Processo n.º 126/2018
(Recurso em matéria comercial)
Data: 4 de Outubro de 2018
ASSUNTOS:
- Participação de estranho (não sócio) na assembleia geral da sociedade por quotas
- Presença de advogado na assembleia geral em representação de sócio
- Competência da autorização de estranho(não sócio) na assembleia geral
SUMÁRIO:
I - A presença de um advogado na assembleia geral dos sócios pode configurar-se 2 situações:
1ª) O advogado é procurador do sócio, que lhe o sócio confere poderes necessários para este efeito, e em situação normal, o sócio/mandante não participa na reunião, quem o representa é o advogado constituído;
2ª) O advogado participa na reunião como mero técnico auxiliar do sócio; quem exerce os direitos inerentes à qualidade do sócio é o próprio sócio. Mas tal sujeita-se à deliberação favorável sobre a sua presença pela assembleia geral.
II – A norma do artigo 450º do CCOM aplica-se e só às sociedades anónimas, não às sociedades por quotas, porque é uma norma de caracter especial, feita especialmente para as sociedades anónimas.
III – Por força do disposto nos artigos 218º e 379º do CCOM, o legislador não permite eliminar ou afastar o poder de participar na assembleia geral pelo sócio, ainda que este não possa votar. O sócio pode sempre participar e assistir à discussão da matéria ligada à sociedade.
IV – Quando uma advogada, na qualidade de representante de um sócio da sociedade por quotas, avoca a qualidade de presidente da assembleia geral, também em representação desse mesmo sócio, obriga um sócio a optar: ou ele participar pessoalmente na reunião, ou delegar poder num advogado por ele escolhido para tomar parte na reunião e o sócio não pode estar presente na mesma, carece de competência para agir desta maneira, visto que:
- Os estatutos societários não prevêem expressamente essa possibilidade de exercício de administração por parte de um estranho;
- Na ausência de norma no CCOM que prevê o poder de presidente da assembleia geral para autorizar a presença de estranho (não sócio) na assembleia geral, a via correcta para contornar esta questão é submetê-la à deliberação dos sócios. Como esta matéria não vem alegada, o Tribunal não tem obrigação de sobre ela pronunciar.
V - Por estar em causa o interesse colectivo da sociedade, em regra um estranho não pode estar presente na assembleia geral, salvo esta o autorizar mediante deliberação ou mediante autorização do presidente da assembleia geral, quando os estatutos prevejam que o presidente tenha esse poder.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo n.º 126/2018
(Recurso em matéria comercial)
Data : 4/Outubro/2018
Recorrente : A Limitada (A有限公司)
Recorrido : B
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A Limitada (A有限公司), ora Recorrente, ré na primeira instância, com os sinais identificativos nos autos, notificada da sentença de 12/10/2017 (fls. 203 a 213), desta discordando, veio interpor recurso jurisdicional para este TSI, tendo oportunamente apresentado as suas alegações e formulado as conclusões com o seguinte teor:
1. A presente acção foi julgada procedente por, na perspectiva do Tribunal a quo, as deliberações de 9 de Julho de 2015 terem sido tomadas em assembleia geral em que foi violado o artigo 36º da Lei Básica e o artigo 12º do Estatuto do Advogado.
2. Para tanto, o Tribunal a quo optou por seguir o entendimento do Parecer do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Portugal, Delegação de Alenquer, de 30/10/2009, em detrimento do entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc.º 769/12.0TYVNG.P1, de 2014/06/03.
3. Mas salvo melhor opinião, não o devia ter feito por tal parecer em que se louva a sentença recorrida, assentar num conjunto (errado) de pressupostos inaplicáveis em Macau.
4. Primeiro, porque o direito "a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade" consagrado na parte final do n.º 2 do artigo 20.º da Constituição da República de Portugal não se encontra plasmado na Lei Básica da RAEM, nem no artigo 12.º do Estatuto do Advogado republicado pelo Decreto-Lei n.º 42/95/M.
5. Encontra-se apenas plasmado no n.º 2 do artigo 4.º - A aditado à Lei n.º 21/88/M pela Lei n.º 1/2009 no que toca às autoridades públicas, sendo que tal aditamento teria sido redundante (logo inútil) se o artigo 12.º, n.º 1 do Estatuto do Advogado tivesse o sentido e alcance que o Tribunal a quo lhe conferiu e prevalecesse sobre todas e quaisquer normas especiais que lhe fossem posteriores!
6. Segundo, porque o direito a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade (consagrado na parte final do n.º 2 do artigo 20.° da Constituição da República de Portugal) não é de aplicação automática, só podendo ser exercido nos termos da lei.
7. O mesmo sucede na RAEM onde o direito à assistência por advogado previsto no artigo 36.° da Lei Básica só pode exercido nos termos da lei, conforme resulta do artigo 4.° dessa lei constitucional.
8. Sendo que a lei que regula a possibilidade de participação de estranhos, incluindo advogados, nas assembleias gerais das sociedades comerciais (as quais não são autoridades públicas) é a lei comercial, designadamente os artigos 218.° e 450.°, n.º 3, do Código Comercial.
9. Terceiro, porque o direito a assistência por advogado consagrado no n.° 3 do artigo 61.° do EOA de Portugal não está a numa relação de especialidade - e por isso de prevalência - em relação à norma do n.° 6 do artigo 379.° do Código das Sociedades Comerciais de Portugal, a qual é especial em relação a ele.
10. Quarto, porque terceiros são todas as pessoas, excepto o autor da declaração e o destinatário, pelo que o advogado que acompanhe algum sócio no decurso de uma assembleia geral é uma pessoa estranha à sociedade, sendo por isso um terceiro para todos os efeitos.
11. Quinto, por as considerações tecidas a propósito da falta de suporte constitucional da norma constante do n.º 6 do artigo 379.° do CSC de Portugal serem inaplicáveis ao caso concreto.
12. Isto porque em Macau a norma congénere do n.º 6 do artigo 379.° do CSC de Portugal que prevê a possibilidade do presidente da mesa da assembleia geral ou dos demais sócios se oporem a que um dos sócios se faça acompanhar por advogado é a do n.º 3 do artigo 450.° do Código Comercial de Macau, a qual tem suporte no artigo 4.° da Lei Básica, não se encontrando por isso derrogada pelo artigo 36.° desse diploma constitucional.
13. Sexto, por não ser verdade que o direito a fazer-se acompanhar por advogado numa assembleia geral de sócios de uma sociedade comercial não possa sofrer limitações em função de outros interesses protegidos, como observa G in "O Presidente das Assembleias de Sócios", in Problemas do Direito das Sociedades, IDET, 2002, p. 446., apud no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 769/12.0TYVNG.P1 reproduzido na sentença recorrida.
14. Sétimo, porque no caso concreto não foi impedido a ninguém o mandato judicial, a representação nem a assistência por advogado nos termos da lei.
15. O que ficou provado na resposta ao quesito 8.° da base instrutória foi que a Dra. C e a D de imediato informaram que o advogado do A. não seria autorizado a participar na assembleia geral a menos que apresentasse procuração com poderes bastantes para o efeito, caso em que tal participação apenas seria admitida em substituição do A., ficando este proibido de participar e de assistir à assembleia (item 8.° da base instrutória, corresponde ao artigo 33.° da petição inicial).
16. Tal é também o que resulta da lei, designadamente no disposto no artigo 218.° do Código Comercial de Macau que, em especial, determina quem (e em que termos) pode participar na assembleia geral de uma sociedade comercial.
17. Oitavo, porque que nada impedia que o advogado do Autor o tivesse representado na assembleia geral de 9/07/2015 (se para tanto tivesse sido mandatado) ou que o Autor tivesse pedido a suspensão dos trabalhos (ou um curto intervalo) para com ele se aconselhar, se alguma situação que o justificasse tivesse surgido.
18. Tão pouco foi alegado que o Autor tenha sido impedido de comunicar com o seu advogado por telefone no decurso da reunião, se assim o tivesse entendido, nem como e em que medida é que o facto de nela ter participado sem a companhia do seu advogado viciou a sua manifestação de vontade sobre o assunto sujeito a deliberação!
19. O que o Autor fez foi tentar ocultar ao tribunal um facto da maior relevância, mas que o oficio da Comissão de Registo de Auditores e Contabilistas (CRAC) de fls. 44 acabou por revelar, ou seja, de que ele próprio era contabilista de profissão registado na CRAC!
20. Isto é, como resulta dos artigos 1.°/1, 4.° e 13.° do Estatuto dos Contabilistas Registados anexo ao Decreto-Lei n.º 72/99/M e dos conhecimentos exigidos para o competente registo na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas Registados, (CRAC), o Autor procurou ocultar que era alguém apto à planificação, organização e execução da escrituração mercantil, porque versado em contabilidade geral e analítica, fiscalidade e direito comercial.
21. Por isso, sem conceder, mesmo que - por hipótese académica - estivéssemos perante um vício de procedimento - e não estamos - sempre o mesmo teria sido irrelevante segundo a definição de vícios de procedimento relevantes fixada no Código das Sociedades Comerciais em Comentário, coordenado por JORGE M. COUTINHO DE ABREU, Almedina, Reimpressão, 2013, Volume 1, pág. 673 a 675.
22. Isto porque o facto de o Autor ter participado na reunião sem a companhia do seu advogado não determinou um apuramento irregular ou inexacto do resultado da votação, nem consequentemente, uma deliberação não correspondente à maioria dos votos exigida, até porque o Autor já trazia o conteúdo da declaração de voto preparado de véspera conforme especificado na alínea K) dos Factos Assentes!
23. Deveria, pois, ter o Tribunal a quo optado pelo entendimento sufragado no referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.06.2014 em detrimento da opinião sustentada no, aliás, douto parecer do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Portugal, Delegação de Alenquer, de 30.10.2009.
24. Além da adesão ao entendimento veiculado no referido parecer do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Portugal, a sentença ora recorrida funda-se ainda em cinco argumentos:
25. Primeiro argumento - como o Advogado está obrigado a sigilo profissional nos termos do artigo 5.º do Código Deontológico dos Advogados homologado por despacho 121/GM/92, o secretismo e reserva quanto aos segredos societários que presidiram à criação da norma que faz depender da aprovação do Presidente da Mesa e da não oposição dos demais sócios a presença de terceiros na Assembleia Geral deixa de ter justificação.
26. Segundo argumento - o direito à assistência por advogado, abrange muito mais do que as autoridades públicas e as privadas investidas de poderes públicos.
27. Terceiro argumento - a possibilidade de um sócio se fazer acompanhar de advogado na assembleia geral justifica-se pela complexidade das relações societárias e do direito comercial per si.
28. Quarto argumento - a norma do n.º 3 do artigo 450.° do Código Comercial que prevê a possibilidade do Presidente da mesa da Assembleia Geral ou dos demais sócios se oporem a que um dos sócios se faça acompanhar por advogado na assembleia geral mostra-se derrogada pelo disposto no artigo 36.° da Lei Básica e no artigo 12.° do EA.
29. Quinto argumento - Só a perspectiva do argumento de que a questão da proibição de o sócio se fazer acompanhar de advogado se trata de um vício inoperante (por não ter sido suscitado na assembleia geral) justifica a necessidade e a urgência dos sócios se fazerem acompanhar por Advogado.
30. Estes argumentos não são, no entanto, decisivos.
31. Primeiro, porque o artigo 5.° do Código Deontológico dos Advogados homologado por despacho 121/GM/92 não derroga, nem os artigos 218.°, n.º 3 e 450.°, n.º 3, ambos do Código Comercial, nem prevalece sobre eles, não sendo pelo facto de o advogado estar sujeito ao dever de sigilo que tais normas do Código Comercial se não lhe aplicam.
32. Segundo, porque nem a Lei Básica, nem o artigo 12.° do EA, nem o n.º 2 do artigo 4.º - A da Lei n.º 21/88/M, nem o Código Comercial consagram o direito absoluto de o sócio se fazer acompanhar por advogado nas assembleias gerais das sociedades comerciais.
33. Solução esta que se compreende pelo facto de tais reuniões não serem abertas ao público e de as sociedades terem direito à reserva da sua vida privada (artigo 74.°, n.º 2 do Código Civil), como refere LUÍS BRITO CORREIA in Direito Comercial, 3.º volume, Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1995, p. 44.
34. Terceiro, porque ainda que presença de advogado a acompanhar o sócio nas assembleias gerais da sociedade possa ser justificada por se considerar útil a presença de um jurista, máxime quando as matérias em discussão requeiram conhecimentos de direito que o sócio não possui,
35. o certo é o mesmo raciocínio vale para todas as situações em que as matérias em discussão envolvam e requeiram conhecimentos técnicos que escapam ao sócio, pelo que não se descortina fundamento para considerar de modo diferente a situação do advogado.
36. Isto, sob pena de violação do princípio da igualdade, como, com especial clarividência, se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2014/06/03, Proc. 769/12.0TYVNG.P1, Relator José CARVALHO, disponível na Base de Dados de Jurisprudência do ITIJ in http://www.dgsi.pt/.
37. Quarto, porque a norma do n.º 3 do artigo 450º do Código Comercial tem suporte no artigo 4º da Lei Básica, não se encontrando por isso derrogada pelo artigo 36º desse diploma constitucional, nem pelo disposto no artigo 12º do EA, sobre o qual, de resto, aquela prevalece por em relação a este ser norma especial posterior.
38. Quinto, porque justificar a necessidade e a urgência dos sócios se fazerem acompanhar por advogado nas assembleias gerais para evitar que a sociedade alegue que a questão da proibição de o sócio se fazer acompanhar de advogado se trata de um vício inoperante (por não ter sido suscitado perante o presidente da mesa) é esquecer que nada obsta a que o sócio a quem seja dito, antes do início da reunião, de que não poderá fazer-se acompanhar de advogado, o consulte e lhe pergunte como reagir.
39. No caso concreto, o argumento perde ainda mais a sua força persuasiva porque o advogado do Autor se encontrava no estabelecimento da Ré quando o Autor foi informado do que consta provado na resposta ao quesito 8.° da Base Instrutória (vidé o artigo 31.° da petição inicial), nada obstando a que tivesse então instruído o seu cliente a reagir se ele não se tivesse conformado com o que lhe foi dito, como realmente se conformou (vidé o artigo 38.° da petição inicial).
40. Para evitar estas situações, o Código Comercial da RAEM não pôde ser mais claro nos n.º 2 e 3 do seu artigo 218.° quanto a quem tem o direito de participar nas assembleias gerais.
41. Isto significa que de duas, uma: ou é o sócio que participa na assembleia geral de sócios ou é o seu advogado que o faz, em sua substituição, conquanto dispunha de instrumento de representação voluntária com poderes bastantes para o efeito.
42. Daí que não assista ao Autor o direito de impor a co-participação de estranhos à sociedade na assembleia geral de sócios sem a autorização do presidente da mesa e/ou contra a vontade dos restantes sócios, conforme também resulta do disposto no artigo 450.°, n.º 3 do Código Comercial.
43. Assim não entendeu o Tribunal a quo face ao sentido, alcance e aplicabilidade automática que conferiu ao artigo 36.° da Lei Básica e ao artigo 12.° do Estatuto do Advogado (EA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio em defesa da sua tese.
44. A questão a decidir resume-se, pois, a saber se o Autor tem o direito absoluto a fazer-se acompanhar por advogado nas assembleias gerais da Ré, independentemente de autorização do presidente da mesa e/ou da vontade dos restantes sócios.
45. Quanto ao primeiro parágrafo do artigo 36.° da Lei Básica, o mesmo por si só não resolve a questão, por se tratar de um direito que tem de ser exercido nos termos da lei (conforme resulta do artigo 4.° do mesmo diploma constitucional), designadamente de acordo com as normas do Código Comercial que regulam o direito e forma de participação nas assembleias gerais das sociedades comerciais.
46. Sendo evidente que: «Quando alguma liberdade ou direito se exerce sem nenhuma restrição, isto significa que ninguém tem liberdade nem direito » - Cfr. WANG LEI in "Administração" n.º 73, vol. XIX, 2006-3.°, 1001-1005, Sobre o valor da harmonia da Lei Básica, pag. 1003.
47. Por outro lado, o Autor, como sócio da Ré, tem direito - nos termos e com as limitações previstas na lei - a estar presente na assembleia geral e aí discutir e votar- artigos 195.°, n.º 1, d) e 218.°, n.º 1, ambos do Código Comercial.
48. Sucede que nos termos do artigo 218/1 do Código Comercial, apenas os sócios têm o direito a participar nas assembleias gerais, embora se possam fazer representar por outro sócio, pelo cônjuge, por descendente ou ascendente ou ainda por qualquer outra pessoa, incluindo advogado, bastando, como instrumento de representação voluntária, uma carta dirigida ao presidente da mesa (artigo 218/2 do mesmo diploma) ou uma procuração, consoante o caso.
49. Significa isto que fora do quadro legal previsto no artigo 218.° do Código Comercial apenas as pessoas devidamente autorizadas poderão assistir à assembleia geral.
50. No mesmo sentido, DUARTE SANTOS, "Representação dos Sócios na Assembleia Geral das Sociedades", in "Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau", Ano X, n.º 21, 2006, pág. 188, segundo o qual: ... a assistência por advogado ou outro perito dentro da assembleia geral apenas poderá ter lugar caso a assembleia o consinta ou os estatutos o prevejam (artigo n.º 218, n.º 2 do C Com).
51. Tal autorização, por se prender com o funcionamento da assembleia geral cabe ao presidente da mesa, a quem incumbe zelar pelo regular e ordenado decurso da reunião da assembleia geral, assegurando o cumprimento dos princípios da igualdade de tratamento dos sócios, da proporcionalidade dos meios na condução da assembleia e da imparcialidade.
52. Ora, da acta de fls. 126 a 146 da reunião da assembleia geral junta aos autos, resulta que tal autorização não foi requerida ao presidente da mesa, tendo o Autor optado por não sujeitar a sua pretensão à assembleia para contra ela depois se poder insurgir, querendo.
53. Admitir que o Autor se fizesse acompanhar por advogado, quando nenhum dos outros sócios presentes estava acompanhado de advogado, traduzir-se-ia numa violação do princípio da imparcialidade e da igualdade de tratamento dos sócios.
54. Até porque, como acertadamente observa G em "O Presidente das Assembleias de Sócios", in Problemas do Direito das Sociedades, IDET, 2002, p. 446: a participação de terceiros na assembleia geral pode contender com direitos da personalidade dos accionistas.
55. Por outro lado, e pronunciando-se sobre a presença de estranhos nas assembleias gerais de sociedades, LUÍS BRITO CORREIA em "Direito Comercial", Deliberações dos Sócios, vol. III, AAFDL, 1989, p. explica que a regra é a as pessoas estranhas à sociedade não podem estar presentes na assembleia, a menos que o presidente da mesa os autorize e a própria assembleia não se oponha a essa autorização.
56. Isto por as assembleias gerais dizerem respeito à sua vida privada; não sendo por causa disso abertas ao público.
57. Por isso mesmo, em regra, um sócio não pode, por si só, exigir a presença de estranhos na assembleia, contra a vontade do presidente da mesa e da própria assembleia.
58. Igual entendimento se colhe em J. M. COUTINHO DE ABREU e MANUEL NOGUEIRA SERENS citados no acórdão do Tribunal da Relação do Porto reproduzido na sentença recorrida.
59. Ora, interpretado em conformidade com a tese defendida na sentença ora recorrida, o artigo 218º do Código Comercial estaria revogado pelo artigo 12º do EA no que se refere à presença de advogado(s) a acompanhar o(s) sócio(s) nas assembleias gerais.
60. Sucede que, como explica DUARTE SANTOS in ob. cit.: ... recordemos que norma especial derroga norma geral, além de que a previsão do artigo 218º é posterior à do Estatuto, pelo que se o legislador assim o entendesse, teria consagrado o advogado no universo dos possíveis representantes.
61. A norma do artigo 218º do Código Comercial de Macau aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40/99/M, de 3 de Agosto assume, pois, natureza especial em relação à norma geral artigo 12º do EA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio, destinando-se a assegurar que, em princípio, apenas as pessoas directamente ligadas à sociedade possam estar presentes, não se encontrando obviamente revogada pelo artigo 12º do EA, o qual, de resto, lhe é muito anterior.
62. Tanto assim é que as sucessivas alterações ao Código Comercial introduzidas pela Lei n.º 6/2000 e pela Lei n.º 16/2009 que previu, de forma inovadora, que os sócios passassem a poder fazer-se representar por qualquer pessoa nas reuniões, não consagraram o direito absoluto de o sócio se fazer assistir por estranhos nas assembleias gerais, como teria sucedido se tivesse sido essa a vontade do legislador.
63. O artigo 12º do EA tem, pois, de ser interpretado em função do regime especial das reuniões previsto no artigo 218º e 450º, n.º 3 do Código Comercial, sem que isso implique qualquer violação dos direitos de participação e representação dos sócios.
64. Com efeito, nem o artigo 36º da Lei Básica confere ao Autor o direito absoluto de se fazer acompanhar por advogado nas reuniões da assembleia geral da sociedade ré, nem o artigo 12º do Estatuto do Advogado tem a amplitude que lhe confere o Tribunal a quo, quando interpretado à luz do disposto nos artigos 195/1- d), 218, e 450/3, todos do Código Comercial.
65. Sendo que o direito à assistência por advogado previsto no artigo 12º do EA na modalidade de por ele se fazer acompanhar em reuniões privadas de sócios, não é um direito ilimitado que se imponha em qualquer circunstância, nem uma forma de derrogar as normas que, em especial, disciplinam o funcionamento das assembleias gerais das sociedades comerciais.
66. Até porque o disposto no artigo 218º do Código Comercial não se encontra revogado pelo artigo 12º do EA, sendo que a lei não confere aos sócios das sociedades comerciais o direito absoluto de se fazerem acompanhar por terceiros (ainda que sejam advogados) nas assembleias gerais, sem prejuízo de tal poder ser autorizado pelo presidente da mesa se os restantes sócios se não opuserem.
67. Por fim, nota-se que o Autor não invocou nos seus articulados qualquer circunstância que, face aos pontos da ordem do dia, pudesse, de alguma forma, justificar a necessidade de se fazer assistir por advogado na assembleia geral.
68. Sendo certo que o Autor exerceu plenamente os seus direitos sociais, usando da palavra e discutindo e votando cada um dos pontos da ordem do dia.
69. Por isso, do alegado na petição inicial, apenas ficou provado no acórdão da matéria de facto o que consta da resposta ao item 8º da base instrutória, o que bem demonstra a falta de razão do Autor.
70. Não tinha, pois, o Autor o direito a impor a presença do seu advogado na assembleia geral sem que tal lhe tivesse sido autorizado pelo presidente da mesa, sem oposição dos restantes sócios.
71. No sentido exposto, cfr. a sentença do TJB proferida em 11/10/2017 num caso idêntico entre as mesmas partes nos autos CV1-15-0059- CAO, reproduzida no corpo destas alegações.
72. Subsidiariamente, a questão do abuso de direito suscitada nos artigos 97º e ss. da contestação, embora não tenha ficado prejudicada pela solução dada ao litígio, acabou por não ser conhecida, mas, salvo melhor opinião, nada obsta a que seja agora suprida essa omissão de pronúncia, o que se requer nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 571º, n.º 1, al. d), primeira parte, do CPC, com as legais consequências.
73. Vejamos: pretende o Autor a anulação de tudo quanto foi deliberado por ter participado na reunião dos sócios que decorreu em 09/07/2015 sem a companhia do seu advogado.
74. Mas como o pode pretender se se conformou com o entendimento sobre essa matéria que lhe foi transmitido pela procuradora da sócia E antes do início da assembleia, nela tendo acedido participar sozinho?
75. É o próprio Autor que o confessa no artigo no artigo 48º da petição inicial quando diz que «Face a proibição de entrada imposta ao seu advogado e dado o interesse que obviamente tinha em participar na assembleia, o A. viu-se forçado a acatar tal proibição e a entrar sozinho na sala em que a assembleia geral iria decorrer.».
76. Tanto assim é que não foi formulado qualquer protesto ao presidente da mesa da assembleia, logo a "questão" não foi objecto de decisão pelo órgão competente da assembleia para o efeito, pelo que não deveria ter sido apresentada pelo Autor na petição inicial como vício invalidante do deliberado na assembleia.
77. O mesmo constatou o Tribunal Colectivo na fundamentação do acórdão da matéria de facto: «No que concerne à resposta dada ao item 9° não consta que a questão haja sido colocada em acta nem submetida a votação sendo que quanto a esta matéria apenas se apurou o que consta do item 8° esgotando nessa resposta o que sucedeu,»
78. Trata-se, com efeito, de uma falsa questão na medida em que não foi colocada no decurso dos trabalhos da assembleia ao presidente da mesa, pelo que - sem conceder - ainda que se tratasse de um vício, o mesmo não poderia ter sido arguido na petição inicial, nem, por conseguinte, conhecido pelo Tribunal a quo por se ter sanado ou convalidado com a sua não arguição.
79. Ainda que assim não fosse, e é, sem prejuízo do elevado respeito que nos merece a posição contrária, sempre seria necessário para que tal vício procedesse que tivesse sido alegado e provado que o facto de não se ter feito acompanhar por advogado viciou a manifestação de vontade do Autor sobre os assuntos sujeitos a deliberação.
80. Tal não sucedeu, pelo que deveria tal questão ter sido julgada improcedente, até porque o Autor já trazia previamente preparadas as declarações a que se refere a alínea K) dos Factos Assentes!
81. Acresce que nas declarações previamente preparadas a que se refere a alínea K) dos Factos Assentes, designadamente na proposta de distribuição da totalidade do lucro pelos sócios apresentada pelo Autor aos sócios na assembleia geral de 09.07.2015 (fls. 126 a 146), o Autor prevalece-se contra a Ré do lucro do ano de 2014 (MOP1,788,428.92), do lucro acumulado até 2013 (MOP15,525,194.46) e do lucro total (MOP17,313,623.38) para se insurgir contra a proposta de aplicação de resultados apresentada aos sócios pela administração da sociedade.
82. Em 30/07/2015, ou seja, 10 dias depois de, em 20/07/2015, o Autor ter afirmado no artigo 19 do requerimento apresentado nos autos FM1-10-0002-CDL-C que a Ré tem um lucro acumulado de MOP17,353,062.54 (fls. 51 a 57), o Autor propôs em tribunal a presente acção de anulação!
83. E para provar o lucro acumulado da Ré de que se prevaleceu no artigo 19 do seu requerimento de fls. 51 a 57, o Autor juntou nos autos FM1-10-0002-CDL-C o balanço (e demonstração de resultados) do exercício de 2014 (fls. 56v e 57),
84. o qual, por ser construído de forma a verificar-se a igualdade entre o activo (onde estão representados os bens e direitos) e a soma da situação líquida com o passivo ( onde estão representadas as obrigações),
85. pressupõe lógica e necessariamente a exactidão de todas as suas rubricas, bem como das rubricas dos balanços dos exercícios anteriores.
86. Com efeito, o valor do lucro acumulado de que o Autor fez prova nos autos FM1-10002-CDL-C corresponde à soma dos "resultados transitados" da Ré até 31/12/2013 com o "resultado líquido" do exercício de 2014.
87. Sendo consabido que A rubrica "resultados transitados" inclui "todos os resultados, lucros ou prejuízos que vão sendo acumulados ao longo dos exercícios. No que respeita aos lucros, acumula aqueles que não foram distribuídos aos accionistas ou sócios, podendo, contudo, virem ainda a ser distribuídos" [JOÃO ANTUNES, "O capital próprio", in Revista Contabilista/TOC - Junho 2008, p. 33]
88. Por outras palavras, o Autor para provar em juízo do valor dos capitais próprios da Ré, também designados por situação líquida, que correspondem ao valor dos bens (equipamentos, existências, meios monetários, etc.) e direitos (dívidas de terceiros), deduzidos do valor das obrigações (dívidas a terceiros) apresentou o balanço e demonstração de resultados do exercício de 2014 como prova do valor exacto desses capitais (fls. 56v e 57), logo da exactidão e acerto das contas da sociedade.
89. As mesmas contra as quais votara contra na assembleia geral de 9/07/2015!
90. Sucede que "As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos." (artigo 334.º do Código Civil), pelo que se afigura evidente, que se o Autor desconhecesse o balanço e demonstração de resultados do exercício de 2014 (fis. 56v e 57) ou deles duvidasse ou discordasse, não se teria servido dos mesmos para demonstrar perante ao Tribunal o valor exacto do "lucro acumulado" ("Resultados transitados" + "Resultado líquido") da Ré no exercício de 2014.
91. Ora, votar contra as contas e aplicação dos resultados do exercício de 2014 em 9/07/2015, quando, tanto na sua proposta de distribuição de lucros de fls. 136 a 137, como no ponto 19.º do seu requerimento de fls. 51 a 57 apresentado no Apenso C dos autos FM1-10-0002- CDL, o Autor dá como certo e se prevalece do valor exacto dos lucros de 2014 e dos resultados transitados de 2013 da Ré, é querer sol na eira e chuva no nabal!
92. Logo, actua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium o sócio que instaura acção de anulação de deliberações sociais de aprovação das contas da sociedade, depois delas se ter prevalecido como boas em juízo para fins pessoais contra a sua ex-mulher em processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, dado que tal ... realiza a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido. [PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA in: "Código Civil Anotado", 4.ª edição revista e actualizada, vol. I, pág. 300, nota 7.]
93. O que é tanto mais censurável por o Autor, enquanto sócio da Ré, se encontrar sujeito a um especial dever de lealdade para com ela e de actuação compatível com o interesse social.
94. Vir agora impugnar as deliberações tomadas na assembleia geral de 9/07/2015 que aprovaram as contas da sociedade ré (as mesmas de que o Autor se prevaleceu contra a ex-mulher no Apenso C dos autos FM1-10-0002-CDL) a pretexto de uma imaginária violação do dever de informação e do direito supostamente absoluto a fazer-se acompanhar por advogado numa reunião privada, configura um rematado exercício de venire contra factum proprium que, salvo melhor opinião, não deve ser premiado.
95. Daí que seja manifestamente ilegítimo o exercício que o Autor faz na presente acção do direito de impugnação que a lei lhe confere, na medida em que o exercício de tal direito se revela ilegítimo por exceder ou se desviar por completo do fim social e económico a que se destina, gerando tal abuso mesmas consequências jurídicas que se produzem quando alguém pratica um acto que não tem direito de praticar.
96. Deverá, pois, ser revogada, a aliás douta, sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a habitual justiça!
*
O Recorrido B, não contra alegou.
* * *
Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decdir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes conforme o que consta da sentença recorrida:
a) A R. dedica-se à actividade de comércio de produtos de farmácia;
b) O A. é sócio da R., na qual é detentor de uma quota com o valor nominal de MOP24.000,00 (vinte e quatro mil patacas);
c) As restantes sócias da R. são E e F, respectivamente ex-cônjuge e filha do A.;
d) O A. exerceu, até à data de 25.05.2010, o cargo de administrador da R., juntamente com as restantes sócias;
e) Na referida data de 25.05.2010, foi nomeado administrador da R., em substituição do A., o seu filho Júlio Ambrósio;
f) Por convocatória datada de 23.06.2015, foi convocada assembleia geral da R. e o A. foi convocado nessa data;
g) Tal assembleia geral foi marcada para a data de 09.07.2015, pelas 15h00m;
h) Tendo como pontos da sua ordem de trabalhos os seguintes:
1. Aprovação das contas do exercício de 2014;
2. Aprovação do relatório da administração;
3. Aprovação da proposta de aplicação de resultados.
i) Em 02.07.2015, pelas 11h00m, o A. deslocou-se ao estabelecimento de farmácia da R. a fim de consultar documentos;
j) O A. pediu à administradora E que lhe fossem disponibilizadas cópias dos documentos apresentados, a fim de poder analisá-las mais tarde;
k) Quanto aos três assuntos da ordem de trabalhos referidos em h), a D e a C, respectivamente, representante da sócia E e da sócia H, votaram no sentido da sua aprovação, enquanto o Autor votou contra tal aprovação, tendo apresentado a sua opinião e declarações, que foram anexas à acta da assembleia geral de 09.07.2015;
l) A Ré a propósito da solicitação referida em j), E disponibilizou ao Autor os documentos que constam de fls. 176 a 185;
m) O A. chegou ao local para participar na Assembleia Geral, tendo sido recebido pela Ilustre Advogada Drª C, que informou que iria participar na assembleia geral na qualidade de procuradora da sócia F (com poderes substabelecidos por Júlio Ambrósio), e que iria presidir aos trabalhos da assembleia, e ainda por uma senhora de nome D, que transmitiu que iria participar na qualidade de procuradora da sócia E, exercendo ainda as funções de secretária;
n) A Drª C e D de imediato informaram que o advogado do A. não seria autorizado a participar na assembleia geral a menos que apresentasse procuração com poderes bastantes para o efeito, caso em que tal participação apenas seria admitida em substituição do A., ficando este proibido de participar e de assistir à assembleia.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
“B, divorciado, portador do BIRM nº 50XXXXX(8), com domicílio profissional na Av. XX, XX, XXº, Macau.
Vem instaurar a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra A Limitada, sociedade comercial por quotas registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº 1XXX9(SO), com sede na Rua XX, XX, XX, em Macau.
Para tanto alega o Autor ser sócio da Ré a qual se dedica à actividade de farmácia, sendo administrada por um filho do Autor e pelas outras duas sócias filha e ex-cônjuge do Autor. Na sequência da convocatória para a Assembleia Geral da Ré a realizar em 09.07.2015 o Autor solicitou que lhe fossem fornecidos determinados documentos para consulta, os quais indica, não lhe tendo sido exibidos para consulta todos os elementos que entende que haviam ter sido nem prestadas as necessárias informações de molde a possibilitar uma total compreensão da situação económica e rentabilidade da Ré. Mais invoca que aquando da realização da Assembleia não lhe foi permitido fazer-se acompanhar por Advogado e durante a Assembleia não foi exibido o anexo que deveria fazer parte das contas anuais ou o relatório que deveria acompanhá-las não tendo sido esclarecidas nenhumas das questões colocadas pelo aqui Autor, sendo os pontos da ordem de trabalhos postos à votação sem qualquer discussão sendo aprovados com os votos dos demais participantes.
Concluindo pede que:
a) Seja anulada a deliberação de aprovação das contas anuais da R. relativas ao exercício de 2014;
b) Seja anulada a deliberação de aprovação do relatório da administração da R. relativo ao exercício de 2014;
c) Seja anulada a deliberação de aprovação da proposta de aplicação dos resultados apurados pela R. no exercício de 2014.
Citada a Ré para contestar veio esta fazê-lo defendendo-se por impugnação e por excepção peremptória, concluindo pela improcedência da acção.
O Autor replicou respondendo à matéria da excepção por impugnação.
Foi elaborado despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, mantendo-se a validade da instância.
*
De acordo com a al. e) do nº 1 do artº 209º do C.Com. todos os sócios têm direito a “consultar todos os demais documentos que, legal ou estatutariamente, devam ser patentes aos sócios antes das assembleias gerais.”
Da redacção do nº 1 do citado artº 54º resulta que as contas anuais compreendem o balanço, a conta de ganhos e perdas e o anexo.
Do nº 3 do artº 55º do C.Com resulta que o “anexo completa, amplia e explica a informação contida no balanço e na conta de ganhos e perdas; (…)”.
Do artº 254º do C.Com resulta que do relatório da administração tem de constar a proposta de aplicação dos resultados.
Da prova produzida o que resulta demonstrado é que “em 02.07.2015, pelas 11h00m, o A. deslocou-se ao estabelecimento de farmácia da R. a fim de consultar documentos; O A. pediu à administradora E que lhe fossem disponibilizadas cópias dos documentos apresentados, a fim de poder analisá-las mais tarde; A Ré a propósito da solicitação referida em j), E disponibilizou ao Autor os documentos que constam de fls. 176 a 185.
Daqueles documentos consta um documento intitulado “Relatório da Administração” onde se refere os valores pagos a dois dos administradores da sociedade, Relação Nominal dos empregados para efeitos de Imposto Profissional, estes dois documentos referentes a 2014, um extracto do I datado de 31.05.2011, conta de perdas e ganhos referente a 2014, Balanço da sociedade de 2014 onde consta o activo e passivo da sociedade, Relatório Anual de 2014 assinado por dois administradores e onde se indica o valor dos proveitos, despesas e lucro, bem como que não houve alterações no que concerne a proveitos e a despesas nem alterações significativas em nenhum dos parâmetros mantendo-se o negócio estável.
Contudo, o facto daqueles terem sido os documentos fornecidos naquele momento não nos permite concluir que ao Autor não hajam sido exibidos aquando da sua visita às instalações da sociedade e/ou na Assembleia Geral os documentos necessários à aprovação das contas do exercício, nomeadamente o referido “anexo”, o relatório da Administração e a proposta de aplicação de resultados.
Não havendo sido feita prova de que os documentos em causa não foram exibidos nem apresentados ao Autor não pode proceder a invocada anulabilidade das deliberações objecto destes autos nos termos da al. b) do nº 1 do artº 229º do C.Com.
Mais invoca o Autor a anulabilidade das deliberações uma vez que lhe foi negado o direito a ser assistido por Advogado durante a Assembleia.
Da prova produzida resultou demonstrado que “A Drª C e D de imediato informaram que o advogado do A. não seria autorizado a participar na assembleia geral a menos que apresentasse procuração com poderes bastantes para o efeito, caso em que tal participação apenas seria admitida em substituição do A., ficando este proibido de participar e de assistir à assembleia”.
Dispõe o artº 36º da Lei Básica que: «Aos residentes de Macau é assegurado o acesso ao Direito, aos tribunais, à assistência por advogado na defesa dos seus legítimos direitos e interesses, bem como à obtenção de reparações por via judicial.
Os residentes de Macau têm o direito de intentar acções judiciais contra actos dos serviços do órgão executivo e do seu pessoal.»
Este artigo pressupõe entre outros o «(…) 2) Direito de escolha de advogado, ou melhor, acesso à assistência por advogado na defesa dos seus legítimos direitos e interesses. O advogado, como também o apoio do Governo e do Tribunal aos residentes que tenham dificuldades económicas, o qual se traduz em o tribunal designar ou nomear advogados, com o fim de defender os direitos processuais dos residentes lesados. (…)» - cit. de Anotações à Lei Básica da RAEM de J.
Reza o artº 12º do Estatuto do Advogado que: «1. O mandato judicial, a representação e a assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.
2. O mandato judicial não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou de acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo mandante.»
Segundo o artº 218º do C.Com os sócios podem fazer-se representar nas Assembleias Gerais nos termos consagrados nos nº 2 e 3 daquele preceito.
Contudo o que está em causa nestes autos, não é o sócio fazer-se representar mas sim a possibilidade do sócio estar presente assistido por Advogado.
Entendem alguns que a assistência do sócio por Advogado em Assembleia Geral cabe dentro da norma do nº 3 do artº 450º do C.Com. o qual prevê que nas Assembleias Gerais das sociedades anónimas para além dos sócios e seus representantes apenas podem estar presentes pessoas autorizadas pelo Presidente da mesa se quanto a tal não se opuserem os accionistas.
Relativamente a esta questão não é vasta a jurisprudência existente.
Tendo subjacente preceitos cuja redacção e princípios são iguais aos citados da legislação de Macau, sobre esta matéria pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto de Portugal e a Ordem dos Advogados de Portugal, concluindo cada um em sentido diverso, como se vê:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de Portugal de 03.06.2014, Processo nº 769/12.0TYVNG.P1 consultado em www.dgsi.pt:
«Questão a decidir: se o Autor tem o direito a fazer-se assistir por advogado nas assembleias gerais da Ré, independentemente de autorização do presidente da mesa.
O Autor como sócio da Ré tem direito a estar presente na assembleia geral e aí discutir e votar – artigos 21.º, n.º 1, b) e 379.º, n.º 1, ambos do CSC.
Dispõe o n.º 6 deste artigo 379.º: “A presença na assembleia geral de qualquer pessoa não indicada nos números anteriores depende de autorização do presidente da mesa, mas a assembleia pode revogar essa autorização.”
Os números anteriores aludem a accionistas sem direito a voto e a obrigacionistas (n.º 2), representantes comuns de titulares de acções preferenciais sem voto e de obrigacionistas (n.º 3), administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão e revisores oficiais de contas (n.º 4) e a accionistas agrupados (n.º 5).
Sobre aquela norma, escreve Luís Brito Correia: “A regra é, pois, que as pessoas estranhas à sociedade (que não sejam sócios, membros dos órgãos sociais, obrigacionistas ou respectivos representantes) não podem participar, nem sequer estar presentes na assembleia, a menos que o presidente da mesa os autorize e a própria assembleia não se oponha a essa autorização.”
“Compreende-se que assim seja. A sociedade é um agrupamento de particulares e as assembleias gerais dizem respeito à sua vida privada; não são abertas ao público (CCiv, art. 80.º).”
“Por isso mesmo, em regra, um sócio não pode, por si só, exigir a presença de estranhos na assembleia, contra a vontade do presidente da mesa e da própria assembleia.” (Direito Comercial, 3º volume, Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1995, p. 44.
Igual entendimento se colhe em J. M. Coutinho de Abreu: “Porque as assembleias gerais são reuniões privadas (não públicas) outras pessoas que não as indicadas nos nºs anteriores (v.g. técnicos auxiliares de sócios como os advogados, contabilistas ou economistas, trabalhadores da sociedade, tradutores, jornalistas) só podem estar presentes nelas (sem direito de intervenção e, claro, de voto) se autorizadas pelo presidente da mesa; ainda assim, os sócios podem deliberar revogar essa autorização” (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. VI, p. 92, comentário ao art. 379.º).
Também Manuel Nogueira Serens faz depender a presença de estranhos – auxiliares dos sócios (técnicos, advogados) ou mesmo de jornalistas, seja da imprensa, da rádio ou da televisão – de autorização do presidente da mesa (Notas sobre a sociedade anónima, Revista de Direito e Economia, ano XV, p. 206).
No caso, a presença do advogado que acompanhava o Autor não foi autorizada pelo presidente da assembleia geral da Ré (facto n.º 9, d); e a assembleia confirmou essa não autorização (facto n.º 11). O Autor instaurou a presente acção pretendendo que seja declarado o direito a fazer-se assistir por advogado nas assembleias gerais. Na 1.ª instância foi a acção julgada procedente. Para tanto, considerou-se na decisão recorrida que “o n.º 3 do artigo 61.º do Estatuto da Ordem dos Advogados consagra a competência plena do advogado perante qualquer autoridade ou entidade e regulamenta o direito constitucionalmente consagrado à assistência e acompanhamento por advogado, consagrado no n.º 2 do artigo 20.º da CRP.”
O n.º 3 do artigo 61.º do EOA (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26.01) estatui:
“3 - O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.”
Interpretado em conformidade com a decisão recorrida, o n.º 6 do artigo 379º do CSC estaria revogado no que se refere à presença de advogado(s) a acompanhar o(s) sócio(s) nas assembleias gerais.
A presença de advogado a acompanhar o sócio nas assembleias gerais da sociedade pode ser justificada por se considerar útil a presença de um jurista, mormente quando as matérias em discussão requeiram conhecimentos de direito que o sócio não possui. Mas o mesmo raciocínio vale para todas as situações em que as matérias em discussão envolvam e requeiram conhecimentos técnicos que escapam ao sócio, pelo que não se descortina fundamento para considerar de modo diferente a situação do advogado, sob pena de violação do princípio da igualdade.
O artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da República estatui que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídica, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.” Para Gomes Canotilho e Vital Moreira o segmento “qualquer autoridade deve incluir não somente as autoridades públicas mas também as autoridades privadas dotadas de poderes públicos (CRP anotada, vol. I, 4.ª ed., 2007, p. 413). No caso estamos perante um ente privado – uma sociedade comercial – não dotada de quaisquer poderes públicos, pelo que aquela norma constitucional não fornece apoio à pretensão do Autor.
A norma constante do n.º 6 do artigo 379.º do CSC assume natureza especial, destinando-se a assegurar que em princípio apenas as pessoas directamente ligadas à sociedade possam estar presentes, não se encontrando revogada pelo artigo 61.º, n.º 3, do EOA. Como observa G, a participação de terceiros na assembleia geral pode inibir ou constranger os accionistas de participarem na assembleia (designadamente no uso da palavra, na apresentação de propostas e até no voto – pode até contender com direitos da personalidade dos accionistas (O Presidente das Assembleias de Sócios, in Problemas do Direito das Sociedades, IDET, 2002, p. 446).
Em conclusão:
O n.º 6 do art. 379º do CSC, que faz depender a presença de qualquer pessoa não indicada nos números anteriores do mesmo artigo de autorização do presidente da mesa, não se encontra revogado pelo n.º 3 do artigo 61.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
A presença de qualquer pessoa não indicada nos nºs 1 a 5 daquele artigo 379.º mesmo que essa pessoa seja advogado, depende de autorização do presidente da mesa.
Decorre do exposto a revogação da sentença recorrida.»
- Parecer do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Portugal, Delegação de Alenquer, de 30.10.2009, Consulta nº 48/2009:
«Diremos, antes de mais, que não temos conhecimento de doutrina e jurisprudência já firmadas pelos Conselhos sobre a questão colocada pela Senhora Advogada Estagiária consulente – a da oponibilidade do direito à assistência jurídica perante entidades privadas.
Em Parecer aprovado pelo Conselho Geral em 7 de Julho de 2000, com relato tirado pelo Professor Germano Marques da Silva, foi entendido que no domínio da lei processual penal não existia qualquer disposição que condicionasse a directa aplicação do direito de todo o cidadão a fazer-se representar por advogado perante qualquer autoridade, consagrado na parte final do nº 2 do artigo 20º da Constituição da República.
No mesmo sentido se pronunciaram Arménia Coimbra, em Parecer do Conselho Geral de 13 de Novembro de 2004 a propósito da recusa de um Notário ao acompanhamento por advogado de autor de testamento, e Amadeu Morais, em Parecer do Conselho Geral de 8 de Novembro também proferido em matéria de direito processual penal, ao referir que “não pode ser negado a ninguém o direito de se fazer acompanhar de advogado quando o entenda fazer (…) como não pode ser recusado ao advogado que acompanhe o cliente o direito, que é também um dever, de assistir à diligência da sua inquirição”.
Ao invés, na presente questão, o direito ao acompanhamento por advogado pretende ser exercido nas relações entre privados e no âmbito societário.
Quid Juris?
Existem duas normas em aparente conflito.
A norma do nº 6 do artigo 379º do Código das Sociedades Comerciais (aplicada com as devidas adaptações às sociedades por quotas) pressupõe que o direito de assistência e participação em assembleia geral é atribuído tão só aos sócios ou seus representantes admitidos por lei ou pelo contrato social e aos membros dos órgãos sociais; e atribui ao Presidente da Mesa e à deliberação por maioria dos sócios a discricionariedade de autorizar ou recusar a presença de terceiros.
Por seu turno, o nº 3 do artigo 61º do Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece que a assistência por advogado é sempre admissível e não pode ser impedida por qualquer entidade, mesmo privada, independentemente dos bens jurídicos e direitos que possam estar em causa.
Antecipando conclusões, entendemos que o poder atribuído ao Presidente da Mesa ou à deliberação de sócios não afecta nem pode condicionar o direito do sócio à assistência jurídica e ao direito de se fazer acompanhar por advogado.
E não afecta nem condiciona por diversas razões.
Em primeiro lugar, porque tem cabimento o princípio da especialidade, segundo o qual a lei especial prevalece sobre a lei geral, ainda que esta seja posterior, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
O advogado não é um qualquer terceiro, pois exerce o patrocínio – aqui na modalidade de assistência e acompanhamento - como elemento essencial à administração da justiça (cfr. Artigo 208º da Constituição da República).
Diremos por isso que o direito consagrado no nº 3 do artigo 61º do EOA está numa relação de especialidade – e por isso de prevalência – em relação às normas do Código das Sociedades.
Em segundo lugar, dever-se-á ter em conta o suporte constitucional que está por detrás de cada norma.
Prima facie, não descortinamos suporte constitucional da norma constante do n.º 6 do artigo 379.º do CSC. Esta disposição insere-se no elenco normativo dos poderes do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, que nas sociedades por quotas, como sabemos, se circunscrevem à condução dos trabalhos da assembleia.
Mas mesmo no âmbito das sociedades anónimas, nas quais o Presidente da Mesa detém poderes mais vastos em matéria de convocação das Assembleias Gerais, ao funcionamento da reunião, verificação de quórum, condução dos trabalhos, atribuição e limitação do uso da palavra, admissão de propostas e encerramento das Assembleias Gerais, não vislumbramos amparo constitucional ao normativo de direito societário.
A intenção que o legislador terá tido ao conceder um poder discricionário ao Presidente da Mesa e à deliberação dos sócios sobre a presença de terceiros não sócios ou representantes tem por base a protecção do normal desenrolar dos trabalhos na Assembleia-geral e o respeito pelo carácter privado, não-público, de uma assembleia geral.
No entanto, já o número 3 do artigo 61.º do EOA, consagra a competência plena do advogado perante qualquer autoridade ou entidade e regulamenta o direito constitucionalmente consagrado à assistência e acompanhamento por advogado, consagrado no n.º 2 do artigo 20.º da CRP.
Ora, o comando constitucional do nº 2 do artigo 20 da CRP – mesmo que se considere que não é por si só exequível - e a sua regulamentação por via do artigo 61º do EOA só podem sofrer limitações que sejam ditadas por outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
E não vemos, como vimos, que na questão aqui colocada existam, para além do direito à assistência por advogado, outros interesses constitucionalmente protegidos a ponderar.
Conclusões:
1. O exercício do mandato forense compreende a assistência por advogado;
2. A assistência por advogado é sempre admissível e não pode ser impedida perante qualquer entidade pública ou privada;
3. O direito à assistência por advogado sobrepõe-se, quer pelos princípios de interpretação jurídica, quer pela relevância e consagração constitucional do direito, ao disposto no nº 6 do artigo 379º do Código das Sociedades;
4. Qualquer sócio de uma sociedade por quotas, accionista ou obrigacionista de sociedade anónima tem o direito de se fazer acompanhar e assistir por advogado em Assembleia Geral.
5. O exercício deste direito não depende de autorização do Presidente da Mesa da Assembleia Geral nem de deliberação dos sócios.»
Salvo melhor opinião tendemos a acompanhar a posição assumida pelo Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados.
As razões de secretismo e reserva quanto aos segredos societários que presidiram à criação da norma que faz depender da aprovação do Presidente da Mesa e da não oposição dos demais sócios a presença de terceiros na Assembleia Geral não tem qualquer justificação quando se trata do sócio ser assistido por Advogado no exercício das suas funções o qual nos termos do seu estatuto está obrigado a sigilo profissional nos termos do artº 5º do Código Deontológico dos Advogados homologado por despacho 121/GM/92.
Por outro lado a consagração do direito à assistência por advogado, salvo melhor opinião, abrange muito mais do que as autoridades públicas e as privadas investidas de poderes públicos como entendem os citados constitucionalistas no Acórdão da Relação do Porto.
Dada a crescente complexidade das relações entre vários sujeitos, as quais podem envolver questões jurídicas igualmente complexas, não choca que mesmo nas relações com particulares o comum dos cidadãos se possa fazer acompanhar de advogado. Se considerarmos a complexidade das relações societárias e do direito comercial per si, só podemos concluir estar por demais justificada a possibilidade de um sócio se fazer acompanhar de advogado na Assembleia Geral, sendo certo que, o próprio presidente da Assembleia Geral pode ser uma pessoa estranha à sociedade face ao disposto no nº 2 do artº 233º do C.Com.
Destarte, entendemos que face ao disposto no artº 36º da Lei Básica e artº 12º do Estatuto do Advogado está derrogada a norma do nº 3 do artº 450º do C.Com que prevê a possibilidade do Presidente da Mesa da Assembleia Geral ou dos demais sócios se oporem a que um dos sócios se faça acompanhar por Advogado na Assembleia Geral.
No caso em apreço entende a Ré que essa possibilidade não aconteceu em Assembleia Geral mas que lhe foi anterior, não tendo sido suscitada na Assembleia Geral pelo que não é vício que afecte a Assembleia “per si”.
Ora, caso é para se dizer que se por acaso não houvesse fundamentos suficientes para justificar a necessidade e a urgência dos sócios se fazerem acompanhar por Advogado, só a perspectiva deste tipo de argumentos justificaria a mudança de opinião.
Da prova produzida o que resulta demonstrado é que antes da Assembleia Geral começar o sócio foi impedido por quem presidiu à Assembleia de se fazer acompanhar por Advogado. O que aconteceu depois foi que tal facto não foi posto em acta, ficando a dúvida se havia ou não de o ter sido uma vez que foi anterior ao início da Assembleia.
O certo é que provado está que o sócio foi impedido de se fazer acompanhar por Advogado.
De acordo com a al. a) do nº 1 do artº 229º do C.Com. são anuláveis as deliberações dos sócios que violem disposição legal de que não decorra a nulidade.
Destarte, e uma vez que as deliberações impugnadas e objectos destes autos foram tomadas em assembleia geral em que foi violado o artº 36º da Lei Básica e o artº 12º do Estatuto do Advogado devem as mesmas ser anuladas.
Termos em que, pelos fundamentos expostos julga-se a acção procedente porque provada e em consequência anulam-se as deliberações tomadas na Assembleia geral da Ré realizada em 9 de Julho de 2015.
Custas a cargo da Ré.
Registe e Notifique.
Macau, 12 de Outubro de 2017.”
Quid Juris?
O que se discute neste processo são essencialmente as seguintes questões:
1) – Na assembleia geral dos sócios de uma sociedade por quotas, o presidente tem poder para autorizar ou desautorizar a presença de advogado de um sócio?
2) – Em matéria societária, o sócio pode ser acompanhado por advogado para participar na assembleia geral da sociedade por quotas, sem que a própria assembleia geral autorize?
*
Comecemos pela primeira questão
1) – Questão da competência do presidente da assembleia geral da sociedade por quotas:
A presença de um advogado na assembleia geral dos sócios pode configurar-se 2 situações:
1ª) - O advogado é procurador do sócio, que lhe o sócio confere poderes necessários para este efeito, e em situação normal, o sócio/mandante não participa na reunião, quem o representa é o advogado constituído;
2ª) - O advogado participa na reunião como mero técnico auxiliar do sócio, quem exerce os direitos inerentes à qualidade do sócio é o próprio sócio. Ou seja, o sócio é acompanhado por advogado, e este exerce o seu patrocínio técnico no acto, quando for necessário e autorizado pela própria assembleia geral. É uma situação que acontece com alguma frequência na vida real, principalmente quando se discutem questões técnicas e complexas.
No caso, não encontramos nenhuma regra dos Estatutos sociais da Recorrente (Sociedade) que interdita a possibilidade de o sócio fazer-se acompanhar de um advogado (quem diz advogado, diz-se também auditor, por exemplo).
O que dá origem ao presente litígio é o seguinte facto, que o Tribunal a quo considera provado:
m) O A. chegou ao local para participar na Assembleia Geral, tendo sido recebido pela Ilustre Advogada Drª C, que informou que iria participar na assembleia geral na qualidade de procuradora da sócia F (com poderes substabelecidos por Júlio Ambrósio), e que iria presidir aos trabalhos da assembleia, e ainda por uma senhora de nome D, que transmitiu que iria participar na qualidade de procuradora da sócia E, exercendo ainda as funções de secretária;
n) A Drª C e D de imediato informaram que o advogado do A. não seria autorizado a participar na assembleia geral a menos que apresentasse procuração com poderes bastantes para o efeito, caso em que tal participação apenas seria admitida em substituição do A., ficando este proibido de participar e de assistir à assembleia.
Ora conforme o que ficou provado e o que se passou foi que a presidente da assembleia geral da Recorrente interditou a presença simultânea de 2 pessoas: o sócio/recorrido e o seu advogado. Uma de duas: ou o advogado participaria na reunião, para tal devia apresentar logo a respectiva procuração; ou o sócio/recorrido participaria na reunião e sozinho, não podia fazer-se acompanhar de ninguém, nem o seu advogado.
Pergunta-se, a presidente da assembleia geral tem esta competência?
Efectivamente na sociedade anónima ao presidente da assembleia geral é reconhecido este poder, pois o artigo 450º/3 (Participação na assembleia) do CCOM dispõe:
1. Todos os accionistas que tenham direito a, pelo menos, um voto, têm direito a estar presentes na assembleia geral e aí discutir e votar.
2. Os accionistas sem direito de voto e os obrigacionistas podem assistir às assembleias gerais e participar na discussão dos assuntos constantes da ordem de trabalhos, salvo disposição dos estatutos em contrário.
3. Podem ainda estar presentes na assembleia geral, sendo-lhes vedado participar na discussão, os representantes comuns de obrigacionistas e de titulares de acções preferenciais sem voto e, bem assim, qualquer pessoa autorizada pelo presidente, salvo, em relação a esta, oposição dos accionistas.
4. Sempre que os estatutos exijam a posse de um certo número de acções para conferir voto em assembleia, podem os accionistas possuidores de um número de acções inferior ao exigido agrupar-se de forma a completarem-no e fazer-se representar por um deles.
Mas, repare-se, tal norma aplica-se e só às sociedades anónimas, não às sociedades por quotas, porque é uma norma de caracter especial, feita especialmente para as sociedades anónimas, pois, nestas, sobretudo quando se trata de sociedades públicas, ou cujas acções podem ser subscritas em praça pública, por exemplo, mediante bolsas, são denotadas desde já 2 particularidades:
- Normalmente os sócios são muitos e por vezes não se conhecem uns dos outros; e, como regra geral, os sócios não são necessariamente administradores (artigo 454º do CCOM);
- Como o número de sócios são muitos, caso não se fixam algumas restrições à presença e participação de certas pessoas na assembleia geral dos sócios, podem surgir vários problemas ou até é muito difícil controlar e manter a ordem da reunião, motivo pelo qual o legislador coloca limites mediante o artigo 450º/4 do CCOM, já acima citado.
Mas não é a situação dos autos, porque está-se em causa uma sociedade por quotas. Nesta matéria, a opção legislativa é outra, consagrada no artigo 379º/2 (Assembleia geral) do CCOM, que preceitua:
1. A convocação das assembleias gerais deve ser feita por carta, dirigida aos sócios, que contenha o aviso convocatório e seja expedida com a antecedência mínima de 15 dias em relação à data marcada para a reunião da assembleia, a menos que os estatutos determinem que o aviso convocatório deva ser publicado ou estabeleçam um prazo diferente que não seja inferior a 7 dias.
2. Nenhum sócio pode ser privado do direito a assistir às reuniões das assembleias gerais, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto.
Por outro lado, o artigo 218º (Reuniões) do CCOM dispõe:
1. Salvo disposição legal em contrário, todos os sócios têm direito a participar nas reuniões da assembleia geral e aí discutir e votar.
2. Salvo disposição dos estatutos em contrário, o sócio apenas pode fazer-se representar na assembleia geral por outro sócio, pelo cônjuge, por descendente ou ascendente, bastando, como instrumento de representação voluntária, uma carta por aquele assinada dirigida ao presidente da mesa.
3. Salvo disposição dos estatutos em contrário, o sócio pode ainda fazer-se representar na assembleia geral por outra pessoa para além das previstas no número anterior, desde que para o efeito lhe atribua poderes representativos nos termos gerais.*
4. As pessoas que integrem os órgãos sociais devem comparecer às reuniões da assembleia geral, quando convocadas pelo presidente da mesa.*
É de ver que o legislador não permite eliminar ou afastar o poder de participar na assembleia geral pelo sócio, ainda que este não pode votar. O sócio pode sempre participar e assistir à discussão da matéria ligada à sociedade.
Importa distinguir 2 situações, a primeira é aquela em que o sócio é também administrador da sociedade, a segunda é aquela em que o sócio não assume nenhum cargo societário!
Pergunta-se, na primeira situação, o social-administrador pode transmite a qualidade de administrador para um estranho da sociedade?
Nesta matéria, existe o chamado princípio da intransmissibilidade do cargo societário para terceiro, é o que resulta do artigo 74º do CCOM, situação diferente será a da sociedade por quotas, para esta o legislador adopta uma atitude mais aberta, autorizando que os próprios estatutos societários possam prever uma solução contrária.
Nestes termos, o artigo 384º do CCOM dispõe:
Artigo 384.º
(Designação e mandato dos administradores)
1. Os administradores são designados no acto constitutivo ou eleitos por deliberação dos sócios.
2. O mandato dos administradores é por tempo indeterminado, se os estatutos não determinarem o contrário.
3. Os administradores podem fazer-se representar no exercício das suas funções, havendo autorização expressa nos estatutos.
Nesta lógica pode questionar-se a legitimidade da presidente da assembleia geral da Ré, que foi assumida por uma advogada, portanto, verifica-se uma transmissão do cargo para um estranho à própria sociedade, só o pode fazer se os próprios estatutos assim prevejam, sob pena da ilegitimidade da pessoa enquanto presidente.
Porém como esta matéria não vem devidamente alegada, ficamos dispensados de tecer mais considerações nesta ordem.
*
Passemos a ver a 2ª questão:
2) - O sócio pode ser acompanhado por advogado para participar na assembleia geral da sociedade por quotas sem que a própria assembleia geral autorize?
Não é muito líquido o entendimento nesta matéria, pois a doutrina entende que, nas situações normais, não deve autorizar-se estranhos presentes na assembleia geral societária, porque entende que a sociedade é uma comunidade relativamente fechada, uma união dos interesses dos seus membros, no seu seio é que se debatem e decidem as questões a ela ligadas. Pelo que, em situações normais, só pode intervir na vida dessa “comunidade” quem são seus membros. Um estranho não é! Nem está nessas condições!
Para Luis Brito Correia, Direito Comercial, 3º volume, AAFDL, 1989, pg 44, “A regra é, pois, que as pessoas estranhas à sociedade (que não sejam sócios, membros de órgãos sociais, obrigacionistas ou respectivos representantes) não podem participar, nem sequer estar presentes na assembleia, a menos que o presidente da mesa os autorize e a própria assembleia não se oponha a essa autorização. Compreende-se que assim seja. A sociedade é um agrupamento de particulares e as assembleias gerais dizem respeito à sua vida privada; não são abertas ao público (C Civ. art. 80.º). Mesmo quando a sociedade atinja uma dimensão que ponha eventualmente em causa o interesse público, a defesa deste só pode efectivar-se nos termos da lei (v.g., mediante intervenção de administradores por parte do Estado, delegados do Governo ou até agentes da polícia).Por isso mesmo, em regra, um sócio não pode, por si só, exigir a presença de estranhos na assembleia, contra a vontade do presidente da mesa ou da própria assembleia. E o presidente da mesa pode impor a saída da sala de reuniões a estranhos não autorizados ou que estejam a perturbar os trabalhos – podendo inclusivamente recorrer à força pública, nos termos legais, para o conseguir.”.
Do mesmo sentido pronunciou DUARTE SANTOS, "Representação dos Sócios na Assembleia Geral das Sociedades", in "Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau", Ano X, n.º 21, 2006, pág. 188, segundo o qual: ... a assistência por advogado ou outro perito dentro da assembleia geral apenas poderá ter lugar caso a assembleia o consinta ou os estatutos o prevejam (artigo n.º 218, n.º 2 do C Com).”
Ponderados os interesses em jogo, designadamente a “… a natureza eminentemente personalística das sociedades comerciais, com excepção das sociedades anónimas, assim como a necessidade de resguardar os outros sócios relativamente a terceiros … ”, bem como a clara opção do legislador de não consagrar tal direito no Código Comercial, lei especial em relação aos citados dois diplomas – cfr. Duarte Santos, ob. cit., pgs 186 a 188, é esta linha de pensamento que seguimos, no sentido de limitar o direito em questão não permitindo a participação de advogados nas reuniões da assembleia geral.
É também este o nosso entendimento.
Pelo que, é de revogar a sentença recorrida, na medida em que esta anulou as deliberações da assembleia geral de 09/07/2015 com base no argumento de que é ilegal a não permissão de o sócio ser acompanhado pelo advogado seu.
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Síntese conclusiva:
I - A presença de um advogado na assembleia geral dos sócios pode configurar-se 2 situações:
1ª) O advogado é procurador do sócio, que lhe o sócio confere poderes necessários para este efeito, e em situação normal, o sócio/mandante não participa na reunião, quem o representa é o advogado constituído;
2ª) O advogado participa na reunião como mero técnico auxiliar do sócio; quem exerce os direitos inerentes à qualidade do sócio é o próprio sócio. Mas tal sujeita-se à deliberação favorável sobre a sua presença pela assembleia geral.
II – A norma do artigo 450º do CCOM aplica-se e só às sociedades anónimas, não às sociedades por quotas, porque é uma norma de caracter especial, feita especialmente para as sociedades anónimas.
III – Por força do disposto nos artigos 218º e 379º do CCOM, o legislador não permite eliminar ou afastar o poder de participar na assembleia geral pelo sócio, ainda que este não possa votar. O sócio pode sempre participar e assistir à discussão da matéria ligada à sociedade.
IV – Quando uma advogada, na qualidade de representante de um sócio da sociedade por quotas, avoca a qualidade de presidente da assembleia geral, também em representação desse mesmo sócio, obriga um sócio a optar: ou ele participar pessoalmente na reunião, ou delegar poder num advogado por ele escolhido para tomar parte na reunião e o sócio não pode estar presente na mesma, carece de competência para agir desta maneira, visto que:
- Os estatutos societários não prevêem expressamente essa possibilidade de exercício de administração por parte de um estranho;
- Na ausência de norma no CCOM que prevê o poder de presidente da assembleia geral para autorizar a presença de estranho (não sócio) na assembleia geral, a via correcta para contornar esta questão é submetê-la à deliberação dos sócios. Como esta matéria não vem alegada, o Tribunal não tem obrigação de sobre ela pronunciar.
V - Por estar em causa o interesse colectivo da sociedade, em regra um estranho não pode estar presente na assembleia geral, salvo esta o autorizar mediante deliberação ou mediante autorização do presidente da assembleia geral, quando os estatutos prevejam que o presidente tenha esse poder.
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Tudo visto, resta decidir
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando-se improcedentes os pedidos do Autor e absolvendo-se deles a Ré (ora Recorrente).
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Custas pelo Autor/Recorrido.
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Registe e Notifique.
RAEM, 4 de Outubro de 2018.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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