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Processo n.º 661/2016
(Recurso Contencioso)

Data : 18/Outubro/2018

Recorrente : A (A)

Recorrida : Secretário para a Segurança

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
A (A), Recorrente, devidamente identificado nos autos, não se conformando com o despacho nº 53/SS/2016 do Secretário para a Segurança (fls. 38 a 40), de 8/08/2016, pelo qual lhe foi aplicada a pena de demissão, veio em 13/09/2017, nos termos do artigo 36º/7 da Lei de Bases da Organização Judiciária, aprovada pela Lei nº 9/1999, do artigo 4º/2 do Regulamento Administrativo nº 6/1999, do artigo 291º do EMFSM e artigo 25º/2 do CPAC, interpor para este TSI o recurso contencioso, tendo formulado as seguintes conclusões :

1. O recorrente contencioso não se conforma com o despacho nº 53/SS/2016, de 8 de Agosto de 2016, do Secretário para a Segurança (adiante designado por “despacho recorrido”) – “Nestes termos, tendo ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina e atendendo às circunstâncias atenuantes e agravantes acima mencionadas, decido, no uso das competências conferidas pela Ordem Executiva nº 111/2014, Regulamento Administrativo nº 6/1999 (artº 4º, nº 2) e EMFSF (artº 211º) e nos termos do artº 232º e artº 238º, nº 1 e nº 2, als. a) e n) do EMFSF, a aplicação da pena de demissão ao arguido, A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº ....” – vem interpor o presente recurso contencioso.
2. Do despacho recorrido consta o acórdão proferido no processo CR4-15-0100-PCC do 4º Juízo Criminal do TJB e o despacho recorrido adoptou os factos provados em fls. 8 do acórdão como a matéria de facto da acusação no processo disciplinar nº D/39/10/JUN.
3. O recorrente contencioso A ingressou no Corpo de Bombeiros de Macau em 9 de Outubro de 1995, desempenhando a função de bombeiro. Até à presente, o recorrente contencioso foi promovido ao cargo de chefe assistente do Corpo de Bombeiros, cujo tempo de serviço excede a 20 anos.
4. E o recorrente contencioso tem um período de mais de 15 anos de serviço para os efeitos de aposentação.
5. O recorrente contencioso entende que o despacho recorrido padece de vício de nulidade e anulável, podendo ser declarado nulo ou anulável.
6. Primeiro, o despacho recorrido padece de vício de “prescrição”.
7. As infracções disciplinares foram apuradas no acórdão do processo CR4-15-0100-PCC do 4º Juízo Criminal do TJB são as seguintes:
7.1 o recorrente contencioso foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”, p.p. pelo artº 5º, nº 2 da Lei nº 11/2009 (Lei de combate à criminalidade informática), na pena de multa de 120 dias; e
7.2 na forma continuada de um crime de “devassa da vida privada”, p.p. pelo artº 186º, nº 1, als. b) e d) do CPM, na pena de multa de 120 dias.
8. A “pena máxima” para os dois crimes é de dois anos e o prazo de prescrição máximo de procedimento disciplinar é de 5 anos.
9. De acordo com o artº 205º do EMFSM, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar relativo aos dois crimes pelos quais foi condenado o recorrente contencioso também é de 5 anos, contado da data em que as infracções se tinham consumado.
10. Assim, o acto ilícito de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos” iniciou-se em Julho de 2008 e já se consumou. O acto ilícito de “devassa da vida privada” ocorreu desde Novembro ao dia 2 de Dezembro de 2009 e já se consumou.
11. A instrução do processo disciplinar iniciou-se a “28 de Maio de 2010” e a acusação foi deduzida em 7 de Abril de 2016.
12. Por outras palavras, mesmo que os prazos de prescrição das infracções disciplinares neste processo fossem contados a partir de Julho de 2008 e de 2 de Dezembro de 2009, respectivamente, se se contar o prazo a partir da data do despacho de instrução, até ao dia em que o recorrente contencioso recebeu a notificação de acusação (13 de Abril de 2016), já ultrapassa o prazo de prescrição de procedimento disciplinar de cinco anos – vd. artº 205º do EMFSM.
13. Assim sendo, o processo disciplinar deve ser arquivado por se verificar a causa de extinção – vd. artº 204º, al. a) do EMFSM.
14. O despacho recorrido decidiu aplicar a “pena de demissão” ao recorrente contencioso com base nos factos expostos na acusação do procedimento disciplinar que “já prescreveu.”
15. O despacho recorrido violou a norma jurídica acima citada, padecendo de vício de nulidade e devendo ser declarado nulo – vd. artº 122º do CPA.
16. Ou, caso tal vício não resulte em nulidade, o acto deve ser anulável e, por consequência, o despacho recorrido deve ser anulado – vd. artº 124º do CPA.
17. O recorrente contencioso entende que o despacho recorrido padece dos vícios de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, de “falta de fundamentação” na decisão de optar por aplicar a pena de demissão, e de “violação dos princípios da imparcialidade e da proporcionalidade”.
18. O despacho recorrido reconheceu que os referidos actos do recorrente contencioso violaram o dever de aprumo consagrado no artº 12º, nº 1 e nº 2, als. f) e o) do EMFSF, prejudicando gravemente a dignidade da função e o prestígio das FSM. Apontou ainda que, sendo o chefe assistente do Corpo de Bombeiro, a sua conduta levou com que a autoridade administrativa perdesse confiança nele e na perda do direito a trabalhar na função pública, designadamente a credibilidade das Forças da Segurança (sic), razão pela qual não pode manter a relação funcional com o recorrente contencioso.
19. Mas entende o recorrente recorrido que, por um lado, os actos de que foi acusado não preenchem os requisitos previstos no artº 12º, nº 1 e nº 2, als. f) e o) do EMFSM para o dever de aprumo, os quais não prejudicaram gravemente a dignidade da função e o prestígio das FSM, nem levaram com que a autoridade administrativa perdesse confiança nele ou à perda do direito a trabalhar na função pública, designadamente a credibilidade das Forças da Segurança (sic).
20. Porquanto, vamos ver com cuidado o teor do acórdão e da acusação no processo em causa, pode afirmar-se que as infracções disciplinares não envolveram as “funções de bombeiro” do recorrente contencioso, nem foi indicado qual foi o prejuízo que os actos do recorrente contencioso causaram à Administração ou facto prejudicador.
21. As circunstâncias não sustentam a conclusão deduzida, ou seja, a violação dos artº 232º e artº 238º, nº 1 e nº 2, als. a) e n) do EMFSF na acusação, pelos quais foi decidida a aplicação da pena de demissão.
22. Por outro lado, o despacho recorrido apontou que as infracções disciplinares violaram artº 12º, nº 1 e nº 2, als. f) e o) do EMFSM, atingindo ao nível (sic) dos artº 232º e artº 238º, nº 1 e nº 2, als. a) e n) do EMFSF. Mas não fundamentou por que razão optou por aplicar a demissão em vez de aposentação compulsiva, pois, de acordo com tais normas, pode aplicar-se a aposentação compulsiva ou a pena de demissão.
23. Porquanto os fundamentos jurídicos invocados pelo despacho recorrido não dizem que as infracções disciplinares invocadas reúnem as situações previstas no artº 240º do EMFSM, nem dizem se o recorrente contencioso preenche ou não a condição indicada no artº 239º, nº 2.
24. O despacho recorrido não fundamentou expressamente porque aplicou a pena de demissão ao recorrente contencioso e não a aposentação compulsiva, prejudicando deste modo os direitos do recorrente contencioso, designadamente o “direito de contestação” e o “direito sobre mais favorável do que a decisão actual” (sic) – vd. artºs 114º e 115º do CPA.
25. Terceiro, entende o recorrente recorrido que, ao decidir a aplicação de pena de demissão ao recorrente contencioso, o despacho recorrido e as “infracções disciplinares” em que se baseou o despacho recorrido (sic) violaram os princípios da imparcialidade e da proporcionalidade.
26. Os factos provados no processo CR4-15-0100-PCC do 4º Juízo Criminal do TJB em que se baseou o despacho recorrido não correspondem à graduação das penas prevista nos artºs 238º ao 240º do EMFSM.
27. Tal como estipula a lei – “As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional” – vd. artº 238º, nº 1 do EMFSM.
28. São previstos no nº 2 do mesmo artigo alguns actos aos quais se aplica necessariamente a “pena de demissão”. Além disso, artºs 239º e 240º do EMFSM enunciam determinadas infracções disciplinares às quais devem aplicar penas de aposentação compulsiva ou demissão!
29. Então, neste concreto caso, quais são os critérios para a aplicação?
30. Entende o recorrente recorrido que a pena de demissão é aplicada necessariamente quando a infracção disciplinar se enquadre nas situações previstas nos artºs 238º e 240º do EMFSM, ou nas situações previstas no artº 238º mas sem o preenchimento do requisito estipulado no nº 2 do artº 239º do mesmo Estatuto – vd. fls. 116 a 117 da Colectânea de Jurisprudência do Tribunal de Última Instância: acórdão no processo nº 26/2003 “Recurso jurisdicional em matéria administrativa” do TUI, na parte de fundamentação jurídica, ponto 4 (princípio da proporcionalidade) do acórdão no processo nº 26/2003 “Recurso jurisdicional em matéria administrativa”:
31. No entendimento do recorrente contencioso, o despacho recorrido não observou as disposições do artº 232º do EMFSM, pois não apreciou imparcial e proporcionalmente as infracções disciplinares do recorrente contencioso
32. Além dos factos favoráveis ao recorrente contencioso acima descritos, as circunstâncias enunciadas nos nºs 90 a 101 do presente recurso contencioso também mostram que é mais imparcial e proporcional a aplicação ao recorrente contencioso da pena de multa de “120 a 240 dias” prevista no artº 237º do EMFSM ou a pena de aposentação compulsiva prevista no artº 239º do mesmo Estatuto.
33. Isso óbvio e é fácil decidir. Mas infelizmente o despacho recorrido não o fez.
34. Pelo exposto, as três situações invocadas levaram com que o despacho recorrido padeça dos vícios de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, de “falta de fundamentação” na decisão de optar por aplicar a pena de demissão, e de “violação dos princípios da imparcialidade e da proporcionalidade”, o qual deve ser anulado.

* * *
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança, veio contestar o recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O recorrente foi punido com a pena de DEMISSÃO de funções através do despacho n.º 53/SS/2016, em virtude de ter infringido, com culpa grave, o dever de aprumo na formulação constante dos seus n.ºs 1 e 2 , alíneas f) e o) do artigo 12.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro.
2. Tal qualificação infractora consubstanciou-se na prática dos factos que fundamentam o despacho impugnado e que, em breve síntese, se traduzem ma obtenção não autorizada de imagens pessoais de um cidadão com quem pretensamente tivera um relacionamento amoroso e, bem assim, do seu marido, imagens que viria a disponibilizar na internet.
3. Conduta esta que viria a merecer, aliás, uma condenação em tribunal pela prática de crime p.p. pelo n.º 2 do artigo 5.° da Lei n.º 11/2009 ( crime de obtenção ilícito, utilização e disponibilização ilegítima de dados informáticos ) e crime p.p pelas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 186.° ( devassa da vida privada) do Código Penal, numa pena de multa de 36.000,00 substituída por 120 de prisão em caso de não pagamento.
4. Disciplinarmente, a conduta resultou, ainda, agravada pelas circunstâncias das alíneas d) - ser a infracção comprometedora do brio e da honra da corporação - e f) - prejuízo para o serviço e para terceiros -, ambas as alíneas do n.º 2 do artigo 201.° do EMFSM, agravantes cujos efeitos eram previsíveis e que sobrelevam relativamente às circunstâncias atenuantes que a favorecem, designadamente a da alínea h) - elogios e louvores de que foi alvo o arguido -, do n.º 2 do artigo 200.°, também do mesmo diploma estatutário.
5. As Forças de Segurança de Macau, como entidade onde se integra a corporação a que o recorrente pertenceu, e em quem a população em geral revê uma reserva dos valores morais e de protecção dos direitos e liberdades individuais das pessoas, não podem condescender com tal afronta aos deveres que, em defesa desses mesmos valores, impõem aos seus militarizados, mesmo quando as condutas digam respeito à sua vida privada.
6. Vem sendo doutrina unânime da administração e particularmente da tutela das forças de segurança não tolerar condutas de quem, dotado de autoridade pública, actue na sua vida privada por forma a macular o nome da corporação a que pertence, ou a induzir, seja por que meio for, que sobre ela de façam juízos de valor infamantes colectiva ou individualmente, doutrina que, em boa justiça, tem sido acompanhada pela jurisprudência dos tribunais superiores da RAEM.
7. A factualidade, pela sua gravidade objectiva e subjectiva, constituí o recorrente em indignidade para manter o seu vínculo às forças de segurança, até porque, sendo um oficial, dotado de instrução superior, acrescem-lhe responsabilidades cívicas e morais na representação do mal praticado
8. E o facto de os crimes pelos quais foi o recorrente condenado não se inscreverem no catálogo de crimes que determinam de forma taxativa a aplicação da pena expulsiva [n.º 2 al. f) do artigo 238.° do EMFSM], em nada releva, porquanto, no momento do uso do poder discricionário de aplicação da pena, necessário se torna convocar um juízo ampliativo dos valores jurídicos comuns coevos da entrada em vigor do EMFSM na direcção daqueles que, hoje, a administração da justiça disciplinar tem o dever preservar, à luz da evolução das novas tecnologias de informação, designadamente do potencial das redes sociais, que o seu uso sem escrúpulos pode representar para a sustentabilidade das liberdades individuais, muito particularmente para o direito ao bom nome e à privacidade dos cidadãos, razão por que,
9. Ponderados os pressupostos e princípios que hão-de presidir à graduação da pena para sua concreta do simetria, a entidade recorrida, valorando os requisitos do artigo 232.° do EMFSM, entendeu não haver margem para qualquer condescendência a beneficiar o arguido, ora recorrente, aplicando-lhe a pena de demissão, por efeitos das alíneas a) e n) do n.º 2 do seu artigo 238.° , o que fez com sentido de proporcionalidade, razoabilidade e de justiça relativa.
10. A indignidade da conduta, agravada pelo facto de ter, entre os ofendidos, um elemento da mesma corporação, de modo algum poderia merecer a degradação da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva, considerada insuficiente não só por razões retributivas, mas também por razões de prevenção, quer especial que geral.
11. Entende, assim, a entidade recorrente caírem por terra os alegados vícios de violação do principio da proporcionalidade e da justiça.
12. O recorrente invoca ainda a prescrição do procedimento disciplinar como fundamento de nulidade, com base no decurso de mais de 5 anos sobre o último facto praticado, que fixa em 02 de Dezembro de 2009, conclusão esta que, apenas por raciocínio meramente linear pode ser alcançado.
13. Na verdade, é certo que o último acto material praticado foi em 02 de Dezembro de 2009, porém, a disponibilidade das imagens dos ofendidos ter-se-á mantido na posse de terceiros, nada trazendo o recorrente aos autos - e a ele lhe competia - que demonstrasse ter procedido à respectiva destruição, mantendo-se, assim comprimido o valor jurídico em causa, da protecção da privacidade dos ofendidos, sendo de presumir que ainda assim se mantenham, tudo se passando como se de uma infracção de execução permanente se trate.
14. Mas a prescrição não opera, também, porque embora o processo disciplinar tenha sido instaurado em Junho de 2010, aguardou, o resultado do julgamento criminal, nos termos do artigo 263º n.º 1 do EMFSM, sentença que apenas viria a ser proferida em 30 de Outubro de 2015.
15. O despacho que determina que o processo aguarde o resultado do julgamento criminal, só pode ser entendido como um acto instrutório que interrompe, nos termos do n.º 4 do artigo 205.º o prazo de prescrição
16. Se assim não fosse a citada norma constante do n.º 1 do artigo 263º, teria que ser considerada inútil ou, no mínimo, indutora de erro junto dos seus destinatários, os titulares da acção disciplinar que a ela a recorrem, pela segurança e certeza jurídicas conferidas pela prova confirmada em processo penal e muitas vezes inalcançável por outros meios, designadamente os meios disponíveis no processo disciplinar, até por homenagem ao segredo de justiça.
17. Sem prescindir, acrescente-se que em 30.05.2012 (vd. folhas 24) foi praticado um acto instrutório com definitiva influência na marcha do processo, ao solicitar-se do Ministério Público o conhecimento do libelo acusatório, o qual, pese embora deduzido ainda em 2012, ·só viria a ser comunicado ao processo no dia 09.12.2014.
18. Ora, o pedido de conhecimento da acusação tem que ser um considerado um acto instrutório com claro impacto na marcha do processo e, como tal, com o efeito interruptivo que lhe confere o disposto na citada norma do artigo 205.°
19. Interrompido o prazo prescricional, este recomeça a contagem, nos termos do artigo 318.° do Código de Processo Civil; e não se diga sequer que o legislador confunde interrupção com suspensão, porquanto ele foi bem claro ao distinguir ambos os institutos, no citado artigo 205.°
20. Ora, quer se considere que o prazo de prescrição recomeçou a contagem na data em que foi solicitada a acusação, quer se considere que o mesmo recomeçou aquando da notificação desse mesmo libelo, quer, por fim, que o mesmo recomeçou com o conhecimento da sentença, a verdade é que
21. Abunda uma tríplice razão para considerar que o processos disciplinar está ferido de NULIDADE por prescrição extintiva.
22. Somos, assim, em retirar as seguintes conclusões:
1) A pena de DEMISSÃO aplicada é proporcional à gravidade da falta pela indignidade que a conduta do recorrente representou para o prestígio e confiança geral junto da população em geral;
2) Não se verifica a NULIDADE do processo por decurso do prazo de prescrição, em virtude do tríplice fundamento para interrupção da respectiva contagem;
3) Não se antolham quaisquer outros vícios que afectem a validade do despacho impugnado.
* * *
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 246 a 248v, pugnando pela improcedência do recurso.
      * * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
E o Despacho do Secretário para a Segurança:

Despacho do Secretário para a Segurança nº 53/SS/2016

Assunto: Processo disciplinar
Processo nº: D/39/10/JUN
Arguido: A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº ...

Analisados os dados constantes do presente processo disciplinar, há prova suficiente de que o arguido, A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº ..., praticou as infracções disciplinares descritas na acusação (cfr. fls. 196 a 199 do processo), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. A fim de melhor fundamentar a decisão, transcrevem-se em síntese os actos acusados:
Em Julho de 2008, o arguido deslocou-se a Pequim à procura da ofendida. Na altura, o computador da ofendida avariou-se, portanto entregou o computador ao arguido para ele levá-lo para Macau para arranjar.
À volta do dia 10 de Setembro de 2008, o arguido exigiu, mediante o programa de mensagem QQ, à ofendida que lhe devolvesse o dinheiro, no valor de 40 mil e tal renminbi, que ele gastou nela no passado.
Em 22 de Setembro de 2008, a ofendida enviou um montante de 4.550 euros à conta bancária do arguido no Banco X, Macau, através do Banco Y, Bélgica.
Ao mesmo tempo, a ofendida exigiu ao arguido que lhe devolvesse, de imediato, o computador e os respectivos dados, dizendo categoricamente não permitir que o arguido abrisse ou divulgasse qualquer documento e fotografia contidos no computador e não consentir que as pessoas que ela conhecia tivessem conhecimento dessas fotografias ou documentos.
Em 25 de Novembro de 2009, pelas 23h04, o arguido mandou um e-mail intitulado “My husband is superman” à conta de e-mail da ofendida, enviando, em anexo, um ficheiro intitulado “My husband is supermand.docx”, cujo elaborador era “A”. Do ficheiro constavam as fotografias da vida privada da ofendida e seu marido.
Em 2 de Dezembro de 2009, pelas 10h50 e 10h52, o arguido mandou outra vez dois e-mails intitulados “My husband is superman!!!” à conta de e-mail da ofendida e às contas de e-mail de vários amigos dela, dos quais constavam as fotografias da vida privada da ofendida e seu marido e as do marido da ofendida (em que aparece meio nu).
No mesmo dia, pelas 11h18, o arguido mandou outra vez um e-mail intitulado “I love big bird” à conta de e-mail da ofendida e às contas de e-mail de vários amigos dela, do qual constavam uma fotografia conjunta da ofendida e seu marido e as duas fotografias de B em que aparece nu.
O arguido, sem ter o consentimento da ofendida e seu marido, recuperou e obteve os dados no computador pertencente à ofendida e publicou na internet as fotografias da vida privada dos dois, devassando a vida privada deles.
O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, praticando deliberadamente os actos acima descritos.
Os actos praticados pelo arguido também constituem actos criminosos. Por acórdão do Tribunal Judicial de Base, proferido em 30 de Outubro de 2015, o arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de “obtenção, utilização ou disponibilização ilegítima de dados informáticos”, p.p. pelo artº 5º, nº 2 da Lei nº 11/2009 (Lei de combate à criminalidade informática), na pena de multa de 120 dias, e, na forma continuada de um crime de “devassa da vida privada”, p.p. pelo artº 186º, nº 1, als. b) e d) do CPM, na pena de multa de 120 dias. Em cúmulo jurídico das referidas penas, foi condenado na pena de multa de 180 dias. Tal decisão transitou em julgado em 11 de Novembro de 2015.
Nos termos do artº 263º, nº 2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo DL nº 66/94/M, de 30 de Dezembro (adiante designado por “EMFSF”), “a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado.” Portanto, as infracções disciplinares elencadas na acusação foram suficientemente provadas.
Os referidos actos do arguido violaram o dever de aprumo consagrado no artº 12º, nº 1 e nº 2, als. f) e o) do EMFSF, prejudicando gravemente a dignidade da função e o prestígio das FSM. Sendo o chefe assistente do Corpo de Bombeiro, a conduta do arguido levou com que a autoridade administrativa perdesse confiança nele, além disso, resultou na perda do direito a trabalhar na função pública, designadamente a credibilidade das Forças da Segurança (sic), razão pela qual não podemos manter a relação funcional com o arguido.
O arguido tem as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade previstas no artº 200º, nº 2, al. h), e no artº 201º, nº 2, als. d) e f), ambos do EMFSF.
Nestes termos, tendo ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina e atendendo às circunstâncias atenuantes e agravantes acima mencionadas, decido, no uso das competências conferidas pela Ordem Executiva nº 111/2014, Regulamento Administrativo nº 6/1999 (artº 4º, nº 2) e EMFSF (artº 211º) e nos termos do artº 232º e artº 238º, nº 1 e nº 2, als. a) e n) do EMFSF, a aplicação da pena de demissão ao arguido, A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº ....
Notifique o arguido deste despacho para, querendo, interpor recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância.
Gabinete do Secretário para a Segurança da RAEM, aos 08 de Agosto de 2016.」
* * *
    IV - FUNDAMENTOS
A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução das seguintes questões suscitada pelo Recorrente:
1) - Vícios de violação do regime de prescrição do procedimento disciplinar;
2) - Vício da errada integração dos factos nas infracções disciplinares;
3) - Vício de forma por falta de fundamentação da decisão;
4) - Violação dos princípios da imparcialidade e da proporcionalidade.
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I - Vícios de violação do regime de prescrição do procedimento disciplinar
O Recorrente entende que a infracção a ele imputada já prescreveu visto que os factos disciplinarmente relevantes ocorreram em 2 de Dezembro de 2009 e foi acusado apenas em 13 de Abril de 2016, quando iam, portanto, transcorridos mais de 5 anos, nos termos do artigo 205.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM).
Terá razão este argumento?
Para esclarecer a dúvida da Recorrente, importa sublinhar os seguintes factos:
- Os factos relevantes ocorreram, ou devem ter-se por consumados, em 2 de Dezembro de 2009, face ao que ficou apurado;
- Em 03 de Maio de 2012, no âmbito da instrução, foi dado conhecimento ao Ministério Público da existência de infracção criminal e seu conteúdo.
Este acto, porque tem repercussão no processo e na sua marcha, fez interromper o prazo da prescrição, de acordo com o comando do artigo 205.º/4 do Estatuto dos Militarizados das Força de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo DL nº 66/94/M, de 30 de Dezembro. O mesmo sucedeu, v.g., em 8 de Janeiro de 2015, quando o instrutor propôs a suspensão preventiva do arguido, o que viria a ser determinado pelo despacho de 16 de Janeiro do mesmo ano, pelo Exm.º Secretário para a Segurança.
Interrompido o prazo em 03 de Maio de 2012, começou a correr um novo prazo, por inteiro, que foi também interrompido com a suspensão preventiva do Recorrente, recomeçando aí novo curso do prazo, que igualmente viria a ser interrompido em 13 de Abril de 2016, com a acusação, aqui se inicia um outro novo prazo.
Pelo que, no momento em que foi proferido o acto recorrido, em 8 de Agosto de 2016, não se encontrava extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar.
Nestes termos, improcede o argumento tecido pelo Recorrente neste ponto.
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II – Vício da errada integração dos factos nas infracções disciplinares
Na leitura do Recorrente, os factos apurados não são suficientes para integrar as infracções disciplinares por que foi punido.
Terá razão ele?
Antes de mais, importa ver o que se ficou provado no acórdão condenatório (processo comum colectivo CR4-15-0100-PCC).
São os seguintes factos assentes:
1º - Em Julho de 2005, o arguido A e a ofendida C conheceram-se em Macau e, a partir daí, tornaram-se namorados.
2º -Em Julho de 2008, o arguido A deslocou-se a Pequim à procura de C. Na altura, o computador portátil (marca: IBM, modelo: T43) de C estava avariado, daí que, esta lhe entregou o referido computador portátil para trazer a Macau para reparar.
3º -Após regressar a Macau, o arguido recuperou, através de um programa informático, algumas fotografias da vida privada e dossiers de documentos de C, apagados no acima referido computador, incluindo fotografias da vida privada de C com o seu marido B (entre as quais algumas fotografias de B de corpo nu), bem assim, endereços electrónicos de contacto dos colegas de escola, pessoas amigas e professores de C.
4º - Depois de ter visto as fotografias de C com B, o arguido A interpelou-lhe, através de telefone e QQ (tencent instant messenger), por que razão ela e B estavam juntos.
5º - C referiu ao arguido A que a relação de namoro entre eles já tinha terminado.
6º - Por volta do dia 10 de Setembro de 2008, através de QQ (tencent instant messenger), o arguido A pediu a C a devolução do dinheiro que este gastou nela, totalizando montante superior a RMB$40.000,00.
7º - C foi em 22 de Setembro de 2008 pagou ao arguido A EUR$4.550,00, transferido através do Banco Y da Bélgica a uma conta bancária (nº...) do Banco X de Macau do arguido.
8º - Ao mesmo tempo, C solicitou ao arguido A a devolução, de imediato, do seu computador e dos respectivos dados informáticos, bem assim, referiu expressamente ao arguido que não lhe permitia abrir ou divulgar qualquer documento e fotografia do seu computador, nem concordava que contactasse com suas pessoas conhecidas a respeito das respectivas fotografias ou documentos.
9º - Em 25 de Novembro de 2009, pelas 23H04, o arguido A enviou, através do endereço electrónico (....com) ao endereço electrónico de C (....com), uma mensagem intitulada “My husband is superman”, anexando um documento designado por “My husband is superman.docx”, da autoria de A, que continha fotografias da vida privada de C com B.
10º - Em 02 de Dezembro de 2009, pelas 10H50 e 10H52, o arguido A voltou a enviar, através do endereço electrónico (....com) ao endereço electrónico de C (....com) e aos endereços electrónicos de várias pessoas amigas de C, duas mensagens intituladas “My husband is superman!!!”, que continham fotografias da vida privada de C com B e de ele sozinho (de meio corpo nu).
11º - No próprio dia, cerca das 11H18, o arguido A enviou de novo, através do endereço electrónico (....com) ao endereço electrónico de C (....com) e aos endereços electrónicos de várias pessoas amigas de C, uma mensagem intitulada “I love big bird”, que continha uma fotografia de C com B e duas fotografias de B de corpo nu.
12º - O arguido A recuperou e obteve, sem o consentimento de C e B, no computador de C dados informáticos, bem como, divulgou através da internet as fotografias da vida particular destes, violando a intimidade da vida privada dos mesmos.
13º - O arguido A agiu livre, voluntária e conscientemente, ao pôr em prática com dolo a acima referida conduta.
14º - O arguido A tinha perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
15º Conforme o CRC, o arguido é primário.
   * * *
Conforme ainda o teor do citado Acórdão, não ficaram provados os seguintes factos:
   
a) - Em 2008, a relação de namoro entre o arguido A e C começou a deteriorar.
b) - Aproximadamente dois dias depois, o arguido A voltou a pedir, através de QQ (tencent instant messenger), a C o pagamento de RMB$100.000,00, caso contrário divulgaria as fotografias particulares dela com B;
c) - Receando a divulgação das suas fotografias particulares, C viu-se obrigada a pagar, ao arguido A EUR$4.550,00;
d) - O arguido A ameaçou C com a divulgação das suas fotografias da vida particular e de B, com o objectivo de a constranger a pagar-lhe RMB$100.000,00, tendo esta pago ao mesmo EUR$4.550,00.
e) - O arguido A tinha conhecimento de não ter o direito de exigir a C o pagamento do acima referido montante.
     
Pergunta-se, estes factos não provados são suficientes para alterar o juízo jurídico-valorativo sobre os factos assentes imputados ao Recorrente?
Obviamente que não!
Nesta matéria, é do entendimento quase uniforme que a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado. Não é, pois, de estranhar que o arguido haja sido confrontado, no processo disciplinar, com o teor da sentença penal condenatória, que ele aliás já conhecia, pois nela se contêm os factos que igualmente lhe são imputados no processo disciplinar, e que, como se viu, se impõem com a força de caso julgado.
O que coordena com o disposto no artigo 263º/2 do EMFSM. Aliás, desde muito cedo tem sido esta ideia defendida pelo STJ de Portugal, citada aqui em sede de direito comparado, que nos parece ser uma boa posição, e que merece a nossa concordância.
Ora, como a acusação disciplinar tem por base os factos assentes do acórdão condenatório (transitado em julgado), em princípio, é de entender-se que a decisão administrativa está fundamentada em termos de factos, pois estão verificados os elementos objectivos e subjectivos necessários à imputação jurídico-disciplinar. Agora, para efeitos da responsabilidade disciplinar, os factos estão bem qualificados e bem subsumidos aos preceitos legais aplicáveis? Já é uma outra questão, que passa a ser imediatamente o objecto da nossa reflexão.
No caso, a parte essencial decisiva do despacho tem o seguinte teor :
Nos termos do artº 263º, nº 2 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo DL nº 66/94/M, de 30 de Dezembro (adiante designado por “EMFSF”), “a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao militarizado.” Portanto, as infracções disciplinares elencadas na acusação foram suficientemente provadas.
Os referidos actos do arguido violaram o dever de aprumo consagrado no artº 12º, nº 1 e nº 2, als. f) e o) do EMFSM, prejudicando gravemente a dignidade da função e o prestígio das FSM. Sendo o chefe assistente do Corpo de Bombeiro, a conduta do arguido levou com que a autoridade administrativa perdesse confiança nele, além disso, resultou na perda do direito a trabalhar na função pública, designadamente a credibilidade das Forças da Segurança (sic), razão pela qual não podemos manter a relação funcional com o arguido.
O arguido tem as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade previstas no artº 200º, nº 2, al. h), e no artº 201º, nº 2, als. d) e f), ambos do EMFSF.
Nestes termos, tendo ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina e atendendo às circunstâncias atenuantes e agravantes acima mencionadas, decido, no uso das competências conferidas pela Ordem Executiva nº 111/2014, Regulamento Administrativo nº 6/1999 (artº 4º, nº 2) e EMFSF (artº 211º) e nos termos do artº 232º e artº 238º, nº 1 e nº 2, als. a) e n) do EMFSF, a aplicação da pena de demissão ao arguido, A, chefe assistente do Corpo de Bombeiros, nº ....
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O Recorrente praticou os factos integradores dos ilícitos obtenção de dados informáticos e posterior devassa da vida privada através da difusão de fotografias obtidas mediante aquele acesso ilegítimo aos dados informáticos.
Os factos e a deficiente personalidade que o seu autor através deles manifesta, bem como o envio de fotografias à vítima e depois a alguns amigos desta última, violou o dever de aprumo, previsto no artigo 12.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas f) e o), do EMFSM, com o que está demonstrado que estão verificados os pressupostos objectivo e subjectivo da infracção disciplinar a ele imputada, não se divisando qualquer erro na subsunção dos factos apurados nas infracções consideradas preenchidas.

Pelo que, é de julgar improcedente o argumento de incorrecta integração de factos no direito aplicável.

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III - Vício de forma por falta de fundamentação da decisão
Depois o Recorrente invoca o vício da falta de fundamentação da decisão.
O dever legal de fundamentar cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa.
Em matéria de fundamentação da decisão administrativa, o artigo 115.º (Requisitos da fundamentação) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) prescreve:
1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3. Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos administrados.
     
No caso vertente, afigura-se que o dever de fundamentação se mostra adequadamente cumprido, quer no plano factual, quer na vertente do direito, estando suficientemente descritos os factos imputados, indicadas as circunstâncias atenuantes e agravantes, enunciados os deveres infringidos, explicitados, ainda que sucintamente, os motivos que determinaram a aplicação ao Recorrente da sanção disciplinar.
Improcede assim este vício alegado pelo Recorrente.

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IV - Violação dos princípios da imparcialidade e da proporcionalidade.
     
Uma outra questão alegada pelo Recorrente é a violação do princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 5º do CPA, ao estabelecer que
«2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionados aos objectivos a realizar”.
Entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, o princípio da proporcionalidade postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.

Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).

Nesta óptica, a questão essencial reside em saber qual medida punitiva – demissão ou aposentação compulsiva – que é mais proporcional à sanção motivada pelos factos praticados pelo Recorrente.
No fundo, importa saber se o tipo de penas foi bem escolhido ou não. Ou seja, é uma matéria que se prende com a questão da aplicação correcta ou não do artigo 238º, 239º e 240º do EMFSM.
Nas hipóteses tipificadas no artigo 238º do EMFSM pode aplicar-se tanto a pena de aposentação compulsiva, como a de demissão! A opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos exigidos.
Nas situações previstas no artigo 240º do EMFSM aplica-se a pena de demissão!
Nas hipóteses do artigo 239º do EMFSM, aplica-se a pena de aposentação compulsiva, desde que se verifiquem os pressupostos aí fixados.
     Neste ponto, no que toca à alegada violação do princípio da proporcionalidade, não está demonstrado que a decisão punitiva haja sacrificado ou beneficiado desproporcionadamente os interesses em confronto.
     Pois, enquadrando-se a conduta infraccional do Recorrente/arguido na previsão das alíneas a) e n) do n.º 2 do artigo 238.º do EMFSM, são factos graves, visto que:
     - O Recorrente/arguido chegou a mandar fotografias indevidamente obtidas para os amigos da vítima, para esta conduta esta não encontramos nenhuma justificação plausível;
     - Num caso semelhante decidido também por nós (processo nº 5/2017) em que está em causa também fotografias indevidamente tiradas, naquele processo em que o Recorrente não chegou a mandar tais para outras pessoas, enquanto neste processo, o Recorrente/arguido chegou a mandar, não só para a vítima, mas também para amigos desta última, o que denota a diferença e gravidade dos factos cometido pelo Recorrente neste processo.
     - Mais, é de realçar que, uma vez mandadas tais fotografias para terceiros, estas como se fossem mandadas para um mundo “incontrolável”, ou seja, é quase impossível apaga-las definitivamente.
     Com a sua conduta o Recorrente/arguido prejudicou gravemente a dignidade da função e o prestígio das FSM, o que se mostra suficientemente justificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, não há censura a dirigir à Administração por alegada violação do princípio da proporcionalidade.
     Acresce que a decisão punitiva considerou todas as circunstâncias fornecidas pelos autos com relevo para a decisão, pois a premeditação não foi considerada no despacho recorrido, sendo que as demais, das alíneas d) e f) do artigo 201.º do EMFSM evidenciam-se claramente a partir da leitura da matéria de facto imputada ao Recorrente.
Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro (não manifesto), é de negar provimento ao recurso e manter o acto impugnado.
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Síntese conclusiva:
I - É do entendimento quase uniforme que a condenação definitiva proferida em acção penal constitui caso julgado em processo disciplinar quanto à existência material e autoria dos factos imputados ao agente infractor do processo disciplinar.
II - A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte e que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição.
III – A aplicação de uma ou de outra das medidas expulsivas de função (aposentação compulsiva ou demissão) não é arbitrária, visto o artigo 239º do EMFSM estabelecer que “a pena de aposentação compulsiva é especialmente aplicável nos casos em que se conclua pela incompetência profissional ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções” e que a pena de demissão está reservada - é especialmente aplicável - àqueles que tiverem cometido crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a três anos, aos que abusem dos poderes de autoridade conferidos por lei.
IV – O artigo 238º do EMFSM elenca as situações em que se pode aplicar a pena de demissão (ou de aposentação compulsiva), a opção de uma ou de outra depende da verificação dos pressupostos respectivos, enquanto nas hipóteses previstas no artigo 240º do mesmo EMFSM aplica-se a pena de demissão.
V – O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
VI - Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
VII – O Recorrente/arguido chegou a mandar fotografias, não só para a vítima, mas também para amigos desta última, o que denota a diferença e gravidade dos factos cometido pelo Recorrente deste processo. Mais, é de realçar que, uma vez mandadas tais fotografias para terceiros, estas como se fossem mandadas para um mundo “incontrolável”, ou seja, é quase impossível apaga-las definitivamente. Para este comportamento do Recorrente/arguido não se encontra nenhuma justificação plausível.
VIII - Deste modo, e porque não se verificou erro manifesto na escolha da medida sancionatória aplicada e, foi respeitado o princípio de proporcionalidade nos termos acima vistos, e como não cabe dentro dos poderes do Tribunal a sindicância desse erro não manifesto, é de negar provimento ao recurso e manter o acto impugnado.
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Tudo visto, resta decidir.

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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se o despacho punitivo recorrido.
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Custas pelo Recorrente que se fixa em 5 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 18 de Outubro de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
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