Processo n.º 89/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Fapamac Fábrica de Papel (Macau) S.A.R.L.
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Data da conferência: 21 de Novembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Despejo do terreno
- Audiência prévia de interessados
SUMÁRIO
1. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 93.º do Código de Procedimento Administrativo, a audiência prévia de interessados tem lugar após a conclusão da instrução do procedimento administrativo.
2. Com a declaração de caducidade da concessão, há de proceder ao despejo do terreno que tem sido ocupado pelo concessionário, desocupação esta que é uma decorrência normal e necessária daquela decisão.
3. Depois da declaração de caducidade da concessão, normalmente não há necessidade de proceder novamente à instrução nem à audiência de interessados antes da decisão de despejo.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
Fapamac Fábrica de Papel (Macau) S.A.R.L., melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Setembro de 2017, que ordena a desocupação do terreno, com a área de 1800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22135, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, designado por lote “SG1”, cujo contrato de concessão por arrendamento tinha sido declarado caducado por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 8 de Novembro de 2016.
Por Acórdão proferido em 21 de Junho de 2018, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso.
Inconformada com a decisão, vem agora a Fapamac Fábrica de Papel (Macau) S.A.R.L. recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. O despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Setembro de 2017, exarado sobre a Proposta n.º 366/DSO/2017, de 14 de Setembro, que ordena a desocupação do terreno, com a área de 1800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22135, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, designado por lote “SG1”, no prazo de 60 dias, com a remoção de todos os bens móveis que se encontram naquele terreno, tais como equipamentos e materiais de construção.
II. A ora Recorrente impugnou contenciosamente contra este despacho de despejo.
III. O Acórdão recorrido apreciou 3 vícios imputados ao acto, nomeadamente, 1) vício de forma por falta de audiência prévia de interessados, 2) vício de forma por falta de fundamentação, e 3) vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade.
IV. Em matéria de vício de forma por falta de audiência prévia de interessados, entende o Tribunal a quo que o despacho de despejo não é necessário ouvir o interessado para se pronunciar de novo sobre uma solução que automaticamente emerge da determinação administrativa primária e prévia e sobre a qual já a recorrente tinha vertido impugnação contenciosa.
V. Ora, se se apreciar a necessidade ou não de cumprir uma exigência legal prevista no artigo 93.º do Código de Procedimento Administrativo, isto é uma matéria do poder discricionário que devia ter algum suporte legal que determina tal faculdade e os seus limites.
VI. O artigo 93.º do Código de Procedimento Administrativo, em si não prevê qualquer faculdade para tal, nem em nenhuma norma legal assim o permite.
VII. O citado preceito legal apenas prevê excepções à esta regra de audiência prévia de interessados, nomeadamente, nos artigos 96.º e 97.º do mesmo diploma.
VIII. O Código de Procedimento Administrativo não dá à Administração a faculdade de decidir sobre a oportunidade da audiência prévia. É a lei que determina quando tem lugar a audiência, por isso ao tribunal a quo apenas compete verificar se existam os requisitos que podem determinar a sua omissão.
IX. O douto Acórdão interpretou o artigo 93.º do CPA, no sentido de que existe tal margem de apreciação sobre a necessidade ou não ao cumprimento deste preceito legal.
X. Ao vulgarizar-se a não audiência dos interessados é adoptada uma alteração dos princípios do direito administrativo, o que consubstancia uma intolerável violação do direito da audiência prévia.
XI. O que o Tribunal a quo devia apreciar é legalidade do acto se ferme de vício ou não sobre tal omissão, ou seja, devia apreciar se verifica pressupostos para a excepção à regra, mas não devia apreciar a necessidade para justificar a omissão.
XII. O Acórdão recorrido viola e aplica erradamente lei substantiva, em especial n.º 1, do artigo 93.º do CPA, tudo justificativo da sua revogação.
Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido.
E o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.
2. Factos
Nos autos dão-se como assentes os seguintes factos:
1 - Por despacho do Chefe do Executivo, de 8 de Novembro de 2016, tornado público pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 49/2016, publicado no Boletim Oficial n.º 47, II Série, de 23 de Novembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 1800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22135, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van.
2 - A ora Recorrente interpôs recurso contencioso contra esse despacho do Chefe do Executivo em 22 de Dezembro de 2016, que corre termos neste Tribunal de Segunda Instância sob o Proc. n.º 17/2017.
3 - No dia 14/09/2017 foi lavrada a seguinte Proposta n.º 366/DSO/2017:
Proposta N.º: 366/DSO/2017
Data: 14/09/2017
Assunto: Despejo do terreno, com a área de 1 800 m2, designado por lote “SG1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.º 22135 a fls. 88v no verso do livro B111A, cuja concessão foi declarada caduca, por despacho do Chefe do Executivo de 08 de Novembro de 2016. (Proc. n.º 8121.02)
l. Por despacho do Chefe do Executivo, de 08 de Novembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 1 800 m2, designado por lote “SG1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.º 22135 a fls. 88v do livro B111A, a que se refere o Processo n.º 7/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 29 de Fevereiro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho (Anexo 1).
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do STOP n.º 49/2016, no Boletim Oficial da RAEM n.º 47, II Série, de 23 de Novembro de 2016, e o respectivo ofício de notificação n.º 371/DAT/2016 de 25 de Novembro de 2016 já foi recebido pela “Fapamac Fábrica de Papel (Macau) S.A.R.L.” em 30 de Novembro de 2016 (Anexo 2).
3. Devido à indefinição do limite do terreno e no local estão armazenados vários materiais, e após várias inspecções realizadas pelos funcionários destes Serviços, em 07 de Setembro de 2017, foi confirmado que no interior do terreno existem alguns automóveis estacionados, máquinas de construção, materiais de construção, barracas de ferro, resíduos sólidos e lixo. Não sabemos quem são os proprietários dos referidos automóveis (Anexo 3).
4. Enfrentando o seguimento de caducidade da concessão, deve considerar-se o seguinte:
4.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do mesmo código;
4.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do «Código do Processo Administrativo Contencioso» aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M de 13 de Dezembro, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
4.3. Assim sendo, quer interponha o recurso contencioso quer não, a ordem emitida pela Administração tem de ser executada;
4.4. Com base no n.º 2 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras», o despejo processa-se nos termos e com as necessárias adaptações do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto «Regulamento Geral da Construção Urbana» (RGCU);
4.5. Os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210.º da «Lei de terras».
5. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da «Lei de terras» e com o artigo 55.º do RGCU, submete-se a presente proposta à consideração superior, a fim de:
5.1. Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da “Fapamac Fábrica de Papel (Macau) S.A.R.L.”, do terreno com a área de 1 800 m2, designado por lote “SG1”, situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.º 22135 a fls. 88v do livro B111A, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 08 de Novembro de 2016, devendo demolir todas as construções existentes no local, tais como construções em estrutura metálica e chapas de ferro, removendo também todos os automóveis, máquinas de construção, materiais de construção, resíduos sólidos e lixo que se encontram no interior do terreno.
Caso não se execute no referido prazo de 60 dias,
5.2. A DSSOPT irá executar coercivamente o referido despejo de acordo com o artigo 56.º do RGCU.
À consideração superior
O Técnico Superior
Chan Leong Fat
3. Direito
No recurso jurisdicional, imputa a recorrente apenas o vício de violação e aplicação errada de lei, em especial o art.º 93.º n.º 1 do CPA, invocando a omissão da audiência de interessados.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Ora, é verdade que não se constata nos autos que se procedeu à audiência da recorrente antes de tomar a decisão de despejo.
No entanto, a audiência prévia da ora recorrente antes da decisão de despejo não configura uma formalidade essencial e necessária.
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 93.º do CPA, “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
A audiência prévia de interessados tem lugar após a conclusão da instrução, o que permite dizer que só nos casos em que haja lugar a instrução é que a lei manda ouvir os interessados antes da decisão final.
Rigorosamente, há sempre instrução, que faz parte de toda a marcha do procedimento administrativo, antes da declaração de caducidade da concessão do terreno, não já não depois dessa declaração e antes da decisão de despejo.
Nos termos da al. 1) do n.º 1 do art.º 179.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), o despejo do concessionário é ordenado quando se verifique a declaração da caducidade da concessão.
Na realidade, com a declaração de caducidade da concessão, há de proceder ao despejo do terreno que tem sido ocupado pelo concessionário, desocupação esta que é uma decorrência normal e necessária daquela decisão.
Assim sendo, não há necessidade de proceder novamente à instrução, o que torna desobrigatória a audiência de interessados antes de ser tomada a decisão de despejo, que é um acto vinculado.
De facto, não se vislumbra qual a utilidade e necessidade da audiência prévia à decisão de despejo, sendo que a decisão não ficaria em nada afectada pela audiência do concessionário.
E uma vez concluído pela inutilidade da audiência prévia, não há necessidade de falar nas excepções à regra de audiência prévia de interessados, previstas nos art.ºs 96.º e 97.º do CPA.
Sobre a mesma questão ora colocada, recentemente este Tribunal de Última Instância também já se pronunciou no seguinte sentido:1
“… o acto administrativo que afectou os direitos da recorrente foi o acto anterior, do Chefe do Executivo que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno em causa e este acto foi precedido de audiência da interessada, a ora recorrente.
O despejo do terreno é uma mera consequência inelutável do acto que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno, pelo que não tinha de haver nova audiência da interessada.
Nos termos do n.º 1 do artigo 93.º do CPA, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Ora, a interessada foi ouvida no procedimento antes da decisão final que declarou a caducidade da concessão.
Improcede a questão suscitada.”
Não é de alterar tal posição, pelo que se deve concluir pela improcedência do vício imputado pela recorrente.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 5 UC.
Macau, 21 de Novembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
1 Cfr. Acórdãos de 22 de Novembro de 2017 e de 30 de Maio de 2018, nos Processos n.º 39/2017 e n.º 42/2018.
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