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Processo n.º 529/2016 Data do acórdão: 2018-9-20
Assuntos:
– art.º 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal
– acidente de viação
– correr de súbito para atravessar a via pública
S U M Á R I O


Como o tribunal recorrido não chegou a dizer se o facto alegado num ponto da contestação – segundo o qual o ofendido correu de súbito para atravessar a via pública em causa – foi ou não provado, sendo certo que este facto alegado pelo arguido é relevante para efeitos da percepção da causa completa do acidente de viação em questão e não é logicamente desconforme com a matéria de facto então acusada ao arguido e na parte finalmente dada por provada (é que o alegado facto de o ofendido ter corrido de súbito para atravessar a via pública poderia ser uma das causas simultânea ou concorrentemente provocadoras do acidente), existe assim o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, pelo que é de reenviar o processo para novo julgamento, com vista a indagar, de novo, toda a matéria fáctica controvertida acerca da causa do acidente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 529/2016
(Autos de recurso penal)
  Recorrentes: Ministério Público
  B (B)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 122 a 127 do Processo Comum Singular n.o CR2-16-0020-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido B, aí já melhor identificado, como autor material de um crime consumado de ofensa grave à integridade física por negligência, na pena de 195 dias de multa, à quantia diária de 90 patacas, no total, pois, de 17550 patacas, convertível, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, em 130 dias de prisão, para além de ser condenado em cinco meses de inibição de condução, inibição essa suspensa na sua execução por um ano e seis meses.
Vieram recorrer o Ministério Público e o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
A Digna Delegada do Procurador recorrente, na motivação apresentada a fls. 154 a 159v dos presentes autos correspondentes, apontou à sentença os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova, aludidos respectivamente nas alíneas a), b) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal (CPP), para pedir a absolvição do arguido.
Enquanto o arguido, na motivação de fls. 161 a 165 dos autos, imputou também à mesma sentença os vícios referidos nas alíneas a) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, para rogar a sua absolvição ou o reenvio do processo para novo julgamento.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta junto desta Segunda Instância emitiu, em sede de vista, parecer a fl. 181, pronunciando-se no sentido de seguir a posição assumida pelo Ministério Público em sede de motivação de recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida foi proferida a fls. 122 a 127, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
Em sintonia com a matéria de facto dada aí por provada: o arguido, ao conduzir o veículo em questão, não chegou a observar em detalhes a situação do tráfego na sua frente nem regulou a velocidade em função da situação da via pública em causa nem travou em tempo o veículo, quando o pavimento foi seco, o fluxo do tráfego foi escasso e o local onde atravessou o ofendido a mesma via pública foi dentro do âmbito da visão do próprio arguido (cfr. mormente a matéria fáctica descrita como provada nos últimos três parágrafos da página 3 da sentença a fl. 123).
2. A acusação então deduzida pelo Ministério Público contra o arguido consta de fls. 67 a 68v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
3. A contestação então apresentada pelo arguido consta de fls. 87 a 91 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
Nessa contestação apresentada pelo arguido à matéria fáctica acusada pelo Ministério Público a fls. 67 a 68v, foi expressamente alegado, no ponto 2 da contestação (a fl. 87), que o ofendido correu de súbito para atravessar a via pública em causa.
4. Na fundamentação fáctica da sentença recorrida, foi descrito como provado que o ofendido atravessou a via pública em causa, dentro do âmbito de visão do arguido (cfr. o 3.o facto provado, descrito a fl. 123).
5. Na mesma fundamentação fáctica da sentença, o Tribunal recorrido, no respeitante aos factos não provados, afirmou que não foi dada como provada a factualidade descrita na acusação que estivesse desconforme com a factualidade já dada por provada. Afirmou também esse Tribunal que foram dados como não provados três “factos com relevância” alegados na contestação (e transcritos nas 8.a a 11.a linhas da página 5 do texto da sentença, a fl. 124).
6. Na fundamentação probatória da sentença recorrida, o Tribunal recorrido chegou a referir que o ofendido disse na audiência de julgamento que correu para a via pública em causa (cfr. o penúltimo parágrafo da página 5 do texto da sentença, a fl. 124).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
É de observar, de antemão, que este TSI, como tribunal ad quem, só tem obrigação de decidir das questões material e concretamente colocadas pela parte recorrente nas conclusões da respectiva motivação, e já não de aquilatar da justeza ou não de todos os argumentos invocados pela parte recorrente na respectiva motivação para sustentar a procedência da sua pretensão (neste sentido, cfr., nomeadamente, os arestos deste TSI nos seguintes processos penais: de 4/3/2004 no processo n.° 44/2004, de 12/2/2004 no processo n.º 300/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de 6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.° 226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de 20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002, de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º 130/2000).
E desde já, detecta-se um mesmo lapso manifesto de escrita na 9.a linha da página 9 e na 2.a linha da página 10, ambas do texto da sentença recorrida, respeitante à indicação de um dos artigos do Código Penal (CP), lapso esse que se rectifica ao abrigo do art.o 361.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, do CPP, de modo seguinte: onde se lê aí “142.o, n.o 1” se deve ler correctamente como sendo “142.o, n.o 3”.
Pois bem, quer o Ministério Público quer o arguido assacaram à decisão penal condenatória recorrida os vícios aludidos nas alíneas a) e c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, tendo o Ministério Público apontado à mesma decisão também o vício previsto na alínea b) do n.o 2 deste artigo.
É de começar pela abordagem do assacado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Na contestação então apresentada pelo arguido a fls. 87 a 91 à matéria fáctica acusada pelo Ministério Público a fls. 67 a 68v, foi expressamente alegado, no ponto 2 da contestação (a fl. 87), que o ofendido correu de súbito para atravessar a via pública em causa.
Na fundamentação fáctica da sentença recorrida, foi descrito como provado que o ofendido atravessou a via pública em causa, dentro do âmbito de visão do arguido (cfr. o 3.o facto provado, descrito a fl. 123).
Na mesma fundamentação fáctica da sentença, o Tribunal recorrido, no respeitante aos factos não provados, afirmou que não foi dada como provada a factualidade descrita na acusação que estivesse desconforme com a factualidade já dada por provada. Afirmou também esse Tribunal que foram dados como não provados três “factos com relevância” alegados na contestação (e transcritos nas 8.a a 11.a linhas da página 5 do texto da sentença, a fl. 124).
Entretanto, o Tribunal recorrido não chegou a dizer se o facto alegado no ponto 2 da contestação foi ou não provado, sendo certo que este facto alegado pelo arguido é relevante (para efeitos da percepção da causa completa do acidente de viação) e não é logicamente desconforme com a matéria de facto então acusada ao arguido e na parte finalmente dada por provada (é que o alegado facto de o ofendido ter corrido de súbito para atravessar a via pública poderia ser uma das causas simultânea ou concorrentemente provocadoras do acidente de viação).
Ante isso, é de concluir pela existência do assacado vício aludido na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, pelo que sem mais abordagem por desnecessária, é de reenviar o processo para novo julgamento, por um Tribunal Colectivo, nos termos do art.o 418.o, n.os 1 e 3, do CPP, com vista a indagar, de novo, toda a matéria fáctica controvertida acerca da causa do acidente de viação.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em:
– 1) rectificar um mesmo lapso manifesto de escrita contido na 9.a linha da página 9 e na 2.a linha da página 10, ambas do texto da sentença recorrida, de modo seguinte: onde se lê aí “142.o, n.o 1” se deve ler correctamente como sendo “142.o, n.o 3”;
– e 2) julgar providos os recursos, determinando o reenvio do processo para novo julgamento nos termos acima indicados.
Sem custas.
Fixam em duas mil patacas os honorários do seu Ex.mo Defensor Oficioso do arguido, a pagar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao ofendido C (C), na pessoa do seu Ilustre Advogado.
Macau, 20 de Setembro de 2018.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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