar, nos cerca de vinte e um anos que leva de função pública, no CB, com classificação de serviço de Bom, desde 2011, tendo obtido ainda elogios seguintes:
- Louvor em 07/06/2007;
- Louvor Colectivo em 20/01/2008;
- Referência elogiosa em 30/09/2012;
- Medalha de Mérito Profissional de 10 anos, em 02/05/2007;
- Medalha de Mérito Profissional de 15 anos, em 02/05/2009;
- Medalha de Mérito Profissional de 20 anos, em 23/04/2014.
6) - Era bem conceituado pelos colegas de trabalho, manifestando disponibilidade para o serviço e para ajudar os colegas de trabalho, conquistando respeito dos mesmos, servindo de exemplo para os colegas, factos estes que foram objecto de elogio e de publicação nas ordens de serviços do CB (fls. 53 do PA).
7) – Na fundamentação foi invocado que o Recorrente é “indigno” e “incapaz” para se manter em funções, mas parece-nos que esta “conclusão” é mais adequada à previsão legal do artigo 239º do EMFSM do que à do artigo 240º do mesmo diploma, pois, está em causa a “incapacidade” do agente/Recorrente.
Tudo isto leva-nos a considerar que aplicação de uma censura disciplinar de menor gravidade é o bastante e cumpria integralmente a função sancionatória que os actos praticados pela Recorrente justificam. Ou seja, e dito de outro modo, a pena aplicada ao Recorrente é, para nós, manifestamente desajustada, por excessiva e injusta, face às circunstâncias em que os factos ocorreram. Com efeito, se a pena de suspensão ou, no limite, a pena de aposentação compulsiva cumpriam o desiderato visado pela acção punitiva que os actos reclamavam não se devia ter optado de uma pena expulsória de tanta gravidade e de tão grandes repercussões.
Deste modo, e porque se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, não foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro, é de dar provimento ao recurso e anular o acto impugnado.
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Síntese conclusiva:
I - É do entendimento quase uniforme que a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao agente infractor do processo disciplinar.
II - A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.
III – A aplicação de uma ou de outra das medidas expulsivas de função (aposentação compulsiva ou demissão) não é arbitrária, visto o artigo 239º do EMFSM estabelecer que “a pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções” e que a pena de demissão está reservada - é especialmente aplicável - àqueles que tiverem cometido crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a três anos, aos que abusem dos poderes de autoridade conferidos por lei.
IV – O artigo 238º do EMFSM elenca as situações em que se pode aplicar a pena de demissão (ou de aposentação compulsiva), a opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos respectivos, enquanto nas hipóteses previstas no artigo 240º do mesmo EMFSM aplica-se a pena de demissão.
V – O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
VI - Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
VII – Tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto (artigo 232º do EMFSM) – o agente ser primário, praticar ilícitos que não têm nada a ver com as funções desempenhadas, nem perturbações para o normal funcionamento do serviço, ter sempre comportamentos exemplares, obter elogios e louvores, ser bem conceituado pelos colegas de trabalho, manifestar sempre disponibilidade para o serviço e colegas, ter mais de 21 anos de serviço - Tudo isto leva-nos a considerar que aplicação de uma censura disciplinar de menor grave é o bastante e cumpria integralmente a função sancionatória que os actos praticados pela Recorrente justificam. Ou seja, e dito de outro modo, a pena aplicada ao Recorrente é, para nós, manifestamente desajustada, por excessiva e injusta, face às circunstâncias em que os factos ocorreram. Com efeito, se a pena de suspensão ou, no limite, a pena de aposentação compulsiva cumpriam o desiderato visado pela acção punitiva que os actos reclamavam, não se devia ter optado de uma pena expulsória de tanta gravidade e de tão grandes repercussões, em cumprimento do princípio da proporcionalidade.
VIII - Deste modo, e porque se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, não foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro, é de dar provimento ao recurso e anular o acto impugnado.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o presente recurso, anulando-se o despacho punitivo recorrido.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 13 de Setembro de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido e Pinho
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Mai Man Ieng
2017-5-demissão-disciplinar 42