Processo nº 444/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 04 de Outubro de 2018
ASSUNTO:
- Junção dos documentos na motivação do recurso
- Liquidação do quantum indemnizatório
SUMÁRIO :
- A apresentação de documentos juntamente com as alegações, fora dos casos do art. 451º, apenas se justifica, não por causa da posição das partes na petição inicial ou na contestação, mas em virtude da atitude inquisitiva do tribunal na recolha de algum elemento instrutório (portanto, não oferecido pelas partes), ou por causa de alguma disposição jurídica ou regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contassem. Ou seja, a sua admissibilidade nessa fase está relacionada com o efeito surpresa que para o apresentante constituiu a posição do tribunal recorrido.
- Se foi orçamentado um determinado valor da reparação dos danos causados e aceite pelo Tribunal, é este o montante líquido da indemnização, não precisa esperar à efectiva reparação.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 444/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 04 de Outubro de 2018
Recorrente: A SARL (Ré)
Recorrida: B (Autora)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 09/01/2018, julgou-se parcialmente procedente a acção interposta pela Autora B, e em consequência condenou a Ré A SARL a pagar à Autora a quantia de MOP$329,924.00 acrescida dos juros à taxa legal a contar da data desta sentença até integral pagamento.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. A Decisão recorrida, pelas razões que a seguir se explanam, não colhe a aquiescência da ora recorrente no que diz respeito à condenação ao pagamento MOP301.514,00 a título de danos relativos ao valor do conserto do carro da Autora, sendo apenas esse o objecto do presente recurso.
Da nulidade da sentença por oposição entre a fundamentação e a decisão
2. Salvo o devido respeito, que é muito, considera a ora Recorrente que a douta Sentença recorrida poderá padecer da nulidade prevista no artº 571, n° 1, alínea c) do C.P.C., ou seja, uma oposição entre a fundamentação e a decisão.
3. Para o que adiante se alega, importa citar o apurado pelo Douto Tribunal a quo e referido na douta Sentença:
- na alínea o): "(...) em virtude de não ter disponibilidade financeira para proceder de imediato ao conserto do mesmo";
- o fundamento avançado pelo próprio tribunal para condenar, ao lembrar, e bem, que "o dano consiste no prejuízo que a conduta do agente causou a outrem" fls. 152 verso e 153 dos autos, com sublinhado nosso; e
- o fundamento do próprio tribunal na parte final do 2º parágrafo da página 11 da Douta Sentença: "(...) e a reparação está orçamentada em MOP301.514,00" (sublinha nosso).
4. Assim sendo, podemos concluir que o Tribunal fundamentou o seu iter decisório dando como assente que i) a reparação do veículo ainda não aconteceu e ii) que o valor de MOP301.514,00 não se reporta a qualquer dano verificado mas sim a um mero orçamento elaborado por uma oficina que nem sequer era a do representante oficial da marca do automóvel propriedade da Autora.
5. Ou seja, e reiterando o devido muito respeito, crê a ora Ré recorrente que os fundamentos parecem estar em oposição com a decisão da sentença.
6. É que se, por um lado, a fundamentação da decisão aponta para a ainda não verificação concreta e líquida dos danos, por outro, em oposição, a sentença condena ao pagamento de uma quantia líquida.
7. Ora, a sentença só pode condenar em danos liquidados - já incorridos e quantificados - ou a liquidar - ainda não incorridos ou não quantificados.
8. No caso em concreto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a quantia em que se condenou a Recorrente não corresponde nem a uns nem a outros.
9. A fundamentação aponta para a não liquidez dos danos, a decisão condenatória dá-los como certos e suportados já pela Autora e por isso indemnizáveis.
10. Sendo pacífico que o veículo ainda não foi consertado tendo isso mesmo sido reiteradamente afirmado pelas testemunhas em cujos depoimentos se formou a convicção do tribunal - outra decisão não podia ter tomado o Douto Tribunal recorrido a não ser a de, em coerência com a factualidade apurada e a fundamentação, condenar a Ré ao pagamento do valor do conserto do veículo que se viesse a apurar em sede de execução de sentença, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 564° do Código de Processo Civil.
11. Não o tendo feito, resulta uma oposição entre a fundamentação e a decisão, o que, nos termos do artº 571º, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil, leva à nulidade da sentença.
12. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem a reparar a decisão recorrida, de forma a que a mesma condene a Ré em coerência com o iter da fundamentação, nomeadamente que seja condenada a suportar o custo efectivo da reparação, em oficina ou representante de sua escolha e uma vez obtido o acordo da Autora, devendo esse custo vir a ser apurado em sede de liquidação de sentença.
Subsidiariamente, caso não receba o acolhimento de V. Exas. o acima alegado, deve a mesma decisão ser corrigida po força de ter sido precedida de um Erro de Julgamento
13. A matéria factual provada relevante ao objecto do que ora se alegará é a seguinte, extraída do Douto Acórdão que julgou a matéria de facto provada e não provada:
- Quesito levado à base instrutória:
"17º Uma vez que o veículo não chegou a ser reparado a actual quotação para essa reparação ascende a MOP301.154,00?"
- Ficou provado:
"Provado apenas que o valor da reparação do veículo é de MOP301.154,00".
14. Ora, com o devido respeito, o Douto Tribunal a quo -, como prontamente se deduz da comparação da leitura do quesito com a leitura do que se provou - deu como provado um facto diferente do quesitado.
15. O facto quesitado reportava-se ao valor constante de uma cotação/orçamento apresentado pela Autora e produzido por uma oficina particular, sem qualquer valor probatório quanto ao valor efectivamente gasto com a reparação, por um lado, ou sequer com força probatória plena por não poder ser tomada como cotação objectiva e imparcial.
16. O referido documento, junto à douta p.i. como Doc. 15, não é uma factura de quitação, logo logicamente não se trata do valor despendido pela Autora para a reparação do veículo.
17. Consequentemente, não são danos.
18. À data do julgamento, o carro da Autora não havia ainda sido consertado, daí o quesito levado à b.i. haver sido o valor da cotação e não o valor do conserto.
19. Por isso, salvaguardado o devido respeito, que é muito, considera a ora Recorrente que andou mal o Douto Tribunal a quo ao condenar por dano ainda não líquido, laborando o douto Tribunal a quo em erro de julgamento.
20. No entender do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, em vasta jurisprudência já produzida, "No erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa. (...) o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica (...)." (vide, por todos, acórdão STJ 341/08.9TCGMR.G1.S2 de 09/30/2010)
Assim, reiterando o devido respeito, consideramos que laborou em erro o Douto Tribunal a quo pois
21. deu como provado um facto não quesitado e ainda não ocorrido - o valor da reparação do veículo em vez do valor da cotação da reparação -;
22. e, consequentemente, por ter condenado a ora Ré ao pagamento de um dano que ainda não se produziu nem verificou.
23. Sendo pacífico que o veículo ainda não foi consertado, outra decisão não podia ter tomado o Douto Tribunal recorrido a não ser a de condenar a Ré ao pagamento do valor do conserto do veículo que se viesse a apurar em sede de liquidação e execução de sentença.
24. Afinal, o dano do conserto do veículo da Autora é um dano ainda ilíquido.
25. E assim o é porque um orçamento é apenas isso mesmo, uma estimativa do que vai custar determinada coisa ou serviço se prestado por aquela determinada entidade.
26. No caso em particular, e visto que o valor apresentado fica pouco aquém do valor de mercado actual para o modelo novo que atualmente sucede àquele da Autora (e que custa cerca de MOP350.000,00) é uma estimativa no mínimo bastante subjectiva e muito discutível.
27. Veja-se, a título de exemplo, uma perícia e orçamento pedido na altura dos factos pela ora Ré e que, com preços e serviços a prestar pela própria Alfa Romeo, apontava para valores consideravelmente mais baixos (Cfr. Doc 1 que ora se junta).
28. A Ré não sentira necessidade de juntar tal documento aquando da sua contestação pois sempre acreditou que em causa estaria o valor efectivo a apurar após a reparação a efectuar futuramente
29. e nunca que pudesse vir a ser condenada no pagamento de uma quantia apenas orçamentada, não líquida nem efectivamente despendida.
30. Ou seja, o referido Doc. 1 é ora junto por se tornar necessário em virtude do julgamento proferido em primeira instância, direito que lhe assiste ao abrigo do disposto na última parte do n° 1 do Artº 616° do C.P.C..
31. No caso dos autos, está-se perante urna situação em que, no momento da elaboração da sentença, não era ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito (o valor da reparação dos danos causados ao veículo da Autora).
32. E, assim sendo, salvo melhor opinião, deveria ter o douto Tribunal a quo condenado a ora Ré nos termos e para os efeitos do nº 2 do Artº 564° do Código de Processo Civil, ou seja condenar no que se viesse a liquidar em sede de execução de sentença, depois de apurados os danos em concreto.
33. O facto de a Autora ter pedido a condenação apresentando corno causa de pedir um acidente cuja ocorrência ficou provada não poderia ter conduzido o tribunal a quo a condenar no pagamento de urna quantia indemnizatória certa mas de um dano ainda ilíquido.
34. Veja-se, a esse propósito, jurisprudência muito pertinente também do STJ de Portugal, nomeadamente a do processo 06A4115 em acórdão de 12/19/2006: na condenação ilíquida, se não pedida, pode surgir "ex officio", mas não é possível a situação inversa, sob pena de comissão da nulidade da alínea e) do artigo 668º CPC."
35. Ou seja, entende a ora Recorrente que deveria o tribunal a quo ter condenado a Ré no pagamento do que se viesse a apurar em sede de execução de sentença, nos termos do já citado artº 564°, n° 2 do C.P.C e 558°, n° 2 última parte do Código Civil.
36. Veja-se, a esse propósito, como discorre o supra citado acórdão do STJ: A condenação em montante a liquidar na fase executiva pode surgir ou, como pedido genérico (alínea b) do artigo 471º do Código adjectivo, isto é, quando não seja ainda possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito - cf. ainda artigo 569º do CC) ou como consequência de um "non liquet" que se deparou ao julgador (...). Se o juiz pode - deve – remeter "ex officio" para fase executiva ulterior a liquidação, quando lhe foi pedida condenação em quantia certa, não pode fazer o contrário, isto é, liquidar oficiosamente um "quantum" que a parte entendeu dever ser diferido para a fase executiva. (Sublinhado nosso).
37. Ao ter condenado a ora Ré ao pagamento de uma quantia líquida quando o dano ainda é ilíquido, viola a douta Sentença o disposto no art.º 477°, n° 1, última parte do Código Civil, e o Artº 564, n° 2 do Código de Processo Civil, na medida em que está a condenar a Ré ao pagamento de uma quantia que não se provou ter sido já despendida ou que se vá, sequer, despender naqueles exactos montantes.
38. Pelo exposto, deverá a mesma sentença ser corrigida e a ora Ré condenada a suportar o custo efectivo da reparação, em oficina ou representante da sua escolha e uma vez obtido o acordo da Autora, devendo esse custo vir a ser apurado em sede de liquidação de sentença; ou
em alternativa, na hipótese de o Venerando TSI considerar admissível condenar em valor apenas orçamentado, levar em consideração o orçamento e peritagem ora juntos como Doc. 1 e condenar a Ré no pagamento de MOP135,643,20 (valor orçamentado pela peritagem após escrutínio do orçamento de MOP240,274 fornecido pela própria Alfa Romeo) ou, no máximo, no valor de MOP240,274 fornecido em orçamento pela própria Alfa Romeo e constante do mesmo Doc. 1.
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A Autora respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 199 a 206 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) No dia 19 de Setembro de 2013, pelas 00 horas e 55 minutos, a Autora tinha o seu veículo de matrícula MQ-XX-XX estacionado num dos lugares de estacionamento sitos na berma da Avenida Sidónio Pais;
b) Para julgamento dos factos ocorridos no dia e hora aludidos em a), correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, uma acção ordinária nº CV2-14-0065-CAO, proposta pela ora Autora contra a seguradora do veículo de matrícula MP-XX-XX, cuja sentença, transitada em julgado, decidiu absolver do pedido a ali Ré;
c) A responsabilidade civil emergente da condução do veículo MH-XX-XX encontrava-se, à data do acidente, transferida para a Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice nº MOT-XXXXXX/2012;
d) A Avenida Sidónio Pais é uma via de sentido único, composta por duas faixas de rodagem, com estacionamento do lado direito e com uma paragem de autocarros do lado esquerdo;
e) O automóvel de matrícula MH-XX-XX, que seguia na via de trânsito do lado esquerdo da Avenida Sidónio Pais, guinou bruscamente para o lado direito;
f) Entrando na via do lado direito da Avenida Sidónio Pais;
g) E foi colidir com o táxi MR-XX-XX que estava a circular nessa via;
h) Com a força do embate o MR-XX-XX foi projectado para a sua direita;
i) Indo embater em vários veículos;
j) Que se encontravam estacionados na berma da Avenida, nomeadamente no veículo da Autora;
k) Com a força do embate o MQ-XX-XX foi projectado do sítio onde estava estacionado para cima do parquímetro;
l) O que lhe causou danos também na parte lateral direita;
m) Em consequência deste acidente, o veículo da Autora ficou danificado em ambos os lados;
n) O veículo deixou de poder circular;
o) A Autora foi forçada a rebocá-lo para uma garagem em virtude de não ter disponibilidade financeira para proceder de imediato ao concerto do mesmo;
p) A Autora despendeu MOP600,00 com este reboque;
q) A Autora teve de guardar o carro numa garagem;
r) De 24.09.2013 a Maio de 2014 a Autora pagou HKD3,000.00 mensais pela garagem onde guardou o veículo;
s) O valor da reparação do veículo é de MOP301.514,00;
t) O veículo MP-XX-XX estacionou inicialmente numa zona destinada a autocarros;
u) Subindo inclusivamente metade do passeio;
v) Do veículo referido no item anterior saiu uma passageira que se encontrava no banco do lado esquerdo às 00:44:32;
w) O veículo em causa permaneceu aí estacionado até às 00:45:20;
x) A passageira regressa ao interior da viatura MP-XX-XX às 00:45:10;
y) Volvidos apenas uns segundos - 00:45:24 - o condutor do veículo MP-XX-XX inicia a manobra de marcha, virando à direita sem sinalizar o início da manobra;
z) Indo invadir a faixa de rodagem do lado esquerdo, onde seguia o veículo MH-XX-XX;
aa) Que para evitar o embate na traseira do veículo MP-XX-XX, teve que instintivamente virar à direita;
bb) Indo embater no veículo MR-XX-XX.
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III – Fundamentação
1. Questão prévia: da admissibilidade da junção dos documentos com a motivação do recurso:
Em sede da motivação do recurso, a Ré, ora Recorrente juntou o orçamento feito pela Alfa Romeo para a reparação do veículo da Autora no valor de MOP$240.274,00, alegando que tal junção se justifica ao abrigo do nº 1 do artº 616º do CPCM.
O artº 616º do CPCM prevê que:
1. As partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
2. Os documentos supervenientes podem ser juntos até se inciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, jurisconsultos ou técnicos.
3. É aplicável à junção de documentos e pareceres, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 467º e 468º.
Por sua vez, dispõe o artº 451º do CPCM que:
1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
No caso em apreço, o documento junta não é destinado a provar factos posteriores, mas sim para alterar a resposta do quesito 17º da Base Instrutória.
Serão então documentos necessários em virtude do julgamento proferido na primeira instância?
A resposta não deixa de ser negativa.
Ao nível da doutrina, o Prof. Antunes Varela1 ensina que o documento só se torna necessário em virtude do julgamento a quo quando a decisão a quo “se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”.
Ou seja, a decisão a quo pode, por isso, “criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam”.
A jurisprudência tanto local2 como comparada3 tem seguido a mesma linha de pensamento, decidindo que “A apresentação de documentos juntamente com as alegações, fora dos casos do art. 451º, apenas se justifica, não por causa da posição das partes na petição inicial ou na contestação, mas em virtude da atitude inquisitiva do tribunal na recolha de algum elemento instrutório (portanto, não oferecido pelas partes), ou por causa de alguma disposição jurídica ou regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contassem. Ou seja, a sua admissibilidade nessa fase está relacionada com o efeito surpresa que para o apresentante constituiu a posição do tribunal recorrido. Dito de outra maneira, só é possível a junção de documentos nesta fase se a sua necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância”.
No caso em apreço, o documento que serviu de prova do quesito 17º já se encontrava junto logo com a petição inicial (fls. 35 e 36 dos autos) e a Ré foi citada para efeitos de contestação, daí que se a Ré quiser apresentar contraprova, deveria o ter feito em momento próprio.
Pelo exposto, determina-se o desentranhamento do documento em causa.
Custas do desentranhamento pela Ré com 1UC de taxa de justiça.
2. Do recurso propriamente dito:
2.1 Da nulidade da sentença por oposição entre a fundamentação e a decisão:
Entende a Ré que a sentença é nula por oposição entre a fundamentação e a decisão, na medida em que considera, por um lado, que a reparação está orçamentada em MOP$301.514,00, ou seja, os danos ainda não são concretos e líquidos, e, por outro lado, condena ao pagamento de uma quantia líquida.
Como é sabido, só existe contradição insanável entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduziriam logicamente ao resultado oposto àquele que foi decidido.
No caso em apreço, não se verifica a alegada oposição.
Vejamos.
Uma coisa é o dano, outra é o valor da sua reparação.
O dano já se verifica no momento do acidente.
Quanto ao valor da sua reparação, no nosso entender, se foi orçamentado um determinado valor para o efeito e aceite pelo Tribunal, é este o montante líquido da indemnização, não precisa esperar à efectiva reparação.
Pois, já se sabe quanto precisa para a reparação dos danos, daí que não é necessária condenar no que se liquidar em execução da sentença.
2.2 Do erro de julgamento:
Na óptica da Ré, o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento na resposta do quesito 17º da Base Instrutória, por ter dado como provado um facto diferente do quesitado.
Foi perguntado quesito 17º o seguinte:
“Uma vez que o veículo não chegou a ser reparado, a actual quotação para essa reparação ascende a MOP$301.514,00?”
A resposta do quesito foi o seguinte:
“Provado apenas que o valor da reparação do veículo é de MOP$301.514,00”.
Não obstante a resposta do quesito difere ligeiramente do facto inicialmente quesitado, o certo é que nada afecta o sentido da decisão.
Como já supra referimos, se foi orçamentado um determinado valor da reparação e aceite pelo Tribunal, é este o montante líquido da indemnização, não precisa esperar à efectiva reparação.
Nesta conformidade, responder duma forma ou outra, o resultado é igual.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas do presente recurso pela Ré.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 04 de Outubro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
1 R.L.J., ano 115º, nº 3696, pág. 95 e 96.
2 Ac. do TUI, de 30/04/2013, Proc. nº 2/2003 e Acs. do TSI, de 7/02/2013 e de 18/07/2013, Procs. nºs 844/2011 e 50/2013, respectivamente.
3 Ac. do STJ de 12/01/94, no BMJ 433/467.
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