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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 21/09/2018 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 421/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A (A), arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, assim como na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 142 a 147-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para, em conclusões, (e em síntese), imputar à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso no que toca à pena acessória”; (cfr., fls. 158 a 182).

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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 184 a 186-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.158 a 181 dos autos, o recorrente solicitou a absolvição e, a título subsidiário, a redução da pena acessória, assacando à sentença em escrutínio sucessivamente o erro notório na apreciação de prova e a ofensa das disposições nos arts.40° e 65° do CPM.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.184 a 186 verso).
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que a recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada a recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
Na sentença em questão, a MMa Juiz a quo esclareceu prudentemente que “至於控訴書第四點、第七點及第八點事實,尤其是嫌犯對事故是否當場有認知,本院認為結合所有證據後亦應當予以應定。一方面,的士行車紀錄儀拍攝到嫌犯的車輛行經的士旁邊時,的士是有明顯的震動的;雖然事故現場的監控錄像並非有完全良好的收音,但正好在兩車碰撞的一刻收錄到「嚓」一聲,可見當時兩車碰撞而發出的聲響是有一定的大聲程度。另一方面,從嫌犯駕駛的車輛在碰撞後的情況分析,從監控錄像所見,碰撞後該部車輛立即轉回右線;從行車紀錄儀的影像所見,嫌犯汽車在碰撞並立即轉線後車尾燈有兩次因剎車而亮燈的情況,該輛汽車亦出現慢車,並至碰撞發生的7秒後加速離開。按照一般駕駛者的經驗判斷,結合當時的現場環境,尤其是兩車本身亦為輕型汽車、兩車之撞擊導致的士兩扇車門及前車輪附近位置有花損及凹陷,以及兩車相撞的力度致的士有明顯震動及即時發生之「嚓」一聲,本院認為在發生上述事故時,一般駕駛者應當會意識到碰撞的發生,故本院亦因此而認為嫌犯當時意識到碰撞,尤其亦因對碰撞有所認知,其才會立即把原本駛於兩條行車道中間的汽車轉回右線、出現兩次剎車及慢車的反應,而在7秒後才加速離開,反而認為嫌犯的聲明及第二證人X的證言可信度較低。基於此,本院認為嫌犯當時已認知到兩車相撞的事實,但仍故意逃離現場,意圖使自己免於承擔民事或刑事責任。”
Com respeito pela opinião diferente, colhemos tranquilamente que a valoração dos meios de provas desconformes pela MMa Juiz a quo e a sua convicção são prudentes é perfeitamente coerentes com as regras de experiência, e imunes de qualquer incompatibilidade ou contradição.
Nesta linha de ponderação e em consonância com as orientações jurisprudenciais supra aludida, temos por concludente que a arguição do erro notório na apreciação de prova é fatalmente inconsistente, e a decisão respeitante aos factos provados 4), 7) e 8) é sã e inatacável.
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Na sentença em crise, a MMa Juiz a quo decretou, de acordo com o disposto na alínea 2) do art.94° da Lei n.°3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), a pena acessória de inibição de condução no período de um ano e seis meses com execução efectiva (sem suspensão da execução). O recorrente pretendeu a redução deste período para o não superior a seis meses.
Repare-se que, como bem salientou o ilustre colega, os documentos de fls.61 a 69 demonstra inequivocamente que o recorrente não é primário e, no período decorrido de Junho de 2015 a Setembro de 2017, incorreu em noventa e sete (97) infracções de trânsito.
A chocante frequência de 97 infracções de trânsito durante só 28 meses aconselha-nos acreditar que o período de um ano e seis meses estabelecido pela MMa Juiz a quo para a referida pena acessória de inibição de condução com execução efectiva é estritamente necessária não só para caucionar a segurança pública e os eminentes interesses do público em geral, mas também para salvaguardar a vida e integridade física do próprio recorrente, e o pedido de redução em si é censurável.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 195 a 196-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 143 a 143-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor material de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, assim como na pena acessória de inibição de condução por 1 ano e 6 meses.

Entende que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo também redução da pena acessória de inibição de condução para outra não superior a 6 meses.

Apresenta-se clara e evidente a improcedência do assim pretendido, aliás, como na Resposta e Parecer do Ministério Público se demonstra, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, e a título de mero complemento, consigna-se o que segue.

Vejamos.

–– No que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos repetidamente entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017, de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017 e de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017, de 07.12.2017, Proc. n.° 877/2017 e de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018).

Dito isto, constatando-se que em audiência foram produzidos vários depoimentos assim como analisados vários documentos e fotos, (cfr., acta de julgamento e fundamentação da sentença, a fls. 140 a 141 e 143 a 145), e não se vislumbrando “onde”, “como”, e “em que termos” desrespeitou o Tribunal a quo qualquer regra sobre a valoração da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, patente é que inexiste qualquer “erro” – muito menos, “notório” – na apreciação da prova.

–– Quanto à “pena acessória”.

À situação dos autos cabe a pena acessória de inibição de condução por um período de 2 meses a 3 anos; (cfr., art. 94° da Lei n.° 3/2007).

E, sem embargo do muito respeito por melhor opinião, (e tal como sucedeu em relação à “pena principal”), também aqui se nos apresenta que motivos não há para qualquer censura à decisão recorrida.

Com efeito, a pena (acessória) aplicada está a 1 ano e 4 meses do seu mínimo legal e a 1 ano e 6 meses do seu limite máximo, situando-se, sensivelmente, a meio da moldura aplicável, não nos parecendo assim que seja uma pena desproporcionada e que justifique qualquer reparo.

Como bem nota o Ministério Público, verificando-se que o recorrente tem um – notável – registo de transgressões à “Lei do Trânsito Rodoviário” – com 97 infracções em menos de 3 anos – visto esta que muitos fortes são as necessidades de prevenção de nova repetição de condutas semelhantes, tornando, em nada excessiva a medida da pena em questão que, (não chegando ao meio sequer da moldura legal), apresenta-se-nos até (algo) benevolente.

Dest’arte, e tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 21 de Setembro de 2018
José Maria Dias Azedo
Proc. 421/2018 Pág. 14

Proc. 421/2018 Pág. 15