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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 05/10/2018 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 836/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar:
- a (1ª) arguida A, como autora material da prática em concurso real de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 e 18° da Lei n.° 17/2009 e art. 67° do C.P.M., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e 1 crime de “consumo de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 5 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, foi esta (1ª) arguida condenada numa pena única de 3 anos e 9 meses de prisão.
- o (2°) arguido B, como autor material da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 7 anos de prisão; (cfr., fls. 337 a 343-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o (2°) arguido B recorreu.

Em sede da motivação do seu recurso, produziu as conclusões seguintes:

“1ª De acordo com o Ac. ora Recorrido não se comprovou que a 1ª arguida através do telemóvel XX comunicou com o C para a aquisição de diferentes espécies de drogas e quantidades.
2ª Mas a mesma declara junto do JIC ter contactado directamente com o tal C para aquisição de drogas e local onde estavam junto a umas ervas em Zhuhai.
3ª Salvo melhor entendimento existe contradição na fundamentação uma vez que não se poderia dar como não provado um facto confessado pela 1ª arguida.
4ª Destas declarações se conclui que a 1ª arguida, viciada em cocaína, antes de conhecer o Recorrente já comprava e consumia com outros.
5ª Por outro lado, o Recorrente de livre e espontânea vontade confessou ter ajudado através de XX a 1ª arguida a fazer pagamentos ao traficante o tal “C” por duas vezes.
6ª A 1ª arguida é que lhe apresentou o tal C, e de acordo com as declarações da 1ª arguida junto do JIC ela é que sabia junto do traficante C onde ir buscar as drogas e onde as encontrar!
7ª E, por outro lado, de toda a prova quer documental quer testemunhal, resulta que a 1ª arguida mente, várias vezes, ao dizer que começou a consumir cocaína com o Recorrente, quando antes já consumia e adquiria com outras pessoas.
8ª Mente ao dizer que não tinha vantagens, então porque transportava e se sujeitava a ser apanhada se podia consumir na China sem cruzar a fronteira?
9ª A 1ª arguida é que vendia e usou o Recorrente para ir vender aos seus amigos que também consumiam.
10ª E, salvo melhor entendimento, esta deveria por toda a prova prozudida, sido a conclusão a retirar, pois, o Recorrente não lucrou em nada, não há montantes, nem forma de individualização de droga em pacotes como é costume de quem vende, nem acusação por utensilagem em virtude.
11ª Nos termos do art.° 65.° do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos.
12ª Se, ponderado todo o circunstancialismo apurado no caso concreto, o tribunal considerar que a medida da pena aplicada ao arguido se revela desproporcionada, é de proceder à redução da pena_Ac. Do TUI n.° 68/2016 de 1/11/2016_ sombreado nosso.
13ª Em face ao Ac. Recorrido e à medida da pena aplicada em concreto, não merece o Recorrente sequer o benefício da dúvida?
14ª Sim, há uma testemunha um, consumidor, amigo da 1ª arguida que usava o XX do Recorrente, e que consomia na Rua e comprou a droga ao Recorrente, será esta declaração plausível?
15ª Porque comprar com o Recorrente se também conhecia a 1ª arguida e que como a testemunha era consumidora?
16ª Cremos entender a solidariedade desta testemunha para com a 1ª arguida!
17ª Mas, sentenciar alguém porque é amigo íntimo de uma consumidora e ajuda-la no que pôde tanto para atenuar o seu consumo como para ajudar, erradamente, mas ainda assim, ajudar a comprar estupefacientes porque a mesma já nem crédito tinha, não será justo atenuar a sua culpabilidade?
18ª Salvo melhor entendimento, pensamos que deveria ter sido de atenuar a conduta do Recorrente como participante neste crime!
19ª É que a viciada e consumidora é a 1ª arguida não o Recorrente!
20ª Donde quem benefecia com o tráfico, venda e consumo, salvo douto e melhor entendimento é a 1ª arguida, que já nem crédito tinha junto do traficante na RPC, por estar já a dever dinheiro!
21ª E, esta é a realidade!
22ª No auto de declarações do Recorrente que consta de fls. 69 a 71 dos autos ora recorridos, consta que no final de 2016 a 1ª arguida passou a ser amiga íntima, sempre soube que a 1ª arguida era consumidora, e em 2017 a 1ª arguida apresentou-lhe a um individuo de nome C, e que este individuo é que lhe vendia droga.
23ª A própria 1ª arguida é que comprava e trazia para a RAEM, mesmo antes de conhecer o Recorrente, e este facto é muito importante para se indagar da cumplicidade, co-autoria, e dolo presente no comportamento do Recorrente_sombreado nosso.
24ª Ajudou a 1ª arguida por duas vezes, através de transferência por XX, no montante aproximado de MOP$10,000.00.
25ª Desconhece se a 1ª arguida recebia dinheiro pelo negócio.
26ª Era namorado da 1ª arguida e quando se conheceram a mesma já era viciada.
27ª O Recorrente aquando da sua detenção a 27/07/2017 cerca das 00H30, prestou declarações que se mostram coerentes, verdadeiras e que se mostram conformes com o art. 65.° do Código Penal ver a moldura penal atenuada”; (cfr., fls. 380 a 398).

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Responderam o Ministério Público e a (1ª) arguida A, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 409 a 410-v e 424 a 429).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“B, mais bem identificado nos autos, recorre do acórdão condenatório de 31 de Julho de 2018, do 1.° juízo criminal, que lhe impôs uma pena de prisão de 7 anos pela prática de um crime de tráfico ilícito de droga da previsão do artigo 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009.
Na motivação e respectivas conclusões imputa àquele acórdão os vícios de contradição insanável na fundamentação, erro notório da apreciação da prova e excessividade da pena, à luz dos parâmetros previstos nos artigos 40.° e 65.° do Código Penal.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, rebatendo os argumentos avançados pelo recorrente.
Vejamos a primeira das questões suscitadas.
Não cremos que ocorra contradição na fundamentação, muito menos insanável.
O recorrente surpreende a alegada contradição na circunstância de se haver dado como não provado que a primeira arguida (A) contactava com um tal “C”, através do XX, para aquisição de diferentes espécies e quantidades de droga, quando é certo que ela confessara, perante o juiz de instrução, que contactou directamente o referido “C”, para aquisição de droga, tendo até identificado o local onde se encontrava o produto, num tufo de ervas, em Zhuhai.
A circunstância de não ter ficado provado que a primeira arguida não contactava “C”, através de XX, para indicar os tipos e a quantidade de droga a comprar, apenas permite concluir isso mesmo, ou seja, que não ficou provado que fosse utilizada por ela aquela forma de contacto com vista à encomenda/aquisição de droga. Nada mais. A não prova deste facto não possui a virtualidade de neutralizar os demais factos apurados, nomeadamente que a primeira arguida contactou pessoalmente o “C”, em Zhuhai, na noite de 24 de Julho de 201 7, do qual obteve informação sobre o local em que deveria recolher uma porção de droga, tal como não é incompatível com a declaração por ela prestada no Juízo de Instrução Criminal a este propósito.
De resto, vigorando no processo penal princípios como os da legalidade e da verdade material, a confissão dos arguidos, podendo ser um elemento de prova a ponderar, não se impõe necessariamente ao julgador, nem o condiciona nos moldes em que tal pode suceder no processo civil.
Não ocorre, pois, a aventada contradição na fundamentação, pelo que improcede este fundamento do recurso.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, será útil recordar que a jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que tal erro pressupõe que a partir de um facto se extraia uma conclusão inaceitável, que sejam preteridas regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou que se violem as regras da experiência ou as leges artis na apreciação da prova – acórdão do Tribunal de Última Instância, de 4 de Março de 2015, exarado no Processo n.° 9/2015.
O que a este propósito o recorrente invoca é irrelevante para caracterizar qualquer erro na apreciação da prova, pois constrói a sua tese no pressuposto de que a primeira arguida mentiu, em vários passos das suas declarações, com o que conseguiu enganar o tribunal, levando-o a dar como provados factos que redundaram em desfavor do recorrente. Na verdade, e em bom rigor, o que o recorrente questiona é a liberdade de apreciação da prova que assiste ao tribunal, pretendendo substituir-se-lhe na apreciação da prova e impor a sua versão, obviamente interesseira. Não pode ser. Aliás, como bem se retira do acórdão recorrido, a condenação do recorrente está respaldada noutros elementos probatórios, inclusive testemunhais, que dão consistência à versão da co-arguida A.
Não se detecta qualquer erro na apreciação da prova, pelo que igualmente improcede este fundamento do recurso.
Finalmente, o recorrente pugna por uma atenuação da pena, deixando no ar uma série de interrogações, que relevam da sua visão pessoal da prova e do seu relacionamento passado com a co-arguida, mas que se revestem de escasso valor jurídico para sustentar a pretendida redução. A pena situou-se num patamar baixo da moldura abstracta, não se vislumbrando justificação ponderosa para a reduzir. Os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não é o caso, pelo que não se mostram violados o princípio da culpa, as finalidades da pena e os critérios da sua determinação.
Improcede também este fundamento subsidiário do recurso.
Ante o exposto, o recurso apresenta-se manifestamente improcedente, pelo que o nosso parecer vai no sentido da sua rejeição ou do seu improvimento”; (cfr., fls. 476 a 477-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 338-v a 340, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o (2°) arguido B recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 7 anos de prisão.

Assaca ao mesmo o vício de “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova”, pedindo também a redução da pena.

Porém, como já se deixou adiantado, apresenta-se manifesta a improcedência das questões que o recorrente traz ao conhecimento deste T.S.I..

Aliás, a Resposta e Parecer do Ministério Público dão já cabal e clara resposta as questões pelo recorrente colocadas, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

–– Comecemos pelos imputados vícios à decisão da matéria de facto.

O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 127/2018, de 19.04.2018, Proc. n.° 66/2018 e de 28.06.2018, Proc. n.° 459/2018).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

Por sua vez, e no que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2017, Proc. n.° 877/2017, de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018 e de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018).

Aqui chegados, evidente se apresenta que de nenhuma “contradição” e/ou “erro” padece a decisão recorrida.

Com efeito, (e face ao sentido e alcance dos assacados “vícios”), mal se compreende a pretensão do ora recorrente.

Como dizer-se que se incorre em contradição insanável da fundamentação “uma vez que não se poderia dar como não provado um facto confessado pela 1ª arguida”, (cfr., concl. 3ª), se o Tribunal não está vinculado a valorar em determinado sentido tal elemento probatório, não estando obrigado a dar como provado qualquer dos factos pela mesma declarados, devendo antes proceder à sua apreciação e decisão de acordo com princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114° do C.P.P.M.?

Por sua vez, como dar-se por verificado qualquer “erro” (notório) se o Tribunal não violou nenhuma norma sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, (que nem o recorrente identifica)?

Ora, como se apresenta evidente, com o seu recurso limita-se o recorrente a querer inverter (ou controverter) a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, insistindo na negação dos factos que lhe eram imputados, mais não fazendo assim do que afrontar o princípio da livre apreciação da prova, o que, como é óbvio, não colhe.

Aliás, vale a pena aqui transcrever a seguinte exposição pelo Tribunal a quo consignada no Acórdão recorrido:

“Durante a audiência de julgamento, a 1.ª arguida A fez declarações em relação aos factos criminosos acusados e às suas condições pessoais e familiares; confirmou os factos criminosos relacionados com ela nos pontos 3 a 9, indicando que ela e o 2.º arguido eram namorados. A pedido do 2.º arguido, trazia "cocaína" de Zhuhai a Macau, e entregava toda a droga ao 2.º arguido, enquanto o 2.º arguido lhe dava uma pequena parte da droga como retribuição, para ela consumir. Disse também que desde 2016, já tinha começado a comprar "cocaína" do "C" para trazer de volta a Macau, para o seu consumo próprio; que ela não vendia a droga ou a colocava à disposição de outrem. Disse também que como a conta bancária do 2.º arguido não era utilizável, a pedido do 2.º arguido, depois de receber dinheiro em numerário do 2.º arguido, transferia o dinheiro da conta do "XX" dela para a conta do "XX" do 2.º arguido. Mas não sabia como é que o 2.º arguido usava o dinheiro. Desta vez, o 2.º arguido disse-lhe que era mais fácil para uma mulher atravessar a fronteira com drogas, portanto aceitou ajudar o 2.º arguido transportar a droga para Macau. O 2.º arguido tinha o hábito de consumir "cocaína" e ela tinha visto 2 ou 3 vezes que o 2.º arguido fornecia droga a outrem em Macau. Como as declarações feitas pela arguida A foram obviamente diferentes de uma parte das declarações feitas por ela no juízo de instrução criminal, foi lido nos termos legais o parágrafo 9 a fls. 48 das declarações feitas pela arguida no juízo de instrução criminal.
Durante a audiência de julgamento, o 2.º arguido B fez declarações em relação aos factos criminosos acusados e às suas condições pessoais e familiares; disse que nem tinha traficado nem consumido drogas. Disse também que tinha recebido da 1.ª arguida RMB5000,00 e RMB4500,00 e depois tinha ajudado a 1.º arguida a transferir o dinheiro ao "C", que na altura não sabia que a 1.ª arguida comprava drogas do "C". Disse também que para evitar que a mulher dele entendesse mal, tinha o hábito de apagar o registo de comunicação no telefone com as outras mulheres. Como as declarações feitas pelo arguido B foram obviamente diferentes de uma parte das declarações feitas por ela no juízo de instrução criminal, foram lidos nos termos legais os parágrafos 7 e 8 a fls. 104v e os parágrafos 1, 2, 5 a fls. 105 das declarações feitas pelo arguido no juízo de instrução criminal.
Durante a audiência de julgamento, a testemunha C prestou depoimento em relação àquilo que sabia. Disse que em 2017 tinha comprado 4 ou 5 vezes "cocaína" do 2.º arguido B.
Durante a audiência de julgamento, as testemunhas D e E relataram o processo da revista à 1.ª arguida A.
Durante a audiência de julgamento, as testemunhas F, G, H relataram o processo da investigação do caso. F disse sobretudo que A tinha cooperado com a polícia e tinha prestado auxílio activamente.
Durante a audiência de julgamento, as testemunhas I e J (respectivamente, a irmã mais jovem e a mãe da 1.ª arguida) prestaram depoimento em relação àquilo que sabiam. Disseram sobretudo que a condição económica de A era normal, enquanto B era o namorado de A.
Os relatórios de exame: constam da fls. 138 a 143, e da fls. 151 a 155.

Em relação ao "crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas", as declarações dos 2 arguidos quanto aos factos criminosos acusados não se coadunam. Apesar da negação do crime acusado por B, o registo de telefone de B mostra que ele transferiu dinheiro directamente ao vendedor de drogas "C" mencionado por A; e a testemunha C indicou que por várias vezes B lhe tinha vendido droga "cocaína"; disso pode-se ver que B tinha ocultado os factos de propósito para ser absolvido. Pelo contrário, A tem cooperado sempre com a polícia; o depoimento dela mostra-se mais conforme a verdade. Conjugando isto com o resultado da investigação pela polícia e os relatórios de exame, este tribunal entende que existem provas suficientes para provar os factos criminosos importantes constantes da acusação aqui em causa.
Em relação ao "crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas", tendo em conta que A já confirmou os factos criminosos, este tribunal entende que existem provas suficientes para provar os factos criminosos importantes constantes da acusação aqui em causa.

Depois da análise objectiva e sintética feita às declarações prestadas pelos 2 arguidos e ao depoimento das testemunhas, conjugando isso com as provas documentais e os objectos apreendidos examinados durante a audiência de julgamento, em conformidade com a experiência comum, este tribunal colectivo deu como provados os factos acima referidos”; (cfr., fls. 455 a 458).

Perante esta exposição do Colectivo a quo quanto aos motivos da sua convicção, nada mais se mostra de dizer sobre os imputados vícios, sendo pois de se dar a matéria de facto como definitivamente fixada.

–– Passemos agora para a “pena”.

Também aqui, pouco há a dizer.

Com efeito, atenta a factualidade dada como provada, as fortes necessidades de prevenção criminal, e a moldura penal aplicável ao crime de “tráfico”, (5 a 15 anos de prisão), evidente se apresenta que o Tribunal a quo não se excedeu na fixação da pena concreta, apresentando-se esta em total conformidade com os critérios legais previstos no art. 40° e 65° do C.P.M..

Dest’arte, e tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 05 de Outubro de 2018
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