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Processo nº 772/2018 Data: 11.10.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “auxílio”.
Crime de “acolhimento”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Concurso real.
Qualificação jurídica.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.

2. É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. art. 336° do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. art. 114° do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.

Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

3. Provado estando que os arguidos integravam um grupo que, com divisão de tarefas, se dedicava a angariar, transportar e instalar em Macau imigrantes ilegais, e assim tendo, efectivamente, sucedido, adequada é a qualificação da sua conduta como a prática em co-autoria e em concurso real dos crimes de “auxílio” e “acolhimento”.

4. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 772/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. LEI X X (李XX) e LIN X X (林XX), (1° e 2°) arguidos com os restantes sinais dos autos, responderam no T.J.B., vindo a ser condenados como co-autores materiais da prática de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena (individual) de 6 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 623 a 630 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformados, os arguidos recorreram.

O (1°) arguido LEI X X, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; (cfr., fls. 669 a 672).

O (2°) arguido LIN X X, assacando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “errada aplicação de direito” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 649 a 667-v)

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Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 685 a 689-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou também o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer pugnando pela improcedência dos recursos.

Tem o Parecer o teor seguinte:

“Nestes autos, ambos os arguidos interpuseram recursos do Acórdão em crise (cfr. fls.623 a 630 dos autos), onde o douto Tribunal a quo condenou-os em terem praticado, na co-autoria material e forma consumada, um crime de auxílio qualificado p.p. pelo n.°2 do art.14° da Lei n.°6/2004.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre colega na douta Resposta (cfr. fls.685 a 689 verso), no sentido da total improcedência dos dois recursos em apreço. Com efeito, temos nada de relevância para acrescentar-lhe.
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1. Da arguição de erro notório na apreciação de prova
Nas respectivas Motivações (vide. fls.668 a 672 e 649 a 667 dos autos), os dois recorrentes assacaram, em primeiro lugar, o erro notório na apreciação de prova, arrogando o 1° arguido a inexistência da prova de ele ir receber percentagem elevada na quantia de 15,000.00 RMB, e o 2° arguido a indevida falta de consideração de algumas provas relevantes, de outro lado, os dois insistiram que eles desconheceram reciprocamente, e nenhum deles conhecera os restantes arguidos cuja identidade não se apurou.
Ora, o circunstancialismo – altura, lugar, etc – referido nos factos provados 5° a 7° torna indubitável que é manifestamente desacreditável e contrário às regras de experiência o argumento (do 2° arguido) de ele não ter sabido que os dois indivíduos transportados pelo 1° arguido a Macau fosse indocumentados, sendo pois argumento um contra-senso.
É provável que o 1° e o 2° arguidos, entre eles dois reciprocamente e/ou com outros, não chegaram ao prévio conluio e não formaram estável grupo, todavia, não há margem para dúvida de que ninguém deles dois é altruísta ou prestou ajuda gratuita. À luz das regras de experiência, temos por irrefutável que existia, no mínimo, um acordo acidental ou ocasional entre estes dois arguidos bem como entre eles e outros desconhecidos.
No actual ordenamento jurídico de Macau, encontra-se consolidada a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que a recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada a recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
Por sua banda, o douto TSI consolida a orientação jurisprudencial de que comete o crime de auxílio qualificado p. e p. pelo n.°2 do art.14° da Lei n.°6/2004, o arguido que transporta pessoas indocumentadas para Macau a troco de pagamento de quantias monetárias acordadas, ainda que este pagamento seja, num primeiro momento, efectuado a terceiros e não directamente ao arguido. (vide. arestos nos processos n.°528/2010, n.°913/2012 e n.°412/2013)
Em esteira destas sensatas jurisprudências, ficamos convictos de que a valoração das provas produzidas pelo Tribunal a quo está em plena conformidade com as regras respeitante a apreciação de prova, e não eiva do arrogado erro notório na apreciação de prova a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo na sua totalidade, sobretudo, a matéria referente ao acordo entre os dois arguidos/recorrentes com outrem, bem como à afirmação de que “兩名嫌犯藉著參與有關活動以獲得豐厚的報酬” (vide a última parte do 1° facto provado elencado no Acórdão impugnado neste recurso).
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2. Da invocação da insuficiência para a decisão da matéria de fact provada
Os dois arguidos/recorrentes invocaram ainda a insuficiência da matéria de facto provada a decisão de condená-los em terem praticado, na co-autoria material e forma consumada, um crime de auxílio qualificado p.p. pelo n.°2 do art.14 ° da Lei n.°6/2004.
Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.°12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.°9/2015)
No caso sub judice, acontece que o Tribunal a quo investigou toda a matéria submetida na Acusação do M.°P.° e nas contestações, de outra banda, o 1 ° e o 10° factos provados demonstram inequivocamente tanto o prévio acordo e conluio entre os dois arguidos/recorrentes e entre eles com os seus compartes, como o pagamento efectivo a tais compartes do montante de 15,000.00 RMB a título de recompensa.
Convém recordar, mais uma vez, que o Venerando TSI consolida a orientação jurisprudencial, no sentido de que comete o crime de auxílio qualificado p. e p. pelo n.°2 do art.14° da Lei n.°6/2004, o arguido que transporta pessoas indocumentadas para Macau a troco de pagamento de quantias monetárias acordadas, ainda que este pagamento seja, num primeiro momento, efectuado a terceiros e não directamente ao arguido. (vide. Acórdãos nos Processos n.°528/2010, n.°913/2012 e n.°412/2013)
À luz das brilhantes jurisprudências supra aludidas, e na medida em que a matéria de facto provada na sua totalidade assegura cabalmente a decisão de condená-los em terem praticado, na co-autoria material e forma consumada, um crime de auxílio qualificado p.p. pelo n.°2 do art.14° da Lei n.°6/2004, colhemos que é incuravelmente descabida a invocação da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
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3. Quanto à redução da pena e ao número de crimes
O 2° arguido/recorrente assacou ainda a severidade excessiva da pena de seis anos e seis meses de prisão que lhe tinha sido aplicada pelo Tribunal a quo, alegando ser primário, possuir só escolaridade primária e ter desempenhado apenas uma função acessória/subsidiária.
Ora, importa ter presente que fica consolidada a iluminativa jurisprudência que vem asseverando que “em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente.” (cfr. Acórdãos do douto TSI nos Processos n.°210/2016, n.°871/2016, n.°339/2017, n.°812/2017 e n.°1015/2017)
Em conformidade com esta orientação jurisprudencial, afigura-se-nos que o Venerando TSI deve proceder à convolação, no sentido de condenar o 2° arguido/recorrente em cometer, em concurso real, dois crimes de auxílio p.p. pelo n.°2 do art.14° da Lei n.°6/2004. O que conduz a que o pedido de atenuação da pena aplicada seja descabido e inviável.
Para além disso, acompanhamos a prudente observação da ilustre colega que alertou que o 2° arguido/recorrente negou a prática dos factos ilícitos imputados a ele, não manifestou arrependimento, agiu com dolo directo e é elevada a gravidade da ilicitude por si cometida.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 699 a 701-v).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 624-v a 625-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem os (1° e 2°) arguidos LEI e LIN recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.

E começando-se por identificar as “questões” pelos recorrentes trazidas à apreciação deste T.S.I., cabe dizer que entende o (1°) arguido LEI que o Acórdão recorrido padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, sendo o (2°) arguido LIN de opinião que o Acórdão recorrido se encontra inquinado com os mesmos vícios de “erro” e “insuficiência”, considerando ainda que no mesmo se terá feito “errada aplicação de direito”, e pugnando pela alteração da qualificação jurídico-penal efectuada e pela sua condenação como autor de 1 crime de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 6/2004, com a consequente redução da pena.

Sem demoras, vejamos.

–– Das “questões relacionadas com a decisão da matéria de facto”, e começando-se pela imputada “insuficiência”.

Repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.10.2017, Proc. n.° 814/2017, de 14.12.2017, Proc. n.° 1081/2017 e de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

Mostrando-se de manter na íntegra o que se deixou consignado, evidente se apresenta que inexiste o assacado vício de “insuficiência”, pois que o Tribunal a quo investigou e emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que ficou provada, notando-se que, no caso, não houve matéria de facto por provar.

Por sua vez, e no que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos também repetidamente entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017, de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017 e de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017, de 07.12.2017, Proc. n.° 877/2017 e de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E, como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, evidente se apresenta que a decisão recorrida se apresenta clara e lógica, e de acordo com as regras de experiência e legis artis, não se tendo desrespeitado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, manifesta sendo também aqui, a improcedência do recurso.

–– Inexistindo os assinalados “vícios”, e, da mesma forma, não se vislumbrando também qualquer “contradição”, (muito, menos, insanável), passemos agora para a “qualificação jurídico-penal” da conduta do (2°) arguido LIN, que pretende uma alteração desta

Como se viu, foi o (2°) arguido condenado como co-autor de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004.

Nos termos deste art. 14° da Lei n.° 6/2004:

“1. Quem dolosamente transportar ou promover o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 5 a 8 anos”.

Por sua vez, prescreve o art. 15° da mesma Lei que:

“1. Quem dolosamente acolher, abrigar, alojar ou instalar aquele que se encontre em situação de imigração ilegal, ainda que temporariamente, é punido com pena de prisão até 2 anos.
2. Se o agente obtiver, directamente ou por interposta pessoa, vantagem patrimonial ou benefício material, para si ou para terceiro, como recompensa ou pagamento pela prática do crime referido no número anterior, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.

E, ponderando na factualidade dada como provada e ao estatuído no transcrito art. 14° da Lei n.° 6/2004, claro se nos apresenta que não tem o recorrente qualquer razão quanto à pretendida desqualificação da sua conduta no que toca à prática como co-autor de 1 crime de “auxílio”.

De facto, “receber” e “transportar”, (já) em Macau, imigrante clandestino, não constitui a conduta tipificada na norma do art. 14°, quanto ao dito crime de “auxílio”, onde se pune uma conduta que, de qualquer forma, concorra “para a entrada em Macau de imigrante clandestino”.

Todavia, incorrecta não (foi nem) é a sua condenação como co-autor de 1 crime de “auxílio”, pois que o ora recorrente agiu no âmbito de um plano previamente estabelecido e acordado com o (1°) arguido LEI e outros, no âmbito do qual, angariados os interessados, e com “divisão de tarefas”, traziam e acomodavam imigrantes clandestinos transportados para Macau.

Desta forma, e não obstante a conduta do ora recorrente se destacar na “recepção, em Macau, dos indocumentados”, dúvidas não há que havia a um “plano”, onde se incluía o angariamento e transporte destes para Macau, partilhando, ambos (os arguidos), os ganhos que viessem a obter com tal actividade, o que, no caso, igualmente sucedeu, visto que provado está que houve pagamento feito a 1 outro “indivíduo não identificado do grupo”, (qualificado de “同伙”, “Tong fó” dos arguidos).

Nesta conformidade, e observado que foi o contraditório, adequado se apresenta considerar que a conduta dos arguidos integra, também, a prática em concurso real do crime de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 6/2004; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 25.05.2017, Proc. n.° 234/2017).

–– Aqui chegados, vejamos do inconformismo do recorrente quanto à “pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018, de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018 e de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018).

No caso, e independentemente do demais, muito intenso é o dolo – directo – do arguido, pois que, agiu em comparticipação, de acordo com um plano previamente traçado, encontrando-se em Macau, como visitante, (não se coibindo de desenvolver a conduta nestes autos dada como provada e já referida).

Por sua vez, face à “personalidade” pelo arguido revelada, (não demonstrando arrependimento), e à “natureza” do crime em questão, fortes são as necessidades de prevenção criminal (especial e geral), a reclamar adequada sanção.

Nesta conformidade, atenta a moldura penal em questão para o crime de “auxílio (agravado)” – 5 a 8 anos de prisão – e em respeito ao estatuído no art. 399° do C.P.P.M., justa e adequada é a pena de 6 anos e 6 meses de prisão que lhe foi fixada pelo dito crime.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos.

Pagarão os (1° e 2°) arguidos LEI e LIN a taxa de justiça (individual) de 5 e 8 UCs, respectivamente.

Honorários ao Exmo. Defensor do (1°) arguido LEI no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 11 de Outubro de 2018

José Maria Dias Azedo
[Com a nota de que mantenho o meu entendimento quanto à questão do “número de crimes” de “auxílio” e “acolhimento”; cfr., v.g., a declaração de voto do Ac. de 20.09.2018, Proc. n.° 795/2018].
Chan Kuong Seng (com declaração de que: não tendo sido impugnada, nem por qualquer pessoa arguida, nem pelo M.P., a qualificação jurídico-penal dos factos, este T.S.I. teria de manter isto, e mesmo que assim não se entendesse, sempre diria que o número de crimes de acolhimento se contaria em função do número de pessoas ilegalmente acolhidas).
Tam Hio Wa (entendo que o número de crimes de auxílio e de acolhimento contaria-se com o número de pessoas ilegais envolvidas.)
Proc. 772/2018 Pág. 30

Proc. 772/2018 Pág. 31