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Processo nº 795/2018 Data: 20.09.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “auxílio”.
Agravação.
Tentativa.
Concurso real.
(Número de crimes).


SUMÁRIO

1. Provado estando o “acordo”, mas não tendo o arguido recebido (efectivamente) o dinheiro acordado como recompensa pela sua tarefa no transporte de indocumentados para Macau, “consumado” não está o tipo de crime de “auxílio (agravado)”, previsto no n.° 2 do art. 14° da Lei n.° 6/2004.

2. Assim, e atenta a moldura penal prevista no art. 14°, n.° 1 para o crime de “auxílio (simples)”, (de 2 a 8 anos de prisão), e a que no n.° 2 cabe ao mesmo crime, mas agravado, e – no caso – na forma tentada, (1 a 5 anos e 4 meses de prisão), deve-se optar pela primeira que prevê sanção mais severa, melhor assegurando a protecção do bem jurídico tutelado.

O relator,

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José Maria Dias Azedo
Processo nº 795/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguida com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a final, a ser condenada como autora da prática em concurso real de 3 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão; (cfr., fls. 110 a 115 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.

Na sua motivação de recurso e em sede das suas conclusões assaca ao Acórdão recorrido o vício de “errada aplicação de direito”, pugnando por uma alteração da qualificação jurídica da sua conduta, no sentido de ser condenada como autora de 1 só crime do art. 14°, n.° 1 – e não art. 14°, n.° 2 – da Lei n.° 6/2004, ou o de “auxílio” (agravado) na forma tentada e continuada; (cfr., fls. 124 a 132).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece parcial provimento; (cfr., fls. 135 a 136-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 145 a 145-v).

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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 111-v a 112-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem a arguida recorrer do Acórdão que a condenou como autora da prática em concurso real de 3 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 5 anos e 3 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão.

É de opinião que incorreu o Tribunal a quo no vício de “errada aplicação de direito”, pugnando por uma alteração da qualificação jurídica da sua conduta, no sentido de ser condenada como autora de 1 só crime do art. 14°, n.° 1 – e não art. 14°, n.° 2 – da Lei n.° 6/2004, ou o de “auxílio” (agravado) na forma tentada e continuada.

Vejamos.

Estatui o dito art. 14° da Lei n.° 6/2004 que:

“1. Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 5 a 8 anos”.

–– E, atento o assim estatuído, e antes de mais, dado que provado está que a arguida foi interceptada em “local junto à Ponte da Amizade”, dúvidas não há que a sua conduta concorreu para a “entrada em Macau” de pessoas clandestinas, integrando a prática do crime em questão.

–– Em relação ao “número de crimes”, tem este Tribunal entendido – maioritariamente – que este se determina “de acordo com o número de imigrantes clandestinos em questão, (auxiliados)”; (cfr., v.g., o Ac. de 07.12.2016, Proc. n.° 871/2016, de 06.07.2017, Proc. n.° 262/2016, de 08.02.2018, Proc. n.° 791/2017 e de 30.07.2018, Proc. n.° 679/2018).

Assim, e em causa estando “3 imigrantes clandestinos”, adequada foi a consideração no sentido de que cometeu a arguida, em concurso real, 3 crimes de “auxílio”.

Continuemos.

–– Resulta da factualidade dada como provada que “acordado” estava que pela sua tarefa em transportar os 3 imigrantes ilegais para Macau iria a arguida receber RMB¥2.000,00.

E, assim, provado estando o “acordo”, mas não tendo a arguida recebido (efectivamente) o referido dinheiro como recompensa pela sua tarefa, evidente se apresenta que “consumado” não está o tipo de crime previsto no n.° 2 do art. 14° da Lei n.° 6/2004, pelo qual foi condenada.

E, então, cabe decidir se deve a arguida ser punida como autora de 1 crime do art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004 na forma consumada, ou como autora de 1 crime do mesmo art. 14°, mas do n.° 2, e na “forma tentada”?

Ora, a pena prevista no n.° 1 do art. 14° é a de 2 a 8 anos de prisão.

Por sua vez, no caso de em causa estar o tipo de crime (agravado) do n.° 2 deste mesmo art. 14°, mas, como se viu, na forma tentada, especialmente atenuada é a pena aí prevista de 5 a 8 anos de prisão, pelo que, atento o estatuído no art. 67° do C.P.M., aplicável é então a de 1 a 5 anos e 4 meses de prisão.

Perante as referidas molduras penais, e sendo que o n.° 1 do art. 14° prevê “sanção mais severa”, mostra-se-nos pois que se deve optar por esta que assegura uma protecção mais perfeita do bem tutelado; (cfr., v.g., nesse sentido, a declaração de voto anexa ao Ac. de 18.09.2003, Proc. n.° 158/2003, e, o Ac. do Vdo T.U.I. de 12.02.2014, Proc. n.° 83/2013 e F. Dias in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, pág. 1023 a 1027).

Nesta conformidade, atenta a moldura de 2 a 8 anos de prisão, nenhum motivo havendo para se proceder a uma “atenuação especial da pena”, (cfr., art. 66° do C.P.M.), e atentos os critérios dos art°s 40° e 65° do mesmo código, cremos que adequada é a pena de 2 anos e 9 meses de prisão para cada 1 dos 3 crimes pela arguida cometidos, e, em cúmulo jurídico, atento o art. 71° do mesmo diploma legal, justo e adequado se nos apresenta uma pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, havendo de, nesta exacta medida, alterar as penas parcelares e única pelo T.J.B. aplicadas.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso.

Pelo decaimento pagará a arguida a taxa de justiça de 4 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 20 de Setembro de 2018

José Maria Dias Azedo
[Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, e como venho entendendo em situações análogas, considero que cometeu a recorrente 1 só crimes de “auxílio” do art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004 – cfr., v.g., as declarações de voto anexas aos Acs. deste T.S.I. de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017 e de 14.06.2018, Proc. n.° 397/2018].

Chan Kuong Seng

Tam Hio Wa

Proc. 795/2018 Pág. 8

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