Processo n.º 754/2018 Data do acórdão: 2018-11-29 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tráfico ilícito de estupefaciente
– confissão integral e sem reservas
– atenuação especial da pena
– necessidade da pena
S U M Á R I O
A confissão integral e sem reservas dos factos acusados não dá para activar, por si só, o mecanismo de atenuação especial da pena do crime de tráfico ilícito de estupefaciente, pois as consabidas prementes necessidades da prevenção geral deste crime reclamam naturalmente a necessidade da aplicação da pena dentro da respectiva moldura penal ordinária.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 754/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (2.o arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 532 a 551v do Processo Comum Colectivo n.° CR4-18-0009-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o 2.o arguido A, aí já melhor identificado:
– como co-autor material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016, de 28 de Dezembro), em conjugação com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de oito anos de prisão;
– como autor material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), em conjugação com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, na pena de cinco meses de prisão;
– como autor material de um crime consumado de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.o 15.o da Lei n.o 17/2009 (na redacção dada pela Lei n.o 10/2016), em conjugação com o art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, na pena de cinco meses de prisão;
– e, em cúmulo jurídico dessas penas todas, finalmente na pena única de oito anos e cinco meses de prisão.
Inconformado, veio esse 2.o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, na motivação apresentada a fls. 569 a 575:
– a absolvição do crime de detenção indevida de utensílio, na esteira da posição jurídica veiculada nos acórdãos dos Processos n.os 669/2015 e 476/2017 do TSI;
– e a redução da pena (ou até a atenuação especial da pena, à luz do art.o 66.o, n.os 1 e 2, alínea c), do Código Penal (CP)) do crime de tráfico ilícito de estupefaciente.
Ao recurso respondeu a fls. 613 a 620v o Digno Procurador-Adjunto junto desse Tribunal, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 647 a 648v, pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o acórdão ora recorrido consta de fls. 532 a 551v, cuja fundamentação se dá por aqui integralmente reproduzida;
– segundo a fundamentação probatória desse acórdão, o 2.o arguido ora recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos;
– os utensílios detidos pelo recorrente foram os mencionados nos factos provados 5 e 7 descritos no mesmo texto decisório, a saber: uma garrafa de água com um tubo amarelo de ingestão (cfr. o 2.o parágrafo do facto provado 5, na página 10 do mesmo texto, a fl. 536v), uma garrafa plástica com um tubo de ingestão e um frasco de vidro com um tubo de ingestão (cfr. o 1.o parágrafo do facto provado 7, na página 11 do mesmo texto, a fl. 537).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O 2.o arguido ora recorrente começou por pedir a sua absolvição do crime de detenção indevida de utensílio.
Procede o recurso nesta primeira parte, porquanto os objectos então detidos pelo recorrente não podem ser considerados como utensílios especificadamente destinados ao consumo de droga, pois são objectos aliás de uso corrente na vida quotidiana das pessoas.
Quanto à pretendida redução da pena do crime de tráfico ilícito de estupefaciente: desde já, a confissão integral e sem reservas dos factos acusados não dá para activar, por si só, o mecanismo de atenuação especial da pena, pois as consabidas prementes necessidades da prevenção geral do crime de tráfico ilícito de estupefaciente reclamam naturalmente a necessidade da aplicação da pena dentro da respectiva moldura penal ordinária.
Ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância e como tal descritas no texto do acórdão recorrido com pertinência à medida da pena aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP e do art.o 22.o da Lei n.o 6/2004, dentro da moldura penal aplicável ao delito de tráfico de estupefaciente cometido pelo recorrente em co-autoria material, a pena de prisão já fixada no mesmo aresto para este seu crime já não pode admitir mais redução, atentas também as elevadas exigências de prevenção geral deste crime, especialmente quando praticado por pessoa vinda do exterior de Macau e aqui em situação clandestina.
Entretanto, operado de novo o cúmulo jurídico (por causa da absolvição do crime de detenção indevida de utensílio, então acusado ao recorrente a título de autoria material, e não em co-autoria material com outrem), nos termos ponderados do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, é de passar a condenar o recorrente em oito anos e três meses de prisão única.
Procede, pois, parcialmente o recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, absolvendo o 2.o arguido ora recorrente de um crime de detenção indevida de utensílio, com o que o mesmo arguido passa a ser condenado em oito anos e três meses de prisão única.
Pagará o recorrente metade das custas do seu recurso e duas UC de taxa de justiça, em correspondência ao decaimento parcial do recurso.
Fixam em três mil patacas os honorários da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, a entrarem na regra de custas.
Macau, 29 de Novembro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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