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Processo nº 475/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 18 de Outubro de 2018

ASSUNTO:
- Utilidade da lide
- Falta da fundamentação
- Violação do princípio da presunção da inocência

SUMÁRIO:
- Há utilidade da lide do recurso contencioso mesmo naquelas situações em que o acto já foi executado, não tendo a possibilidade de reconstituir a situação actual hipotética e o recorrente não formulou/cumulou qualquer pedido de indemnização, visto que a eventual sentença favorável pode permitir, em sede de execução de julgado, a reparação de danos sofridos com o acto.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA).
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram base de decisão administrativa, ou seja, permitir o administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- A lei só exige a existência de fortes indícios da prática de crime e não a sua condenação efectiva para a recusa de entrada na RAEM, pelo que carece de fundamento a invocação de violação do princípio in dubio pro reo.
O Relator,
Ho Wai Neng














Processo nº 475/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 18 de Outubro de 2018
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança de 06/04/2017, pelo qual foi confirmada a decisão de recusa de entrada do Recorrente A na RAEM, concluíndo que:
Da ilegalidade do Despacho recorrido
(i) Nulidade da decisão de revogação da autorização de permanência do Recorrido
A. Antes da prolação da decisão final do processo-crime em que o ora Recorrente é arguido, ou mesmo antes da dedução da sua acusação, a Administração já se tinha vinculado (antecipadamente) à prolação da decisão condenatória do Recorrente, ao revogar a autorização de permanência do mesmo com base no alegado facto de que este tinha praticado um crime de emprego ilegal;
B. A decisão de revogação de autorização de permanência do Recorrente viola o princípio da presunção de inocência, violando, portanto, um direito fundamental previsto no artigo 29.º da lei Básica, de onde resulta a respectiva nulidade por força do artigo 122.º, n.º 2, alínea d), do CPA - nulidade essa que se deixa invocada para todos os efeitos;
C. Na medida em que o Despacho recorrido consubstancia um acto consequente da decisão de revogação da autorização de permanência, sendo nula esta última, também o Despacho recorrido tem de ser considerado nulo, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, do CPA - nulidade que se deixa invocada para todos os efeitos legais;
D. A decisão de revogação da autorização de permanência do Recorrente é nula, pelo que não pode produzir qualquer efeito jurídico (cf. n.º 1 do artigo 123.º do CPA);
E. Mesmo que o Despacho recorrido não esteja ferido de nulidade - o que apenas por hipótese ora se admite, sem conceder -, sempre haverá que concluir que o Despacho recorrido foi proferido em erro sobre os pressupostos de facto, já que a decisão nele plasmada foi tomada com base num acto que, afinal, não produz efeitos, pelo que o Despacho recorrido será ainda assim anulável, nos termos do disposto no artigo 125.º do CPA;
(ii) Dos (inexistentes) indícios da prática do crime
F. In casu, não se verificam os fortes indícios de o Recorrente ter praticado qualquer crime, uma vez que apenas existe a mera suspeita da prática de um crime pelo Recorrente, e, em qualquer caso, este não praticou quaisquer factos a que seja atribuída relevância penal;
G. Até se deduzida a acusação em sede do Processo de Inquérito n.º XXXX/2016, nem sequer se pode dizer que existiam "indícios suficientes" de o ora Recorrente ter cometido um crime de emprego ilegal, e muito menos "indícios fortes", mas apenas a suspeita de tal facto;
  Acresce que, quanto ao fundo da questão,
H. A prestação dos serviços de consultoria e apoio técnico pelo Senhor B, em causa no Processo de Inquérito n.º XXXX/2016, está abrangida pela norma excepcional prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea 1), e n.ºs 2, 3 e 4 do Regulamento Administrativo n.º 17/2004;
I. Nesta medida, impõe-se concluir que os serviços prestados pelo Senhor B não constituem a prestação de trabalho ilegal - ou, dito de outra forma, que o Senhor B não necessitava de autorização específica para prestar os referidos serviços -, pelo que não se mostra preenchido (pelo menos) um dos elementos objectivos do crime previsto no artigo 16.º, n.º 1, da lei n.º 6/2004, pelo qual o Recorrente vem indiciado;
J. Termos em que erra o Despacho recorrido, ao considerar que existem indícios fortes da prática pelo Recorrente do crime em questão, uma vez que, no momento da proferição do Despacho recorrido, não existiam, nem existem ainda hoje, fortes indícios da prática pelo Recorrente de quaisquer factos a que seja atribuída relevância penal;
K. Nesta medida, também aqui, o Despacho recorrido foi proferido em erro sobre os pressupostos de facto, o que determina a ilegalidade do Despacho, e, consequentemente, a sua anulabilidade (cf artigo 125.º do CPA);
Por outro lado,
L. A Entidade Recorrida fez uma errada interpretação do conceito de "fortes indícios", previsto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003;
M. Com efeito, nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, uma decisão de recusa de entrada na RAEM não pode limitar-se a constatar ou verificar que existe a suspeita da prática de crime. É preciso avaliar, em concreto, se, de acordo com os elementos probatórios dos autos, se prevê que o agente virá muito provavelmente a ser condenado pela prática de crime;
N. Nesta medida, o Despacho recorrido também enferma de erro de Direito, consubstanciando o vício de violação de lei, por errada interpretação da própria disposição da alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º da lei n.º 4/2003, nomeadamente o conceito de "fortes indícios" nela prevista, e por ter aplicado incorrectamente a lei aos factos dos presentes autos, devendo, pois, o Despacho ser anulado por este Tribunal em conformidade, nos termos do artigo 125.º do CPA.
Do vício de forma por falta de fundamentação
O. O Recorrente considera que o Despacho recorrido enferma do vício de falta de fundamentação, na medida em que o mesmo não cumpre os requisitos de fundamentação previstos no artigo 115.º do CPA;
P. Equivalendo legalmente a deficiência de fundamentação à sua falta, e constituindo a falta de fundamentação do acto motivo legalmente previsto para a sua anulação, poucas dúvidas poderão restar de que o Despacho recorrido padece de vício de falta de fundamentação, circunstância que o torna anulável nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do CPAC.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 63 a 73 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Na petição inicial, o recorrente indicou expressamente interpor o presente recurso contencioso do «despacho proferido por Sua Excelência o Secretário para a Segurança, exarado na Comunicação n.ºXXXX/2017-Pº.229.01, através do qual foi confirmada a decisão de recusa de entrada na RAEM». Eis o objecto deste recurso escolhido pelo próprio recorrente.
O documento de fls.43 do P.A. mostra nitidamente que o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança não exarou despacho na dita Comunicação que não vale mais que um instrumento de notificação do despacho proferido pelo mesmo em 06/04/2017 (vide. fls.32 do P.A.), despacho que se traduz em negar provimento ao recurso hierárquico necessário interposto pelo ora recorrente da recusa de entrada dele em Macau (cfr. fls.17 a 24 do P.A.).
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Acompanhamos inteiramente o douto pensamento de que «A recusa de entrada, por natureza, só produz efeitos instantâneos, isto é, no momento de não permitir a entrada, já se alcançaram os seus efeitos. Se os Serviços de Migração da PSP pretenderem impedir a nova entrada do Requerente, têm de praticar um novo acto de recusa, não podendo servir dum acto de recusa anterior para o efeito.» (cfr. Acórdão do TSI no processo n.º475/2017/A)
No mesmo aresto, alertou prudentemente: «No caso em apreço, a recusa de entrada já foi executada, cujo efeito também já se esgotou no momento da sua execução.» O que nos leva a acolher também a seguinte sensata conclusão: «Nesta conformidade, não se verifica que da suspensão da eficácia requerida pode resultar para o requerente ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso utilidade relevante no que respeita aos efeitos que a recusa de entrada produza ou venha a produzir.»
No seio do recurso contencioso, perfilhamos a sábia jurisprudência que assevera (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º11/2006): Os casos previstos no art.87.º do CPAC não são os únicos que relevam para a extinção da instância do recurso contencioso por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, ao abrigo da al. e) do art.84º do CPAC, e verifica-se a inutilidade superveniente da lide do recurso contencioso quanto se tornou impossível a reconstituição da situação actual hipotética, sem que tenha sido apresentado o pedido de indemnização cumulativo.
Em esteira, e considerando ainda ao despacho de aplicação ao recorrente a interdição de entrada durante três anos (cfr. fls.77 do P.A.), podemos inferir que a inutilidade da lide acontece não só à suspensão de eficácia que correu termos no Processo n.º475/2017/A, mas também ao presente recurso contencioso – por ser obviamente impossível a reconstituição da situação actual hipotética e, de outro lado, o recorrente não deduziu, na petição inicial, pedido de indemnização cumulativo.
Na medida em que a notificação do despacho exarado na Proposta n.ºXXX/2017-Pº.222.18 fica cronologicamente posterior à interposição do recurso em apreço (cfr. docs. de fls.78 e 79 do P.A. e fls.2 dos autos), podemos entender que se verifica in casu uma inutilidade superveniente atípico que, nos termos do disposto na alínea e) do art.84º do CPAC, determina a extinção da instância do recurso contencioso em exame.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso. ”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias e nulidades que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e nos respectivos apensos, é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O Recorrente é sócio da C Grupo Limitada (“C Macau”), sociedade comercial matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis, sob o nº XXXXX(SO).
2. Numa operação policial realizada no dia 14/06/2016, pelas 10H45, foram entrados dois indivíduos de nome B e D, ambos não residentes da RAEM, a trabalharem na C Grupo Limitada (“C Macau”).
3. O B declarou perante o agente da PSP que era assessor-gerente, contratado pelo A, com o vencimento mensal no montante de USD$9,500.00, prestando serviço semanalmente 4 ou 5 dias, com a carga horária diária por volta de 3 horas.
4. Em 08/03/2017, foi determinada a recusa de entrada do Recorrente pela PSP.
5. Em 14/03/2017, o Recorrente interpôs o recurso hierárquico necessário contra a decisão da sua recusa de entrada.
6. Em 06/04/2017, o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
“Ponderado o recurso hierárquico necessário apresentado pelo recorrente A no processo acima indicado, que tem por base um acto de recusa de entrada na RAEM, por ordem do Serviço de Migração do CPSP, com data de 08 de Março de 2017, determino o seguinte:
1. A não suspensão da eficácia do acto recorrido, por se considerar que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público, fundado em perigosidade para a segurança pública interna.
2. Considero que o ora recorrente está devidamente representado, com advogado mandatado para exercer a sua representação, sem qualquer perda de garantias para a sua defesa e sem que se tenha demonstrado ser imprescindível a sua presença nos actos processuais decorrentes da revogação da sua autorização de permanência;
3. A decisão de recusa de entrada na RAEM tem subjacente a decisão da Administração de revogação da autorização de permanência do ora recorrente, fundamentada na alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004, por se entender que a sua presença constitui um risco para a segurança e ordem públicas da RAEM;
4. O juízo de perigosidade efectivo formulado pela Administração é legítimo e adequado à realização de um fim legal, visa a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes;
5. Reconduzo a base legal da medida de recusa de entrada na RAEM à alínea 1) do n.º 1, em concomitância com a alínea 3) do n.º 2, ambas do artigo 4.° da Lei n.º 4/2003, ex vi alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004, por entender que essa recusa deve ter como fundamento a expulsão do recorrente e os fortes indícios de ter praticado ou de se preparar para a prática de crime ou crimes na RAEM, com produção de efeitos desde 08 de Março de 2017.
Deste modo, concluo que o acto administrativo impugnado por via do presente recurso tem adequado fundamento de facto e de direito, nos termos da alínea 1) do n.° 1, em concomitância com a alínea 3) do n.º 2, ambas do artigo 4.° da Lei 11.° 4/2003, ex vi alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.° da Lei n.º 6/2004, pelo que, ao abrigo do artigo 161.°, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, confirmo-o, negando provimento ao presente recurso.
Notifique-se o recorrente, nos termos dos artigos 70.° a 72.° do Código do Procedimento Administrativo…”.
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IV – Fundamentação
A. Da inutilidade da lide suscitada pelo Mº Pº:
O Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste TSI promoveu que fosse declarada a extinção da instância por inutilidade da lide, uma vez que o acto recorrido já foi executado, não tendo a possibilidade da reconstituição da situação actual hipotética e o Recorrente não formulou/cumulou qualquer pedido de indemnização.
Sobre esta questão, o TUI já tenha decidido no sentido da promoção do Mº Pº no âmbito do Proc. nº 11/2006.
No entanto, um dos juízes daquele acórdão, na sua obra da anotação do Código de Processo Administrativo Contencioso1, veio manifestar a seguinte opinião:
   “…
   A melhor doutrina assinala que para se saber se ou quando a anulação contenciosa de um acto perdeu utilidade para o recorrente, "é necessário ter em conta que, no sistema vigente, a impugnação tempestiva do acto administrativo é um ónus que é imposto ao particular e que, muitas vezes, as pretensões de que ele pode ser titular perante a Administração são pretensões complementares em relação à anulação que, sem integrarem o objecto do recurso, lhe vão permanecer subjacentes, aguardando que ele termine com a anulação do acto para poderem ser accionadas, primacialmente no âmbito do chamado processo de execução das sentenças" e por ser assim, num tal contexto, o interesse na anulação que releva na aferição da utilidade da lide tanto pode "estar relacionado com a satisfação de pretensões primárias como com a própria satisfação de pretensões secundárias (de indemnização) do recorrente".
   Impõe-se, por isso, a necessidade de anulação do acto e, portanto, a afirmação da utilidade da lide do recurso contencioso mesmo naquelas situações em que já nada haja para fazer ou alterar quanto ao presente e ao futuro mas a anulação resulte indispensável para constituir a Administração no dever de praticar actos ou realizar prestações que se reportam apenas ao passado.”
Por outro lado, este TSI, no aresto do Proc. 620/2010, entendeu que “Faz sentido o prosseguimento do recurso contencioso - e não se considerar a existência de um factor de impossibilidade superveniente da lide - mesmo que nele se discuta em 2012 a legalidade de uma decisão que excluiu o recorrente da atribuição de um subsídio para participação em provas automobilísticas de 2010, porque eventual sentença favorável, ainda que não permita reconstituir a actual situação hipotética, pode permitir, em sede de execução de julgado, a reparação de danos sofridos com o acto.”
Para nós, optamos a posição da não verificação da inutilidade da lide, por entender que tal posição harmoniza melhor com o princípio da tutela efectiva, legalmente previsto no artº 2º do CPAC.
Face ao exposto, avançamos para a análise do mérito do presente recurso contencioso.
B. Do mérito do recurso:
Para o Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
- falta de fundamentação:
- nulidade consequencial da nulidade da decisão de revogação da autorização de permanência; e
- erro no pressuposto de facto.
1. Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados.”
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
No caso em apreço, o acto recorrido não especificou directamente os factos objectivos que determinaram a decisão da recusa de entrada do Recorrente.
Será por isso que o Recorrente deixou de saber quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Achamos que não.
Esta resposta é comprovada pelo próprio conteúdo da petição inicial do presente recurso contencioso, na qual o Recorrente mostrou, sem qualquer margem de dúvida, conhecer todo o itinerário cognoscitivo e valorativo do acto recorrido.
Na realidade, o acto recorrido mencionou expressamente que a decisão da recusa de entrada tem subjacente da decisão da revogação da autorização de permanência do Recorrente.
Trata-se, a nosso ver, duma remissão indirecta para os fundamentos constantes da decisão da revogação, a qual foi devidamente notificada ao Recorrente.
A decisão da revogação tem o seguinte teor:
   “…
   於2017年01月18日,本局警員在氹仔客運碼頭邊境站查獲利害關係人。根據本局調查資料,利害關係人為一宗【僱用】案件的嫌犯,並將案件移交檢察院處理。案情顯示於2016年06月14日本局警員在氹仔XXXXXX(C物流公司)進行稽查工作,行動中查兩名非法工作人士,該兩名非法工作人士承認在該公司分別擔任顧問經理的工作,月薪為9500美元及學員,沒有收取額外薪金,但由公司提供其住宿、交通及膳食津貼。利害關係人為C物流公司之東主,根據案中證人口供,其中一名非法工作人士是由利害關係人直接聘請的。考慮到有關行為對本地區公共安全或公共秩序構成危險,因此,根據第6/2004號法律第11條第1款3項的規定,並行使治安警察局局長透過第3/CPSP/2016P號批示轉授予的權限,本人決定廢止利害關係人的逗留許可,並著令其於2017年01月21日或之前離開澳門特別行政區…”。
Como se vê, deste despacho contém todos os fundamentos de facto e de direito que serviram à base da decisão da revogação.
Pelo exposto, é de improceder este argumento do recurso.
2. Dos restantes alegados vícios:
Na óptica do Recorrente, não existem fortes indícios de que ele praticou o crime de emprego ilegal, daí que a decisão da revogação da autorização da sua permanência que baseou neste pressuposto é nula, o que determina a nulidade consequencial do acto ora recorrido, que tem subjacente da decisão da revogação.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Perante os dados colhidos no processo administrativo apensado nos autos, nomeadamente os factos de que foram encontrados dois indivíduos não residentes a trabalharem na Sociedade Comercial em que o Recorrente é sócio, sendo um dos quais declarou que foi contratado por ele, entendemos que a conclusão formada pela Entidade Recorrida no sentido de existir fortes indícios da prática de crime de emprego ilegal por parte do Recorrente não merece qualquer censura ou reparação.
Diz o Recorrente que o indivíduo B se encontra a prestar os serviços de assistência técnica e formação na Sociedade Comercial em causa, actividade essa que é legalmente admitida no artº 4º, nº 1, al. 1) do Regulamento Administrativo nº 17/2004.
Contudo, não apresentou qualquer prova neste sentido no âmbito do procedimento administrativo do recurso hierárquico necessário, só tentou fazer em sede do presente recurso contencioso, mediante um documento particular junto aos autos a fls 44 a 54.
Temos seguido a posição de que “não pode ser feita no recurso contencioso a prova de factos – para efeito do vício de erro sobre os pressupostos de facto, v.g. – se o recorrente teve a possibilidade de em concreto a fazer no procedimento administrativo”2.
Quanto à alegada violação do princípio da presunção da inocência, cumpre-nos dizer que a al. 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 prevê que “pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes”.
Como se vê, a lei só exige a existência de fortes indícios da prática de crime e não a sua condenação efectiva, pelo que carece de fundamento a invocação de violação do princípio in dubio pro reo.
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Tudo visto, resta decidir.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
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Custas pelo Recorrente, com 8UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 18 de Outubro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa

1 CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO, Viriato Lima e Álvaro Dantas, Editor CFJJ, 2015, pág. 275 e 276.
2 MANUAL DE FORMAÇÃO DE DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO, José Cândido de Pinho, Editor CFJJ, 2013, pág. 119 e 120.
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