Processo n.º 758/2018 Data do acórdão: 2018-10-25
Assuntos:
– recurso extraordinário de revisão de sentença
– art.° 431.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Penal
– superveniência probatória
– superveniência objectiva
– superveniência subjectiva
– elementos de prova novos
S U M Á R I O
1. O art.° 431.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Penal exige uma superveniência probatória susceptível de abalar seriamente a prova em que se fundou a sentença cuja revisão se requer, superveniência esta que se pode traduzir em duas modalidades: superveniência objectiva, e superveniência subjectiva.
2. Verifica-se superveniência objectiva quando os elementos de prova são novos hoc sensu, no sentido de que não existiam no momento da prolação da sentença cuja revisão se requer. Ou seja, quando esses (novos) elementos de prova só se formaram posteriormente àquele momento.
3. Enquanto a superveniência subjectiva quer referir-se à situação em que a parte requerente da revisão, ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, ou não tinha conhecimento dos elementos de prova em causa, que já existiam, ou então sabia da existência deles, mas não teve possibilidade de os obter. Quer dizer, para haver superveniência subjectiva, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível socorrer a esses elementos de prova no processo em que decaíu. Se a parte tinha conhecimento da existência desses elementos de prova, e podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se os não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência. Desde que pudesse utilizar esses elementos, deveria utilizá-los, para não sujeitar o tribunal a emitir uma decisão sobre dados incompletos; porque assim não procedeu, perdeu o direito a aproveitar-se dos elementos de prova em causa.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 758/2018
(Autos de recurso extraordinário de revisão de sentença)
Requerente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.o CR1-17-0160-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), A, aí já melhor identificado, foi condenado, em primeira instância, em 26 de Janeiro de 2018, por decisão transitada em julgado em 24 de Maio de 2018, como autor material de dois crimes consumados de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.os 1 e 4, alínea a), do Código Penal, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão (cfr. o teor da certidão de fls. 8 a 30 do presente processado de recurso extraordinário de revisão de sentença).
Veio esse arguido condenado pedir a revisão da acima referida decisão condenatória penal, nos citados termos do art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Penal de Macau (CPP), alegando, para o efeito, e na sua essência, que (cfr. o teor do requerimento de revisão a fls. 2 a 6 do presente processado):
– foi ele acusado pelo Ministério Público de ter praticado em Janeiro de 2016 dois crimes de burla em valor consideravelmente elevado;
– na audiência de julgamento realizada em Dezembro de 2017 perante o Tribunal sentenciador em primeira instância, exerceu ele o direito ao silêncio;
– em 26 de Janeiro de 2018, ficou ele condenado em primeira instância nos ditos dois crimes na pena única de cinco anos e seis meses de prisão;
– no recurso então interposto dessa condenação para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), juntou ele uma certidão emitida em 6 de Fevereiro de 2018 pelo Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau (CPSP) para provar a sua não presença em Macau aquando da acusada prática dos referidos crimes;
– sucede que o TSI, no acórdão de recurso então proferido, confirmou a decisão condenatória recorrida, e referiu no texto desse acórdão que a questão da alegada não presença em Macau à data dos factos só poderia ser resolvida em sede do recurso extraordinário;
– a acima aludida certidão dá para comprovar que ele não esteve em Macau aquando da ocorrência dos factos de burla, o que demonstra a grave injustiça da condenação, pelo que à luz do art.o 431.o, n.o 1, alínea d), do CPP, deve ser autorizado o pedido de revisão em causa.
Sobre este pedido de revisão, responderam a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal Judicial de Base e o assistente igualmente no sentido de improcedência da argumentação do requerente (cfr. as respostas de fls. 36 a 38 e de fls. 39 a 52 do presente processado, respectivamente).
Subsequentemente, foi emitida (a fls. 66 a 68) informação judicial à luz do art.o 436.o do CPP, no sentido de não provimento do pretendido pelo requerente.
Subido o processado para este TSI, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fl. 75), subscrevendo o teor da resposta acima referida do Ministério Público.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame do presente processado, fluem os seguintes elementos pertinentes à decisão:
O arguido condenado ora requerente do recurso extraordinário de revisão de sentença foi julgado presencialmente na audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal sentenciador em primeira instância.
Antes da realização dessa audiência de julgamento, não chegou o arguido a apresentar contestação à acusação por dois crimes de burla em valor consideravelmente elevado.
E na mesma audiência de julgamento, exerceu ele o direito ao silêncio quanto aos factos acusados relativos à pratica dos ditos crimes de burla em Janeiro de 2016 em Macau.
O acórdão condenatório do arguido nos mesmos dois crimes de burla foi proferido em 26 de Janeiro de 2018, e confirmado por acórdão de recurso do TSI de 10 de Maio de 2018, transitado em julgado em 24 de Maio de 2018.
A certidão referida pelo arguido no requerimento da revisão ora sub judice foi passada pelo Serviço de Migração do CPSP em 6 de Fevereiro de 2018, segundo a qual ele, titular do Passaporte da República Popular da China n.o XXX, no período de 1 de Janeiro de 2016 a 31 de Janeiro de 2016, não efectuou quaisquer motivmentos através dos postos fronteiriços da Região Administrativa Especial de Macau.
Segundo o intróito do referido acórdão condenatório em primeira instância, o arguido foi titular do Passaporte da República Popular da China n.o XXX.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O ora requerente quer fundar o seu pedido de revisão na norma da alínea d) do n.º 1 do art.º 431.º do CPP.
E como esta norma processual penal é substancialmente homóloga à do art.° 673.°, n.° 4.°, do Código de Processo Penal de 1929 (CPP de 1929), outrora vigente em Macau, que rezava que uma sentença com trânsito em julgado só poderá ser revista se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciados no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado, afigura-se útil adaptar aqui, e nos termos mutatis mutandis a expor infra, a análise em geral da problemática em causa já feita no aresto deste TSI, de 12 de Outubro de 2000, no processo n.° 94/2000, onde foi decidido um recurso de revisão interposto sob a égide daquele preceito do Código de Processo Penal de 1929:
Como se sabe, o preceito do art.° 431.°, n.° 1, alínea d), do CPP exige uma superveniência probatória susceptível de abalar seriamente a prova em que se fundou a sentença cuja revisão se requer, superveniência esta que se pode traduzir em duas modalidades:
– superveniência objectiva;
– e superveniência subjectiva.
Verifica-se superveniência objectiva quando os elementos de prova são novos hoc sensu, no sentido de que não existiam no momento da prolação da sentença cuja revisão se requer. Ou seja, quando esses (novos) elementos de prova só se formaram posteriormente àquele momento.
Enquanto a superveniência subjectiva quer referir-se à situação em que a parte requerente da revisão, ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, ou não tinha conhecimento dos elementos de prova em causa, que já existiam, ou então sabia da existência deles, mas não teve possibilidade de os obter.
Quer dizer, para haver superveniência subjectiva, é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível socorrer a esses elementos de prova no processo em que decaíu.
Se a parte tinha conhecimento da existência desses elementos de prova, e podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se os não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência. Desde que pudesse utilizar esses elementos, deveria utilizá-los, para não sujeitar o tribunal a emitir uma decisão sobre dados incompletos; porque assim não procedeu, perdeu o direito a aproveitar-se dos elementos de prova em causa.
(E tudo isto são ideias aliás retiradas mutatis mutandis da doutrina do PROFESSOR ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil anotado, Volume VI (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, pág. 353 e segs., que se mantêm ainda actuais e como tal também aplicáveis na interpretação do alcance da norma do art.º 431.º, n.º 1, alínea d), do actual CPP).
E só após verificado o requisito de “novidade” – na vertente objectiva ou na subjectiva – dos elementos de prova qualificados como sendo novos pelo requerente da revisão, é que se pode passar a ajuizar se os mesmos, de per si ou combinados com os já apreciados no processo anterior, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Isto é: passa-se a indagar qual teria sido o resultado da decisão proferida no processo anterior, se os novos elementos de prova estivessem no processo.
Assim, se se convence de que se esses elementos novos estivessem no processo, a sentença teria sido diversa, então deve admitir-se a revisão da sentença. E para isto, os novos elementos probatórios hão-de ser tal que criem um estado de facto diverso daquele sobre que assentou a sentença cuja revisão se requer.
Entretanto, há que distinguir também duas fases da revisão, a saber: o judicium rescindens e o judicium rescissorium.
Na primeira fase, a de judicium rescindens (juízo rescindente), só cabe julgar se procede o fundamento da revisão da sentença (cfr. maxime o art.º 437.º, n.° 3, do CPPM). E se sim, entrar-se-á na fase subsequente, a de judicium rescissorium (juízo rescissório), em que haverá que proferir nova sentença, depois de se efectuarem as diligências absolutamente indispensáveis e efectuado novo julgamento (cfr. os art.°s 439.°, 441.° e 442.° do CPPM). Daí se retira que apesar da admissão da revisão, o recurso pode deixar de obter o provimento a final (cfr. os art.ºs 443.° e 445.° do mesmo CPPM, confrontadamente) (apud também mutatis mutandis, o PROFESSOR ALBERTO DOS REIS, ibidem).
Aplicando-se agora a tese em geral acima reputada como correcta ao presente caso concreto, é de verificar que o acima identificado elemento de prova (qual seja, a certidão passada em 6 de Fevereiro de 2018 pelo Serviço de Migração do CPSP) apresentado pela pessoa ora requerente no seu requerimento de revisão não pode ser considerado novo, em qualquer das duas vertentes supra definidas.
De facto, a situação de ausência de quaisquer movimentos, por parte do titular do Passaporte da República Popular da China n.o XXX, através dos postos fronteiriços da Região Administrativa Especial de Macau no período de 1 a 31 de Janeiro de 2016 já existiu neste Mundo mesmo antes da prolação da decisão condenatória pelo Tribunal sentenciador em primeira instância, e o próprio requerente, como titular daquele Passaporte, soube (por se tratar de situação naturalmente de conhecimento pesssoal dele) daquela ausência de movimentos fronteiriços e a ele não foi impossível obter, antes do proferimento dessa decisão condenatória, aquele tipo de certidão de ausência de movimentos fronteiriços.
Desta feita, é de concluir que não se pode emitir um juízo rescindente ao caso sub judice.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em denegar a revisão pretendida pelo arguido condenado A.
Custas pelo requerente, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 25 de Outubro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
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Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
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