Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso civil
N.° 7 / 2008
Recorrente: A
Recorrida: B
1. Relatório
A instaurou no Tribunal Judicial de Base uma acção de processo civil do trabalho comum contra a B, pedindo que esta seja condenada a pagar certa quantia à autora.
O juiz do Tribunal Judicial de Base proferiu a sentença em primeira instância, julgando a acção improcedente com a absolvição da ré do pedido.
Em seguida, a autora recorreu desta sentença para o Tribunal de Segunda Instância e requereu a prorrogação do prazo de apresentação das alegações por dez dias por o recurso ter por objecto a reapreciação da matéria de facto ao abrigo do art.º 613.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
O relator do Tribunal de Segunda Instância considerou que tal norma de processo civil não pode ser aplicada no processo laboral e julgou deserto o recurso da autora por apresentação extemporânea das alegações.
Desta decisão a autora apresentou reclamação. Por acórdão proferido no processo n.º 610/2007, o Tribunal de Segunda Instância indeferiu a reclamação.
Vem agora a autora recorrer deste acórdão para o TUI, em que alega especialmente que o n.º 6 do art.º 613.º do Código de Processo Civil deve ser aplicável ao processo laboral e pede a revogação daquele acórdão.
Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
2. Fundamentos
A questão sobre a aplicabilidade do art.º 613.º, n.º 6 do Código de Processo Civil no processo do trabalho
Para a recorrente, se for requerida a reapreciação da prova gravada no recurso do processo do trabalho, deve ser aplicado o art.º 613.º, n.º 6 do Código de Processo Civil (CPC), por força do art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), permitindo a prorrogação do prazo de apresentação das alegações por dez dias.
No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância entende que não há lacuna na norma do art.º 111.º do CPT, e os interesses em jogo no processo civil do trabalho pertencem ao ramo do direito público, pelo que não há de integrar por meio do n.º 6 do art.º 613.º do CPC.
Para resolver esta divergência jurídica, devemos começar a apreciar a questão a partir do art.º 1.º do CPT:
“Artigo 1.º
Direito aplicável
1. O processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho.
2. Nos casos omissos em que as disposições deste Código não puderem observar-se por analogia, recorre-se, sucessivamente, à regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum civil ou penal, aos princípios gerais de direito processual do trabalho e aos princípios gerais de direito processual comum.”
Segundo o n.º 1 deste artigo, são normas reguladoras do processo do trabalho as constantes do CPT e as respectivas legislações de organização judiciária e dos processos civil comum e penal.
O CPT contém apenas 115 artigos, bastante reduzidos para um regime de processo do trabalho, que não fornece uma imagem global da sua integridade e complexidade. De acordo com o referido artigo, os Códigos de Processo Civil e de Processo Penal são as principais legislações subsidiárias dos processos civil do trabalho e contravencional do trabalho, respectivamente. Por isso, o CPT constitui a lei específica do processo do trabalho, nele se estabelece regulamentação especial sobre os aspectos do processo do trabalho que divergem dos processos civil e penal. Em relação à larga quantidade dos aspectos do processo do trabalho sem regulamentação por parte do CPT, são aplicáveis as normas dos Códigos de Processos Civil e Penal, no pressuposto de não contrariarem as disposições do CPT.
Em comparação com os 93 artigos do CPC que regulam os recursos, o Título IV do CPT regulador dos recursos no processo do trabalho tem apenas os seguintes seis artigos.
O art.° 110.° : que regula as decisões que admitem recurso;
O art.° 111.°: que regula os prazo e modo de interposição do recurso;
O art.° 112.°: que regula o regime de subida dos recursos;
O art.° 113.°: que regula os efeitos dos recursos;
O art.° 114.°: que regula as alegações de resposta;
O art.° 115.°: que determina as legislações aplicáveis ao julgamento dos recursos.
Comparando os seis artigos com a parte do CPC que regula o recurso, resulta claramente que o legislador, ao fixar o regime do recurso do processo do trabalho, estabeleceu apenas as normas especiais diferentes do regime do recurso civil comum, de acordo com as especificidades do processo do trabalho.
Algumas destas normas especiais são necessariamente diferentes das correlativas normas do processo civil por resultarem de certos procedimentos ou actos processuais especiais.
Já em relação às outras, a intenção do legislador era estabelecer, de propósito, disposições diferentes ou até contrárias às do processo civil. Por exemplo, alargar a possibilidade de recurso para as acções relacionadas com determinados tipos de contrato de trabalho e as emergentes de acidentes de trabalho ou doença profissionais; exigir que sejam entregues as alegações ao interpor recurso, isto é, excluir o prazo de trinta dias para apresentar alegações no processo civil, e reduzir o prazo de alegar de contra-parte; o efeito suspensivo ser, em princípio, afastado no recurso das decisões de condenação no pagamento de importâncias, etc.
Dispõe assim o art.° 111.° do CPT que está em causa:
“1. O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão de que se recorre.
2. Tratando-se de despachos ou sentenças orais reproduzidos nos autos, o prazo corre desde o dia em que foram proferidos, se o recorrente ou o respectivo mandatário estiveram presentes no acto ou foram notificados para o efeito, ou desde o dia seguinte àquele em que os autos deram entrada na secretaria, nos casos de revelia absoluta.
3. Tendo sido solicitado o patrocínio oficioso do Ministério Público para efeitos de recurso, deve esse facto ser declarado no processo dentro do prazo inicial para a sua interposição, contando-se o prazo referido no n.º 1 a partir da data dessa declaração.
4. O requerimento de interposição do recurso deve conter a identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.
5. Com o requerimento de interposição do recurso, deve o recorrente juntar as suas alegações.”
Ao passo que, o n.° 6 do art.° 613.° do CPC prescreve que, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de dez dias os prazos de apresentação de alegações nas diversas situações previstas neste artigo.
É evidente que a situação prevista no n.° 6 do art.° 613.° do CPC sobre o recurso com objecto específico não está regulada no CPT, nomeadamente no seu art.° 111.°.
Mesmo que se considere que o processo civil do trabalho pertence ao direito público, não vejamos razões que impedem a aplicação subsidiária da referida norma do processo civil ao processo civil do trabalho.
Realmente, os princípios de simplicidade e de celeridade são as principais directivas do legislador do CPT. No entanto, daí não se pode concluir que os outros actos processuais realizáveis no processo civil, sem regulamentação no CPT, e o consequente alargamento do tempo necessário para a tramitação não são aplicáveis pura e simplesmente ao processo do trabalho. Desde que estão em conformidade com o art.° 1.° do CPT, as normas do processo civil são aplicáveis ao processo do trabalho.
Na parte dos recursos do CPT contém apenas certas normas especiais, não se estabeleceu de novo um regime distinto de recurso.
O CPT não afasta a possibilidade de recorrente de processo civil do trabalho de apresentar, no recurso, pedido de reapreciação da prova gravada. Na realidade, constitui um dos objectivos principais do recurso a impugnação da decisão judicial da matéria de facto por meio de recurso, contribuindo para a protecção dos direitos processuais das duas partes do processo do trabalho.
Formulado o referido pedido, é razoável conceder certo prazo aos recorrente e parte recorrida para voltar a ouvir a gravação da prova, a fim de organizar o conteúdo das alegações segundo o art.° 599.° do CPC.
Por isso, o n.° 6 do art.° 613.° do CPC é aplicável subsidiariamente no processo do trabalho.
A recorrente deve ser considerado notificada da sentença de primeira instância dos presentes autos no dia 28 de Maio de 2007. As alegações do recurso interposto perante o Tribunal de Segunda Instância foram apresentadas no segundo dia após o termo do prazo de vinte dias seguido, com a multa já paga nos termos do n.° 4 do art.° 95.° do CPC.
Assim, não é extemporânea a apresentação do recurso pela recorrente perante o Tribunal de Segunda Instância.
3. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogando o acórdão recorrido, e, em consequência, revogar a decisão do relator do Tribunal de Segunda Instância que julgou deserto o recurso, devendo ser proferida nova decisão no sentido de considerar o recurso interposto pela recorrente perante o Tribunal de Segunda Instância não extemporâneo.
Custas nesta e na segunda instância pela recorrida.
Aos 16 de Abril de 2008.
Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
Processo n.° 7 / 2008 8