Processo nº 661/2018
(Autos de recurso cível)
Data: 25/Outubro/2018
Assuntos: Oposição à providência cautelar
Livre apreciação da prova
SUMÁRIO
O Tribunal que julga a oposição à providência cautelar não se limita a apreciar os elementos novos apresentados pelo requerido, mas vai reponderar toda a prova produzida, mormente a testemunhal cujo depoimento ficou gravado, para poder proferir uma decisão final que consiste na manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada.
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, incluindo-se prova documental, competindo-lhe atribuir o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se confira, salvo raras excepções, maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras.
Estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração da resposta dada pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 661/2018
(Autos de recurso cível)
Data: 25/Outubro/2018
Recorrentes:
- Companhia de Investimento Predial A, SARL e Companhia de Importação e Exportação B, Limitada (requerentes do arresto)
Recorrido:
- C (requerido)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Companhia de Investimento Predial A, SARL e Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, com sinais nos autos (doravante designadas por “requerentes” ou “recorrentes”), deduziram procedimento cautelar de arresto junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM contra C, devidamente identificado nos autos (doravante designado por “requerido” ou “recorrido”), pedindo o decretamento do arresto do crédito litigioso do requerido contra a requerente A, em discussão nos autos de processo ordinário com o n.º CV1-06-0041-CAO, actualmente em fase de recurso e da quota do requerido no valor de MOP$450.000,00 na sociedade Empresa de Construção e Fomento Predial D, Limitada.
Sem audiência prévia do requerido, foi decretado pelo Tribunal de Primeira Instância o arresto da quota do requerido no valor de MOP$450.000,00 na Empresa de Construção e Fomento Predial D, Limitada, mas indeferido o arresto do crédito litigioso do requerido.
Inconformadas, recorreram as requerentes para este TSI dessa decisão, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de arresto do crédito litigioso em discussão no processo CV1-06-0041-CAO, actualmente em fase de recurso no Tribunal de Segunda Instância com o processo n.º 526/2017 por considerar não existir periculum in mora.
B. Assim entendeu porque a primeira Recorrente pode invocar a compensação contra o Requerido, como causa de extinção de obrigações, e porque a primeira Recorrente não fará nada que prejudique a segunda Recorrente.
C. Sucede que não é líquido que a primeira Recorrente possa invocar a compensação em sede de embargos de executado, por não possuir título executivo.
D. Sucede, também, que os embargos de executado não suspendem a instância executiva, pelo que a invocação da compensação não evitará a agressão ao património da primeira Recorrente, através da penhora dos seus bens.
E. No que respeita à segunda Recorrente, a compensação não poderá ser invocada para efeitos de a primeira Recorrente não pagar ao Requerido, no âmbito de uma realização coactiva da prestação, sendo, aqui, irrelevante a vontade do devedor.
F. O periculum in mora ficou demonstrado na douta decisão recorrida e é válido para ambos os bens cujo arresto foi requerido, nenhuma razão justificando que se não tivesse procedido, também, ao arresto do crédito litigioso.
G. Ao indeferir o arresto do crédito litigioso, o douto despacho recorrido violou os artigos 615º e 838º do Código Civil e o artigo 351º do Código de Processo Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se o arresto do crédito litigioso do Requerido contra a Requerente A, em discussão nos autos de processo ordinário com o n.º CV1-06-0041-CAO, actualmente em fase de recurso no Tribunal de Segunda Instância com o processo n.º 526/2017, no valor de HKD20.461,40.”
*
Notificado o despacho que decretou o arresto da quota do requerido no valor de MOP$450.000,00 na Empresa de Construção e Fomento Predial D, Limitada, o requerido veio deduzir oposição à providência decretada nos termos previstos na alínea b) do artigo 333.º do Código de Processo Civil.
Realizadas as diligências requeridas, foi julgada procedente a oposição e, em consequência, revogado o arresto anteriormente decretado.
Inconformadas, interpuseram as recorrentes recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“A. O Juiz a quo alterou os factos dados como provados com base em três decisões judiciais, que encara como meios de prova.
B. As três decisões judiciais não constituem meios de prova para os fins visados na sentença recorrida.
C. As três decisões judiciais não versam sobre os factos nem se pronunciam sobre as questões discutidas nestes a autos, não podendo com elas alterar-se os factos dados como provados na decisão que havia decretado o arresto.
D. O Juiz a quo procede a uma reapreciação ou reponderação das provas que haviam já sido avaliadas na decisão que decretou o arresto, o que lhe não é permitido.
E Os documentos juntos aos autos, só por si, justificam a manutenção dos factos dados como provados na decisão que ordenou o arresto, com excepção do facto 122, por força da ocorrência de facto superveniente.
F. A culpa, enquanto censurabilidade social, quando está em causa o incumprimento de norma imperativa, basta-se com a prova da violação da norma legal ou regulamentar.
G. O Recorrido não afectou o património da sociedade E exclusivamente para cumprimento das obrigações sociais.
H. O Recorrido, na qualidade de sócio único de facto da sociedade E, é responsável pessoal, solidária e ilimitadamente pelas dívidas da sociedade, conforme resulta do disposto no artigo 213º do Código Comercial.
I. Essa responsabilidade presume-se pelo facto de os livros contabilísticos da sociedade não terem sido mantidos nos termos legais.
J. O Recorrido, ao violar normas legais destinadas à protecção dos credores da sociedade E (n.º 1 do artigo 198º, no n.º 1 do artigo 199º, ambos do Código Comercial, e artigo 5º da LSQ), actuou com culpa.
K. O Recorrido subcapitalizou a sociedade E para fazer face às necessidades financeiras decorrentes de um dos maiores projectos imobiliários de Macau.
L. Aproveitar-se da responsabilidade limitada para se eximir de responsabilidades perante os credores sociais constitui abuso de direito, quando o próprio Recorrido beneficiou dos pagamentos que eram devidos à referida sociedade.
M. A sentença recorrida violou as normas contidas nos artigos 326º, 615º e 838º do Código Civil, nos artigos 333º, n.º 1, al b) e 351º do Código de Processo Civil, nos artigos 198º, 199º, 213º e 249º do Código Comercial e no artigo 5º da LSQ.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, substituindo-se a sentença recorrida por uma decisão que decrete o arresto requerido, com todas as consequências legais.”
*
Devidamente notificado, o requerido respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O recurso interposto pelas Requerentes tem por objecto a douta sentença de fls. 825 e seguintes que, julgando procedente a oposição apresentada pelo Requerido, determinou a revogação do arresto anteriormente decidido.
2. No caso sub judice, nenhum dos requisitos de que depende o decretamento do arresto (a probabilidade da existência do direito e o justo fundado receio) se mostra preenchido pelo que andou bem a sentença recorrida em revogar o arresto nos termos em que o fez.
3. Ora, no que concerne ao primeiro dos referidos requisitos, diga-se que, conforme as Requerentes admitem, a matéria de facto em que fizeram assentar o seu suposto direito contra o Requerido é a mesma que constituiu o objecto do processo-crime que moveram contra este pela prática do crime de falência intencional.
4. Por outro lado, como também é admitido pelas Requerentes, a questão em apreço foi também objecto de apreciação em sede dos autos que resultaram no decretamento da falência da E.
5. Contudo e lamentavelmente as Requerentes omitiram deliberadamente ao Tribunal as decisões que foram proferidas no âmbito dos processos judiciais acima referidos e das quais resulta a completa exoneração de qualquer responsabilidade do Requerido em indemnizar as Requerentes.
6. Começando pelo dito processo-crime, como expressamente reconhecem no artigo 198º do requerimento inicial de arresto, os alegados direitos que as Requerentes aí pretendiam fazer valer são idênticos aos que pretendiam ver acautelados com o presente arresto, consistindo no suposto direito em serem ressarcidas dos danos que a prática do suposto crime de falência intencional pelo Réu lhes teria causado: ou seja, a causa de pedir do presente arresto e aquela que constituiu a causa material da dita acção penal é a mesma.
7. Assim, os pressupostos de que dependeria a responsabilização penal do Requerido e aqueles que são condição sine qua non da sua responsabilização civil, são os mesmos, pois não só a ilicitude é idêntica (dissipação do património), como a culpa e o nexo de causalidade são os mesmos.
8. Destarte, havendo no presente caso uma total identidade entre os factos que determinam a responsabilidade penal e aqueles que são pressupostos da responsabilidade civil, a improcedência da acusação penal terá forçosamente de determinar a improcedência do arresto pois constitui uma inequívoca prova da não aparência do direito cuja satisfação as Requerentes pretendiam fazer valer com o arresto.
9. Em suma, aquilo que o acórdão proferido pelo TSI no âmbito do processo-crime, na senda do despacho de não-pronúncia, vem dizer é que o Requerido, ali Arguido, não praticou qualquer crime, nomeadamente o crime de falência intencional que as Requerentes lhe imputavam, ou seja, que os actos por aquele praticados não constituíram qualquer ilícito.
10. Com efeito, tendo presente a circunstância de no processo-crime – após um longo contraditório que envolveu a fase de inquérito, instrução e uma instância recursória – em face da factualidade apurada, se ter concluído e decidido que o Requerido não cometeu qualquer facto ilícito, torna-se óbvio que o direito que as Requerentes pretendiam acautelar com o presente arresto e que emerge dos mesmos factos, não poderia nunca proceder por total ausência de prova do preenchimento dos pressupostos de que dependeria a responsabilidade civil aquele, mormente a ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre o acto e o dano.
11. Por outro lado, a completa e cabal infirmação dos pressupostos de facto em que assentou a decisão inicial de decretamento do arresto e, por conseguinte, da falta de mácula da sentença recorrida resulta também da decisão que nesta matéria foi proferida no âmbito dos autos de falência em que foi decretada a falência da sociedade E.
12. Com efeito, foi na sequência da análise do requerimento do Requerido a que acima se fez menção (vide doc. n.º 44 junto com a petição inicial) que foi proferido o despacho junto com a oposição como doc. n.º 3.
13. Os pressupostos lógicos e o objectivo subjacente à dita decisão consistiam na necessidade de se apurar se a quantia recebida pela E no âmbito dos autos de execução que moveu contra a A deveria ou não integrar e ser revertida a favor da messa falida daquela, ou seja, tal decisão teve um objecto se não idêntico, pelo menos totalmente conexo com aquele que constitui o cerne dos pedidos formulados pelas Requerentes nestes autos.
14. Acresce que, foi na sequência do requerimento do Requerido junto como doc. n.º 44 que o Tribunal deu por findas todas as diligências no sentido de apurar se o montante em questão deveria ou não integrar massa falida ou ser revertido para a mesma, decidindo-se pela negativa por considerar não se estar perante um activo desta sociedade.
15. Doutro passo, importa notar que, nem as Requerentes (reclamantes nos autos de falência), nem a Sra. Administradora da Falência impugnaram a dita decisão que, como acima se referiu, constitui uma decisão de mérito, nem tão pouco intentaram qualquer acção resolutiva ou impugnatória em benefício da massa falida contra o Requerido, tendo por objecto a transferência do referido montante e o respectivo pagamento a quem de direito.
16. Doutro passo, nunca o regime previsto no artigo 213º do Código Comercial poderia ser aplicado ao presente caso por falta de verificação dos respectivos pressupostos.
17. Efectivamente, resulta da letra da mencionada disposição legal, que o preceito tem como alvo, em termos de exoneração da responsabilidade limitada dos sócios, as sociedades com um único sócio, o que não era o caso da E.
18. Com efeito, da referida disposição legal resulta unicamente que, para efeitos de pluralidade de sócios, não relevam as participações detidas pela própria sociedade, ou seja, para efeitos de aplicação da referida norma só são consideradas sociedades unipessoais aquelas cujo capital social seja detido por um sócio e pela própria sociedade, o que não era o caso da E que sempre manteve uma pluralidade de sócios.
19. Por outro lado, os restantes regimes que as Requerentes alegam em abono da sua tese e que têm no seu pressuposto a “figura do levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva”, falecem totalmente uma vez que aquelas não alegaram sequer ter havido uma conduta ou intenção dolosa por parte do Requerido.
20. Do supra exposto resulta evidente que andou bem a sentença recorrida quando, com base nas decisões judiciais acima mencionadas que, repita-se, não resultaram de qualquer apreciação sumária da prova, nem ausência de contraditório, procedeu a uma reapreciação dos fundamentos factuais em que assentou a decisão inicial que decretou o arresto.
21. Mas não é unicamente o fumus bonis iuris que, in casu, não se mostra verificado é também o requisito do periculum in mora que se mostra por preencher.
22. Com efeito, o receio de perda da garantia patrimonial não pode assentar numa mera suspeita do credor relativamente a uma alegada dívida com mais de 10 anos, de ordem subjectiva, pelo que não basta o receio subjectivo, porventura exagerado, do credor, de ver satisfeita a prestação a que tem direito (Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. 2º, 268).
23. É isso o que sucede no caso concreto em que os factos alegados pelas Requerentes nos artigos 181º e seguintes do seu articulado (os quais se impugnam) não são de molde a indiciar esse periculum in mora.
24. Efectivamente, as Requerentes não alegaram quaisquer factos concretos que, a serem pelo menos indiciariamente comprovados, poderiam resultar na comprovada dissipação imediata e propositada do património do Requerido, ou da sua dissipação num futuro próximo.
Termos em que deverá o recurso interposto pelas Requerentes contra a douta sentença de fls. 825 ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se tal decisão nos termos em que foi proferida, assim se fazendo a habitual, JUSTIÇA!”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Nos presentes autos foram proferidas duas sentenças: a primeira foi dada sem audiência prévia do requerido, e a segunda após o Tribunal a quo ter apreciado a oposição deduzida pelo mesmo.
Na primeira sentença, foi indiciariamente dada como provada a seguinte factualidade:
“1. A COMPANHIA DE INVESTIMENTO PREDIAL A, S.A.R.L. (doravante designada apenas por A) é uma sociedade comercial anónima que tem por objecto social a indústria de fomento imobiliário (documento 1).
2. A COMPANHIA DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO B, LIMITADA (doravante denominada abreviadamente por B) é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a importação e exportação de grande variedade de mercadorias (documento 2).
3. O Requerido foi sócio-gerente da E COMPANHIA DE INVESTIMENTO E DESENVOLVIMENTO, LIMITADA, em chinês E CHI YIP FAT CHIN IAO HAN CONG SI e, em inglês, E INVESTMENT AND DEVELOPMENT COMPANY LIMITED (doravante designada por E), uma sociedade comercial por quotas constituída em Macau, por escritura de 29 de Março de 1989, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º ..., que tinha por objecto social a construção urbana (documento 3).
4. A E foi entretanto declarada falida no âmbito do processo CV2-06-0002-CFI, nas circunstâncias que mais adiante se descreverão.
5. Na E, o Requerido, a partir de 1991, detinha uma participação social de MOP12.000.000,00 num capital social de MOP40.000.000,00 e era gerente (cfr. documento 3).
6. O outro sócio e gerente da E, F, detinha uma quota de MOP28.000.000,00 e era igualmente gerente, vinculando-se a sociedade com a assinatura dos dois gerentes (cfr. documento 3).
7. Apesar de ser sócio maioritário, F nunca exerceu na sociedade os poderes correspondentes à sua posição maioritária e, enquanto gerente, raramente actuou em representação da sociedade e nunca movimentou a conta bancária da E.
8. Por volta do ano de 1995, em data que as Requerentes não podem precisar, F conferiu ao Requerido poderes para o representar em todos os assuntos relacionados com a E, com o que o Requerido passou a ser a única pessoa a presidir aos destinos da sociedade.
9. Desde 1995 que o outro sócio de nome, F, não mais participou em qualquer actividade relacionada com a E, não mais soube de qualquer informação relacionada com a E, não sabia, sequer, se a sociedade tinha alguma actividade comercial ou não ou se possuía património.
10. De acordo com o depoimento prestado por F em 24 de Janeiro de 2007, no âmbito do processo de falência CV2-06-0002-CFI, reduzido a escrito, este declarou “que em data que não consegue precisar, eventualmente por volta de 1995, o depoente passou uma procuração a favor de C a quem foram conferidos poderes para tratar de assuntos relacionados com a requerida (E). Por isso não mais participou em qualquer actividade da requerida, nem sabe se está em actividade ou encerrada.” (documento 4, fls. 269)
11. Mais declarou F que “não tem conhecimento sobre que património tem a requerida”. (cfr. documento 4, fls. 269)
12. Na mesma data, o Requerido é ouvido, na qualidade de gerente da requerida E, e declara, no mesmo sentido, que “Para a movimentação das contas em dinheiro da requerida é preciso duas assinaturas, uma de qualquer um dos membros do grupo formado por F e G e outra de qualquer um dos membros formados pelo depoente e H. Posteriormente o F passou procuração a favor do depoente, pelo que, com essa procuração o depoente pode movimentar sozinho as contas e dinheiro da requerida.” (cfr. documento 4, fls. 270)
13. A partir de 1995, o Requerido passou a controlar integralmente a E, como se de uma sociedade de sócio único se tratasse, tomando todas as decisões a ela respeitantes e actuando em sua representação até que a E foi declarada falida e se extinguiu.
14. Em 28 de Novembro de 1997, o Requerido, invocando representar 70% do capital social da E, por si, delibera a mudança da sede da sociedade para a Estrada…, Edifício Industrial…, rés-do-chão, que lhe pertencia (cfr. documento 3).
15. Antes a sede social da E situava-se na Avenida…, em Macau, e depois, a partir de 1992, na Rua…, Edifício…, em Macau (cfr. documento 3).
16. Em 28 de Fevereiro de 1990, a E havia adquirido essas instalações do Edifício X à Sociedade Imobiliária de Macau, pelo valor declarado de MOP2.000.000,00, mediante recurso a um financiamento bancário obtido junto do Banco da X, até HKD2.600.000,00, sendo HKD1.300.000,00 a título de empréstimo e HKD1.300.000,00 a título de saques a descoberto (documentos 5 a 7).
17. Na realidade, o preço da aquisição foi de HKD3.200.000,00.
18. No balanço da E, a 31 de Dezembro de 1990, aquele activo havia sido avaliado em MOP3.449.009,20, valor esse que resultava da soma do valor de compra (MOP3.296.000,00), do imposto de Sisa (MOP109.037,00), da comissão bancária (MOP7.301,00), dos emolumentos de registo (MOP5.927,00) e das despesas com a escritura (MOP30.744,00) (documento 8).
19. Entre 1990 e 1994 a E pagou ao Banco da X, por conta do financiamento da compra, MOP1.226.895,89 a título de juros, sendo MOP725.871,03 por conta do saque a descoberto e MOP501.024,86 por conta do empréstimo (documentos 9 a 15).
20. Tudo somado, a aquisição da fracção autónoma custou à E a quantia de MOP4.675.905,09.
21. Até 31 de Dezembro de 1994 tinha já sido pago MOP593.947,33 ao Banco da X a título de reembolso do capital do empréstimo, estando em dívida a quantia de MOP745.052,67 (cfr. documento 15).
22. Porém, em 17 de Outubro de 1995, o Requerido adquiriu à própria sociedade E, de que era sócio e gerente, a fracção onde se encontrava instalada a sede social da E, pelo preço de MOP3.050.000,00, isto é, por menos MOP246.000,00 do que o preço de aquisição pago pela E e MOP1.625.905,09 menos do que o custo real da aquisição, suportado pela E (cfr. documento 5).
23. Depois de amortizado o empréstimo que na altura faltava saldar e de pagos os juros devidos, tudo no valor de MOP2.127.223,84, e recebido o valor da aquisição pago pelo Requerido, deveria ter restado o valor de MOP922.776,16 nas contas da E.
24. Só a partir de 1992, com a necessidade de apresentação declaração para Imposto Complementar de Rendimentos foi o valor da imobilização corpórea alterado para MOP2.153.010,00, por haver necessidade de coincidir com o valor declarado para efeitos de liquidação do imposto de Sisa (cfr. documento 13).
25. A diferença de MOP1.296.000,00 foi então lançada na conta dos sócios.
26. O Requerido é também o sócio maioritário e dominante e gerente único de outra sociedade comercial, a EMPRESA DE CONSTRUÇÃO E FOMENTO PREDIAL D, LIMITADA, em chinês D KIN CHEK CHI IP IAO HAN CONG SI e, em inglês, D CONSTRUCTION AND INVESTMENT COMPANY LIMITED (doravante designada por D), uma sociedade comercial por quotas constituída em Macau, por escritura pública de 15 de Julho de 1985, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º…, cujo objecto social é a construção e fomento imobiliário (documento 16).
27. A D possui, desde a sua constituição, um capital social de MOP500.000,00, distribuído por duas quotas, sendo uma pertencente ao Requerido, no valor de MOP450.000,00 e outra a I, mulher do Requerido, no valor de MOP50.000,00.
28. A D vincula-se apenas pela assinatura do Requerido.
29. A outra sócia da D, I, não tem qualquer papel na sociedade e apenas aparece como sócia para garantir a pluralidade necessária à constituição da sociedade, numa altura em que não havia sociedades unipessoais.
30. O Requerido sempre actuou por conta da D como se de sócio único se tratasse, quer na tomada interna de decisões, quer na representação externa da sociedade.
31. Por escritura pública de 16 de Dezembro de 1980, o Governo de Macau concedeu à Requerente A, por arrendamento, um terreno situado junto à Estrada dos Sete Tanques, na ilha da Taipa, cujo aproveitamento consistia na construção de um vasto complexo habitacional, comercial e hoteleiro – o complexo “Jardins X”.
32. Por acordo celebrado a 16 de Abril de 1984, as Requerentes B e A associaram-se entre si para o desenvolvimento das obras de construção da Fase I, composta por 4 blocos de habitação e silo de estacionamento, do referido empreendimento.
33. A 1 de Novembro de 1989, a Requerente A e a E assinaram um contrato tendo em vista a construção e desenvolvimento das Fases II, III, IV e V do referido empreendimento, bem como a sua comercialização.
34. A 1 de Julho de 1991, a Requerente B e a E celebraram um contrato pelo qual a primeira cedeu, e a segunda adquiriu, os direitos de construção do segundo módulo da Fase I dos “Jardins X”, obrigando-se a cessionária a suportar os custos e despesas no desenvolvimento desta fase do projecto.
35. A E, por sua vez, contratou a D para a realização das obras de construção.
36. Estes são factos que foram sendo dados como assentes nos diversos processos judiciais que de seguida se enunciam.
37. As relações contratuais estabelecidas entre as Requerentes e a E sofreram vicissitudes diversas que deram origem a vários contenciosos judiciais, dispensando-se as Requerentes de, neste momento, os descreverem com pormenor, pois que esses contenciosos encontram-se resolvidos por decisões judiciais transitadas em julgado.
38. Em todos estes litígios em que interveio a E foi o Requerido C quem contratou e instruiu advogados e quem representou a sociedade em todos os actos.
39. A descrição sumária que de seguida se dá desse contencioso incide, exclusivamente, sobre os pedidos de condenação em indemnização que foram formulados pelas três sociedades em causa e seu desfecho.
40. Assim, no ano de 1995, a E instaurou uma acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo a condenação da Requerente A no pagamento da quantia de HKD62.843.722,80 e respectivos juros, entre outros pedidos, acção que foi distribuída com o número 79/95, do 4.º juízo, depois CAO-079-95-4 (posteriormente ainda renumerada para CV2-95-0003-CAO e, finalmente, CV2-06-0002-CFI-D, quando foi apensada aos autos de falência da E) (documento 18).
41. A Requerente A, por sua vez, contestou e reconveio, pedindo a condenação da E no pagamento de quantias várias que totalizavam HKD15.020.938,80 e respectivos juros, para além da formulação de pedidos genéricos (cfr. documento 18).
42. Por sentença proferida no âmbito daqueles autos foi a Requerente A condenada a pagar à E a quantia de HKD18.503.308,25, com juros à taxa legal desde a citação até pagamento integral, condenação esta que foi confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância em acórdão proferido em 25 de Setembro de 2003, no âmbito do recurso n.º 143/2001 (cfr. documento 18).
43. A E foi, por sua vez, por acórdão do Tribunal de Última Instância, proferido em 15 de Dezembro de 2004 no âmbito do recurso n.º 12/2004 e transitado em julgado a 13 de Janeiro de 2005, condenada a pagar à Requerente A a quantia de MOP3.501.608,00, acrescida de juros à taxa legal, calculados desde 30 de Novembro de 1995 até efectivo e integral pagamento (cfr. documento 18).
44. A E procedeu à execução sumária da condenação proferida no processo CV2-95-0003-CAO, tendo a Requerente A depositado em juízo, no âmbito desses autos de execução de sentença que seguiam termos como apenso D, a quantia em cujo pagamento havia sido condenada, incluindo capital e juros vencidos.
45. Para efeitos de pagamento foi, a favor da E, emitido pelo Tribunal um precatório cheque no valor de MOP33.219.408,00, datado de 7 de Outubro de 2004 (documento 19).
46. No dia 22 de Março de 2005 a Requerente A requereu a execução sumária do acórdão do Tribunal de Última Instância, no que respeita à condenação no pagamento da quantia de MOP3.501.608,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, execução que seguiu termos sob o n.º CV2-95-0003-CAO-E (documento 20).
47. Porém, volvidos poucos meses sobre o pagamento da quantia de MOP33.219.408,00 à E, não foi possível localizar mais de MOP7.238,43 em contas bancárias da E.
48. Solicitados ao Banco XX (BXX) esclarecimentos sobre o destino dado àquela quantia veio aquela instituição bancária informar, por ofício datado de 8 de Outubro de 2005, que a quantia havia sido levantada no dia 8 de Outubro de 2004 da conta n.º ... mediante precatório cheque, o que nada esclarecia (documentos 21 e 22).
49. Solicitada idêntica informação à ali Executada E, sob a cominação prevista no artigo 722.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a Executada nada disse (cfr. documento 21).
50. A Requerente A, não se conformando com a resposta do BXX e com o silêncio da E, solicitou ao Tribunal que se insistisse por uma resposta, o que foi ordenado por douto despacho de 2 de Dezembro de 2005 (documentos 23 a 25).
51. Por ofício de 10 de Dezembro de 2005 informou o BXX que a quantia de MOP33.219.408,00 havia sido creditada em conta bancária, o que continuava a nada esclarecer (documento 26).
52. Em 22 de Fevereiro de 2006 é determinada nova notificação do BXX para que informasse se a quantia em causa foi creditada numa conta aberta individual ou conjunta da executada e, caso afirmativo, o respectivo número da conta e entidade bancária (documento 27).
53. Por ofício datado de 3 de Março de 2006, informou o BXX que a quantia de MOP33.219.408,00 titulada pelo precatório cheque havia sido creditada na conta individual n.º …, aberta junto do mesmo banco, de que não era titular a E (documento 28).
54. Nada mais conseguiu a Requerente A apurar no âmbito do processo de execução sobre o destino dado à quantia de MOP33.219.408,00.
55. A Requerente B propôs, também em 1995, uma acção declarativa de condenação com processo ordinário contra a E, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de HKD28.344.930,71, acrescida de juros vencidos que, até 31 de Julho de 1995, somavam HKD8.966.395,35, e bem assim dos entretanto vencidos e dos vincendos, tudo à taxa legal, acção que foi distribuída com o número 372/95, depois AO-372-95-5 (posteriormente ainda renumerada para CV3-95-0003-CAO e, finalmente, CV2-06-0002-CFI-A, quando foi apensada aos autos de falência da E) (documento 29).
56. Por acórdão proferido em 19 de Outubro de 2005 pelo Tribunal de Última Instância, no âmbito do recurso n° 18/2005, transitado em julgado em 3 de Novembro de 2005, foi confirmada a decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância em 10 de Março de 2005 que havia condenado a E a pagar à Requerente B o montante de HKD15.344.930,71, acrescido dos juros vencidos e vincendos desde 1 de Julho de 1991 e ainda a quantia de HKD13.000.000,00, esta com redução dos montantes retidos pela Requerente A na venda das fracções dos blocos A3 e A4, a liquidar em execução de sentença, com juros moratórios vencidos e vincendos, calculados desde as datas referidas no n.º 10 dos factos provados (cfr. documento 29).
57. Em 29 de Maio de 2006, a Requerente B requereu a execução sumária da decisão condenatória da E, para pagamento de quantia certa sob a forma sumária, processo que correu termos sob o n.º CV3-95-0003-CAO-B (documento 30).
58. A B requereu, nesta execução, o pagamento da quantia de HKD15.344.930,71, acrescida dos juros moratórios vencidos que, até 8 de Maio de 2006, somavam HKD18.882.252,45, num total de HKD34.227.183,16, bem como os juros entretanto vencidos e os vincendos (cfr. documento 30).
59. Em 16 de Agosto de 2006, a Requerente A intentou uma acção de declaração de falência com processo especial contra a E, processo que, como se referiu já, foi distribuído sob o n.º CV2-06-0002-CFI (documento 31).
60. Por sentença proferida em 1 de Fevereiro de 2007 e transitada em julgado a 26 de Fevereiro de 2007 foi decretada a falência da E, com fundamento no incumprimento de obrigações que, pelo montante e circunstâncias do incumprimento, revelavam que a E se encontrava impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações (documento 32).
61. No que a estes autos interessa foram, na sentença, reconhecidos os seguintes créditos:
a) Crédito da Requerente A no valor de MOP6.234.943,13, em que a E tinha sido condenada por sentença transitada em julgado em 13 de Janeiro de 2005, acrescido de juros vencidos e vincendos;
b) Crédito da Requerente A no valor de MOP1.021.652,50, acrescido de juros vencidos desde 26 de Julho de 1995 até 1 de Fevereiro de 2007;
c) Crédito da Requerente B no valor de MOP35.253.998,65, em que a E tinha sido condenada por sentença transitada em julgado, acrescido de juros vencidos desde 8 de Maio de 2006 até 1 de Fevereiro de 2007 (cfr. documento 32).
62. Em 1 de Fevereiro de 2007 a dívida da E à Requerente A era de MOP4.523.260,50 (MOP3.501.608,00 + MOP 1.021.652,50), a título de capital e de MOP3.200.799,80 a título de juros calculados até essa data à taxa legal em vigor à altura, num total de MOP7.724.060,30.
63. No total, a dívida da E às Requerentes totalizava MOP43.977.266,18.
64. Na fase de apreensão dos bens da falida foram novamente tomadas diligências destinadas a apurar o destino dado à quantia de MOP33.219.408,00 que havia sido paga à E por precatório cheque, no âmbito dos autos de execução sumária CV2-95-0003-CAO-D.
65. Por despacho de 19 de Janeiro de 2007 foi determinada a notificação do BXX para indicar quem, no dia 8 de Outubro de 2004, deu instruções para creditar na conta bancária n.º … o dinheiro do precatório cheque, no valor de MOP33.219.408,00, depositado na conta do Tribunal n.º … (documento 33).
66. Em resposta informou o BXX, por ofício de 22 de Janeiro de 2007, que aquele precatório cheque, no valor de MOP33.219.408,00, emitido a favor da E, havia sido levantado no dia 8 de Outubro de 2004 e creditado na conta n.º …, por instruções da Senhora Dra. Manuela António, a quem a E tinha conferido poderes bastantes para o efeito (documento 34).
67. Porque a informação prestada continuava a não esclarecer cabalmente a situação, foi, por despacho de 30 de Março de 2007 e por solicitação da Senhora Administradora da Falência, determinada a notificação do banco para que informasse sobre o destino final daquela quantia, fornecendo um extracto discriminativo de todos os movimentos posteriores ao depósito da quantia na conta n.º … a fim de se apurar a identificação das contas bancárias de terceiros para onde foram efectuados movimentos bancários a partir de 8 de Outubro de 2004 (documentos 35 a 38).
68. Em resposta, informou o BXX, por ofício datado de 3 de Abril de 2007, que no próprio dia 8 de Outubro de 2004, de acordo com as instruções da titular da conta, foram efectuadas duas transferências para contas abertas também no seu nome: MOP720.650,00 para crédito da conta n° … e MOP32.498.758,00, equivalentes a HKD31.506.309,26, para crédito da conta n° … (documento 39).
69. Informou ainda o BXX, no mesmo ofício, que em 11 de Outubro de 2004, por débito da conta n° …, foram transferidos HKD31.506.309,26 para crédito em conta titulada por C, ora Requerido, junto do X em Hong Kong (cfr. documento 39).
70. As instruções haviam sido dadas ao BXX pela Ilustre Mandatária da E em 11 de Outubro de 2004, com indicação da conta n.º …, do X, de C (cfr. documento 39).
71. Nenhum dos créditos das Requerentes, verificados por sentença de 12 de Maio de 2009, veio a ser pago, por força da inexistência de bens da falida.
72. Na pendência do processo de falência foi tentado, pelo Tribunal, pela Senhora Administradora da falência e pela autora A, por inúmeras vezes, apurar o destino que havia sido dado aos MOP33.219.408,00 e a razão pela qual essa quantia, no todo ou em parte, se não encontrava na esfera jurídica da E (documentos 40 a 43).
73. Conforme resulta da informação prestada pelo BXX, aquele valor de MOP33.219.408,00 nunca deu entrada na conta bancária da E mas sim na conta da Ilustre Mandatária da E, por instruções do Requerido.
74. O Requerido deu, de seguida, instruções à Ilustre Mandatária da E para transferir HKD31.506.309,26, equivalentes a MOP32.498.758,00, para uma conta pessoal sua aberta junto do X em Hong Kong.
75. A partir daí mais nada se conseguiu apurar quanto ao destino daquele dinheiro.
76. Solicitadas explicações ao Requerido, na qualidade de gerente da E, este veio desdobrar-se em explicações que nada esclarecem ou explicam (documento 44).
77. Escudando-se na sentença de proferida no processo n.º 79/95, que foi encontrar esteio para a condenação da Requerente A no pagamento de HKD18.503.308,25 à acta de uma reunião havida entre a Requerente A e a E em 24 de Janeiro de 1995, o Requerido procurou explicar que aquele dinheiro se destinava a pagar a terceiros, concretamente à D, para liquidar despesas de construção do empreendimento “Jardins de X” (cfr. documento 44).
78. Nas palavras do Requerido, “a quantia que a A foi condenada a pagar à E tinha como destinatário último a empresa construtora, pois destinava-se a fazer face a despesas de obra e construção já executada, sendo portanto devida a quem foi responsável por esta construção, ou seja a D. Como se lê na sentença “o dinheiro a receber seria para pagar a terceiros”” (cfr. documento 44).
79. Por essa razão, o Requerido, que assumia simultaneamente a qualidade de sócio único, na prática, e gerente da E e de sócio maioritário e gerente da D, ficou com o dinheiro, pois que, alegou, dispunha de inteira legitimidade para o receber e dele dispor (cfr. documento 44).
80. Em depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 24 de Janeiro de 2007, no processo de falência da E, o Requerido declarou que “através dos seus advogados conseguiu receber uma quantia superior a trinta milhões patacas fixada pelo Tribunal. Deu poderes aos seus advogados para depositar essa quantia numa conta indicada pelo depoente e aberta para a partir dessa conta proceder ao pagamento dos credores da requerida” (cfr. documento 4).
81. Apesar de lhe ter sido insistentemente solicitado pelo Tribunal e pela Senhora Administradora da Falência, no âmbito do processo de falência, o Requerido nunca facultou qualquer comprovativo de ter pago qualquer quantia a quem quer que fosse, que corroborasse a alegação de que havia utilizado o dinheiro com esse fim.
82. O Requerido não se limitou a não demonstrar, na sede própria, ter utilizado o dinheiro que era devido à E para pagar dívidas de construção.
83. Na verdade, o Requerido não pagou as dívidas que apregoava ter liquidado, designadamente dívidas contraídas pela D perante fornecedores e subempreiteiros.
84. Por essa razão, em 2010, J (doravante J) propôs contra a D e contra o ora Requerido uma acção que seguiu os seus termos com o n.º CV3-10-0052-CAO (documento 45).
85. Por contrato celebrado em 8 de Agosto de 1988, J, na qualidade de titular da XX CONSTRUCTION & ENGINEERING COMPANY, e a D, associaram-se para levarem a cabo a empreitada de construção do projecto Jardins de X (documento 46).
86. Quem, na realidade, procedeu à construção dos “jardins de X” foi a XX CONSTRUCTION & ENGINEERING COMPANY, não a D, que se limitou a contratar aquela para o efeito.
87. Nos termos deste contrato, J ficou responsável pelos contactos com o engenheiro da obra e pelo tratamento das respectivas licenças junto das Obras Públicas e do Leal Senado (cláusula 1.2) (cfr. documento 46).
88. Bem como pela organização e planeamento da execução da obra e pela subempreitada da obra e aquisição dos materiais necessários (cláusula 2.ª) (cfr. documento 46).
89. Nos termos do mencionado acordo, os lucros e as perdas daquele projecto seriam repartidos igualmente por cada uma das partes, na proporção de 50% para cada uma (cláusula 4.ª) (cfr. documento 46).
90. Só na sequência desta acção vieram a D e o Requerido a pagar a J, por transacção judicial homologada por sentença de 19 de Março de 2014, a quantia de MOP3.457.265,57, acrescida de juros vencidos durante 1 (um) ano, calculados à taxa legal (9.75% + 2.00%), no valor de MOP406.228,70 (documentos 47 e 48).
91. Na mesma altura e por exigência de J, a D e o Requerido pagaram, sem juros, a diversos fornecedores da obra “Jardins de X” quantias que se encontravam em dívida desde, pelo menos, 1995 (documentos 49 a 56).
92. É, pois, rotundamente falso que a quantia que era devida à E e que foi parar ao bolso do Requerido tenha sido usada para pagar a terceiros, para saldar dívidas decorrentes de despesas de construção do empreendimento “Jardins de X”.
93. Na sentença de 1 de Fevereiro de 2007, que decretou a falência da E, foi determinado que se procedesse à apreensão, para entrega imediata à administradora da falência, dos elementos da contabilidade da falida (cfr. documento 32, a fls 23).
94. Para o efeito, no dia 6 de Fevereiro de 2007 o Tribunal deslocou-se à sede social da E, tendo constatado que a E não exercia lá qualquer actividade e que as instalações tinham sido arrendadas pelo Requerido à Direcção dos Serviços de Finanças em Maio de 2004, razão pela qual nada foi apreendido (documentos 57 a 59).
95. Na mesma altura, por ali se encontrar presente, foi a contabilista da E, K, notificada para entregar todos os elementos de contabilidade da falida à administradora da falência (cfr. documento 58).
96. Na sequência de insistência feita pelo Tribunal, veio a E, através dos seus mandatários judiciais, informar que “todos os elementos contabilísticos relativos ao aludido período (1989 a 1995) que a Requerida dispunha foram juntos aos autos de Acção Ordinária n.º 79/95” e outros que foram juntos aos autos de falência em 26 de Dezembro de 2006, não havendo mais elementos de contabilidade (documento 60).
97. A Senhora Administradora da falência procurou, por todas as formas possíveis, conforme impõe o artigo 1117.º do Código de Processo Civil, ter acesso à escrita e a quaisquer outros documentos da E, que lhe permitissem apurar a real situação patrimonial da mesma, quer a nível de créditos, quer a nível de dívidas, no que foi secundada pela Requerente A, sempre sem sucesso (documentos 61 a 74).
98. Isto porque a E, em 2007, não possuía na sua sede os livros obrigatórios que qualquer sociedade deve possuir, designadamente livro de actas da assembleia geral, livro de actas da administração, livro de registo de ónus, encargos e garantias (artigo 252.º do Código Comercial).
99. Para além desses, por se tratar de empresário comercial, a E era obrigada a ter escrita organizada, adequada à sua empresa, que permitisse o conhecimento cronológico de todas as suas operações, bem como era obrigada à elaboração periódica de balanços e inventários (artigo 38.º do Código Comercial, na versão anterior à Lei 16/2009).
100. A E não possuía quaisquer livros na sua sede, obrigatórios e não obrigatórios, de contabilidade, de actas ou outros.
101. A E, através do Requerido, seu sócio gerente, ou da sua contabilista, nunca facultou à Senhora Administradora da falência qualquer daqueles livros, apesar das muitas insistências feitas pelo Tribunal e pela Senhora Administradora da falência nesse sentido (cfr. documentos 59 a 72).
102. A E não entregou, na Direcção dos Serviços de Finanças, declarações de rendimentos M/1 do Imposto Complementar de Rendimentos grupo A, respeitantes ao exercício de 1994 e seguintes, sendo que a última declaração entregue respeita ao exercício de 1993 (documento 75).
103. O recebimento da quantia de MOP33.219.408,00, em Outubro de 2004, não foi reflectido na escrituração da E, tal como o não foi o destino dado a essa mesma quantia.
104. Para o Requerido, a E, a D e C confundem-se no âmbito patrimonial, sendo indiferente que um pagamento seja recebido por uma ou por outra qualquer destas entidades.
105. A forma como o Requerido se comportou relativamente à apropriação de MOP32.498.758,00 é disso prova, como o fora já a compra que fez à sociedade por si controlada de uma fracção autónoma, nas condições em que o fez, com prejuízo para a sociedade e para terceiros credores.
106. Em concreto, o Requerido apropriou-se da quantia de HKD31.506.309,26, equivalentes a MOP32.498.758,00, porque era sócio maioritário e gerente da sociedade que, no seu entender, seria, nas suas palavras, a destinatária última do pagamento, a D.
107. A E foi constituída por escritura de 29 de Março de 1989, lavrada a fls. 22 e segs. do livro n.º 31-H do Cartório Notarial das Ilhas, outorgada por L, na qualidade de representante da sociedade XX (MACAU) LIMITADA, por F e por C (cfr. documento 3).
108. O capital social foi fixado em MOP40.000.000,00, sendo uma quota de MOP16.000.000,00 subscrita pela XX (MACAU) LIMITADA, uma quota de MOP16.000.000,00 subscrita por F e uma quota de MOP8.000.000,00 subscrita por C (cfr. documento 3).
109. As quotas foram apenas subscritas mas não realizadas, pois que, na realidade, de MOP40.000.000,00 apenas MOP1.236.000,00 foram realizadas em 5 de Maio de 1989.
110. O Requerido limitou-se a realizar a sua quota até ao valor de MOP247.200,00, correspondentes a HKD240.000,00, ficando por realizar MOP11.752.800,00, o que corresponde a uma realização de apenas 2.06%.
111. Nos anos de 1989 a 1991, a diferença de MOP38.800.000,00 foi lançada nas contas da E sob a verba de capital a receber (documentos 76 a 78).
112. A partir de 1992 o capital em dívida passou a estar integrado na conta dos sócios, a receber, consolidado com outras verbas (documentos 79 a 82).
113. O capital, na sua globalidade, apenas foi realizado em 3.09%.
114. Por escritura de 13 de Julho de 1991, lavrada a fls…. do livro n.º… do Notário Privado Leonel Alves procedeu-se a uma divisão da quota detida pela XX (MACAU) LIMITADA em duas, uma de MOP12.000.000,00 e outra de MOP4.000.000,00, sendo a primeira cedida a favor de F e a segunda cedida a favor de C (cfr. documento 3).
115. Foi na sequência desta divisão e cessão de quotas que a estrutura societária da E adquiriu a sua forma final, com o Requerido na posse de uma quota de MOP12.000.000,00 e F com uma quota de MOP28.000.000,00.
116. A E associou-se à Requerente A para levar a cabo um dos maiores projectos imobiliários de Macau da época, possuindo apenas, para o efeito, MOP1.236.000,00 de capital social efectivo.
117. No ano de 2006, o Requerido intentou contra a Requerente A e contra M uma acção declarativa de condenação com processo ordinário, distribuída sob o n.º CV1-06-0041-CAO, onde, a título subsidiário, pediu a condenação da Requerente A no pagamento da quantia de HKD20.461.549,40, a título de indemnização correspondente ao dobro do sinal alegadamente pago, respeitante a treze contratos-promessa de compra e venda de outras tantas fracções dos “Jardins de X”, acrescida de juros à taxa legal desde 10 de Dezembro de 2004 (documento 83).
118. Por sentença proferida em 13 de Janeiro de 2017 foi a Requerente A condenada a pagar ao Requerido a quantia de MOP21.075.395,88, acrescida de juros à taxa legal a contar da data da sentença (cfr. documento 83).
119. Da sentença foi interposto recurso, o qual se encontra pendente no Tribunal de Segunda Instância com o n.º 526/2017 (cfr. documento 83).
120. O único activo que as Requerentes conheciam ao Requerido era constituído pelas fracções autónomas que alienou em 2010, sitas no rés-do-chão do Edifício Industrial XX, que foram alienadas em 2010 (cfr. documento 17).
121. A sociedade D não possui actualmente qualquer actividade comercial conhecida e, como tal, a participação social do Requerido não possuirá qualquer valor.
122. O processo-crime encontra-se ainda em fase de instrução e em recurso no Tribunal de Segunda Instância com o processo n.º 853/2015.
123. A demora na tramitação do processo-crime obriga as Requerentes a recorrer aos meios cíveis, em separado。”
*
Já depois de apreciada a oposição deduzida pelo requerido, o Tribunal não considerou provados os factos constantes dos n.ºs 75, 83, 92, 104 e 122 da decisão de primeira sentença, assim como não deu como provado o facto 105, na parte em que se refere que “a forma como o requerido se comportou relativamente à apropriação de MOP$32.498.758 é disso prova com prejuízo para a sociedade e para terceiros credores”.
Mais considerou provada a seguinte factualidade:
I. “No despacho proferido em 11/09/2007 no processo de falência da E, onde se lê, “Na sequência do despacho de fls.415, veio o sócio gerente da falida esclarecer que foi na qualidade de sócio gerente da Sociedade D que recebeu a quantia depositada na conta a título de pagamento das despesas de construção que falida devia à Sociedade D.
Face aos esclarecimentos feitos, veio a Sra. Administradora da Falência insistir que o referido sócio gerente junte aos autos documentos comprovativos de quitação.
O Síndico pronunciou-se no sentido de ordenar a notificação o sócio gerente para os efeitos requeridos pela Sra. Administradora.
Conforme o documento de fls.373, quase a totalidade da quantia recebida pela falida no âmbito da execução nº CV2-95-0003-CAO-D foi depositada numa conta de C.
Pela conjugação da sentença proferida na acção 79/95 que se correu os seus termos no 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Base e o acordo celebrado entre a requerente da falência, a falida e a Sociedade D em 25 de Janeiro de 1995 (cfr.103 a 105 do apenso D aos presentes dos autos), a quantia acima referida destinava-se a pagar as despesas de construção devidas à Sociedade D que foi contratada para realizar a construção do empreendimento Jardim X (cfr. ponto 19 dos factos assentes da sentença acima referida) a qual seria entregue à Sociedade D depois de a falida a receber.
Além disso, ficou também provado na referida acção que havia despesas de construção a pagar (cfr. ponto 41 dos factos assentes da sentença acima referida).
Como foi já referido, conforme C, sócio gerente da falida, a quantia foi depositada na sua conta para pagar as despesas acima referidas e a recebeu na qualidade de sócio gerente da Sociedade D.
Tendo em conta que C é também sócio gerente da Sociedade D e o facto de a quantia recebida pela falida era para pagar as despesas devidas à Sociedade D, não se pode excluir sem mais que C recebeu o depósito nessa qualidade.
Nestes termos, por desnecessário insistir nos termos requeridos vai indeferido o pedido formulado pela Sra. Administradora.” (Artigos 93º e 94º da oposição)
II. Do despacho de não pronúncia proferido no processo-crime a que as Requerentes fazem menção no seu articulado e que ora se junta nas fls. 750 a 763, resulta que as quantias recebidas pela E não tinham esta como beneficiária, mas serviram sim para o cumprimento das suas obrigações sociais. (Fls. 750 a 763, cujo teor para os efeitos se dá aqui por integralmente reproduzido) (Artigos 112º e 113º da oposição)
III. O recurso que as Requerentes interpuseram contra a decisão que não pronunciou o Requerido foi, por acórdão datado de 13.02.2018 do Tribunal de Segunda Instância (processo n.º 853/2015), julgado improcedente, confirmando o despacho de não pronúncia objecto do recurso. (fls. 777 a 781, cujo teor para os efeitos se dá aqui por integralmente reproduzido) (Artigos 4º, 5º e 9º do articulado dos factos supervenientes)”
*
Foram interpostos pelas recorrentes dois recursos, o primeiro é contra a decisão que indeferiu o arresto do crédito litigioso do requerido contra a requerente A, e o segundo é interposto contra a decisão que revogou o arresto anteriormente decretado sobre a quota do requerido no valor de MOP$450.000,00 na sociedade Empresa de Construção e Fomento Predial D, Limitada.
Por razões pragmáticas, apreciamos em primeiro lugar o recurso da última decisão que revogou o arresto decretado, sendo que, se este proceder, poderá ter influência no primeiro recurso.
As recorrentes começam por referir que ao apreciar a oposição deduzida pelo recorrido, e perante a falta de meios de prova novos, o Tribunal a quo não pode alterar os factos dados como provados, por entender tratar-se de uma reavaliação das provas que já haviam sido consideradas nos autos, o que lhe estava vedado.
A nosso ver, não lhes assiste qualquer razão.
Em boa verdade, quando o requerido não for ouvido antes do decretamento da providência, este pode, após notificado da decisão que a ordenou, deduzir oposição, alegando factos ou fazer uso de meios de prova não considerados pelo tribunal, com vista a afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
E foi assim que o recorrido procedeu, tendo o mesmo apresentado provas documentais que entendeu pertinentes e que não foram ponderadas aquando do decretamento do arresto.
E o Tribunal não se limita a apreciar esses elementos novos, mas vai reponderar toda a prova produzida, mormente a testemunhal cujo depoimento ficou gravado, para poder proferir uma decisão final que consiste na manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada.
Nestes termos, não merece censura o Tribunal recorrido ao proceder à nova apreciação de toda a prova existente nos autos.
No mesmo sentido, decidiu o Venerando Acórdão do TUI, no Processo n.º 22/2007, que: “O tribunal que julga a oposição à providência cautelar pode reapreciar as provas produzidas na audiência que a decretou e deve assim proceder sempre que se mostre necessário. No julgamento da oposição, se ficarem provados factos contraditórios aos provados na audiência que decretou a providência, o tribunal deve proceder ao exame crítico dos elementos probatórios das duas audiências de modo a reformular o acervo de factos provados e não provados e proferir a decisão final com base nesta matéria de facto definitivamente fixada.”
As recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, alegando ter havido erro na apreciação da prova, na medida em que, segundo as recorrentes, não existe quaisquer meios de prova que permitam alterar os factos dados como provados na sentença que decretou o arresto.
Vejamos.
Foram dados como provados no primeiro julgamento, com dispensa de audiência prévia do requerido, entre outros, os seguintes factos:
- “A partir daí mais nada se conseguiu apurar quanto ao destino daquele dinheiro.” (facto 75);
- “Na verdade, o requerido não pagou as dívidas que apregoava ter liquidado, designadamente dívidas contraídas pela D perante fornecedores e subempreiteiros.” (facto 83);
- “É pois, rotundamente falso que a quantia que era devida à E e que foi parar ao bolso do requerido tenha sido usada para pagar a terceiros, para saldar dívidas decorrentes de despesas de construção do empreendimento “Jardins de X”.” (facto 92);
- “Para o requerido, a E, a D e C confundem-se no âmbito patrimonial, sendo indiferente que um pagamento seja recebido por uma ou por outra qualquer destas entidades.” (facto 104);
- “A forma como o requerido se comportou relativamente à apropriação de MOP$32.498.758,00 é disso prova, como o fora já a compra que fez à sociedade por si controlada de uma fracção autónoma, nas condições em que o fez, com prejuízo para a sociedade e para terceiros credores.” (facto 105);
Apreciada a oposição à providência cautelar, o Tribunal recorrido deu como não provado a matéria acima referida.
Dispõe o artigo 629º, nº 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Na mesma senda, salienta-se ainda no Acórdão deste TSI, de 16.2.2017, no Processo n.º 670/2016 que: “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Fundamentou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:
“A convicção do tribunal formou-se na análise conjunta e crítica relativamente à conjugação dos documentos novamente juntados com o requerimento de oposição e o articulado superveniente com os documentos juntos com o requerimento inicial e o depoimento das testemunhas inquiridas na primeira audiência realizada, sendo esclarecido, com o despacho proferido no processo de falência de fls. 749, que não foi juntado pelas requerentes pelas razões desconhecidas, e duvidosas, com a certidão e as cópias extraídas no mesmo processo anexada ao requerimento da providência cautelar (fls. 444 a 606), e com o despacho de não pronúncia proferido no processo-crime em causa que foi também confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, para afastar a conclusão baseada nomeadamente no depoimento da testemunha X de que o montante em causa foi cedido ao requerido para proveito pessoal. Pelo contrário, mesmo no processo de falência de E, que as requerentes invocaram para fundamentarem o decretamento do presente arresto, a Mma Juíz do presente Tribunal também chegou, depois de ser ouvido o requerido, a uma conclusão de que não pode excluir que o requerido recebeu o depósito na qualidade do sócio gerente de E, tanto mais que no processo- crime contra o requerido pelo suspeito de prática do crime de falência intencional chegou ainda a mesma conclusão. Também são os documentos de fls. 497 a 526 que fundamentam por escrito as obrigações contraídas pela E junto da D, cujo administrador e sócio é também o requerido, obrigações que têm a ver com o desenvolvimento e a construção do “Jardim X”. Reponderando as provas acima indicadas, não deixa de negar a prova dos factos constantes dos n. 75º, 83º, 92º, 104º, 105º (parcialmente) e 122º na sentença proferida a fls. 674 a 687 e considerar como provados, nos termos acima definidos, os factos constantes dos art. 93º, 94º, 112º e 113º do requerimento da oposição e dos art. 4º, 5º e 9º do articulado dos factos supervenientes.”
Em boa verdade, com excepção daqueles meios de prova que possuem força probatória plena, os restantes têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras.
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, incluindo-se prova documental, competindo-lhe atribuir o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se confira, salvo raras excepções, maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras.
No caso vertente, dúvidas não restam de que as recorrentes pretendem sindicar a íntima convicção do Tribunal recorrido formada a partir da reapreciação e valoração global das provas produzidas em audiência e dos novos documentos juntos aos autos, mormente dos apresentados pelo recorrido depois de ter sido notificado para deduzir oposição ao arresto.
Na verdade, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração da resposta dada pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas.
Salvo o devido respeito por diferente opinião, somos a entender que, lidos os argumentos que as recorrentes fizeram nas suas alegações e confrontando-os com a fundamentação do Tribunal recorrido, não se vislumbra qualquer erro manifesto na apreciação da matéria de facto.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
*
As recorrentes pediram o arresto da quota do requerido no valor de MOP$450.000,00 na Empresa de Construção e Fomento Predial D, Limitada, com os seguintes fundamentos:
- a sociedade E é devedora das requerentes;
- a E foi declarada falida;
- no âmbito de uma execução sumária de sentença intentada pela E, esta recebeu da requerente A a quantia de MOP$33.219.419,00;
- o dito montante foi transferido para outras contas bancárias sem sabendo com que finalidade, e uma das contas bancárias é a conta pessoal do requerido, que era sócio e administrador da E;
- o requerido tornou-se sócio unipessoal dessa sociedade;
- por sentença proferida em 13.1.2017, foi a requerente A condenada a pagar ao requerido a quantia de MOP$21.075.395,88, acrescida de juros à taxa legal a contar da data de sentença;
- dessa sentença foi interposto recurso, o qual se encontra pendente no Tribunal de Segunda Instância.
Ora bem, não ficou provado que o requerido se tenha apropriado ilicitamente de qualquer quantia, nem que o património social da E deixou de ser exclusivamente desafectado ao cumprimento das suas obrigações sociais, antes pelo contrário, logrou-se a prova de que a transferência do montante de MOP$33.219.419,00 pertencente a E para a conta bancária aberta em nome do requerido tem por finalidade pagar as despesas de construção devidas à Sociedade D a qual foi contratada para realizar a construção do empreendimento “Jardim X”; sendo certo que o requerido, sendo sócio gerente da E, e ao mesmo tempo sócio gerente da Sociedade D, recebeu o dinheiro na qualidade de sócio gerente desta última, e que o dinheiro depositado na sua conta era destinado a pagar as despesas acima referidas.
Assim sendo, dúvidas de maior não restam de que preenchidos não estão os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 352.º do Código de Processo Civil de que depende o decretamento do arresto (existência provável do crédito e de justo receio de perda da garantia patrimonial), bem assim as condições previstas no disposto no artigo 213.º do Código Comercial, bem andou o Tribunal recorrido ao revogar a providência decretada.
O mesmo acontece em relação ao recurso interposto da decisão que indeferiu o arresto do crédito litigioso do requerido, reconhecido por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, de 13.1.2017 (primeiro recurso).
Conforme dito acima, não se logrando a prova dos pressupostos de que depende o decretamento do arresto, o pedido do arresto do crédito litigioso do requerido, reconhecido por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, de 13.1.2017 não pode deixar de ser indeferido.
Desta sorte, negam-se provimento aos recursos.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos interpostos pelas recorrentes Companhia de Investimento Predial A, SARL e Companhia de Importação e Exportação B, Limitada, mantendo as decisões recorridas.
Custas pelas recorrentes, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
***
RAEM, 25 de Outubro de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Recurso cível 661/2018 Página 50