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Proc. nº 179/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 11 de Outubro de 2018
Descritores:
- Deliberações sociais
- Impugnação
- Suspensão da instância

SUMÁRIO:

I - Quando o autor impugna a deliberação social de uma assembleia-geral da sociedade de que é membro, o que está em causa na acção é, intrinsecamente, a avaliação da legalidade das deliberações, é a apreciação da validade substantiva da decisão societária, ao passo que a suspensão da instância por ele mesmo pedida nos autos, com fundamento na existência de outro processo com idêntico objecto, apenas tem reflexo adjectivo no andamento processual. São coisas distintas e independentes.

II - Também não obsta à suspensão da instância a circunstância de a sociedade ter, entretanto, dado execução às deliberações impugnadas.

Proc. nº 179/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
B, aliás B1, casado no regime de comunhão de adquiridos, residente em Macau, na Alameda ......, n.º ..., ...... Court, ..., R/C, ------
Instaurou no TJB (Proc,. nº CV1-17-0026-CAO)----
Acção de impugnação de deliberações sociais contra ----
COMPANHIA DE CONSTRUÇÃO E FOMENTO PREDIAL C, LIMITADA, sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXX (SO), com o capital social de MOP$100,000.00 e com sede social em Macau, na Rua ……, n.º ..., Centro Comercial ......, ....º andar, compartimento …, Macau (......堂...號......商業中心...樓...室), ----
Pedindo a anulação e a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral da sociedade demandada, nos termos aqui dados por reproduzidos.
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Após contestação e réplica, veio o autor requerer a suspensão da instância até que fosse decidida definitivamente a questão dos autos ali pendentes, e em fase mais adiantada, com o nº CV2-17-0038-CAO.
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Este pedido foi deferido por despacho de fls. 264 dos autos.
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A ré interpôs recurso jurisdicional deste despacho, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“ a. O recurso tem como objecto a decisão feita pelo Juiz do tribunal a quo no dia 13 de Outubro de 2017, que suspendeu o processo n.º CV1-17-0026-CAO em epígrafe.
b. Em relação à referida decisão, salvo o devido respeito, a recorrente Companhia de Construção e Fomento Predial C não concorda com os fundamentos do Juiz do tribunal a quo, pelo que vem, segundo o princípio da garantia de acesso aos tribunais previsto pelo art.º 1.º do CPCM, interpor o presente recurso.
c. Salvo o respeito por opinião diferente, a recorrente Companhia de Construção e Fomento Predial C entende que a decisão do tribunal a quo incorreu nos seguintes vícios e em consequência, deve ser declarada nula.
d. Primeiro, ao fazer a decisão em causa, o Juiz do tribunal a quo indicou apenas “atendendo ao motivo da suspensão da instância apresentado pelo autor”, e “tendo em conta que a instância depende do resultado do processo acima referido”.
e. Porém, o processo em epígrafe foi instaurado pelo recorrido B contra as deliberações da assembleia geral extraordinária realizada em 16 de Fevereiro de 2017.
f. Não obstante a acção intentada pelo recorrido B, este não pediu para suspender a execução das respectivas deliberações, pelo que a recorrente Companhia de Construção e Fomento Predial C já deu início às formalidades necessárias para a execução das deliberações.
g. Ao mesmo tempo, para a melhor execução das deliberações, a recorrente Companhia de Construção e Fomento Predial C realizou, no dia 10 de Abril de 2017, a assembleia adicional.
h. O recorrido B também intentou acção contra as supracitadas deliberações da assembleia geral extraordinária, que corre termos sob o n.º CV2-17-0038-CAO.
i. A recorrente Companhia de Construção e Fomento Predial C mostra o devido respeito pelas razões pelas quais o recorrido B não procedeu à coligação das respectivas impugnações. Porém,
j. Através da comparação das ordens e trabalho e dos conteúdos das duas assembleias gerais extraordinárias, verificamos diferenças evidentes.
k. Por isso, a sentença do processo n.º CV2-17-0038-CAO não constitui questão prévia para o processo em epígrafe.
l. Se assim não for entendido, só se pode entender que o conteúdo da assembleia adicional realizada em 10 de Abril de 2017 dependeu das deliberações da assembleia geral extraordinária de 16 de Fevereiro de 2017.
m. No entanto, no despacho recorrido, a decisão do Juiz do tribunal a quo fundamentou-se apenas em “atendendo ao motivo da suspensão da instância apresentado pelo autor, e tendo em conta que a instância depende do resultado do processo acima referido”.
n. Pelo que, salvo o devido respeito, no despacho recorrido, o Juiz do tribunal a quo violou o dever de fundamentação previsto pelo art.º 108.º do CPCM, e o despacho deve considerar-se nulo.
o. No despacho recorrido, o Juiz do tribunal a quo suspendeu o processo em epígrafe nos termos do art.º 220.º, n.º 1, al. d) do CPCM.
p. Porém, salvo o devido respeito, por o recorrido B não ter intentado procedimento cautelar de suspensão da execução contra as deliberações da assembleia geral extraordinária de 16 de Fevereiro de 2017, a recorrente Companhia de Construção e Fomento Predial C já procedeu legalmente à execução das respectivas deliberações.
q. O processo em epígrafe foi instaurado há muito tempo, e se não há outros fundamentos, ao abrigo dos dispostos no art.º 223.º, n.º 2 do CPCM, não se deve ordenar a suspensão da instância.
r. Para além do princípio de fundamentação invocado no ponto 18 acima referido, o despacho recorrido também violou o princípio de celebridade previsto pelo art.º 87.º do CPCM.
s. Contra as ordens de trabalho e deliberações das duas assembleias gerais extraordinárias expostas pela recorrente Companhia de Construção e Fomento Predial C nos pontos 7, 8, 10 e 11 da presente petição de recurso, o recorrido B intentou, respectivamente, duas acções (CV1-17-0026-CAO e CV2-17-0038-CAO).
t. Porém, nessas duas acções, o recorrido B não requereu procedimento cautelar de suspensão da execução das deliberações.
u. Salvo o respeito pela estratégia processual do recorrido B, a resolução de litígios entre os sócios e a sociedade num prazo razoável revela-se mais conforme aos princípios de maioria e de garantia dos sócios minoritários na lei das sociedades comerciais.
v. Além disso, para que possam as deliberações da assembleia geral efectivar rapidamente os interesses da sociedade e dos sócios, dispõe o art.º 231.º, n.º 6 do Código Comercial: “o tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para substituir a deliberação por outra, em assembleia geral convocada para o efeito”.
w. Por isso, o despacho recorrido violou os princípios de celeridade processual, de maioria, de garantia dos sócios minoritários e de substituição de deliberação dos sócios na lei das sociedades comerciais,
Pedido:
Por serem provados os supracitados vícios do despacho recorrido, incluindo mas não se limitando à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, prevista pelo art.º 571.º, n.º 1, al. b) do CPCM, pede-se ao MM.º Juiz para declarar a nulidade do despacho recorrido; e/ou por o despacho recorrido incorrer nos vícios de erro na aplicação da lei e de violação dos princípios nas leis de processo e das sociedades comerciais, pede-se para revogar o mesmo, e ordenar a remessa do processo em epígrafe para que o tribunal a quo continue o julgamento.”
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O autor respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“A. Vem o presente recurso da Recorrente interposto da decisão do douto Tribunal a quo de 13 de Outubro de 2017, nos termos da qual decidiu suspender os presentes autos com fundamento em prejudicialidade e dependência destes com os autos presentemente a correr termos no 2.º Juízo Cível sob o n.º de processo CV2-17-0038-CAO;
B. Em concreto, o douto Tribunal a quo, determinou que “(...) o presente processo encontra-se dependente de decisão do processo CV2-17-0038-CAO, este Tribunal decide, ao abrigo das disposições previstas no artigo 220.º, n.º 1, alínea d) do CPC, suspender os presentes autos até ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito dos autos com o processo n.º CV2-17-0038-CAO”;
C. Inconformada com a referida decisão, a Ré, ora Recorrente, apresentou o presente recurso jurisdicional, fundamentando o mesmo com os argumentos de i) Violação do artigo 108.º do CPC, por falta de fundamentação; ii) Erro na aplicação do direito; e, iii) Violação de princípios jurídicos de direito processual e societários;
D. Pese embora o maior respeito que nos merece opinião diversa, o recurso interposto pelo Recorrente está - na modesta opinião da ora Recorrida - forçosamente condenado a não colher, dada a total improcedência dos fundamentos em que assenta;
E. O primeiro fundamento avançado pela Recorrente consiste na alegação de que a decisão objecto do presente recurso está eivada do vício de falta de fundamentação, pelo que, nos termos do artigo 108.º do CPC, é nula;
F. A referida disposição legal consagra o dever de fundamentação dos tribunais relativamente a todas as decisões proferidas pelos mesmos, e que consiste na invocação das razões de facto e de direito que conduziram o juiz a decidir em determinado sentido;
G. Com o devido respeito, não se verifica no caso sub judice qualquer falta de fundamentação, como alega a Recorrente;
H. Com efeito, a origem da decisão de suspensão dos presentes autos encontra-se no pedido formulado pelo Autor, ora Recorrido, fundado na relação de prejudicialidade e dependência entre os presentes autos e os autos que correm sob o processo n.º CV2-17-0038-CAO, resultante do facto de a matéria subjacente a ambas ser, na prática, a mesma e do facto de estes autos estarem correntemente em fase de julgamento, que conforme na mesma decisão se refere, por esta foram acolhidos;

I. De facto, colocada ao Tribunal tal questão, este solicitou junto do respectivo Juízo Cível “certidão dos articulados, bem como o despacho saneador, caso haja, e nos informe sobre o estado e andamento do processo” (cfr. despacho de fls. 235 dos presentes autos), tendo o referido pedido sido satisfeito com uma resposta nos termos da qual foi indicado que “os mesmos autos encontram-se nesta fase a aguardar a decisão da MM.ª Juiz Presidente do Tribunal Colectivo” (cfr. resposta de fls. 237 dos presentes autos);
J. Ora, no seguimento do pedido do Autor, ora Recorrido, e das diligências requeridas pelo douto Tribunal a quo, este decidiu suspender os presentes autos, justificando tal decisão por “(...) o presente processo encontra-se dependente de decisão do processo CV2-17-0038-CAO (...)”;
K. Ao contrário do que indica a Recorrente, a decisão ora em crise não padece do vício de falta de fundamentação porquanto, como se verifica, são identificadas as razões de facto e de direito subjacentes à mesma porquanto o Tribunal identificou como razão de facto a relação de dependência entre os presentes autos e os autos que correm termos sob o processo n.º CV2-17-0038-CAO e como fundamento jurídico a possibilidade de suspensão do processo por ordem do Tribunal (nos termos do já referido artigo 220.º, n.º 1, alínea d);
L. Um dos casos em que é possível ao Tribunal ordenar a suspensão dos autos contida na supra indicada disposição legal é a que consta do artigo 223.º, n.º 1 do CPC, isto é, a relação de dependência entre duas causas existentes, estando uma em fase de julgamento;
M. Em suma, as alegações da Recorrente são carecidas de fundamento e, como tal, deve ser julgado o recurso, nesta parte, improcedente;
N. Em segundo lugar, a Recorrente alega que pelo facto de o Recorrido não ter instaurado procedimento cautelar de impugnação de deliberações sociais referente à Assembleia-Geral de 16 de Fevereiro de 2017, a Recorrente já começou a executar as respectivas deliberações, indicando, ademais, que o tempo já decorrido entre a adopção das deliberações e o pedido de suspensão deveria ter impedido a decisão de suspender os autos, à luz do artigo 223.º, n.º 2 do CPC;
O. Desde logo, a Recorrente parece confundir a suspensão das deliberações sociais adoptadas na Assembleia Geral de 16 de Fevereiro de 2017 com a suspensão dos presentes autos - trata-se de duas realidades distintas e inconfundíveis;
P. O facto de o Recorrido não ter lançado mão do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais - tendo optado, para o efeito, pela correspondente acção principal - nada tem a ver com o pedido de suspensão dos presentes autos;
Q. O que está em causa nos presentes autos e, em concreto, no que toca ao pedido de suspensão dos mesmos, é a existência de uma acção judicial (a correr termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base de Macau, sob o processo n.º CV2-17-0038-CAO), que se encontra já a aguardar sentença do Tribunal, e cujo objecto corresponde, em larga medida, ao objecto dos presentes autos;
R. Não obstante serem autónomas as deliberações em causa em cada um dos processos referidos, o que é facto é que a matéria subjacente àquelas é, na prática, a mesma, donde pode resultar a possibilidade de, a final, estarmos perante decisões contraditórias;
S. É precisamente a existência de uma causa prejudicial e dependente que torna conveniente e necessária a suspensão dos presentes autos, à luz das disposições conjugadas dos artigos 220.º e 223.º do CPC, não tendo qualquer aplicabilidade a disposição legal do n.º 2 do artigo 223.º do CPC suscitada pela Recorrente, razão pela qual a alegação da Recorrente a este título seja também improcedente, o que desde já seja requer seja decidido;
T. Finalmente, a Recorrente fundamenta ainda o seu recurso com a alegada violação de princípios jurídicos de natureza processual e societária, nomeadamente, o princípio da celeridade, o princípio da maioria, o princípio da garantia do sócio minoritário e, bem assim, o princípio da substituição da deliberação;
U. Uma vez mais, tais alegações da Recorrente são insustentáveis do ponto de vista jurídico;
V. Desde logo, quanto à alegada violação do princípio da economia processual, há que dizer que, pelas razões já apontadas no pedido de suspensão dos presentes autos, tal pedido não é um acto inútil nem sequer dilatório;
W. Pelo contrário, o interesse é precisamente o de evitar a existência de decisões contraditórias entre si, em matérias que apresentam inegáveis similitudes e pontos de contacto;
X. Por outro lado, a Recorrente faz referência aos princípios da maioria e da garantia dos sócios minoritários para, em conexão com o facto de o Recorrido não ter deduzido um procedimento cautelar de impugnação das deliberações sociais, concluir que não faz sentido suspender os presentes autos;
Y. Mas como se referiu acima, a Recorrente labora em erro quando confunde a suspensão das deliberações sociais (por via do procedimento cautelar de impugnação de deliberações sociais) com a suspensão dos presentes autos, razão pela qual se remete para as considerações supra nessa matéria;
Z. Ademais, há que dizer que o princípio da maioria não é absoluto, isto é, não é pelo facto de uma ou mais deliberações serem aprovadas pela maioria que faz com que as mesmas sejam válidas e inatacáveis;

AA. Por outro lado, a Recorrente parece esquecer que o sócio minoritário neste caso é o Recorrido, porquanto foi o único que votou no sentido que não obteve vencimento;
BB. Finalmente, quanto à alegada violação do princípio da substituição das deliberações, contido no artigo 231.º, n.º 6 do CCom, refira-se que tal normativo legal exige, para que se possa dar o caso da substituição de certas deliberações, que a Ré o tenha requerido - o que nunca sucedeu;
CC. Falecem assim, por completo, todas as alegações da Ré, ora Recorrente, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão posta em causa.
TERMOS EM QUE o recurso sub judice terá, assim, forçosamente, de ser julgado totalmente improcedente, por não provado, só assim se fazendo, como é timbre deste Tribunal, JUSTIÇA!”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1 - O autor da acção formulou nos presentes autos o seguinte requerimento:

“B aliás B1, Autor nos autos à margem referenciados, vem, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 220.º e 223.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), expor e, a final, requerer a V. Exa., muito respeitosamente, o seguinte:
1. No âmbito dos presentes autos, peticionou-se a declaração de invalidade das deliberações sociais adoptadas na Assembleia-Geral da Sociedade de 16 de Fevereiro de 2017, como melhor identificado nos presentes autos;
2. Sucede que, tal como se referiu no ponto II. da petição inicial - denominado “Questão Prévia”; a matéria subjacente à grande maioria das deliberações impugnadas nos presentes autos tinha já sido objecto de deliberação, precisamente na Assembleia-Geral da Sociedade de 20 de Janeiro de 2017 - e cuja validade igualmente se encontra a ser discutida no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base de Macau, no âmbito do Proc. n.º CV1-17-0016-CAO;
3. Acresce que, a matéria sobre que versam as deliberações impugnadas nestes autos foram foi novamente objecto de novas deliberações na Assembleia Geral de 10 de Abril de 2017, cuja validade, por sua vez, se encontra a ser discutida no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base de Macau, no âmbito do Proc. n.º CV2-17-0038-CAO;
4. Sucede que, no âmbito deste último processo judicial, os factos alegados pelo ora Autor, por não terem sido contestados pela Ré, foram dados como admitidos - nos termos do artigo 405.º, n.º 1 do CPC, tendo, nessa medida, o Autor apresentado as suas respectivas alegações de direito no passado dia 13 de Julho de 2017;
5. Destarte, o referido processo judicial está numa fase bastante mais avançada que os presentes autos porquanto se encontra em fase de decisão;
6. Não obstante serem autónomas as deliberações em causa em cada um dos três processos referidos - quer nos autos referentes às deliberações tomadas na Assembleia Geral de 20 de Janeiro, quer nos presentes autos, quer nos autos referentes às deliberações tomadas na Assembleia Geral de 10 de Abril - o que é facto é que a matéria subjacente àquelas é, na prática, a mesma:
7. Daí que, ao correrem simultaneamente termos todos estes processos, poderá ocorrer a possibilidade de, a final, estarmos perante decisões contraditórias, razão pela qual consideramos que tal facto é suficiente para, nos termos combinados do artigo 220.º, n.º 1, alínea d) e do artigo 223.º, ambos do CPC, ser ordenada a suspensão dos presentes autos;
8. Com efeito, dispõe o artigo 220.º, n.º 1, alínea d) do CPC que “a instância suspende-se (...) quando o tribunal ordenar a suspensão”, acrescentando o n.º 1 do artigo 223.º do CPC estipula que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”;
9. Nas sábias palavras de J. Alberto dos Reis, citadas pelos Profs. Cândida Silva e Viriato Lima (in Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume II, art. 223.º, pág. 80), “o juiz pode ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda”;
10. Prosseguindo com a anotação ao artigo 223.º do CPC professada pelos Profs. Cândida Silva e Viriato Lima, ensinam estes que, “de um modo geral, pode dizer-se que existe entre duas causas uma relação ou nexo de dependência quando a decisão de uma delas depende do julgamento da outra, ou pode ser por ele decisivamente influenciada; ou, por outras palavras, verifica-se uma relação de dependência quando a decisão de uma acção (a dependente) é atacada ou afectada pela decisão emitida noutra (a prejudicial); ou ainda, quando na causa prejudicial se discutir questão cuja decisão pode destruir o fundamento ou razão de ser da causa dependente / subordinada” (sublinhado nosso);
11. Nessa medida, tendo em conta que a decisão nos autos que correm termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base de Macau, no âmbito do Proc. n.º CV2-17-0038-CAO - e que ora se encontra em fase de prolação de sentença - terá necessariamente lugar em momento anterior a qualquer um dos outros autos acima referidos - incluindo os presentes autos -, e com tal decisão, formar-se-à caso julgado - atenta a similitude da matéria de facto naquelas acções - é de manifesta conveniência que seja ordenada a suspensão nos presentes autos, de forma a evitar a concorrência de decisões contraditórias;
12. Face ao exposto, deverá V. Exa., à luz das disposições conjugadas dos artigos 220.º e 223.º do CPC, ordenar a suspensão dos presentes autos;
Termos em que se requer a V. Exa., muito respeitosamente, se digne ordenar a suspensão dos presentes autos, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 220.º e do número 1 do artigo 223.º, ambos do CPC.”
2 - O juiz do processo proferiu o seguinte despacho:

“O autor solicitou que fosse suspensa a instância para esperar pelo resultado do processo n.º CV2-17-0038-CAO.
Atendendo ao motivo da suspensão da instância apresentado pelo autor, e tendo em conta que a instância depende do resultado do processo acima referido, este Tribunal decide, nos termos do art.º 220.º, n.º 1, al. d) do CPCM, suspender a instância até ao trânsito em julgado da sentença do processo n.º CV2-17-0038-CAO.
Notifique.
13/10/2017
(Ass.- vide o original)”
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III – O Direito
1 – O autor impugnou nos presentes autos as deliberações tomadas pela ré, de que é sócio, na Assembleia-geral de 16/02/2017.
Já ele tinha, anteriormente, impugnado similares deliberações tomadas pela mesma sociedade em Assembleia-geral do dia 20/01/2017, em processo que ainda está pendente e que no TJB corre com o nº CV1-17-0016-CAO.
Mas, a mesma sociedade viria a tomar novas deliberações, em Assembleia-Geral do dia 10/04/2017, parcialmente coincidentes com as de 16/02/2017. O autor impugnou-as, também, em processo que está a correr os seus termos em autos com o número CV2-17-0038-CAO.
Com o argumento de que este último processo está já em fase de sentença, e tendo em conta a similitude da matéria de facto entre as acções, entendeu o autor ser conveniente que os presentes autos suspendessem a sua tramitação.
E o juiz titular do processo deu o seu assentimento ao pedido, pelo despacho de fls. 264.
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2 – O art. 220º, nº1, al. d) do CPC dispõe que a instância se suspende “quando o tribunal ordenar a suspensão”.
Mesmo sem o invocar, o juiz não terá deixado de ter em conta o disposto no art. 223º do CPC, segundo o qual “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado” (nº1).
Pois bem. A ré/recorrente entende que o despacho em causa:
- É nulo, por falta de especificação de fundamentos de facto e de direito, nos termos do art. 108º do CPC;
- Incorreu em erro na aplicação da lei (art. 220º, nº1, al. d), do CPC);
- Violou os princípios das leis de processo e das sociedades comerciais.
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3 – Da suscitada nulidade
Chamando à colação o art. 108º do CPC, a recorrente acha que o despacho em crise é nulo, por não conter fundamentação de facto e de direito.
Mas, salvo o devido respeito, está equivocada. O despacho não é extenso, mas o que nele foi vazado é suficiente, já que teve expressamente em consideração:
- Os fundamentos invocados pelo requerente;
- Que a instância depende do resultado do processo CV2-17-0038-CAO;
- O disposto no art. 220º, nº1, al. d), do CPC.
Pode a recorrente achar que a fundamentação utilizada (de facto e de direito) é improcedente, por errada, mas isso é diferente de se dizer que a decisão não está fundamentada.
Porque o art. 108º do CPC não foi violado, e não se verificando a previsão do disposto nos (não invocados) arts. 569º, nº3 e 571º, nº1, al. b), do mesmo CPC, é de julgar improcedente o recurso quanto a esta parte.
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4 – Do erro na aplicação da lei
Quanto a esta questão, entende a recorrente que o art. 220º, al. d), do CPC não podia permitir a suspensão visto que o autor se limitou à acção declarativa, sem ter pedido o procedimento cautelar de suspensão da execução das deliberações da Assembleia-geral extraordinária de 16/02/2017. E por não o ter feito, a ré afirma ter já procedido legalmente à execução das respectivas deliberações.
Mas também aqui não tem razão.
Quando o autor pediu a suspensão dos autos não o fez a pensar que isso iria ter efeito na execução das deliberações. Essa não foi a sua intenção ao efectuar o pedido. O que ele pretende é que o tribunal trave temporariamente o andamento dos autos para os não deixe prosseguir até à fase da decisão final, antes que idêntica matéria seja analisada nos autos CV2- 17-0038-CAO.
Dito de outra maneira, o que está em causa intrinsecamente nos presentes autos é a avaliação da legalidade das deliberações, é a apreciação da validade substantiva do que a ré deliberou na assembleia geral, ao passo que a suspensão apenas tem reflexo adjectivo no andamento processual. São coisas diferentes e independentes.
Aquilo que a recorrente aduz a este respeito (execução das deliberações) pode, eventualmente, ter alguma consequência ao nível da utilidade do processo e, por conseguinte, poder interferir com a sua manutenção em face de uma possível causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Mas também isso representa outra questão que aqui não está em causa.
Improcede, pois, o recurso quanto esta parte.
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5 – Da violação das leis de processo e das sociedades comerciais.
Acha em primeiro lugar que foi violado o art. 87º do CPC, segundo o qual “Não é lícito realizar no processo actos inúteis”.
Não diz a recorrente da razão de ser desta invocação. No entanto, sempre somos a dizer que esta suspensão pode ter a sua utilidade, se for de entender que a decisão sobre as deliberações da Assembleia-geral de 10/04/2017 resolve a sede de justiça do autor e a sua posição jurídica substantiva no seio da sociedade de que é membro.
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Em segundo lugar, mais uma vez vem a recorrente insistir que o autor não requereu cautelarmente a suspensão das deliberações sociais, como se isso fosse, no seu entender, uma má estratégia processual do recorrido.
Mas sobre isso, já nos pronunciámos. Quanto à estratégia processual, não nos parece que ela seja atentatória de princípios processuais relevantes. Só o autor saberá a razão pela qual não requereu a providência cautelar de suspensão da execução das deliberações sociais. Em todo o caso, não é isso que aqui está em discussão.
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Por fim, invoca a recorrente o disposto no art. 231º, nº6, do Código Comercial, segundo o qual “o tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação social pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para substituir a deliberação por outra, em assembleia geral convocada para o efeito”.
Sem estar muito bem explicada a razão desta invocação, cremos, contudo, que o terá feito a recorrente como modo de dizer que o despacho teria violado o princípio da celeridade. Expressamente também chama à colação, de forma ainda assim muito genérica e sem qualquer densificação da impugnação, os princípios da maioria, da garantia dos sócios minoritários e de substituição de deliberações dos sócios.
Cremos, ainda assim, que podemos dizer que nada disto está em causa no despacho em crise. Ele não ofende o direito das maiorias, nem posterga o das minorias sociais. Nem percebemos, sinceramente, como é que estes direitos (da maioria e minoria dos sócios relativamente ao capital social de cada um) podem ficar em perigo sempre que um dos sócios, neste caso minoritário, resolve agir contra a sociedade pedindo a anulação das deliberações sociais tomadas pela maioria. O que move o sócio, quando impugna a validade das deliberações sociais, é precisamente tentar que a sua posição não seja prejudicada. Ora, se isso for conseguido ao mesmo tempo que se repõe a legalidade violada, então triunfa o direito sobre as vontades da maioria manifestadas contra a lei.
Quanto à celeridade, por vezes é preferível que o processo espere um pouco mais se isso for útil à decisão a tomar no processo. Não é o art. 220º que funciona como travão à celeridade, já que qualquer das causas de suspensão só pode ser accionada se, em cada caso, houver razões para a sua aplicação. Por isso é que o art. 223º, nº2, do CPC prevê que o tribunal possa não suspender se houver razões para pensar que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens. Ora, nada levou o tribunal a crer que estas razões existissem para não suspender e nós também as vislumbramos.
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Como se sabe, o objecto do recurso, com as questões que ele envolve, obedece ao princípio do dispositivo, pelo que só temos que nos ater às questões invocadas no recurso pela recorrente e mais nenhumas, salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso (art. 589º, do CPC)
Ora assim sendo, não havendo mais questões para conhecer, cumpre negar razão à recorrente.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o despacho impugnado.
Custas pela recorrente.
T.S.I., 11 de Outubro de 2018
(Relator) José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong


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