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Processo nº 390/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 04 de Outubro de 2018

ASSUNTO
- Caso decidido da Administração
- Erro nos pressupostos de facto

SUMÁRIO
- O caso decidido da Administração só tem efeito no próprio procedimento administrativo sancionatório, isto é, os efeitos da decisão administrativa que forma caso decidido, consolidam-se na esfera jurídica do visado, sendo insusceptível de impugnação só naquele procedimento administrativo (salvo o meio processual de revisão de decisões previsto no artº 119º do CPAC).
- A punição administrativa consolidada pode eventualmente constituir, máxime, presunção ilidível da existência dos factos integrativos de tal sancionamento administrativo.
- Assim, nada obsta ao interessado fazer contraprova da inexistência de tais factos noutro procedimento administrativo.
- Segundo registo das entradas e saídas da Recorrente na RAEM fornecido pelos Serviços de Migração da PSP, ela só se deslocou a RAEM por 30 vezes, no total de 61 dias num período de 2 anos (01/01/2014 a 31/12/2015), sendo cada estadia normalmente apenas 2 dias (com excepção da estadia ocorrida no dia 07/04/2015, que era de 4 dias).
- Ora, com este dado objectivo, acreditamos que a presença ocasional da Recorrente na RAEM visa simplesmente para a prestação de serviços de formação e de controlo de qualidade e de fiscalização, legalmente permitida nos termos da al. 1) do nº 1 do artº 4º do Regulamento Administrativo nº 17/2004.
O Relator,

Ho Wai Neng

















Processo nº 390/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 04 de Outubro de 2018
Recorrente: B
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
B, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança de 07/02/2017, pelo qual se determinou aplicar-lhe uma medida de interdição de entrada por um período de 3 anos, concluíndo que:
A. O presente recurso tem por objecto o acto pelo qual o Exmo. Senhor Secretário para Segurança, em despacho datado de 7 de Fevereiro de 2017, negou provimento ao recurso hierárquico necessário interposto pela ora Recorrente contra a decisão proferida pelo Exmo. Senhor Comandante de Corpo de Polícia de Segurança Pública de aplicação, que aplicou à ora Recorrente a medida de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 3 anos.
B. No entendimento da ora Recorrente, o acto recorrido padece dos vícios de
i) erro nos pressupostos de facto e respectiva qualificação jurídica;
ii) erro na interpretação da lei; e
iii) violação do princípio da proporcionalidade.
C. A decisão recorrida não apreciou devidamente os factos relevantes e dá eco a uma errada interpretação da lei.
A aplicação de uma medida de interdição de entrada pelo período de três anos à ora Recorrente se mostra manifestamente desproporcional ou desequilibrada, em face das circunstâncias do caso concreto e da medida do interesse público que, com tal medida, se visa proteger.
D. A decisão recorrida não estava vinculada ao julgado da decisão da DSAL de punição da Recorrente em multa por trabalho ilegal, nem da decisão do CPSP de revogação de autorização de permanência pelos mesmos factos, quanto à existência de situação de trabalho ilegal no caso sub judice.
E. A decisão recorrida deveria ter apreciado devidamente os factos e, nesse caso, deveria ter concluído pela inexistência de uma situação de emprego ilegal.
F. A conduta da ora Recorrente reúne os requisitos do disposto no artigo 4.°, n.° 1, al. 1) do Regulamento Administrativo 17/2014, em cuja estatuição cabem, não apenas as situações exemplificativamente elencadas no corpo da referida norma, mas, também, quaisquer outras que se qualifiquem como ocasionais e determinadas.
G. A decisão recorrida desconsidera, violando-o, artigo 4.º, n. ° 1, al. 1) do Regulamento Administrativo 17/2014.
H. Não existindo uma situação de emprego ilegal, não estavam verificados os pressupostos para revogação da autorização de permanência da ora Recorrente e, em consequência, não estavam preenchidos os pressupostos para aplicação da medida de interdição, do artigo 12.°/2, 2) da Lei 6/2004.
I. A medida de interdição de entrada prevista no artigo 12º da Lei 6/2004 constitui uma medida de polícia, exercida sob a forma de uma medida administrativa de segurança, através da qual o legislador confere à Administração um meio de actuação com vista a (sic) "salvaguardar um certo padrão social de ordem e tranquilidade públicas sob forma de reacção a uma atitude comportamental de alguém que não se dobrou às regras de convivência societária ".
J. A aplicação da medida de interdição de entrada, não basta que se tenha verificado (i) o requisito da existência de uma situação de trabalho ilegal que deu origem à revogação de permanência, sendo, ainda, necessário verificar-se o (ii) requisito de que a mesma se funde na existência de um perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas.
K. A medida de interdição de entrada tem que fundar-se necessariamente na existência de razões concretas e próprias que justifiquem que os mesmos não devam, por determinado período de tempo, entrar na RAEM
L. Tais razões não podem resultar, singelamente, do facto de a ora Recorrente ter (alegadamente) prestado trabalho ilegal na RAEM (o que, de todo o modo, não se aceita): mesmo que tal se tivesse verificado (o que não se concede), de tal facto não resulta, sem mais, necessária e/ou automaticamente, qualquer perturbação para a ordem ou a tranquilidade pública.
M. No caso dos autos razão alguma, do ponto de vista do interesse público, se verifica no presente caso que possa justificar a aplicação de tal medida à ora Recorrente.
N. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 12º da Lei 6/2004.
O. A Lei n.º 6/2004 não estabelece qualquer limite mínimo nem máximo para o período de interdição de entrada, nem o mesmo pode ser extraído, para efeitos dos presentes autos, da Lei da Criminalidade Organizada.
P. O juízo quanto à proporcionalidade da medida de interdição de entrada não pode fazer-se por mera comparação entre o período aplicado e o respectivo limite máximo.
Q. Ao contrário, prevê o artigo 12°, n.º 4 da Lei n.º 6/2004 que "o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam".
R. Nos termos do artigo 5º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, "as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar".
S. O princípio de proporcionalidade constitui os limites internos do exercício do poder discricionário, por força do qual, a medida de interdição de entrada tem de ser idónea ou adequada, sendo capaz de conduzir ao objecto que se visa; necessária, sendo, entre as medidas idóneas, aquela menos lesiva; e proporcional ou equilibrada, sendo aceitável em função de sacrifícios e benefícios.
T. A Entidade Recorrida não crivou a medida de interdição luz de tal princípio e limites, tendo preferido, ao invés, aleatoriamente invocado uma diferença aritmética entre a medida aplicada e um suposto (mas inexistente ou, pelo menos, inaplicável ao caso concreto) limite "legal" de 10 anos, o que é legalmente infundado.
U. O período de interdição de 3 anos é proporcional à gravidade, perigosidade e censurabilidade dos actos da Recorrente.
V. A aplicação de tal medida pelo período de três anos, mostra-se manifestamente desproporcional e desequilibrada, em violação do disposto no artigo 12.°/2, 2) e 4 da Lei 6/2004 e do artigo 5.°/2 do Código do Procedimento Administrativo.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 121 a 130 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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A Recorrente apresentou as alegações facultativas, mantendo na sua essência, a posição assumida na petição inicial.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “Na petição inicial e nas alegações de fls.179 a 199 dos autos, a recorrente solicitou a anulação do despacho recorrido que lhe tinha aplicado a interdição de entrada no período de três anos, invocando sucessivamente o erro nos pressupostos de facto, o erro na interpretação da Lei e, afinal, a violação do princípio da proporcionalidade.
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   Repare-se que o art.12° do Regulamento Administrativo n.º14/2004 bem como o art.34° da Lei n.º21/2009 atribuem ao Director da DSAL a competência para determinar a qualificação jurídica da prestação de trabalho sem devida autorização e a graduação da sanção aplicável.
   Bem, de acordo com o disposto na alínea 1) do n.º1 do art.11° da Lei n.º6/2004, a autorização de permanência na RAEM pode ser revogada quando a pessoa não residente trabalhar na RAEM sem estar autorizada para tal. E a alínea 2) do n.º2 do art.12° desta Lei prevê que pode ser decretada a interdição de entrada às pessoas a quem tenha sido revogada a autorização de permanência nos termos do n.º1 supra referido.
   Interpretando o verbo «pode» em conformidade com as doutrinas e jurisprudências pacíficas, podemos extrair que são discricionários os poderes atribuídos pelos sobreditos dois segmentos legais ao Chefe do Executivo que os delegou no Secretário para a Segurança (art.1° da Ordem Executiva n.º111/2014 e art.4º, n.º1, do Regulamento Administrativo n.º6/l999).
   Nesta medida, os despachos punitivos proferidos pelo Director da DSAL ao abrigo do disposto nos arts.9° a 12° do referido Regulamento Administrativo e nos arts.32° a 34° da lei n.º21/2009 não vincula o Secretário para a Segurança. O que quer dizer que este não fica obrigado a aplicar interdição de entrada aos indivíduos não residentes que tenham sido punidos pelo Director da DSAL por terem cometido infracção administrativa de trabalho ilegal ou de trabalho sem devida autorização.
   Porém, importa ter presente que o Secretário para a Segurança não tem competência para combater ou sancionar tralho ilegal, daqui decorre que por força do princípio da legalidade, o Secretário para a Segurança não se dispõe da competência para determinar se alguém tenha incorrido na infracção administrativa de trabalho ilegal lato sensu.
   Convém também sublinhar que não se descortina disposição legal ou regulamentar que atribua ao Secretário para a Segurança algum poder de direcção ou supervisão sobre o Director da DSAL. O que nos conduz a entender que o Secretário para a Segurança não dispõe da competência para questionar ou revogar os casos decididos formados pelos actos nos quais o Director da DSAL qualifique urna certa conduta na infracção de trabalho ilegal ou de prestação de trabalho sem devida autorização, mas pode tomá-los como pressuposto para os devidos efeitos.
   No caso sub judice, a recorrente reconheceu, nos arts.56° e 57° da petição, que tinha pago, de imediato, espontaneamente e sem reserva, a multa de MOP$5,000.00 aplicada pela Chefe substituta do Departamento de Inspecção de Trabalho da DSAL, que imputou à recorrente a prática duma infracção administrativa p.p. pelo preceito na alínea 1) do n.º5 do art.32° da Lei n.º21/2009 (doc. de fls.100 a 104 dos autos).
   Independentemente de esse pagamento da recorrente da dita multa constituir ou não a aceitação consagrada no art.34° do CPAC, o certo é que tal pagamento faz com que o sobredito despacho punitivo da Chefe substituta do Departamento de Inspecção de Trabalho da DSAL se forme caso decidido e se consolide na ordem jurídica, tornando-se indiscutível que a recorrente praticou prestação de trabalho sem autorização p.p. pelo disposto na alínea 1) do n.º5 do art.32° da Lei n.º21/2009.
   Nesta linha de consideração, inclinamos a entender ser sustentável e plenamente aplicável ao presente caso o douto raciocínio no sentido de que «因此,不論上訴人在本案中所陳述的是否屬實,其於......被發現在本澳非法工作的事實,已不能在本上訴中提出爭議,理由在於上訴人已自願繳交了勞工事務局對有關違法行為的罰款,且沒有適時就有關處罰行為提出申訴,等同於承認作出了有關違法行為。» (vide Acórdão do TSI de 17/11/2011 no Processo n.º759/2010)
   Nestes termos, e sem embargo do respeito pela opinião diferente, opinamos que o acto atacado nestes autos não eiva do erro nos pressupostos de facto, nem do erro na interpretação da Lei, sob pena de exigir ao Secretário para a Segurança o que ele não tem competência de fazer.
   A jurisprudência autorizada vem asseverando que ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.º13/2012 e n.º112/2014)
   E vale ainda ter presente que a jurisprudência de Macau tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade por parte da Administração só deve ter lugar quando as decisões o violem de modo intolerável (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º62/2015).
   Em plena conformidade com tais prudentes orientações jurisprudenciais, inclinamos a entender que o período de três anos fixado no acto recorrido para a interdição de entrada aplicada à recorrente não infringe o princípio da proporcionalidade.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso. ”
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. A ora Recorrente é residente na Região Administrativa Especial de Hong Kong e tralhadora da Sociedade XXXXX Limited, com sede em Hong Kong (doravante designada por “XXXXX Limited (Hong Kong)”, que pertence ao “Grupo XXXXX”.
2. A ora Recorrente, trabalha para o Grupo XXXXX desde 01 de Agosto de 1994 e, ocupava, à data dos factos (08 de Abril de 2015), o cargo de “Assistant Retail Manager”, exercendo funções de supervisão da loja do Grupo localizada no Centro Comercial do Edificio “...... Centre” em Hong Kong.
3. A actividade do Grupo XXXXX consiste na promoção, distribuição e venda a retalho de produtos de várias marcas de luxo, entre as quais se contam os produtos da marca “###”.
4. Em Janeiro de 2014, a sociedade XXXXX Macau Limitada abriu o seu primeiro estabelecimento de venda a retalho de produtos acessórios para o cabelo da marca ### em Macau, na loja n° ***, “Grand Canal Street”, do centro comercial do denominado “Venetian Macau Resort Hotel”.
5. Desde a sua abertura e até ao seu encerramento em Abril de 2015, a XXXXX Macau Limitada dispunha de um quadro de pessoal trabalhador na referida loja constituído por cerca de 4 a 5 trabalhadores residentes em Macau, alguns dos quais apenas trabalharam na referida loja durante alguns meses, tendo-se verificado várias entradas e saídas de pessoal durante esse período.
6. Por essa razão e, bem assim, pela normal inexperiência e desconhecimento por parte dos trabalhadores residentes recém-contratados relativamente aos produtos comercializados, a XXXXX Macau Limitada celebrou, em 01 de Abril de 2014, um contrato com a sociedade XXXXX Limited (Hong Kong) para lhe solicitar apoio e serviços técnicos com vista a assegurar o bom funcionamento da sua actividade comercial.
7. Nos termos do referido contrato:
i) a XXXXX Limited (Hong Kong) obrigava-se a destacar ocasionalmente para Macau trabalhadores seus para prestar à XXXXX Macau apoio técnico e serviços relacionados com o recrutamento, supervisão e formacão das funcionárias locais;
ii) a sociedade XXXXX Limitada Macau obrigava-se a suportar as despesas de transportação, alimentação e alojamento do(s) trabalhador(es) enviado(s) pela sociedade XXXXX Limited (Hong Kong).
8. O termo inicial do referido contrato era de 01 de Abril de 2014 a 31 de Março de 2015.
9. Para o cumprimento do referido contrato, a XXXXX Limited (Hong Kong) destacou a ora Recorrente para prestação ocasional de serviços técnicos à sociedade XXXXX Macau Limitada, atenta a sua longa experiência profissional de 20 anos que trabalhou para o Grupo XXXXX.
10. Em face da contínua necessidade dos referidos serviços, a XXXXX Limited (Hong Kong) e a XXXXX Macau Limitada procederam à renovação do contrato referido no artigo 14° por mais um ano.
11. Tendo bem assim, sido formalizados os termos adicionais para os serviços a prestar pela Recorrente à XXXXX Limitada (Macau).
12. Nessa medida, durante os anos de 2014 e 2015, a ora Recorrente deslocou-se ocasionalmente a Macau, normalmente nunca superior a 2 dias, após o que regressava imediatamente a Hong Kong, para o seu local de trabalho.
13. No período entre 01 de Janeiro de 2014 e 31 de Dezembro de 2015 - ou seja, 2 anos - a ora Recorrente permaneceu em Macau apenas 61 dias.
14. A Recorrente não impugnou a decisão do Chefe do Serviço de Migração da PSP, de 09 de Abril de 2015, que revogou a sua autorização de permanência.
15. Do mesmo modo, a Recorrente também não impugnou a decisão proferida pela DSAL, de 24 de Junho de 2015, que concluiu que ela se encontrava a trabalhar ilegalmente em Macau, tendo-lhe aplicado o pagamento de uma multa no valor de MOP$5.000,00.
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IV – Fundamentação
Para a Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
- erro nos pressupostos de facto;
- erro na interpretação da lei; e
- violação do princípio da proporcionalidade.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
1. Do erro nos pressupostos de facto:
Entende a Recorrente que o acto recorrido considerou erradamente que ela tinha trabalhado ilegalmente na RAEM.
A primeira questão que se coloca é justamente a de saber se a Recorrente, tendo pago voluntariamente a multa aplicada pelo facto de ter trabalhado ilegalmente na RAEM, pode ou não impugnar tal facto no procedimento administrativo respeitante à sua interdição de entrada.
Temos decidido no sentido negativo por atribuir os mesmos efeitos do caso julgado da decisão judicial ao caso decidido da Administração (cfr. Ac. do TSI de 17/11/2010, Proc. nº 759/2010).
No entanto, melhor ponderando com o decurso do tempo, achamos que a posição assumida não é correcta, uma vez que o caso decidido da Administração não pode ter os mesmos efeitos do caso julgado da decisão judicial.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o procedimento administrativo sancionatório difere-se do procedimento penal, sendo neste último o arguido é sempre assistido pelo defensor oficioso ou constituído perante o órgão judicial, o que já não acontece no primeiro, cuja assistência pelo advogado é facultativa.
Assim, não é de estranhar admitir que a condenação judicial definitiva constitui caso julgado em relação ao próprio condenado no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da sua punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, para além dos efeitos penais.
No mesmo entendimento, veja-se o Ac. deste TSI de 17/05/2018, Proc. nº 883/2016.
Quanto ao caso decidido da Administração, este só tem efeito no próprio procedimento administrativo sancionatório, isto é, os efeitos da decisão administrativa que forma caso decidido, consolidam-se na esfera jurídica do visado, sendo insusceptível de impugnação (salvo o meio processual de revisão de decisões previsto no artº 119º do CPAC), só naquele procedimento administrativo.
A punição administrativa consolidada pode eventualmente constituir, máxime, presunção ilidível da existência dos factos integrativos de tal sancionamento administrativo.
Assim, nada obsta ao interessado fazer contraprova da inexistência de tais factos noutro procedimento administrativo.
Resolvida esta questão preliminar, vamos analisar se o acto errou nos pressupostos de facto.
Segundo registo das entradas e saídas da Recorrente na RAEM fornecido pelos Serviços de Migração da PSP (fls. 83 e 84 dos autos), ela só se deslocou a RAEM por 30 vezes, no total de 61 dias num período de 2 anos (01/01/2014 a 31/12/2015), sendo cada estadia normalmente apenas 2 dias (com excepção da estadia ocorrida no dia 07/04/2015, que era de 4 dias).
Ora, com este dado objectivo, achamos difícil concluir que a Recorrente trabalhou ilegalmente na RAEM.
Pois, como vendedora no estabelecimento de venda a retalho de produtos acessórios para o cabelo da marca ### em Macau, na loja nº *** do Centro Comercial de Venetian Macau Resort Hotel, tal como foi imputada no acto punitivo da DSAL, a Recorrente deveria, de acordo com a experiência da vida comum, permanecer na RAEM com duração prolongada e estável.
No entanto, a sua forma de estadia na RAEM aponta justamente no sentido contrário, revelando que só se deslocava ocasionalmente a RAEM.
Nesta conformidade, acreditamos que a presença ocasional da Recorrente na RAEM visa simplesmente para a prestação de serviços de formação e de controlo de qualidade e de fiscalização, legalmente permitida nos termos da al. 1) do nº 1 do artº 4º do Regulamento Administrativo nº 17/2004.
Face ao expendido, é de anular o acto recorrido por existir erro nos pressupostos de facto.
2. Dos restantes alegados vícios:
Face à decisão supra, torna-se desnecessária a apreciação dos demais vícios alegados.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
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Sem Custas, por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 04 de Outubro de 2018.

(Relator) Fui presente Ho Wai Neng Joaquim Teixeira de Sousa

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
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