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Processo nº 874/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 25 de Outubro de 2018

ASSUNTO:
- Princípio da livre apreciação das provas
- Reapreciação da matéria de facto
- Arresto

SUMÁRIO:
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- A reapreciação da matéria de facto por parte deste TSI tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
- Se dos autos já revelou suficientes factos indiciários que nos permitem concluir pela existência real do periculum in mora, é de decretar a providência de arresto requerido nos termos e com os limites que se determinará.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 874/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 25 de Outubro de 2018
Recorrente: A (Requerido)
Recorrida: B (Requerente)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 11/05/2018, julgou-se improcedente a oposição deduzida pelo Requerido A.
Dessa decisão vem recorrer o Requerido, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
- Apenas foi produzida prova testemunhal da existência do contrato-promessa verbal em que a Requerente baseou o pedido da providência;
- Nesse âmbito, a única testemunha que convictamente depôs a favor da existência do referido contrato-promessa verbal foi a 2.ª testemunha da Requerente; mas as suas declarações estão condicionadas pela circunstância pessoal de esta testemunha ter interesse na actividade comercial da Requerente e pelo facto de a mesma não ter tido intervenção na negociação travada entre as partes e só ter tido conhecimento do assunto através de C, com quem mantém uma relação de trabalho;
- A 1.ª testemunha da Requerente só uma vez afirma que houve um contrato-promessa, mas fá-lo em resposta a uma pergunta sugestiva; em vários outros momentos do seu depoimento, esta testemunha fala duma compra e venda e, a certo passo, caracteriza mesmo o negócio como uma troca, cabendo salientar que se trata de indivíduo que não tem interesse na actividade da Requerente e que assistiu e interveio na negociação do que as partes efectivamente convencionaram entre si;
- A 1.ª testemunha do Requerido-Recorrente corrobora a versão deste, de que não se acordou qualquer promessa, mas antes um negócio em que o Recorrente entregava à Requerente, por procuração, plenos poderes de disposição sobre o terreno dos autos, e recebia por tal um preço, pago em dinheiro e por meio da entrega pela Requerente ao Recorrente, também por procuração, de plenos poderes de disposição da moradia dos autos; esta testemunha, à semelhança da 1.ª testemunha da Requerente, interveio na negociação;
- Não se encontra, nos documentos que foram assinados para conformar o negócio, qualquer traço da promessa alegada pela Recorrente;
- A versão da Requerente é inverosímil, mas já a versão do Recorrente ancora numa prática seguida ao longo de décadas pela comunidade de negócios de Macau que mereceu inclusivamente o reconhecimento do legislador, no n.º 2 do artigo 218.° da nova Lei de Terras;
- Deste modo, e atenta a prova testemunhal referida - que o Recorrente acima localiza concretamente na gravação da audiência do primeiro e do segundo julgamento e transcreve ainda na presente alegação - deve julgar-se que houve erro na decisão de facto, designadamente quanto aos factos provados 7. e 13., elencados na decisão original, que entendeu indiciariamente provado que as partes celebraram entre si um contrato-promessa verbal, decidindo-se agora que não foi feita essa prova;
- Soçobra assim um dos requisitos do decretamento do arresto, a saber, o crédito do arrestante, visto que, no caso em apreço, a providência foi solicitada para acautelar um crédito da Requerente que teria nascido do incumprimento da mencionada promessa;
- O arresto não é meio próprio de acautelar a garantia patrimonial do credor quando, embora o património do devedor sofra perdas efectivas, estas resultem de circunstâncias fortuitas ou da acção de terceiro, em que não haja culpa do devedor;
- Em momento algum, a Requerente apontou ao Requerido-Recorrente a responsabilidade pela caducidade da concessão do terreno dos autos, onde, de resto, não constam quaisquer elementos que indiciem tal responsabilidade;
- Por conseguinte, a extinção da concessão e a consequente extinção da hipoteca que incidia sobre a mesma não são fundamento do justo receio de perda da garantia patrimonial que deve constituir pressuposto do arresto;
- A venda da moradia da Estrada D. João Paulino não é, em si, fundamento do justo receio de perda da garantia patrimonial porque, até na versão da Requerente, acolhida pelo Tribunal a quo, a procuração que C conferiu ao Recorrente sobre o imóvel destinava-se justamente a que este pudesse dispor dele como entendesse, inclusive alienando-o, sendo esse, no próprio dizer da Requerente, um dos termos do contrato que firmara com o Recorrente;
- A venda da moradia como negócio simulado entre o Recorrente e D não é igualmente fundamento do receio de perda da garantia patrimonial; fôsse esse o caso, a perda seria, não a moradia, mas o poder de livremente dispor dela e fazer seu o preço respectivo - visto que era isso, e não a titularidade do imóvel, o que estava na esfera jurídica do Recorrente;
- Nenhum dos possíveis indícios de simulação se provou, a saber: 1.°) que o Recorrente (i) teria sido notificado antes para uma audiência prévia de interessados no âmbito do processo administrativo tendente à declaração de nulidade da concessão, o que o teria feito logo antecipar que a extinção da concessão ia acontecer em breve e acarretaria diligências de C para recuperar o domínio da moradia, donde haver urgência em retirá-la da sua titularidade através da respectiva venda, e (ii) pediu uma avaliação da moradia a uma empresa da especialidade com o objectivo de que D a revendesse a um terceiro; 2.°) que D (i) era empregado do Recorrente, (ii) não tinha capacidade financeira para pagar sequer o valor declarado na escritura de compra e venda do imóvel, (iii) não tomou posse do imóvel, (iv) pediu por iniciativa própria ou a mando do Recorrente a sua avaliação à dita empresa e (v) recebeu ordens do Recorrente para efectuar uma nova venda;
- Ainda que a desigualdade entre o valor intrínseco da moradia e o valor declarado na escritura como preço do negócio importasse uma perda patrimonial para o Recorrente, tal circunstância tem de ser encarada apenas como um mau negócio do Recorrente, pois provados não estão quaisquer indícios de simulação;
- Um mau negócio isolado do devedor não dá ao credor razão para recear a perda da garantia patrimonial do seu crédito em moldes que lhe permitam requerer o arresto dos bens daquele;
- Disse-se "isolado" porque entre a outorga da procuração e da escritura de compra e venda da moradia mediaram mais de dois anos; e entre esta e a instauração do procedimento cautelar de arresto mediaram um ano e quase quatro meses, tempo durante o qual a Requerente foi incapaz de identificar qualquer outra situação, uma que fosse, em que o Recorrente tivesse curado mal dos seus interesses patrimoniais;
- Só um conjunto de factos ou circunstâncias que exponham uma tendência do devedor para fazer maus negócios, com prejuízo do seu património, é que pode eventualmente fundar o receio de perda da garantia patrimonial que deve suportar um pedido de arresto;
- Contra um mau negócio isolado, o meio adequado de reacção do credor é a impugnação pauliana, posto que estejam reunidas as condições para que seja deferida, sendo precisamente isso o que a Requerente está a tentar na acção principal de que este procedimento cautelar depende;
- Não ficou provada nenhuma das diligências posteriores à venda da moradia, que a Requerente alegou terem sido praticadas pelo Recorrente e por D, com o fim de revendê-la a um terceiro e assim contrariar ainda mais os esforços futuros de recuperação da mesma por parte de C;
- Mas, ainda que essa matéria se tivesse provado, ela não poderia informar o receio de perda da garantia patrimonial porque a moradia (ou, melhor dizendo, o direito de dispor desse bem e fazer seu o produto da venda) não é, no contexto do presente procedimento cautelar, algo que pertença ao Recorrente ou deva voltar a integrar o seu património;
- O arresto não foi requerido contra D e não abrange, nem a Requerente pediu que abrangesse, a moradia.
- Não subsiste, pois, um único fundamento de receio de perda da garantia patrimonial, pelo que este pressuposto do arresto não se encontra preenchido.
- Tendo decidido em contrário, o Tribunal a quo incorreu em erro de direito por interpretação incorrecta da norma contida no n.º 1 do artigo 351.° do CPC de Macau.
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A Requerente B respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 112 a 123v dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
A. No ano de 2013, C tomou a iniciativa de procurar o Requerido para lhe propor um negócio sobre o terreno identificado nos autos.
B. C contactou o Requerido através do Sr. E.
C. A abordagem inicial e as negociações que se seguiram foram feitas, do lado da Requerente, por C e pelo Sr. F, e, do lado do Requerido, sempre através do Sr. E.
D. A Requerente e C já sabiam, antes de ter procurado o Requerido, ou ficaram a saber no decurso das negociações, que a concessão do terreno dos autos era provisória, tinha finalidade industrial e de estacionamento, e devia ser aproveitada com a construção de um edifício, em propriedade horizontal, compreendendo oito pisos, ficando o rés-do-chão afectado à indústria de fabrico de perfis de aço inoxidável a explorar directamente pelo Requerido, e uma cave para estacionamento, não se achando realizado o aproveitamento, cujo prazo expirara em 29 de Junho de 1992.
E. A Requerente e C igualmente sabiam, ou ficaram a saber, que a concessão caducaria, por extinção do prazo da concessão, em 09 de Novembro de 2015.
F. No dia 06 de Novembro de 2013, o Requerido outorgou uma procuração a favor da Requerente, sobre os direitos do Requerido, decorrentes do contrato de concessão do terreno em causa. Tal procuração foi conformada por notário.
G. A Requerente e o Requerido acordaram que o preço do negócio da transmissão dos direitos decorrentes do contrato de concessão do terreno em causa foi fixado em HK$360,000,000.00.
H. Parte do preço foi efectivamente liquidado em numerário, através da entrega de cheque bancário no valor de HK$220,000,000.00, datado de 08 de Novembro de 2013.
I. O remanescente do preço, no montante de HK$140,000,000.00, seria saldado mediante entrega da Moradia melhor identificada nos autos, pertencente a C.
J. Neste âmbito, C outorgou-lhe uma procuração, a qual conferia ao procurador amplos poderes de administração, oneração e disposição e o consequente benefício económico emergente do uso da procuração e posterior venda da Moradia.
K. O Requerido constituiu uma hipoteca sobre o Terreno a favor da Requerente pelo montante de MOP$370,800,000.00.
L. O mútuo consignado na mesma escritura da hipoteca nunca foi solicitado nem concedido.
M. D não é empregado do Requerido.
N. D pagou com fundos próprios o preço no montante de MOP$30,000,000.00 indicado na escritura de compra e venda da Moradia identificada nos autos, através de duas ordens de caixa e de cheque bancário.
O. O Requerido não pediu, nem instruiu D para que pedisse, uma avaliação da Moradia à “Savills” ou a qualquer outra empresa de avaliação imobiliária.
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III – Fundamentação
1. Da impugnação da matéria de facto indiciariamente provado quanto à existência provável de crédito:
Na óptica do Requerido, o Tribunal a quo não deveria ter considerado como indiciariamente provada a existência de um contrato promessa verbal de compra e venda sobre os direitos resultantes da concessão de um terreno.
Para tanto, alegou que os depoimentos das duas testemunhas (XXX e XXX) ouvidas não merecem de credibilidade.
Quid juris?
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fls. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “P121`rova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do artºs. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar o resultado da avaliação que se faz da prova, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
Vamos agora analisar se o Tribunal a quo cometeu erros claros de julgamento na decisão da matéria de facto.
O Tribunal a quo justificou a sua convicção pela forma seguinte:
   “…
   A convicção do Tribunal relativamente aos factos indiciariamente demonstrados resultou dos documentos juntos nos autos e dos depoimentos das duas testemunhas.
   A 1.ª testemunha, E, prestou o depoimento na audiência, nomeadamente sobre o seu envolvimento nas negociações entre a Requerente e o Requerido. Por isso, dá como provados os factos A. a C.
   De acordo com o documento constante a fls. 387 a 392 dos autos, ficou provado que o Requerido outorgou uma procuração a favor da Requerente, sobre os direitos do Requerido, decorrentes do contrato de concessão do terreno em causa.
   A 1.ª testemunha depõe que o objectivo da Requerente e C era de adquirir o Terreno em causa, mas não sabia a sua finalidade concreta. Reciprocamente, a Requerente pagou o valor de HK$360,000,000.00. A 1.ª testemunha acha que com feita da procuração, a Requerente já adquiriu todos os direitos decorrentes do Terreno e assim, acabou o negócio entre a Requerente e o Requerido. Explicou a 1.ª testemunha que, quer da escritura de mútuo com hipoteca, quer da livrança, todas foram feitas a pedido da Requerente e de C, a fim de melhor salvaguardar os seus direitos. A 1.ª testemunha também disse que, no caso da declaração da caducidade do Terreno, o Requerido não precisa de restituir o preço do negócio.
   No entanto, se como dito pela 1.ª testemunha, caso o negócio acabasse com feita da procuração sobre o Terreno, o Requerido, mesmo perante o pedido da Requerente, pudesse não outorgar a escritura de mútuo, pela qual confessou devedor da Requerente da referida quantia de MOP$370,800,000.00. O Requerido ainda emitiu uma livrança para a Requerente no montante de MOP$396,000,000.00, correspondendo ao valor das obrigações nos termos do contrato de mútuo. Tudo justificou a versão alegada pela Requerente, isto é, o pagamento do preço pelo negócio sobre o Terreno foi configurado como um mútuo e, a Requerente procederia à remissão desse crédito sobre o Requerido caso este cumprisse as suas obrigações decorrentes da promessa de transmissão dos direitos resultantes da concessão do Terreno, quando tal se afigurasse legalmente viável (atendendo às limitações na transmissão de direitos resultantes das concessões de terrenos).
   Não faz sentido que a Requerente pagou o grande valor de HK$360,000,000.00 para comprar uma procuração, pela qual a Requerente apenas pode exercer os poderes em nome do Requerido e os seus efeitos produzem na esfera jurídica deste último. Efectivamente, quer da escritura de mútuo com hipoteca, quer da livrança, são as medidas jurídicas à cautela, para a Requerente, no caso de o Requerido não transmitir os direitos decorrentes do contrato de concessão do Terreno em causa, ou no caso de não ser sucessível transmitir os referidos direitos (atendendo às limitações na transmissão de direitos resultantes das concessões de terrenos).
   Por outro lado, através do depoimento da 1.ª testemunha, mostra-se que, este, como o representante do Requerido ou intermediário das partes nas negociações, de facto, não sabia claramente quais documentos o Requerido já assinou, nem os seus conteúdos, nem os seus efeitos.
   Assim, pode afirmar que o objectivo final da Requerente era de adquirir os direitos decorrentes do contrato de concessão do Terreno em causa. Ou seja, o objectivo do negócio entre a Requerente e o Requerido foi a transmissão dos direitos decorrentes do contrato de concessão do terreno em causa.
   Pelo exposto, conjugando os documentos juntos nos autos, nomeadamente o cheque emitido para o Requerido (fls. 12), a declaração e procuração sobre a Moradia (fls. 13, 14 a 15) e o recibo emitido pelo Requerido (fls. 60), o Tribunal respondeu e dá como provados os factos G. a J.
   Com base do documento constante a fls. 16 a 23 dos autos, ficou provado que o Requerido constituiu uma hipoteca sobre o Terreno a favor da Requerente pelo montante de MOP$370,800,000.00.
   Considerando que alegou a Requerente e provou que o pagamento do preço do negócio foi configurado como um mútuo, apesar de o Requerido confessar devedor da Requerente da referida quantia de MOP$370,800,000.00 na mesma escritura da hipoteca, pode afirmar que, de facto, como invocado pelo Requerido, o mútuo consignado ali nunca foi solicitado nem concedido.
   Tendo em conta o grande preço do negócio e as informações já constantes no registo predial do Terreno, não é possível que a Requerente e C não sabiam que a concessão do terreno dos autos era provisória, não se achando realizado o aproveitamento, cujo prazo expirara em 29 de Junho de 1992, bem como que a concessão caducaria, por extinção do prazo da concessão, em 9 de Novembro de 2015. Destarte consideram-se provados os factos D. e E.
   A 2.ª testemunha, D, amigo e partner nas actividades comerciais do Requerido, negou que foi ou é o empregado do Requerido. Ele disse que comprou a Moradia identificada nos autos pela quantia de HKD$130,000,000.00, tendo pago com fundos próprios o preço indicado na escritura de compra e venda da Moradia. O remanescente do preço no montante de HKD$100,000,000.00 foi pago pela transmissão das acções da uma sociedade que fica nos Estados Unidos da América a favor do filho do Requerido. A testemunha também disse que nunca pediu uma avaliação imobiliária da Moradia.
   De acordo com o depoimento da 2.ª testemunha, D, conjugando os documentos a fls. 33 e 393 dos autos, o Tribunal apenas respondeu e dá como provados os factos M. a O. Isto porque, como o 2.º Réu na acção principal, o seu depoimento é menos credível. Por outro lado, não existe outra prova objectiva, designadamente prova documental, para provar a transmissão das acções alegada.
   Embora que, com base dos documentos a fls. 394 e 436 dos autos, D pediu os documentos autenticados junto da DSSOPT, mas isto não é suficiente para provar os factos 43.º e 44.º alegados na oposição.
   Quanto aos factos alegados na oposição em relação da privação de rendimentos essenciais ao Requerido, as testemunhas prestaram os depoimentos sobre as situações do Requerido, incluindo situações da sua saúde, das despesas correntes mensais e da sua família. A 2.ª testemunha ainda disse que já emprestou ao Requerido centenas de milhares patacas para as despesas correntes mensais, nomeadamente com alimentação, vestuário, água, electricidade, empregada doméstica e medicamentosa, ainda para as despesas da acção.
   No entanto, as testemunhas, como amigos e/ou partner nas actividades comerciais do Requerido, também disseram que não visitaram o Requerido frequentemente. Eles apenas disseram geralmente as situações do Requerido. Quanto às situações concretas, nomeadamente os valores das despesas correntes, de facto, eles não sabem.
   Apesar de a 2.ª testemunha dizer que já emprestou ao Requerido centenas de milhares patacas para as despesas correntes mensais, tendo em conta o seu depoimento menos credível, e de que, excepto dos seus depoimentos, não existe outra prova objectiva, designadamente prova documental, para provar as situações da sua saúde e das despesas correntes mensais, ainda considerando a diferença entre o valor dos bens arrestados e do que o Requerido recebeu pelo negócio do Terreno e venda da Moradia, apenas se consideram não provados os factos alegados na oposição em relação da privação de rendimentos essenciais ao Requerido.
   Por outro lado, com base dos documentos a fls. 412, 413 e 415 etc., não veja a privação de rendimentos estritamente necessários para as despesas da acção ao Requerido.
   No que respeitam aos restantes articulados na oposição, por se tratar de factos conclusivos, de questões de direito, impertinente para o mérito da causa, ou por falta de prova, os mesmos não foram dados como provados…”.
Como se vê, o Tribunal a quo formou a sua convicção não só com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas, mas também com apoio nos documentos juntos aos autos.
Da sua análise não resulta qualquer erro claro de julgamento nem eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, pelo que não assiste razão ao Requerido ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo Tribunal a quo.
2. Do mérito da causa relativo à existência de justo receio da perda de garantia patrimonial:
Sobre esta questão, a sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   No que concerne ao segundo dos requisitos, escreve António Abrantes Geraldes que: “O justo receio da perda de garantia patrimonial está previsto no artº 406° nº 1 do Código de Processo Civil (artº351 do CPCM) e no artº 619° do Código Civil (artº615 do CCM), pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. Este receio é o que no arresto preenche o “periculum in mora” que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares.
   Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia. (...).
   Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva (...)”. - Cfr. A. cit. in Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. IV, p. 175 e 176.
   O receio há-de, pois, ser justificado, fundamentado, apoiado em factos objectivos e concretos que façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, não sendo necessário que a perda da garantia patrimonial se torne efectiva com a demora.
   No caso em apreço, ficou indiciariamente provado, entre os outros, que:
- O remanescente do preço no montante de HK$140,000,000.00 através da entrega da Moradia, pertencente a C, sócio maioritário da Requerente, cfr. se demonstra pela declaração deste datada de 06.11.2013. (facto provado I., facto provado 10. da sentença)
- No âmbito da entrega da Moradia, C outorgou uma procuração a favor do Requerido concedendo-lhe os mais amplos poderes de disposição sobre a mesma, incluindo para vender e receber o respectivo preço. (facto provado J., facto provado 11. da sentença)
- O Requerido constituiu uma hipoteca sobre o Terreno a favor da Requerente pelo montante de MOP$370,800,000.00 (equivalente ao preço adiantado da venda do Terreno). (facto provado K., facto provado 14. da sentença)
- Sucede que, por despacho do Chefe do Executivo de 15.12.2016, foi declarada a caducidade da concessão do Terreno, ditando assim a reversão do Terreno, livre de ónus ou encargos, para a RAEM, o que foi tornado público através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 57/2016, publicado no Boletim Oficial n.º 1/2017. (facto provado 17. da sentença)
- Face à declaração de caducidade, o Requerido nunca efectuou o reembolso do montante pelo qual se confessou devedor no âmbito do mútuo supra mencionado. (facto provado 18. da sentença)
- Em 25.07.2016 o Requerido, no uso da supra mencionada procuração de C e em representação deste, alienou a Moradia a favor de D, pelo montante de MOP30,000,000.00. (facto provado 19. da sentença)
- D pagou com fundos próprios o preço no montante de MOP$30,000,000.00 indicado na escritura de compra e venda da Moradia identificada nos autos, através de duas ordens de caixa e de cheque bancário. (facto provado N.)
   No caso em apreço, resulta assente que o Requerido constituiu uma hipoteca sobre o Terreno a favor da Requerente pelo montante de MOP$370,800,000.00, no entanto, sucede que, por despacho do Chefe do Executivo de 15.12.2016, foi declarada a caducidade da concessão do Terreno referido, ditando assim a reversão do Terreno, livre de ónus ou encargos, para a RAEM. E ficou provado que o Requerido nunca efectuou o pagamento do referido montante. Tudo isto, designadamente a perda da hipoteca do grande valor, já justificou o receio da perda da garantia patrimonial.
   Mais a mais, ficou provado indiciariamente que, no âmbito da entrega da Moradia, como pagamento da parte do preço do negócio sobre o Terreno, no montante de MOP$140,000,000.00, C outorgou uma procuração a favor do Requerido concedendo-lhe os mais amplos poderes de disposição sobre a mesma, incluindo para vender e receber o respectivo preço. E em 25.07.2016 o Requerido, no uso da supra mencionada procuração de C e em representação deste, alienou a Moradia a favor de D, pelo montante de MOP$30,000,000.00, montante esse é muito inferior ao valor de mercado. Isto fortaleceu o receio da perda da garantia patrimonial.
   Não obstante não se ter logrado provar directamente as sérias dificuldades financeiras que o Requerido enfrenta, que põem em crise a garantia patrimonial do crédito da Requerente, dos autos já revelou suficientes factos indiciários que nos permitem concluir pela existência real do periculum in mora, caso não se decrete a presente providência de arresto nos termos e com os limites que se determinará.”
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso e com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim, ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos o recurso nesta parte com os fundamentos invocados na decisão impugnada.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelo Requerido.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 25 de Outubro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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874/2018