Processo nº 674/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 22 de Novembro de 2018
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B (1ª Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 30/04/2018, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
condenou a 1ª Ré B a pagar ao Autor A a quantia de MOP$21,630.00, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar da data da presente sentença até o efectivo e integral pagamento;
condenou a 1ª Ré a pagar respectivamente ao Autor o subsídio de alimentação, o subsídio de efectividade, as compensações pelo trabalho prestado nos dias de feriado obrigatório, as compensações pelo trabalho extraordinário de 8 horas em cada ciclo de 21 dias de trabalho, as compensações pelo trabalho extraordinário de 30 minutos diariamente e as compensações pelos dias de descanso semanal e pelos dias de descanso compensatório não gozados, cujo montante a liquidar em execução da sentença;
absolveu a 1ª Ré do restante pedido.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (B) na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e, bem assim, pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado, na medida em que as concretas fórmulas de cálculo utilizadas na Decisão Recorrida se mostram em oposição às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância;
2. De onde, não obstante os montantes a apurar pela violação dos referidos créditos terem sido relegados para liquidação de Sentença, está desde já o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e pelo trabalho prestado em dias de feriado obrigatório remunerado e, deste modo, em violação ao disposto nos artigos 17.°, 19.° e 20.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
Em concreto,
3. Entendeu o Tribunal a quo ser de sufragar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença;
4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado;
6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2);
Acresce que,
7. Entendeu o douto Tribunal a quo que na determinação da quantia devida pelas Rés ao Autor a título de trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios o Autor terá direito a receber das Rés as compensações compostas pela remuneração em singelo, acrescida do dobro dessa remuneração;
8. Ora, tendo o Tribunal a quo explicitado que pelo dobro da retribuição se deve entender o equivalente a mais um dia de salário em singelo (nos termos que têm vindo a ser seguidos pelo TUI nos Acs. 28/2007, 29/2007, 58/2007 e 40/2009) tal significa que, neste particular, a douta Sentença igualmente se afasta do entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal de Segunda Instância - nos termos do qual se entende que a fórmula mais correcta de interpretar o referido preceito será conceder ao Autor, ora Recorrente, um "acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito" - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - e não somente o dobro da retribuição normal como parece ter decidido o Tribunal Judicial de Base;
9. De onde, também por aqui deve a douta Decisão ser substituída por outra que atenda ao pedido de condenação da Recorrida nos termos e com base nas fórmulas de cálculo avançadas pelo Autor na sua Petição Inicial e idênticas às que têm vindo a ser seguidas pelo Tribunal de Segunda Instância.
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A 1ª Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 460 a 465, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
Desde 29 de Março de 1997, o Autor esteve ao serviço da 1ª Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela 1ª Ré. (B)
Durante o período que prestou trabalho, a 1ª Ré pagou ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal. (C)
A data da cessação de funções do Autor era de 17 de Julho de 2003. (1º)
O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a 1ª Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96 celebrado entre a 1ª Ré e a C (2º)
O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (3º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela 1ª Ré. (5º)
Os locais de trabalho do Autor eram fixados pela 1ª Ré de acordo com as suas exclusivas necessidades. (6º)
Aquando do recrutamento do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor que iria auferir uma quantia de HK$7,500.00 por cada mês de trabalho. (7º)
Para um período de trabalho de 8 horas de trabalho por dia e de 6 dias por semana. (8º)
Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau. (9º)
Resulta do ponto 3.1 do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (10º)
A 1ª Ré não pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (11º)
A 1ª Ré não entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (12º)
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (13º)
A 1ª Ré não atribuiu ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (15º)
Até 31/12/2002, a 1ª Ré não fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (16º)
Até 31/12/2002, o Autor prestou a sua actividade de guarda de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1ª Ré. (17º)
Até 31/12/2002, a 1.ª Ré não fixou ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (18º)
Até 31/12/2002, a 1ª Ré não atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (19º)
O Autor prestou a sua actividade de guarda de segurança em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 01 de Maio e 01 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1ª Ré. (20º)
A 1ª Ré não atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (21º)
Durante todo o tempo em que o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré, a 1ª Ré forneceu ao Autor alojamento num apartamento propriedade da 1ª Ré. (22º)
Em contrapartida da “utilização” do referido apartamento, durante todo o período em que o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré, a 1ª Ré procedeu ao desconto da quantia de HKD$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (23º)
O referido desconto no salário do Autor era operada de forma automática e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1ª Ré. (24º)
Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1ª Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia cada, conforme se dispõe:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h) (25º)
O Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pela 1ª Ré. (26º)
Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores não residentes e guardas de segurança) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (27º)
Em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo, o Autor prestava 16 horas de trabalho num período total de 24 horas, sempre que se operasse uma mudança entre os turnos (C-B) e (B-A). (28º)
A 1ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (29º)
Por ordem da 1ª Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (30º)
Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais. (31º)
O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (32º)
Obedecendo às ordens e às instruções que lhe foram dadas pelos seus superiores hierárquicos e representantes da 1ª Ré. (33º)
A 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno e relativamente ao qual o Autor permaneceu sob as ordens e as instruções da 1ª Ré. (34º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
O recurso não deixará de se julgar provido face à jurisprudência unânime deste TSI nos processos congéneres em que a 1ª Ré também é parte.
Assim, a fórmula para a compensação do descanso semanal é: dias não gozados X salário diário X 2, para além do salário-base já recebido.
Em relação aos feriados obrigatórios, a fórmula é a seguinte: Nºs de dias não gozados X salário diário X 3, para além do salário-base já recebido.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso do Autor e, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a 1ª Ré ao acatamento das fórmulas acimas referidas, no tocante aos dias de trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, no que se liquidar em execução de sentença, tal como é decidido pelo Tribunal a quo.
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Custas pela 1ª Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 22 de Novembro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Não acompanho o Acórdão na parte respeitante ao cálculo da compensação dos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, conforme a minha posição assumida nas declarações de voto dadas, nomeadamente, nos Processos n.º 870/2017, 664/2017, 949/2017, 971/2017, etc.
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