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Processo n.º 850/2017
(Recurso Contencioso)

Data : 18 de Outubro de 2018

Recorrente : B (B)

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
B (B), Recorrente, devidamente identificada nos autos, desconformando com o despacho do Secretário para a Segurança da RAEM, proferido em 01/08/2017 (exarado no parecer constante do Relatório n.º 300071/CESMREN/2017P dos Serviços de Migração da PSP), que lhe indeferiu o pedido da renovação da autorização de residência na RAEM, veio em 12/09/2017 recorrer para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 5 dos autos, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Após a concessão da autorização de residência, a recorrente contenciosa e o seu cônjuge residem, vivem e trabalham sempre em Macau antes ou depois do casamento.
2. Quanto ao presente pedido de renovação de autorização de residência, o Secretário para a Segurança baseou-se nos registos de saída e entrada da Região do seu cônjuge que revelou que o mesmo apenas residiu em Macau por 203 e 30 dias, respectivamente, no prazo de renovação (Junho de 2015 a Junho de 2016 e Junho de 2016 a Maio de 2017), pelo que não se verificou a finalidade de reagrupamento familiar em Macau pretendida pela recorrente contenciosa e seu cônjuge, nem a viabilidade para os dois viverem juntos na RAEM.
3. Embora tivesse dito que o seu cônjuge não ficou em Macau por um grande período por estar trabalhar temporariamente fora de Macau, sendo isso de natureza temporária.
4. Na realidade, existem registos de que o seu cônjuge ainda vive em Macau
5. O seu cônjuge e todos os seus familiares são residentes permanentes de Macau que residem e vivem aqui. Actualmente, o seu cônjuge é o pilar económico da família (incluindo os pais e irmãos).
6. Além disso, o seu cônjuge e a família compraram bens imóveis em Macau.
7. O seu cônjuge é residente permanente de Macau e tem estatuto de residente permanente de Macau, cuja residência habitual é Macau, nos termos dos artºs 5º e 4º da Lei nº 8/1999.
8. Assim, pode-se considerar absolutamente que a recorrente contenciosa e o seu cônjuge ainda vivem e residem juntos em Macau.
9. Mesmo assim, o Secretário para a Segurança indeferiu o presente pedido de renovação da autorização de residência com base na informação nº 300071/CESREN/2017P, que, de acordo com os registos de residência em Macau do seu cônjuge, considerou que os dois não preenchem a finalidade de reagrupamento familiar em Macau e a viabilidade de viver juntos no território, pelo que decidiu indeferir o pedido de renovação de autorização de residência da recorrente contenciosa por esta não satisfazer os requisitos previstos no artº 9º, nº 2, al. 3) da Lei nº 4/2003 e do artº 22º, nº 2 do Regulamento Administrativo nº 5/2003.
10. De facto, a recorrente contenciosa mantém ainda a relação matrimonial com o seu cônjuge. Nem a Lei nº 4/2003 nem a Lei nº 5/2003 estipula expressamente o número dos dias em que o casal deve ficar em Macau para que seja considerado “viver juntos em Macau”.
11. Nesta conformidade, a decisão do Secretário para a Segurança de indeferir o pedido de renovação da autorização de residência da recorrente contenciosa violou o nº 2 do artº 9º da Lei nº 4/2003, padecendo de erro na aplicação da lei.
12. O Secretário para a Segurança não aplicou integral e correctamente o nº 2 do artº 9º na sua decisão de indeferimento do pedido de renovação.
13. Mesmo fosse um pedido de renovação de autorização de residência, o Secretário para a Segurança devia atender à situação global da recorrente contenciosa e às condições próprias da mesma, não devendo considerar simplesmente o elemento de viver junto com o seu cônjuge.
14. Actualmente, a família da recorrente contenciosa é principalmente sustentada pelo seu cônjuge.
15. Ainda mais, o seu sogro está a cumprir a pena de prisão no Estabelecimento Prisional em Coloane que lhe foi condenada pela prática de crime. É sempre a recorrente contenciosa que ajuda os familiares a comunicar e contactar o advogado, bem como se encarrega de sustentar a família.
16. Na apreciação do pedido de renovação em causa, o Secretário para a Segurança devia ter em conta as disposições do artº 9º, nº 2, al. 5), da Lei nº 4/2003, considerando também o seu cônjuge e os familiares, nomeadamente, o estatuto de residente permanente de Macau eles.
17. A recorrente contenciosa já alegou ao órgão competente a situação da família. Portanto, devia o Secretário para a Segurança exercer o seu poder discricionário no sentido de deferir o pedido da recorrente contenciosa, tendo atendido às disposições do artº 9º, nº 2, al. 5), da Lei nº 4/2003.
18. Pelo exposto, a recorrente contenciosa continua a viver com o seu cônjuge e mantém laços familiares com os familiares, responsabilizando-se por sustentar a família. A mesma preenche todos os requisitos para a concessão de renovação de autorização de residência, renuindo, em particular, o requisito previsto no artº 9º, nº 2, al. 5), da Lei nº 9/2003 (sic) “Laços familiares do interessado com residentes da RAEM”.
19. O Secretário para a Segurança não considerou a situação da recorrente contenciosa, não tendo aplicado integral e correctamente o nº 2 do artº 9º.
20. Nesta situação, para a recorrente contenciosa que preenche o requisito indicado no artº 9º, nº 2, al. 5), da Lei nº 9/2003 (sic) “Laços familiares do interessado com residentes da RAEM” mas não lhe foi concedida a renovação pretendida, a decisão recorrida padece de erro na aplicação da lei.
21. Face ao exposto, o acto administrativo praticado neste processo é anulável por violar os artºs 7º e 124º do CPA e o artº 9º, nº 2, da Lei nº 9/2003 (sic) “Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”.
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Citada a Entidade Recorrida, veio o Secretário para a Segurança contestar o presente recurso contencioso nos seguintes termos :
1º A Recorrente interpôs recurso contenciosa contra a decisão de 1 de Agosto de 2017 do Secretário para a Segurança, que indeferiu o seu pedido de renovação da autorização de residência, imputando à decisão recorrida violação do artº 9º da Lei nº 4/2003 e do princípio da justiça e pedindo a sua anulação.
2º É improcedente o recurso da recorrente.
3º Foi concedida à recorrente a autorização de residência em Macau em Junho de 2014 para reagrupar o seu marido.
4º Dispõe o artº 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 que a renovação da autorização depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos no do presente regulamento e na lei de princípios, ou seja, a manutenção da autorização de residência depende da verificação dos pressupostos e requisitos pelos quais foi concedida a primeira autorização de residência, em particular, os requisitos indicados no artº 9º da Lei nº 4/2003.
5º Nesta presente causa, a autorização de residência concedida à recorrente tem como objectivo deixá-la reagrupar o seu marido em Macau. No entanto, verificou-se na renovação de tal autorização que o seu marido residiu pouco tempo em Macau no último ano enquanto a sua autorização de residência estava válida, tendo residido no total 30 dias em Macau, o que quer dizer que Macau não é o local para juntar a família.
6º Para tal, explicou a recorrente que o seu marido necessita de trabalhar nas Filipinas para sustentar a família e apresentou o documento comprovativo sobre o trabalho. De tal documento resulta que o marido da recorrente trabalha fora de Macau desde 26 de Outubro de 2015, até à presente data.
7º Segundo os registos de saída e entrada da Região, o marido da recorrente residiu 73 dias em Macau durante o período entre 26 de Outubro de 2015 e 10 de Junho de 2016. Mas no último ano em que a autorização de residência da recorrente estava válida, ou seja, entre 11 de Junho de 2016 e 10 de Junho de 2017, o seu marido residiu apenas 30 dias em Macau, i.e., menos que um décimo do ano inteiro, o qual, de facto, não reside em Macau.
8º Dos dados constantes dos autos resulta que, quer a recorrente, quer os membros da família do seu marido, são jovens adultos que têm, sem dúvida, capacidade para sustentar a sua vida. Não se verifica a situação em que o marido da recorrente se obriga a trabalhar fora de Macau para ganhar a vida.
9º Temos respeito pelo direito de escolha do marido da recorrente de trabalhar fora de Macau. É normal ganhar mais dinheiro para sustentar a família com melhor qualidade de vida, porém, a sua opção causa perda do motivo para a manutenção da sua autorização de residência, uma vez que o motivo apresentado no primeiro requerimento e na concessão da autorização de residência é reagrupar o seu marido em Macau. Agora o seu marido fica sempre e muito tempo fora de Macau, isto é incompatível com a manutenção da autorização de residência concedida à recorrente.
9º (sic) O nº 2 do artº 9º da Lei nº 4/2003 estabelece os elementos a considerar na concessão de autorização de residência, sem impor critérios ou restrições, deixando grande espaço à Administração no exercício do poder discricionário e permitindo-lhe considerar livremente todos ou parte dos elementos elencados na referida norma na concessão ou manutenção de autorização de residência.
10º A Administração considera concretamente cada caso, atendendo aos factos e os interesses envolvidos, de forma a proferir uma decisão realmente justa, que satisfaz os interesses de particulares sem causar, o mais possível, prejuízo ao interesse público.
11º Ainda que os laços familiares do requerente com residentes da Macau seja o elemento fundamental a considerar na concessão ou manutenção da autorização de residência, aparentemente o legislador da Lei nº 4/2003 não tem intenção de conceder a autorização de residência em Macau a todos os indivíduos que têm familiares em Macau, mas só àqueles que dispõem realmente laços íntimos com os familiares em Macau.
12º Senão, seria concedido ou mantido o estatuto de residente de Macau a todos aqueles que tivessem os familiares em Macau que fossem ou tivessem sido residentes de Macau, independentemente estes ser íntimos ou distantes, viver ou não viver em Macau, ou até estar vivo ou não. Isso, obviamente, é irrazoável e não realístico.
13º O casamento é apenas comprovante da existência de laços familiares entre a recorrente e um residente de Macau. Caso a mulher e o marido não vivam juntos, não se verifica a necessidade de reagrupamento familiar em Macau porquanto a parte reagrupada não fica em Macau, assim, também não se constata o objectivo para a concessão de autorização de residência.
14º Não há dúvida de que a autorização de residência é concedida àqueles que são obrigados a viver separadamente, para que possam reagrupar a família. Obviamente, eles não têm razão para manter a autorização de residência se, por intenção deles, vivem separadamente.
15º Se assim for, caso um casal, através de um “casamento por conveniência” ou casamento que verdadeiramente não existe, por diversas razões não viva junto e possa obter a autorização de residência ou a sua manutenção, o que desvia a política de imigração da RAEM, prejudicando gravemente o interesse público.
16º A autorização de residência é concedia àqueles que necessitam realmente do reagrupamento familiar. Neste caso, a recorrente pode requerer de novo a autorização de residência quando o seu marido voltar a viver em Macau.
17º Tendo em conta todos os factos, concluiu a Administração que a recorrente não preenche os requisitos pelos quais foi concedida a primeira autorização de residência por motivo de reagrupamento de cônjuges, por consequência, indeferiu o seu pedido de renovação de autorização de residência, segundo dispõem o artº 22º, nº 2, do Regulamento Administrativo nº 5/2003 e o artº 9º, nº 2, al. 3) da Lei nº 4/2003.
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O Digno. Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer (fls. 120 a 121), pugnando pela improcedência do recurso:
Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 01 de Agosto de 2017, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, através do qual foi denegado o pedido de renovação da autorização de residência, na Região Administrativa Especial de Macau, formulado pela recorrente B.
Vêm imputados ao acto os vícios de violação de lei por ofensa dos artigos 9.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, e 22.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo 5/2003, bem como por ofensa do princípio da justiça, o que é refutado pela autoridade recorrida, que assevera a legalidade do acto e pugna pela sequente improcedência do recurso.
Vejamos.
A recorrente, tendo casado com C, cidadão e residente permanente de Macau, requereu que lhe fosse concedida autorização de residência, a fim de se poder reunir e passar a residir com o marido em Macau. Foi-lhe concedida a pretendida autorização, inicialmente por um ano e depois renovada por dois. Na instrução do pedido seguinte de renovação, apresentado em Maio de 2017, viria a apurar-se que, no ano antecedente, o cônjuge da requerente apenas havia permanecido em Macau durante 30 dias, o que sucedera devido à circunstância de se encontrar a trabalhar no estrangeiro, situação que ainda perdurava. Foi então indeferido, através do acto recorrido, esse pedido de renovação de residência formulado pela recorrente.
Posto isto, parece que os vícios imputados à decisão recorrida se mostram improcedentes.
Não se crê que haja errada interpretação das normas dos artigos 9.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, e 22.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo 5/2003. Se o motivo do pedido de autorização radicava na reunião familiar, para permitir que a recorrente viesse viver com o marido em Macau, e se se apura que o marido não tem a sua residência de facto e o seu centro de vida instalado em Macau, nenhuma afronta é feita às aludidas normas pelo acto impugnado. O que está em causa, nas autorizações de residência que têm por fim a reunião familiar, é permitir a comunhão de vida, de vivência regular, dos familiares. Afigura-se por isso natural que, se o marido da recorrente reside de facto e tem instalado o seu centro de interesses nas Filipinas, não há razão para, com fundamento em reunião familiar, renovar a pretendida autorização de residência, pois esse fundamento deixou de existir. E a circunstância de C ter o direito de residir em Macau e ser considerado residente permanente de Macau em nada contende com o acto de indeferimento, atentos os motivos que estiveram na base da decisão. O que releva, para fins de autorização, ou de renovação de autorização, de residência fundada na reunião familiar, é a presença habitual, a vivência de facto, em território da Região Administrativa Especial de Macau, da pessoa a quem o autorizado se veio juntar. Se essa pessoa tem um direito abstracto de residir, mas deixou de residir de facto em Macau, cai por terra o fundamento do pedido. Não se afigura, pois, que este entendimento, que presidiu ao acto recorrido, afronte as aludidas normas dos artigos 9.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, e 22.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo 5/2003.
Soçobra, assim, o vício de violação de lei por ofensa das referidas normas.
Quanto à alegada violação do princípio da justiça, haverá que levar em linha de conta que este princípio só em casos-limite apresentará autonomia jurídica relativamente aos outros princípios em que se desdobra (igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, etc.). E quando tal suceda, a invalidação do acto a coberto da violação do princípio da justiça só encontrará espaço perante uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo aos plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa-fé e confiança no Direito – Mário Esteves Oliveira e outros, em anotação ao artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo português. É claro que não se nos depara, no caso em análise, qualquer afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, de forma a justificar a operatividade do princípio da justiça.
Improcede assim também este vício.
Termos em que o recurso não merece provimento.
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Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

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    III - FACTOS
São os seguintes factos considerados assentes com interesse para a decisão do litígio, conforme os elementos juntos no processo administrativo respectivo:
- Em 10/05/2017 a Recorrente/Requerente pediu a renovação da autorização da residência na RAEM junto da PSP (Serviços de Migração);
- Concluída a instrução do processo, foi elaborada uma proposta no sentido de indeferir o pedido, com base nos factos relatados a fls. 6 e 7 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais;
- Tal proposta veio a ser acolhida pelo Secretário para a Segurança, tendo este proferido o despacho de indeferimento do pedido da Requerente.
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Quid Juris perante este quadro fáctico e jurídico?
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    IV – FUNDAMENTOS
A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução das seguintes questões :
1) - Vícios de violação de lei, aqui nas vertentes de violação do artigo 9º/2-3) da Lei 4/2003, de 17 de Março, e também do artigo 22º/2 do Regulamento Administrativo nº5/2003, de 14 de Abril;
2) - Vício da violação do princípio da justiça.
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Comecemos pela 1ª questão: vícios da violação de lei, na vertente de violação do artigo 9º/2-3) da Lei 4/2003, de 17 de Março, e também do artigo 22º/2 do Regulamento Administrativo nº5/2003, de 14 de Abril

À luz daquilo que resulta dos autos, o facto principal que determinou o indeferimento do pedido da Recorrente/Requerente é o de que, no ano antecedente, o cônjuge da Recorrente/Requerente apenas havia permanecido em Macau durante 30 dias, o que sucedera devido à circunstância de se encontrar a trabalhar nas Filipinas, situação que ainda perdura.
Na perspectiva da Entidade Recorrida, as circunstâncias (facto indirecto, não directamente respeitante à pessoa da Requerente) demonstram que a Recorrente/Requerente não está a preencher o exigido pelo artigo 9º/2-3) da citada Lei.
Ora, o fundamento legal invocado pela Entidade Recorrida é a alínea 3) do nº2 do artigo 9º da Lei referida, mas não só, está em causa também a alínea 5) do nº 2 do artigo 9º do mesmo diploma legal em análise.

O artigo 9º da Lei 4/2003, de 17 de Março, dispõe:
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
É de verificar que o legislador agarra bastante ao conceito de residência habitual, razão pela qual utiliza, em várias passagens do diploma legal acima citado, o conceito de residência habitual, nomeadamente o nº 3 do artigo 9º da Lei referida, e depois no artigo 24º/2 também.
Por residência habitual costuma entender-se: o local onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausência mais curta ou mais longa (Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil, 3ª edição, pág. 258).
Conceito equivalente é o de residência permanente, por este entende-se: o local de residência habitual, estável e duradoura de qualquer pessoa, ou seja a casa em que a mesma vive com estabilidade e em que tem instalada e organizada a sua economia doméstica, envolvendo, assim, necessariamente, fixidez e continuidade e constituindo o centro da respectiva organização doméstica referida (Ac. RL de 17/01/78, Col Jur. 3º 42).
No caso, o motivo de indeferimento do pedido prende-se com a circunstância de que o cônjuge da Recorrente/Requerente se encontra a trabalhar nas Filipinas, mesmo hoje, a situação mantém-se, daí a Entidade Recorrida tirar a conclusão de que não estamos perante uma situação de união familiar, dito doura forma, a situação da Recorrente/Requerente não satisfaz o conceito de união familiar, por um estar noutro país, outra estar aqui em Macau, existindo portanto uma “separação de facto” entre o casal, pelo que foi indeferido o pedido da renovação da autorização de residência da Recorrente/Requerente.
Estará certo este raciocínio? Está em conformidade com os padrões legais que regulam a matéria em exame?
Vejamos de imediato.
Ora, em sede de instrução do processo administrativo, para fundamentar o seu pedido, a Recorrente/Requerente chegou a invocar e apresentar os seguintes dado e documentos:
1. Em 26 de Junho de 2017, a requerente apresentou a este serviço os seguintes documentos:
- A declaração elaborada pela advogada D tem o seguinte teor: “(…) o seu cônjuge trabalha nas Filipinas a partir de Outubro de 2015. A maioria do seu salário mensal destina-se a sustentar os familiares, sendo o pilar económico da família. Esta situação cada vez mais óbvia desde o ano transacto, porquanto ocorreu um incidente que mudou a situação da família. O seu sogro foi condenado na pena de prisão num processo criminal. A mãe não trabalha por necessitar de cuidar do pai. Um dos dois irmãos fica sempre sem trabalho estável. Perante os encargos da família e as despesas com o processo criminal do sogro, torna-se o cônjuge da requerente o pilar económico da família. (…) de acordo com o artº 5º da Lei nº 8/1999, presume-se que os portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM residem habitualmente em Macau. E o artº 4º da mesma Lei dispõe que a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau, sendo essa a situação em que se encontra o seu cônjuge. Portanto, pode ser entendido que Macau ainda é a residência habitual do seu cônjuge. Mesmo que actualmente o seu cônjuge se encontre a trabalhar fora de Macau, a situação dele deve ser considerada temporária. E a aquisição de imóvel em Macau para ser a sua residência e os familiares em Macau podem ser entendidos completamente que o seu cônjuge ainda considera Macau como domicílio permanente. Assim, pode-se considerar absolutamente que a requerente e o seu cônjuge ainda residem juntos em Macau. (…)” (vd. a declaração) (P. 117 – 118)
- Documento comprovativo do trabalho do cônjuge da requerente. (P.116)
- Declaração prestada pela sogra e dos dois cunhados da requerente em que declararam o seguinte: F, sogro da requerente, sem emprego, está a cumprir, desde 23 de Fevereiro de 2017, a pena de prisão no Estabelecimento Prisional em Coloane que lhe foi condenada pela prática de crime. G, sogra da requerente, desempregada a partir de 4 de Novembro de 2016, cuida do marido (sogro da requerente). O cunhado H (segundo irmão mais novo), divorciado, sem trabalho estável. O cunhado I (terceiro irmão mais novo), solteiro, trabalha em sociedade detentora de exclusivo de jogos com salário mensal de $22000. Actualmente, a família está apoiada pelo cônjuge da requerente com os rendimentos auferidos do trabalho prestado no estrangeiro. A sogra e familiares são cuidados principalmente pela requerente, esta também ajuda a sogra a tratar as formalidades relativas ao processo criminal contra o sogro e as na prisão. (vd. a declaração) (P. 115)
- Fotocópias dos BIRs da sogra (G), do sogro (F) e dos dois cunhados (I e H. (P.111-114)
- A procuração outorgada pela requerente. (P.110)

2. Segundo os registos de saída e entrada da RAEM, no último mês e meio (25 de Maio a 5 de Julho de 2017) a requerente e o seu cônjuge da interessada residiram em Macau por 26 dias e 4 dias, respectivamente. A requerente continua a não viver junto com o seu cônjuge em Macau.
(…).

Na óptica da Entidade Recorrida, estas provas apresentadas pela Recorrente/Requerente não são suficientes para alterar a concepção da “união familiar” dela, porque existe uma realidade fáctica inegável: separação de facto do casal, assim, não há união familiar. Ou seja, a família está dividida! Assim cairia por terra a base da concessão da autorização de residência à Recorrente/Requerente!
Porventura não sejam assim as coisas!
Em bom rigor, perante os elementos comprovativos da residência da Requerente em Macau, apresentados pela mesma, cabe agora à Entidade Recorrida carrear dados para contrariar a versão fornecida pela Recorrente, ou impugnar a veracidade da mesma. Mas, pelo visto, a referida Entidade limitou-se a valorar um facto: não permanecia nem permanece em Macau o cônjuge da Recorrente/Requerente.
Salvo o melhor respeito, não deve valer este raciocínio! Porque o centro de atenção é a pessoa que requeira a autorização de residência em Macau, ou seja, à pessoa que seja concedida a autorização de residência (interessada directa) e não tanto a pessoa que tem determinado vínculo com a Requerente.
Este raciocínio nosso tem todo o apoio na letra da lei, nomeadamente no nº 3 do artigo 9º da Lei citada, que proclama expressamente:
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
Esta fórmula legislativa é muito clara! Aí fala-se de interessado! No caso, é obviamente a Recorrente/Requerente. Disto não pode resulta dúvida nenhuma!
Do mesmo modo se diz em relação à alínea 5) do nº 2 do citado artigo 9º, onde se utiliza a expressão “laços familiares do interessado com o residente de Macau”, um conceito mais amplo do que a “união familiar”. Aliás, nem se quer fala da “união da vivência conjunta” dos cônjuges.
Em sede de valoração do conceito da residência habitual, costuma utilizar-se o critério da permanência física de determinada pessoa num espaço geográfico e durante certo período de tempo. Mas não é único critério para este efeito, em certas circunstâncias particulares, mesmo que a pessoa fisicamente não está num determinado local, este continua a ser visto como local de residência habitual da pessoa em causa.
Podemos distinguir duas situações:
1) – Por motivos intrinsecamente ligados à pessoa em causa (Requerente), esta não permanece durante um certo período de tempo em Macau, por exemplo:
- Por motivo de estudo fora de Macau;
- Por estar hospitalizada fora de Macau;
- Ou para cumprimento de obrigações fora de Macau (ex. serviços públicos, ex. militar),
Neste tipo de situações, não obstante a Requerente permanecer durante um certo período de tempo fora de Macau, não pode concluir-se que ela não tem residência habitual em Macau, a mesma continua a ter o seu centro de vida aqui. Bem diz o conceito acima transcrito: mais hoje mais amanhã a pessoa voltará para este local onde instala o seu centro de vida organizada!
2) - Um outro tipo de situações em que, por motivos extrínsecos, ou seja, não por motivos de carácter pessoal do Requerente, mas sim motivos ligados a outras pessoas, o/a Requerente fica obrigado/a a permanecer durante um certo período de tempo fora de Macau, por exemplo:
- Porque um filho menor está a receber tratamentos hospitalares fora, o/a Requerente tem de cuidar dele(a) (são deveres dos pais em causa); ou
- Porque os pais estão muito velhos e doentios, que carecem de cuidados especiais também fora de Macau;
- …etc.
Todas estas circunstâncias podem levar a que o Requerente permaneça (temporariamente) fora de Macau por um certo período de tempo.
Neste segundo tipo de situações, em que a Requerente pode ficar obrigada a permanecer fora de Macau, mas não é por isso que ela ou ele deixa ter a sua residência habitual em Macau.
No caso, a hipótese é contrária, não é a ausência permanente da Requerente de Macau, mas sim do seu cônjuge. Mas pergunta-se, a ausência deste último não está justificada? Parece que sim, tudo está documentalmente provado. É por causa de trabalho!

Salvo o melhor respeito, não acolhemos esta linha de pensamento!
No caso sub judice, cabe sublinhar o seguinte:
- Não resta dúvida que a Recorrente/Requerente tem o seu centro de vida aqui em Macau, estabilizada, demonstrado pelo facto de conviver e ajudar os familiares (ex. sogra, cunhado);
- Está integrada na vida familiar do cônjuge (marido) de Macau;
- O conceito de “união familiar” visa integrar num determinado núcleo familiar, gozando de direitos daí decorrentes, cumprindo os deveres igualmente daí emergentes, é o caso ajudar os familiares necessitados e resolver os problemas surgidos no seio da família. É o que a Recorrente/Requerente está a fazer em Macau, sinal de que ela mantém o seu centro de vida aqui em Macau;
- Ter uma fracção autónoma aqui é um outro sinal de que a Recorrente toma Macau como a sede da sua família, e não outro sítio;

- A ausência temporária, por motivo de trabalho, do seu cônjuge não é suficiente para se chegar à conclusão de que os dois (a Recorrente/Requerente e o seu marido) deixaram de tomar Macau como centro de vida, tanto mais que os sogros e cunhados estão a viver com a Recorrente/Requerente, o que reforça ainda a ideia de que esta última permanece e estabiliza-se em Macau, e a família está ainda unida.
Tudo isto demonstra claramente que estão preenchidos os conceitos de “residência habitual” e de “união familiar” em Macau, requisitos exigidos pelo artigo 9º/2-3) e 5) da citada Lei.

Por tudo o que fica expendido, está demonstrado que efectivamente a Entidade Recorrida errou na aplicação da lei e no preenchimento do conceitos de residência habitual por motivo de união familiar, violando deste modo o disposto no artigo 9º/2-3) e 5) da mencionada Lei.
Pelo que, é de julgar procedente o recurso e anular o despacho recorrido por vício da violação da lei.
Com o que fica referido, ficamos dispensados de tecer mais considerações a propósito de outras questões levantadas neste recurso.
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    Síntese conclusiva:
    I - Perante os elementos comprovativos da residência da Requerente em Macau, apresentados pela mesma, cabe agora à Entidade Recorrida carrear dados para contrariar a versão fornecida pela Recorrente, ou impugnar a veracidade da mesma.
II – Em matéria de ponderação do pedido de renovação de residência em Macau, o centro de atenção é a pessoa que requeira a autorização de residência em Macau, ou seja, à pessoa que seja concedida a autorização de residência (interessada directa) e não tanto a pessoa que tem determinado vínculo com a Requerente. É o que resulta do nº 3 do artigo 9º da Lei nº 4/2003, de 17 de Março.
III - Em sede de valoração do conceito da residência habitual, costuma utilizar-se o critério da permanência física de determinada pessoa num espaço geográfico e durante um certo período de tempo. Mas não é único critério para este efeito, em certas circunstâncias particulares, mesmo que a pessoa fisicamente não está num determinado local, este continua a ser visto como local de residência habitual da pessoa em causa.
IV - Podemos distinguir duas situações:
1) - Por motivos intrinsecamente ligados à pessoa em causa (Requerente), esta não permanece durante um certo período de tempo em Macau, por exemplo:
- Por motivo de estudo fora de Macau;
- Por estar hospitalizada fora de Macau;
- Ou para cumprimento de obrigações fora de Macau (ex. serviços públicos, ex. militar),
Neste tipo de situações, não obstante a Requerente permanecer durante um certo período de tempo fora de Macau, não pode concluir-se que ela não tem residência habitual em Macau, a mesma continua a ter o seu centro de vida aqui.
2) - Um outro tipo de situações em que, por motivos extrínsecos, ou seja, não por motivos de carácter pessoal do Requerente, mas sim motivos ligados a outras pessoas, o/a Requerente fica obrigado/a a permanecer durante um certo período de tempo fora de Macau, por exemplo:
- Porque um filho menor está a receber tratamentos hospitalares fora, o/a Requerente tem de cuidar dele(a) (são deveres dos pais em causa); ou
- Porque os pais estão muito velhos e doentios, que carecem de cuidados especiais também fora de Macau;
- …etc.
Todas estas circunstâncias podem levar a que o Requerente permaneça fora de Macau por um certo período de tempo.
V - O conceito de “união familiar” visa integrar num determinado núcleo familiar, gozando de direitos daí decorrentes, cumprindo os deveres igualmente daí emergentes, é o caso ajudar os familiares necessitados e resolver os problemas surgidos no seio da família. É o que a Recorrente/Requerente está a fazer em Macau, sinal de que ela mantém o seu centro de vida aqui em Macau.
VI - A ausência temporária, por motivo de trabalho, do seu cônjuge não é suficiente para se chegar à conclusão de que os dois (a Recorrente/Requerente e o seu marido) deixaram de tomar Macau como centro de vida, tanto mais que os sogros e cunhados estão a viver com a Recorrente/Requerente, o que reforça ainda a ideia de que esta última permanece e estabiliza-se em Macau, e a família está ainda unida.
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    Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o presente recurso, anulando-se o despacho recorrido.
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Sem custas por isenção subjectiva.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 18 de Outubro de 2018.

  Fong Man Chong
  (Relator)
              Ho Wai Neng
             (Primeiro Juiz-Adjunto)

Fui presente José Cândido de Pinho
Joaquim Teixeira de Sousa (Segundo Juiz-Adjunto)
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