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Processo n.º 124/2017
(Recurso Contencioso)

Relator: Fong Man Chong
Data: 4 de Outubro de 2018


Assuntos:
- Não renovação da autorização de residência
- Fundamentação da decisão administrativa
- Fortes indícios da prática de crimes e comprovado incumprimento das leis de Macau
- Poder discricionário em sentido técnico-jurídico administrativo


SUMÁRIO:

I – Em matéria da fundamentação da decisão administrativa, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. A fundamentação formal distingue-se da fundamentação material. À fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
II – Conforme o teor do despacho recorrido (com tradução a fls. 66 a 67), apura-se a existência de fortes indícios da prática pelo Recorrente de um crime de furto qualificado, circunstância que, quer como forma de caracterizar a situação de incumprimento das leis pelo Recorrente, quer como motivo de pôr em xeque a confiança quanto ao cumprimento futuro das leis pelo mesmo, determina que a Entidade Recorrida declarou caduca a autorização de residência do Recorrente, o que é suficientemente esclarecedor quanto às razões de facto e de direito que estão por base da decisão ora atacada.
III – Ensina a doutrina que a discricionariedade é uma forma particular de Administração se relacionar com o Direito, com o princípio da juridicidade, que se traduz numa consciente abertura pelo legislador de uma lacuna intralegal (não no sentido de falta de regulamentação jurídica), mas no sentido de que o agente administrativo pode, pela utilização da norma, encontrar a melhor solução para o caso. Quando o legislador, no artigo 9º da Lei nº 4/2003, utiliza a fórmula de “pode conceder autorização”…(interpretada a contrario, significa que “pode não conceder ”) está a atribuir ao Chefe do Executivo o poder discricionário em sentido técnico-jurídico administrativo.
IV - O acto recorrido tomou em linha de conta a comprovada prática de dois crimes de condução em estado de embriaguez por parte do Recorrente, e, no confronto dos valores em presença, atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável em vista da enunciada preservação da segurança e ordem pública. Pelo que, não se afrontando o princípio da proporcionalidade, nem padecendo o acto de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, é de julgar improcedente o recurso.

O Relator,

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Fong Man Chong












Processo n.º 124/2017
(Recurso Contencioso)

Data : 4 de Outubro de 2018

Rcorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

* * *
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, notificado em 30/12/2016, do despacho do Secretário para a Segurança da RAEM, proferido em 22/11/2016 (exarado no parecer constante do Relatório n.º XXXXXX/CESMFR/2016P dos Serviços de Migração da PSP), que declarou a caducidade da autorização de residência na RAEM do ora Recorrente, veio em 26/01/2017 recorrer para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 29 dos autos, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. No dia 28 de Julho de 2015, o Comissariado de Estrangeiros dos Serviços de Migração de Macau concedeu a autorização de residência na RAEM ao ora Recorrente, com o fundamento no casamento contraído no dia 18 de Março de 2015 com B, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
2. Em Julho de 2016 o Comissariado de Estrangeiros dos Serviços de Migração de Macau renovou a autorização de residência na RAEM ao ora Recorrente.
3. O Comissariado de Estrangeiros do C.P.S.P. dos Serviços de Migração procedeu à notificação do Recorrente no sentido de lhe dar a conhecer do sentido provável da decisão de caducidade da sua autorização de residência na RAEM e, bem assim, para conceder o prazo de 10 dias para este se pronunciar por escrito, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 94.º do CPA.
4. O ora Recorrente ofereceu a sua Audiência Escrita, na qual expôs os fundamentos, as razões justificativas do seu pedido de autorização de residência e juntou documentos, nos termos do disposto nos artigos 93.º e 94.º, ambos do CPA, por forma a sustentar o por si peticionado, e consequentemente determinar a alteração do sentido da proposta decisão supra referida.
5. No dia 30 de Dezembro de 2016, o ora Recorrente foi notificado da carta de notificação n.º XXXXXX/CESMNOT /2016P contendo o douto despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, datado de 22 de Novembro de 2016, o qual vem declarar a caducidade da autorização de residência na RAEM do ora Recorrente.
6. O Recorrente não se conforma com esta decisão.
7. À luz da alínea 1), do n.º 2 do artigo 9.º e da alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º, ambos da Lei 4/2003, aplicados ex vi alínea 1) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, são causas de caducidade da autorização de residência na RAEM, quer o comprovado incumprimento das leis da RAEM, quer a existência de fortes indícios da prática de quaisquer crimes.
8. Resulta da douta decisão recorrida que: “2. ( ... ) Sendo assim, existindo fortes indícios que mostrem o incumprimento das leis da RAEM por parte do interessado, a autorização da residência do mesmo deverá ser declarada caduca.”.
9. À luz da Lei, a existência de fortes indícios que mostrem o incumprimento das leis da RAEM não consubstancia nenhuma causa de caducidade da autorização de residência da RAEM.
10. Nos presentes autos não se verifica nenhuma causa de caducidade da autorização de residência na RAEM do ora Recorrente, uma vez que não se verificou neste processo nenhum incumprimento das leis da RAEM por parte do ora Recorrente, muito menos um incumprimento comprovado, nem tão pouco existem fortes indícios da prática de quaisquer crimes por parte do Recorrente.
11. A Entidade Recorrida fez um uso desrazoável do poder discricionário que lhe foi conferido pelo artigo 9.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003, ex vi artigo 24.º, alínea 1) do Regulamento n.º 5/2003, violando, por conseguinte, as referidas disposições legais e bem assim, os princípios da proporcionalidade e da Justiça, plasmados nos artigos 5.º, n.º 2 e 7º do CPA.
12. A decisão da Entidade Recorrida revela-se manifestamente desproporcional, desadequada e injusta, pois que se limitou a aplicar a Lei sem ter em consideração as circunstâncias fácticas e concretas do caso sub judice, o que demonstra um uso totalmente desrazoável do seu poder discricionário.
13. A Administração, perante um comprovado incumprimento das leis da RAEM ou a existência de fortes indícios da prática de um crime, não tem obrigatoriamente e sempre de decidir pela declaração de caducidade da autorização de residência na RAEM, como se de um poder vinculado de "revogação" da autorização de residência na RAEM se tratasse, sob pena de se fazer uma aplicação cega da letra da Lei, e de se verificar uma total desrazoabilidade no exercício do poderes discricionários que lhe foram conferidos pelo artigo 9.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003, em manifesta violação dos princípios da Proporcionalidade e da Justiça, como efectivamente sucedeu no presente caso.
14. Administração não tem um poder vinculado de ordenar a caducidade da autorização de residência na RAEM dos residentes não-permanentes.
15. Não resulta dos autos nenhum facto que comprove "existirem fortes indícios" da "prática de quaisquer crimes" por parte do ora Recorrente, muito menos existem nos autos factos que revelem "comprovado incumprimento das leis da RAEM" por banda do ora Recorrente.
16. A Administração, no uso dos seus poderes discricionários, deveria necessariamente ter tido em consideração as circunstâncias do caso concreto, antes de decidir pela caducidade da autorização de residência na RAEM do ora Recorrente.
17. A Administração não procurou conhecer dos pormenores do processo-crime sob o qual firmou a decisão ora recorrida, limitando-se a "revogar" a autorização de residência na RAEM do Recorrente, tendo o feito pelo simples motivo do ora Recorrente ter sido constituído arguido nesse processo-crime, o qual ainda se encontra em fase de investigação pela Polícia Judiciária, por pretensamente ter cometido um crime.
18. O ora Recorrente não foi condenado pela prática de qualquer crime, não impende sobre ele qualquer acusação, nem tão-pouco lhe foi aplicada uma qualquer medida de coacção à excepção do termo de identidade e residência, que se aplica a todos os arguidos em processo-crime.
19. Não se pode confundir nem equiparar a mera constituição do ora Recorrente como arguido com a situação de cometimento de um crime.
20. O facto de o ora Recorrente ser suspeito da prática de um crime, não é, nem será nunca suficiente para que lhe seja "revogada" a sua autorização de residência na RAEM.
21. A Entidade Recorrida não tem nenhuma competência para fazer qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal de qualquer indivíduo ou cidadão, quando essa responsabilidade não decorra de um juízo proferido pela Entidade responsável pela acção criminal e pela determinação dessa responsabilidade.
22. A Entidade Recorrida não tem competência para julgar o Recorrente e concluir, por si própria, pela existência de fortes indícios da prática de um crime por parte do Recorrente.
23. A Entidade Recorrida basta-se pela mera suspeita da prática de um crime, para imediatamente concluir pela existência de tais indícios.
24. Por maioria de razão, não se tem por verificado um comprovado incumprimento das leis da RAEM por parte do ora Recorrente.
25. A decisão tomada pela Administração mostra-se totalmente desproporcional e desajustada, em face da situação concreta em que o ora Recorrente se vê envolvido.
26. A Administração deveria ter tido em consideração que o ora Recorrente sempre pautou a sua conduta pelo respeito pelas regras de convivência em sociedade, respeito pelas leis e, costumes, nunca tendo-se envolvido na prática de qualquer ilício quer de natureza criminal quer de natureza contravencional.
27. O Recorrente é um homem digno, cuja conduta tem sido irrepreensível, nunca foi acusado, nem condenado pela prática de qualquer crime, sendo apenas arguido num processo-crime que se encontra ainda em fase de investigação pela Polícia Judiciária.
28. O ora Recorrente vive em Macau desde 2015, juntamente com a sua mulher, B, residente permanente da RAEM, com quem contraiu matrimónio no dia 18 de Março de 2015.
29. O Recorrente tem tido, desde 2015, Macau como o seu único local de residência permanente, tendo estabelecido fortes ligações e sentimentos para com o território e as pessoas que cá residem, criou neste território vários laços de amizade.
30. O ora Recorrente encontra-se hoje plenamente integrado na sociedade, sendo Macau o seu único centro de vida.
31. O ora Recorrente será obrigado a separar-se da sua mulher e, bem assim, abandonar todos os seus amigos.
32. O ora Recorrente ver-se-á obrigado a sair do local que considera e reconhece ser a sua única casa e onde vive desde 2015, o que poderá afectar seriamente a sua vida e, bem assim, a vida da sua mulher.
33. A decisão de declaração de caducidade da autorização de residência na RAEM do Recorrente não foi proporcional à gravidade, perigosidade e censurabilidade dos actos que a determinaram, configurando uma total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários da Administração, por violação do Princípio da Proporcionalidade em todas as suas vertentes.
34. A decisão ora recorrida não se revela adequada, necessária e idónea à prossecução de um interesse público de garantia da segurança e ordem pública da RAEM que, no presente caso, não se encontra em crise.
35. O interesse particular (e o direito, diga-se) do ora Recorrente à residência na RAEM não poderá ser sacrificado em nome de um interesse público de garantia da segurança e ordem pública desta Região que não foi perturbado pelo ora Recorrente.
36. A Administração deveria ter considerado todos os factores, quer os favoráveis quer os desfavoráveis, antes de tomar a decisão que tomou.
37. O facto do ora Recorrente ser suspeito da prática de um crime de furto qualificado, não é nem será por si só indício suficiente para se concluir que o Recorrente efectivamente praticou qualquer crime, inexistindo perigo efectivo ou sequer potencial para a segurança e ordem pública da RAEM que justifique e legitime a decisão totalmente desproporcional e desadequada da Administração.
38. No presente caso não existem motivos para concluir que o ora Recorrente pôs em risco a ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau, nem tão pouco a segurança dos que aqui residem e trabalham, pois nunca foi condenado pela prática de qualquer crime nem existem fortes indícios de o ter feito, pelo que nunca incumpriu com as leis da RAEM.
39. Com a referida decisão de declaração de caducidade da autorização de residência na RAEM do ora Recorrente, a Administração Pública violou o Princípio da Proporcionalidade, previsto no artigo 5.º, n.º 2 do CPA, em todas as suas vertentes, mormente a vertente da adequação.
40. O Princípio da Justiça, consagrado no artigo 7.º do CPA, impõe que a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados, o que não se verificou no presente caso.
41. Os princípios da Proporcionalidade e da Justiça constituem limites intrínsecos do poder discricionário da Administração Pública, isto é, são critérios que devem nortear o exercício desse poder, sendo corolários do Princípio da Legalidade enquanto princípios gerais da actividade administrativa, e o seu não acatamento, como se verificou no presente caso, gera o vício de violação de Lei, impondo-se por conseguinte a anulabilidade da decisão ora recorrida, nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA.
42. A decisão de "revogar" a autorização de residência na RAEM do ora Recorrente consubstancia, por parte da Administração, uma actuação violadora dos direitos, liberdades e garantias dos residentes de Macau, como o ora Recorrente o é, previstos na Lei Básica da RAEM.
43. A decisão ora recorrida é, sobretudo, violadora do princípio insindicável da presunção de inocência até trânsito em julgado das decisões, o qual vem previsto no artigo 29.º da Lei Básica.
44. A Administração não pode "revogar" a autorização de residência do ora Recorrente na RAEM sem que Contra o mesmo tenha sido deduzido qualquer acusação, e muito menos sem que haja uma decisão condenatória transitada em julgado.

* * *
Citado, veio o Secretário para a Segurança contestar nos seguintes termos :
1) O recorrente interpõe o presente recurso contencioso da decisão proferida pelo Secretário para a Segurança em 2016.11.22, na qual é declarada caduca a autorização de residência daquele, alegando que o acto recorrido viola o princípio de proporcionalidade e o princípio in dubio pro reo, que existe a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, e que o acto recorrido deve ser anulado.
2) É improcedente o recurso.
3) É seguinte o texto total do despacho recorrido:
“Assunto: Pedido da renovação da autorização de residência
Interessado: A
Referência: relatório da PSP n.º XXXXXX/CESMREN/2016P
Ponderado o parecer contante no relatório referido em cima, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
Dos autos resulta que o interessado subtraiu um anel de diamante do ofendido sem consentimento deste. A polícia encontrou o anel no apartamento do interessado, o qual admitiu que tinha subtraído o anel quando o ofendido não prestava atenção. Existe indício forte a mostrar o cometimento do crime de furto qualificado. A conduta do interessado prejudica a segurança, indica que ele não é uma pessoa honesta e confiável e faz com que a Administração não tenha confiança no cumprimento de lei por parte dele.
Assim sendo, a situação do interessado não preenche os pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização. Nos termos do art.º 24.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e atente ao art.º 9.º, n.º 2, al. 1 da Lei n.º 4/2003 (existirem fortes indícios de terem praticado quaisquer crimes, referido no art.º 4.º, n.º 2, al. 3), é decidida a declaração da caducidade da autorização de residência.”
4) Dispõe o art.º 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, o decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização leva à caducidade da autorização de residência.
5) O art.º 9.º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003 enumera os aspectos que a Administração deve atender para efeito de concessão da autorização de residência, sem fazer qualquer disposição ou limite como atende a Administração, atribuindo à esta grande poder discricionário para escolher livremente atender todos ou parte dos aspectos enumerados no artigo acima referido, até os não enumerados, para efeito de decidir ou não a concessão ou manutenção da autorização de residência.
6) Nos aspectos inclui-se que o interessado dever ter uma conduta boa, não ter antecedente criminal, cumprir a lei de Macau e não praticar actos a prejudicar a segurança e ordem pública da sociedade local, etc.
7) No entanto, nos autos resulta que:
- O recorrente apropriou-se de bens de outros, existindo indício forte do cometimento de crime de furto;
- Para além de prejudica a segurança, este acto também indica que o recorrente não é uma pessoa honesta e confiável, o que bate a confiança que a Administração tem na conduta boa e no cumprimento de lei dele, ao conceder a autorização de residência.
Com base nestes dois fundamentos, o recorrente não preenche os pressupostos e requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização, sendo, por isso, declarada caduca a autorização de residência.

8) Todos os países e regiões autónomas têm um espaço totalmente livre a determinar e executar a política de imigrante. Com base no controlo de imigrante, no interesse público, na ordem pública e na segurança pública, pode-se decidir quase completamente livre aceitar ou não aceitar os não residentes.
9) O recorrente é estrangeiro, autorizado a residir em Macau para reunir com a mulher, mas praticou o acto acima referido, o que viola manifestamente a segurança e é preocupante de praticar outro acto igual ou semelhante. Por isso, a Administração decide não manter a autorização de residência dele, evitando que ele continue a residir e reduzindo o risco de praticar acto a prejudicar o interesse público da sociedade local.
10) O acto recorrido visa a prosseguir o interesse público, bem como garantir a segurança pública e a estabilidade social, o qual é adequado e necessário, não existindo a violação do princípio de propriedade.
11) A opinião aceite geralmente pela doutrina e jurisprudência em termos administrativos é que a decisão feita pela Administração no exercício do poder discricionário só é não permitida quando existe erro notório ou total desrazoabilidade.
12) A total desrazoabilidade acima referida não significa qualquer desrazoabilidade no aspecto subjectivo, mas a desrazoabilidade manifesta e total em nos olhos de todos, qual seja, todos entendem que existe a total inconciliabilidade ou desrazoabilidade entre o meio aplicado e o bem jurídico protegido, bem como o interesse prosseguido, o que, porém, não existe no presente caso.
13) O acto recorrido limita-se a não permitir o recorrente, residente não permanente, continuar a residir em Macau, excluindo ou reduzindo o risco do afecto à segurança e ordem pública. Em termos da finalidade visada, não existe desrazoabilidade, nem se diga a total desrazoabilidade.
14) De acordo com o princípio in dubio pro reo, princípio fundamental no processo penal, o arguido é presumido inocente antes de ser condenado pelo tribunal. Mas isto não significa que fora do processo penal, designadamente no processo administrativo, não se pode invocar os factos em causa e analisá-los adequadamente, bem como fazer a decisão, para efeito de satisfazer o interesse público.
15) O processo administrativo é um processo totalmente autónomo, não dependente do processo penal. Não é relevante a efectivação ou não da responsabilidade penal do recorrente.
16) A Administração tem como fundamento o acto praticado pelo recorrente, provável a constituir crime, analisa e pondera adequadamente a personalidade e conduta dela, de forma a fazer a decisão em causa. Basta existir de facto o acto e ser provado nos autos.
17) Por isso, não existe a violação do princípio in dubio pro reo, imputada pelo recorrente.
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O Digno. Magistrado do MP oferece o seu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do litígio, conforme os elementos juntos no processo administrativo respectivo:
- Na sequência da comunicação pela PJ de factos imputados ao ora Recorrente, pela PSP foi elaborado um relatório sobre o circunstancialismo e a análise do mesmo, com o conteúdo constante de fls. 169 a 171 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se da por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
- O Recorrente foi notificado em 30/12/2016 do despacho recorrido( XXXXXX/CESMNOT/2016P) (fls. 30) que declarou caduca a autorização da residência nos seguintes termos:
“Notifica-se pelo presente, A (portador do passaporte de Camarões n.º XXXXXXX), de que o Sr. Secretário para a Segurança, por despacho de 22 de Novembro de 2016, concordou com os fundamentos exposto no relatório complementar do Serviço de Migração do CPSP n.º XXXXXX/CESMREN/2016P, declarando a caducidade da autorização de residência de V. Ex.ª.
Vem transcrito abaixo o conteúdo do aludido relatório complementar:
“ 1. No dia 28 de Julho de 2015, o interessado A foi concedido a autorização de residência com vista ao reagrupamento conjugal em Macau.
2. Este Serviço recebeu, no dia 9 de Setembro de 2016, o ofício da Polícia Judiciária que contou o crime de furto qualificado p e p pelo artigo 198.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, cometido pelo interessado no dia 7 de Setembro de 2016 e transferido para julgamento no tribunal. Ao mesmo tempo, no processo de investigação, o interessado confessou ter furtado, sem conhecimento da vítima, um anel de diamante no valor de MOP45.800,00. Devido à existência dos fortes indícios de que o interessado não obedeceu a lei de Macau, devendo, assim, declarar-se a caducidade da autorização de residência do interessado.
3. Realizada a audiência escrita, o interessado apresentou a este Serviço uma declaração.
4. Sendo insuficiente a justificação exposta pelo interessado na audiência escrita, de acordo com o art.º 9.º, n.º 1 da Lei n.º 4/2003, e o art.º 24.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, propõe-se declarar a caducidade da autorização de residência do interessado.”
Junto se remete a cópia do respectivo despacho à sua referência.
Do acto administrativo supracitado cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância nos termos do art.º 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Quid Juris perante este quadro fáctico e jurídico?
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    IV – FUNDAMENTOS
A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução das seguintes questões :
1) - Vícios de violação de lei, aqui nas vertentes de violação dos artigos 9º e 11º/1 da Lei 4/2003, de 17 de Março;
2) - Vício da violação do princípio da proporcionalidade e da justiça;
3) – Vício da violação do princípio da presunção de inocência.
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Comecemos pela 1ª questão: vícios da violação de lei, na vertente de violação dos artigos 9º e 11º/1 da Lei nº 4/2003, de 17 de Março
Está em causa a existência de fortes indícios da prática pelo Recorrente de um crime de furto qualificado, facto este que leva a Entidade Recorrida a recorrer ao previsto no artigo 4º/2-3) (Recusa de entrada) (lida com adaptações) da citada Lei nº 4/2003, de 17 de Março, para declarar caduca a autorização da fixação da residência do Recorrente.

O artigo 4º da citada Lei prevê:
1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Terem sido expulsos, nos termos legais;
2) A sua entrada, permanência ou trânsito estar proibida por virtude de instrumento de direito internacional aplicável na RAEM;
3) Estarem interditos de entrar na RAEM, nos termos legais.

2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
3. A competência para a recusa de entrada é do Chefe do Executivo, sendo delegável.

Verificando-se este pressuposto-facto, está logo integrado um inequívoco decaimento dos pressupostos negativos ligados ao não cometimento de crimes e a uma postura não atentatória da segurança, que, juntamente com o pressuposto positivo da reunião familiar, estiveram na base da concessão de autorização de residência, em 28 de Julho de 2015.
O Recorrente, apesar de não directa e expressamente alegado, pretende que teria sido motivo determinante da declaração de caducidade o incumprimento das leis da Região Administrativa Especial de Macau, mas não é esta cena principal que está em causa, conforme o que consta do processo administrativo e tal como o Digno. Magistrado do MP observa no seu douto parecer.
Verdadeiramente estão em causa os pressupostos do acto e o acerto na eleição dos pressupostos da decisão.
Conforme o teor do despacho recorrido (com tradução a fls. 66 a 67), apura-se que o que foi invocado foi a existência de fortes indícios da prática pelo Recorrente de um crime de furto qualificado, e não o incumprimento, ou o comprovado incumprimento das leis de Macau.
Tomando em conta a globalidade do despacho e os pareceres para que remete, onde se faz uma avaliação perfunctória da actuação do Recorrente, com identificação do objecto subtraído e respectivo valor, com a subsunção da noticiada subtracção ao crime de furto qualificado, e com o destaque da confissão do visado, também não se afigura que exista erro nos pressupostos ao motivo no qual realmente se alicerçou o acto, ou seja, a existência de fortes indícios do cometimento do crime de furto qualificado.
Os indícios são, grosso modo, os mesmos que levaram o Ministério Público a deduzir acusação pela prática de um crime de furto qualificado, conforme melhor resulta da certidão junta a fls. 75 a 77. Em sede administrativa, o artigo 4º/2-3) da Lei 4/2003, convoca a existência de fortes indícios da prática de crime; por seu turno, o artigo 265.º do Código de Processo Penal faz assentar a acusação penal na existência de indícios suficientes da prática do crime.
Cabe sublinhar que fortes indícios e indícios suficientes são conceitos equivalentes, ao nível da exigência probatória do juízo de probabilidade, pressupondo ambos uma convicção da probabilidade da futura condenação do arguido, tal como Jorge Noronha Silveira afirma “O conceito de indícios suficientes no processo penal português” (acessível através de www.odireitoonline.com), para quem as expressões processuais “indícios suficientes” e “fortes indícios” têm um alcance semelhante, raciocínio este que vale perfeitamente para o sistema jurídico de processo penal de Macau, tendo em conta aglumas notas caracterizadoras comuns aos dois sistemas: o de Macau e o de Portugal.

Nestes termos, dada a coincidência entre os juízos valorativos da Administração e do detentor da acção penal, nada haverá a censurar ao acto recorrido por ter adoptado, como fortes, os indícios disponíveis.
Pelo que, julga-se improcedente o argumento da existência do vício de forma por falta de fundamentação.
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2ª questão: vício da violação do princípio da proporcionalidade e da justiça
O princípio da proporcionalidade, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses legítimos dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. E não se pode falar de desrazoabilidade ou de erro notório, no exercício de poderes discricionários, quando a actuação administrativa é adequada à prossecução do interesse público que lhe cabe salvaguardar, desde que o sacrifício do interesse particular encontre justificação na importância do interesse público a salvaguardar.
O princípio de proporcionalidade, entendido, em sentido amplo, como proibição do excesso, postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para as posições dos particulares. Incorpora, como subprincípio constitutivo, o princípio da exigibilidade, também conhecido como princípio da necessidade ou da menor ingerência possível, que destaca a ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível.
Para maior operacionalidade deste princípio, a doutrina acrescenta, entre outros elementos, o da exigibilidade espacial, que aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção na esfera jurídica das pessoas cujos interesses devam ser sacrificados (vd. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Almedina, 266, ss.).
Em matéria da concessão ou não concessão de autorização de residência, importa destacar as seguintes ideias:
a) – Ninguém pode afirmar que tem direito à fixação de residência na RAEM, salvo as pessoas que reúnem os pressupostos fixados no artigo 24º da Lei Básica da RAEM;
b) – O poder de decisão sobre esta matéria é normalmente reservado à Administração, concedendo-se-lhe uma grande margem de manobra, tendo em conta a variedade de situações e flexibilidade de posições em alguns casos particulares. É a Administração Pública, que melhor do que ninguém está numa posição privilegiada de tomar decisões acertadas nesta matéria tendo em conta as circunstâncias concretas rodeadas de caso a resolver, razão pela qual lhe é concedido tal poder discricionário.
c) – No caso de Macau, concretamente no do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março, o legislador atribui, propositadamente ao Chefe do Executivo o poder discricionário de decisão nesta matéria, pois, o legislador proclama mediante a forma de “pode conceder” ( norma interpretada a contrário significa “pode não conceder”):
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.

2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.

3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
Em matéria da concessão de discricionariedade aos agentes administrativos pelo legislador, ensina a doutrina:
(…)
40. Depois do que se disse, parece-nos legítimo sustentar que a discricionariedade pode ser atribuída por diversas vias:
a) Os poderes discricionários do administrador são eventualmente resultado duma remissão para conceitos-tipo, sem se curar de saber se a indeterminação reside na hipótese ou na estatuição.
b) A discricionariedade surgirá ainda porque se impôs ao agente o dever de utilizar padrões de valoração de qualidade de pessoas ou coisas dos quais tem o monopólio legal. É o que se passa com o funcionamento de júris de exame, que se apoia na suposição de que os seus membros usufruem dos conhecimentos técnicos suficientes – que poderiam ser também encontrados em outros órgãos equivalentes – mas, além disso, duma capacidade incontrolável de apreciação da importância relativa dos conhecimentos ou da habilidade demonstrada para o desempenho duma tarefa específica, da atribuição duma habilitação genérica ou de concessão dum status. Quer dizer: não se trata apenas de decidir se está certo ou errado, bem ou mal feito, mas se os resultados positivos são bastantes para preencher um estalão incontrolável ou alcançar um dos seus sucessivos degraus. Identicamente acontece com a classificação de coisas do ponto de vista artístico, histórico, paisagístico ou ecológico.
A estes casos deve somar-se o conjunto das situações caracterizadas por uma avaliação de circunstâncias futuras (“decisões de prognose”).
É isto que, sem o querer, a corrente do controlo total acabar por ter de aceitar quando se afasta duma revisão judicial nos casos de prerrogativa de avaliação.
c) E, naturalmente, por fim, a discricionariedade surge ainda nas situações em que o legislador directamente concede ao agente uma “faculdade de acção”, isto é, em que remete para duas ou mais soluções à escolha.

41. Chegarmos às conclusões anteriores não invalida contudo o trabalho de análise do material jurídico posto à disposição do administrador, que as várias correntes representam. É que compreender o sentido de cada grau de vinculação não satisfaz um desejo bizantino. Convém não esquecer que qualquer discricionariedade que se atribua não equivale à aceitação do arbítrio, não permite uma solução de moeda ao ar. Nem sequer vale como uma remissão para uma responsabilidade moral do agente. Ora, se há encargo jurídico que pesa sobre o agente, ele careceria de sentido caso não se previsse a existência de um controlo. (in Direito Administrativo, Rogério Soares, lições ao alunos do 2º ano da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 61 e seguintes).

Estando em causa, como estava, a renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau, só duas hipóteses se colocavam: renovar a autorização ou denegá-la. O acto recorrido tomou em linha de conta a existência de fortes indícios de prática pelo Recorrente de um furto qualificado, e, no confronto dos valores em presença, atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável em vista da enunciada preservação da segurança e ordem pública.
No contexto em que o acto recorrido foi proferido, a primazia conferida ao interesse público não afronta o princípio da proporcionalidade, não padecendo o acto de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício daquele poder discricionário.
Pelo que, julga-se improcedente o argumento do vício da violação pela Entidade Recorrida do princípio da desproporcionalidade e do vício de erro notório atribuídos ao acto.
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3ª questão: Vício da violação do princípio de inocência
Abordemos, por fim, o vício de violação do princípio da presunção de inocência.
Este princípio, previsto no artigo 29º da Lei Básica, tem especial acuidade em processo penal (artigo 49º/2 do CPP), com um sentido básico de que, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, sobre o arguido não devem recair quaisquer juízos que pressuponham o efectivo cometimento dos factos delituosos, devendo até lá beneficiar da presunção de que é inocente.
Mas um tal princípio não pode ser levado ao ponto de impedir a própria investigação dirigida contra o arguido e a eventual dedução de uma acusação, pois isso seria a negação do próprio processo penal que lhe consagra esse estatuto de presumido inocente.
Em sede de actividade administrativa, onde estão presentes razões de interesse público relevantes, os actos de vida do cidadão podem ter uma relevância diferente daquela que as leis criminais conferem.
Nesta óptica, a ponderação por parte da Administração, no exercício da sua actividade, da integração de conceitos ligados ao cometimento de crimes, como sejam os da existência de indícios ou de fortes indícios, em nada belisca a presunção de inocência dos arguidos. Tanto mais que é o próprio legislador quem, no âmbito do seu poder de conformação, comete à Administração essa incumbência de integração de conceitos, indispensável à actividade administrativa.
Por outro lado, a avaliação do princípio de presunção de inocência está sujeita por vezes ao factor de tempo, porque ele releva (mais) no momento da tomada da respectiva decisão pela Administração, sem prejuízo de que a decisão tomada venha a revelar-se inaquedada num momento posterior.
Nestes termos, proclama o TUI:
“Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo” (Ac. do TUI, de 19/11/2014, Proc. nº 28/2014), mesmo que se tenha por certo que “Se num dado momento a Administração pôde considerar existirem fortes indícios para efeito de negar a renovação da autorização de residência, no quadro do disposto nos arts. 4º, nº2, al.3), da Lei nº 4/2003, e 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, concluir-se-á que densificou mal a norma, violando-a com base em erro nos pressupostos de facto, se o interessado no âmbito de um processo penal vier a ser absolvido do crime que se lhe imputava” (Ac. do TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 993/2015).

Não se verificando a invocada violação do princípio da presunção de inocência, julga-se improcedente o recurso nesta parte.
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Síntese conclusiva:
I – Em matéria da fundamentação da decisão administrativa, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. A fundamentação formal distingue-se da fundamentação material. À fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
II – Conforme o teor do despacho recorrido (com tradução a fls. 66 a 67), apura-se a existência de fortes indícios da prática pelo Recorrente de um crime de furto qualificado, circunstância que, quer como forma de caracterizar a situação de incumprimento das leis pelo Recorrente, quer como motivo de pôr em xeque a confiança quanto ao cumprimento futuro das leis pelo mesmo, determina que a Entidade Recorrida declarou caduca a autorização de residência do Recorrente, o que é suficientemente esclarecedor quanto às razões de facto e de direito que estão por base da decisão ora atacada.
III – Ensina a doutrina que a discricionariedade é uma forma particular de Administração se relacionar com o Direito, com o princípio da juridicidade, que se traduz numa consciente abertura pelo legislador de uma lacuna intralegal (não no sentido de falta de regulamentação jurídica), mas no sentido de que o agente administrativo pode, pela utilização da norma, encontrar a melhor solução para o caso. Quando o legislador, no artigo 9º da Lei nº 4/2003, utiliza a fórmula de “pode conceder autorização”…(interpretada a contrario, significa que “pode não conceder ”) está a atribuir ao Chefe do Executivo o poder discricionário em sentido técnico-jurídico administrativo.
IV - O acto recorrido tomou em linha de conta a comprovada prática de um crime de furto qualificado por parte do Recorrente, e, no confronto dos valores em presença, atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável em vista da enunciada preservação da segurança e ordem pública. Pelo que, não se afrontando o princípio da proporcionalidade, nem padecendo o acto de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, é de julgar improcedente o recurso.
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    Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se o despacho recorrido.
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Custas pelo Recorrente, que se fixa em 5 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 4 de Outubro de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng José Cândido de Pinho
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
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