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Processo nº 835/2018 Data: 11.10.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “furto”.
Crime de “reentrada ilegal”.
“Princípio ne bis in idem”.
Medida da pena.



SUMÁRIO

1. Em conformidade com o “princípio ne bis in idem”, ninguém pode ser duas vezes julgado pelos mesmos factos.

2. O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.

O relator,

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José Maria Dias Azedo



Processo nº 835/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como co-autor material e em concurso real de 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, e 1 outro de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico com a pena aplicada no âmbito do Proc. n.° CR4-17-0075-PSM, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 255 a 262-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “violação do princípio ne bis in idem” quanto ao crime de “reentrada ilegal”, pedindo também a redução das penas aplicadas; (cfr., fls. 270 a 275).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 302 a 303-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando pela parcial procedência do recurso.

Tem o referido Parecer e teor seguinte:

“Na Motivação (cfr. fls.270 a 275 dos autos), o recorrente pediu a absolvição dum crime de reentrada ilegal ao abrigo do princípio de non bis in idem e a redução da pena de sete meses de prisão aplicada pelo tribunal a quo no Acórdão em escrutínio por ele ter praticado um crime de furto.
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Ora, a sentença emanada no Processo n.°CR4-14-0031-PSM deu como provado que “嫌犯於2013年9月初 (正確日期及時間不詳) ……” e “直至於2013年9月17日被司法警察局人員在金碧娛樂場內截查”, portanto, condenou-o na pena de cinco meses de prisão efectiva por ter praticado um crime de reentrada ilegal p.p. pelo art.21° da Lei n.°6/2004.
Por sua vez, o Acórdão ora impugnado menciona que “第一嫌犯被指控於2013年8月中偷渡來澳門,並被指控於2013年8月13日在澳門作出有關盜竊行為” (há aqui um lapso, visto que o 2° facto provado constata que o furto teve lugar em 28 de Agosto, em vez de 13 do mesmo mês).
E chegou à conclusão de “本案認為第一嫌犯之前並沒有因相同事實被判刑”, argumentando que na medida em que ocorreram respectivamente em Agosto e Setembro de 2013, os dois períodos acima aludidos não são coincidentes, portanto o ora recorrente incorreu duas reentradas distintas.
Repare-se que o ora recorrente é, sem margem para dúvida, o 1° arguido no Processo n.°CR4-14-0031-PSM, de outra banda, a dita sentença e o aresto recorrido não apuraram a data concreta em que o: recorrente reentrou ilicitamente em Macau. Importa acentuar que não há prova que possa demonstrar que o recorrente saísse de Macau em finais de Agosto de 2013 e voltaria a entrar nos inícios de Setembro daquele ano.
De acordo com o princípio de in dúbio pro reo, deve presumir-se que era continuada e ininterrupta e a estadia/permanência do recorrente em Macau desde a sua entrada, ocorrida em finais de Agosto ou inícios de Setembro de 2013, até a 18/09/2013 data em que ele foi interceptado por agentes da Polícia Judiciária, não havendo 2 condutas de entra/reentrada.
Nesta linha de vista, inclinamos a subscrever a prudente opinião da ilustre Colega na Resposta (vide. fls.302 a 303 verso), no sentido de que infringe o princípio non bis in idem o Acórdão recorrido quanto à condenação do recorrente em ter praticado um crime de reentrada ilegal, por isso deverá ele ser absolvido da Acusação sobre este crime.
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No que diz respeito à condenação do recorrente em praticar um crime de furto, colhemos tranquilamente que são exactas e inatacáveis tanto a subsunção como a convolação operadas pelo Tribunal a quo. Pois, as provas e a matéria de facto provada caucionam esta condenação.
Repare-se que em boa verdade, no círculo jurídico da RAEM é adquirida e consabida a brilhante jurisprudência que tem asseverando que nos arts.64° e 65° do CPM, o legislador acolhe a teoria da margem de liberdade (a título meramente exemplificativo, vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.°293/2004, n.°50/2005 e n.°51/2006). De qualquer modo, entendemos ser prudente e discreto o veredicto que afirma: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial recorrida.” (vide. Acórdão do TSI no Processo n.°817/2016)
Em esteira, e tendo em consideração os antecedentes criminais, não podem deixar de entender que é justa e equilibrada a pena de nove meses de prisão efectiva estabelecida no Acórdão in questio, pena que deverá ser unificada mediante cúmulo jurídico.
Por todo o expendido acima, propendemos pelo parcial provimento do presente recurso”; (cfr., fls. 328 a 329).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 256 a 257-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como co-autor material e em concurso real de 1 crime de “furto”, p. e p. pelo art. 197°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão, e 1 outro de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão, fixando-lhe, em cúmulo jurídico com a pena de 5 meses de prisão aplicada no âmbito do Proc. n.° CR4-17-0075-PSM, a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.

Entende que o decidido quanto ao crime de “reentrada ilegal” está inquinado com o vício de “violação do princípio ne bis in idem”, pedindo, também, a redução das penas aplicadas.

–– Atento ao que vem alegado, e começando-se com o que ao crime de “furto” diz respeito, cabe desde já dizer que nenhuma censura merece o decidido.

Com efeito, correcta se apresenta a qualificação jurídica da relevante matéria de facto dada como provada, o mesmo sucedendo à pena fixada para o mesmo crime.

Com efeito, ao crime de “furto” pelo ora recorrente cometido cabe a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa; (cfr., art. 197°, n.° 1 do C.P.M.).

E, provado estando que o arguido ora recorrente tem “antecedentes criminais”, não sendo primário, registando já várias condenações, (desde 2012, cfr., “factos provados”), tendo já cometido vários crimes de “reentrada ilegal” e de “usura para jogo”, tudo a indicar uma personalidade alheia às normas de convivência social, que insiste em delinquir, (totalmente) inviável seria uma pena alternativa de multa ao abrigo do art. 64° do C.P.M., pelo que, atentos os critérios do art. 40° e 65° do mesmo código, à factualidade dada como provada, à referida moldura penal para o crime cometido – prisão até 3 anos – e tendo em conta as fortes necessidades de prevenção especial e geral, excessiva não se apresenta a pena de 9 meses de prisão, (que não chega sequer ao meio da pena).

Aliás, como temos igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

–– Confirmada a condenação pelo crime de “furto” e a pena ao mesmo fixada, passemos para o crime de “reentrada ilegal”.

Diz o recorrente que há violação do “princípio ne bis in idem”, dado que por este (mesmo) crime já foi condenado no âmbito do Proc. n.° CR4-14-0031-PSM.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, cremos haver equívoco.

Vejamos.

Como já tivemos oportunidade de considerar, (cfr., Ac. de 08.06.2017, Proc. n.° 416/2017), em conformidade com o “princípio ne bis in idem”, “ninguém pode ser duas vezes julgado pelos mesmos factos”; (cfr., art. 14°, n.° 7 do P.I.D.C.P. e art. 40° da L.B.R.A.E.M., podendo-se também sobre o tema ver, v.g., Agostinho S. Torres in “Julgar”, n.° 14, 2011, pág. 77 e segs., Henrique Salinas in “Dissertação de Doutoramento”, 2012, e, mais recentemente, Inês Ferreira Leite in “Lisbon Law Editions”, 2016).

In casu, a factualidade provada é clara quanto aos factos pelos quais foi o recorrente condenado, não coincidindo com o que alegado está, tendo o Tribunal a quo explicitado (adequadamente) a sua decisão, não se podendo considerar existir violação do aludido princípio com base em (meras) alegações ou suposições.

Por sua vez, cabe dizer que inexiste também (eventual) violação ao “princípio in dubio pro reo”, porque o Tribunal a quo entendeu e afirmou (claramente) que os “factos eram distintos”, afastada ficando assim qualquer (possível) dúvida da sua parte quanto à pronúncia que emitiu.

Por fim, bem vistas as coisas, o que em sede do recurso alega o recorrente é “matéria alheia” a este processo que, a se considerar relevante, terá que ser tratada em sede e no processo próprios.

Aqui chegados, atenta a pena aplicável ao crime de “reentrada ilegal”, aos antecedentes criminais e à necessidade de prevenção criminal, nenhuma censura merece a pena parcelar fixada, o mesmo sendo de dizer quanto à decisão que procedeu ao cúmulo jurídico com a pena do Proc. n.° CR4-17-0075-PSM, fixando uma pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, pois que se apresenta em total harmonia com os critérios do art. 40°, 65° e 71° do C.P.M..

Em face do exposto, há que se julgar improcedente o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, nega-se provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 5 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 11 de Outubro de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 835/2018 Pág. 14

Proc. 835/2018 Pág. 13