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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 1 / 2008


Recorrentes: A
B








1. Relatório
   Nos presentes autos, o primeiro arguido A e o segundo arguido B, juntamente com outro arguido, foram julgados no Tribunal Judicial de Base, no âmbito do processo comum colectivo n.º CR3-06-0290-PCC. Todos os arguidos foram absolvidos de um crime de falsificação de documento previsto no art.º 18.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004.
   Por outro lado, os primeiro e segundo arguidos A e B foram condenados pela prática, em forma de comparticipação, consumada e em concurso, dos seguintes crimes:
   - um crime de auxílio à imigração ilegal agravado previsto e punido pelos art.ºs 14.º, n.º 1 e 23.º da Lei n.º 6/2004 na pena de seis anos e seis meses de prisão;
   - um crime de uso de documento alheio agravado previsto e punido pelos art.ºs 20.º e 23.º da Lei n.º 6/2004 na pena de dois anos de prisão.
   Em cúmulo, foram condenados nas penas únicas de sete anos de prisão.
   Do acórdão de primeira instância ambos os arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. No processo n.º 511/2007, o Tribunal de Segunda Instância julgou parcialmente procedente os recursos, absolvendo os dois arguidos do crime de uso de documento alheio agravado e mantendo a condenação pelo outro crime.
   
   Os dois arguidos recorrem agora para o Tribunal de Última Instância.
   O primeiro arguido A formulou as seguintes conclusões na sua motivação do recurso:
   “1. O acórdão do Tribunal de Segunda Instância ora recorrido confirmou o acórdão do Tribunal Judicial de Base e condenou o recorrente e o 2º arguido B pela prática, em comparticipação, de um crime de auxílio à imigração ilegal previsto e punido pelos art.º 14.º, n.º 1 e 23.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de 6 anos 6 meses de prisão.
   2. O recorrente entendeu que dois acórdãos padeceram da questão de direito que pudesse conhecer ou do vício susceptível de conhecimento prevista no art.º 400.º n.º 1 do CPPM.
   3. O 3.º arguido C não foi interdito de entrar na RAEM pela autoridade, não devendo o recorrente ser punido com crime de auxílio à imigração ilegal, pelas seguintes razões:
   4. No despacho de interdição da entrada constante de fls.10 do processo n.º CR3-06-0234-PCS, prevê-se expressamente quem foi interdito de entrar na Região por 5 anos é D, residente de Hong Kong, não foi o 3.º arguido C.
   5. Em 14 de Janeiro de 2006, o arguido C foi interditado pelo CPSP por um período de 3 anos. Por não realizar a audiência prevista no art.º 93.º do CPAM para ordem de interdição ou por violar o princípio de participação previsto no art.º 10.º do Código atrás referido, nos termos do art.º 112.º n.º 1 e art.º 113.º n.º 1 do CPAM, a ordem de interdição deve ser vista como nula, não produz efeito logo à partida.
   6. Como a primeira ordem de interdição não interditou a entrada do 3.º arguido na Região, e a segunda ordem é viciada, o 3.º arguido não foi interdito de entrar em Macau pelo CPSP, por isso, o recorrente deve ser absolvido do crime por não ter auxiliado o interditado a entrar em Macau face ao exposto, a decisão recorrida violou o disposto do art.º 2.º n.º 1 al. 3) da Lei n.º 6/2004.
   7. Além disso a violação do princípio da convicção livre pela decisão recorrida repercute-se no preceito do art.º 336.º n.º 1 do CPPM de Macau.
   8. O recorrente considerou que a decisão recorrida ao dar como provado os seguintes factos, violou o art.º 336.º n.º 1 do CPPM, por não terem sido apreciados os seguintes factos na audiência e julgamento:
   O 1.º arguido A, depois de pôr seu uniforme, conversava com o 2.º arguido B por alguns minutos, na passagem para funcionário entre a entrada da cantina e a entrada da sala de visto, abordando-se sobre a entrada do 3.º arguido C na Região (vide fl.2 dos autos).
   Naquele dia (18 de Fevereiro de 2006), pelas 15h08, o 2.º arguido B saiu, a partir da sala de visto, da passagem por trás do Balcão da Átrio da Chegada, deslocando-se ao balcão n.º 25 para residente, começou o seu trabalho de examinar cartão de identificação enquanto o 1.º arguido A saiu também da sala de visto, deambulava alguns minutos pela passagem atrás do Balcão de Átrio de Chegada, e várias vezes fez chamada com seu telemóvel (vide fl. 2 dos autos).
   Às 15h12 daquele dia, sob instrução dos dois arguidos, o 3.º arguido C veio ao balcão n.º 25 para residente do Átrio de Chegada do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, exibindo ao 2.º arguido B o BIRM n.º X/XXXXXX/X previamente oferecido pelo 1.º arguido A e a ele pertencente. O 2.º arguido B registou de imediato os dados do BIRM no computador, deixando o 3.º arguido C a entrar em Macau com sucesso, sem ser descoberto como indivíduo interdito de entrar em Macau.
   9. No entender do recorrente, os aludidos factos não foram apreciados na audiência e julgamento pela razão de os 1.º e 2.º arguidos terem guardado silêncio na audiência, pelo que o Tribunal Judicial de Base não pode confirmar os aludidos factos com base nos depoimentos dos dois arguidos.
   10. Além disso, o defensor do 3.º arguido, ao abrigo do art.º 337.º n.º 4 do Código de Processo Penal de Macau, requisitou a leitura do depoimento prestado pelo 3.º arguido C no CPSP, com o teor enunciado a fl.19 do Processo n.º CR3-06-0290-PCC: o 3.º arguido C alegou, às 19h00 e pouco, do dia 18 de Fevereiro de 2006, ter entrado clandestinamente em Macau de barco, via Hengqin. Por isso, de acordo com o depoimento atrás referido, não se pode afirmar que os 1.º e 2.º arguidos colaboraram-se para auxiliar o 3.º arguido a entrar na Região.
   11. De acordo com o vídeo exposto na audiência, revela-se apenas que o 2.º arguido ao averiguar a identidade dos visitantes de chegada, deixou o indivíduo idêntico com o 3.º arguido a entrar na Região, não se pode apurar que os 1.º e 2.º arguidos auxiliavam, de forma combinada, o 3.º arguido, ainda que este mostrasse o BIRM pertencente ao 1.º arguido. Já que o cassete audio-visual não pode justificar por que o indivíduo deteve o BIRM do 1.º arguido.
   12. A decisão recorrida do Colectivo apurou o indivíduo atrás referido como 3.º arguido quando este estava munido do BIRM do 1.º arguido, assim se deduz que o 1.º arguido também ajudava o 3.º arguido a entrar na Região. No entanto, o que foi mencionado nos factos provados: o 1.º arguido deu o seu BIRM ao 3.º arguido para este mostrar ao 2.º arguido no balcão n.º 25 do Átrio de Chegada do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, deixando este a entrar em Macau sem ser descoberto por outros. Este facto não foi apreciado na audiência de julgamento, dado que para além dos depoimentos dos três arguidos e o cassette audio-visual, nenhum das testemunhas viu que os 1.º e 2.º arguidos concertaram-se para auxiliar a entrada na Região do 3.º arguido, nem os dados dos autos conseguiram provar isso.
   13. Como não há provas exactas e críveis para apoiar o auxílio prestado pelo recorrente à imigração ilegal do 3.º arguido C. Portanto, à sombra do princípio de in dubio pro reo, princípio fundamental do processo criminal, deve o recorrente ser absolvido do crime de auxílio à imigração ilegal alheio.
   14. Se o juiz não concordar com a dita opinião, o recorrente ainda entendeu ser excessiva a pena aplicada.
   15. O recorrente entendeu que não devia ser imputado como co-autor material imediato do crime de auxílio à imigração ilegal, devendo ele ser confirmado como cúmplice do crime atrás referido.
   16. O acto de o recorrente ter entregue ao 2.ºarguido B o seu BIRM, deve ser entendido como auxílio material do art.º 26.º do Código Penal de Macau. Portanto, devemos considerá-lo como cúmplice que se reveste das circunstâncias de atenuação especial. Nos termos do art.º 67.º n.º 1 al.s a) e b), a moldura penal para crime de auxílio à imigração ilegal é alterado de 5 a 11 anos de prisão para 1 ano a 7 anos 5 meses de prisão; tendo sido fixado o limite mínimo e o limite máximo da pena aplicável, mais de acordo com o critério para determinação da pena previsto no art.º 65.º do CPM, determina-se a pena concretamente aplicável ao recorrente. Em consonância com a opinião do recorrente, é mais justo o condenar na pena de 1 ano e 5 meses de prisão, tendo em conta particularmente que o papel de subordinação do recorrente no auxílio da imigração ilegal do 3.º arguido, não foi aquele que o deixava passar.
   17. O auxílio à imigração ilegal do outro significa que outros tenham entrado na Região fora dos postos de migração, sob falsa identidade ou mediante o uso de documentos de identificação ou de viagem falsos ou durante o período de interdição de entrada. Portanto, o auxílio à entrada do outro constitui elemento fundamental indispensável para o preenchimento do crime de auxílio à imigração ilegal. No recurso, o auxilio à imigração ilegal deve reportar-se ao auxílio do 3.º arguido para este passar o exame no Átrio de chegada do Comissariado do Posto Fronteiriço, uma vez que é considerado ter entrado em Macau logo que foi processada a entrada e quem fez exame é o 2.º arguido B, é justo condená-lo como autor material imediato do crime de auxílio à imigração ilegal. No entanto, o recorrente não examinou o 3.º arguido nas Portas de Cerco, só devendo ser punido como cúmplice. Assim, a condenação do recorrente como autor material pela decisão recorrida violou o disposto do art.º 26.º do Código Penal de Macau.
   18. Além disso, de acordo com os factos provados, em 18 de Fevereiro de 2006, o 3.º arguido C, deixou o Interior da China via Gongbei, sequentemente entrou no Átrio de chegada das Portas do Cerco. No momento de o 3.º arguido mostrar ao 2.º arguido o documento do recorrente, o crime de auxílio à imigração ilegal chegou a ser exercido; no entanto, os factos provados não indicam quando e onde o recorrente passou ao 3.º arguido o seu documento comprovativo, o que não pode indicar se o recorrente intervinha antes do crime ou no decurso do crime. O recorrente considerou ter praticado somente os actos preparatórios de auxílio à imigração ilegal ou limitou-se a fornecer ao 3.º arguido o seu documento, razão pela qual deve ser punido como cúmplice.
   19. Mesmo com vossa opinião diferente, o recorrente ainda considerou que é excessiva a pena de 6 anos 6 meses de prisão, pela prática do crime de auxílio à imigração ilegal, tendo se verificado dupla valoração na determinação da medida de pena.
   20. O art.º 14.º n.º 1 da Lei n.º 6/2004 fixa a moldura penal do crime de auxílio à imigração ilegal em 2 a 8 anos, tendo a pena sido agravada pelo art.º 23.º da mesma Lei para 5 a 11 anos, quando se trata do crime regulado pela mesma Lei, praticado pelo membro de Força de Segurança de Macau ou outros funcionários públicos. Por outras palavras, os legisladores, ao elaborar lei, consideraram a prática de tal crime pelo guarda ou funcionário público como circunstâncias agravantes. No entanto, o Tribunal de 1.ª instância ao determinar a medida de pena, mais uma vez teve em conta o estatuto do recorrente como polícia.
   21. O recorrente entendeu que o seu estatuto de ser polícia não deve ser mais considerado pois o art.º 24.º levou isso à circunstância agravante, sob pena da dupla valoração, pelo que para efeito da determinação da pena, é de ter em conta o critério geral e circunstâncias reguladas no art.º 65.º do CPM. O recorrente entendeu que pela sua intensidade de culpa, deve ser condenado na pena de 5 anos de prisão e a duração desta pena de 5 anos é suficiente para aterrorizar outros membros da Força de Segurança da prática do mesmo crime, até atingindo a finalidade de prevenção geral e especial; se a pena concreta aplicada atingir 6 anos 6 meses de prisão, assim como entendido a decisão recorrida, o recorrente considerou que a pena tem o efeito insignificativo na prevenção geral e especial do crime.
   22. Face ao exposto, o recorrente entendeu que a decisão recorrida violou o princípio de culpabilidade e o princípio de non bis in idem previsto no art.º 65.º do Código Penal.”
   Pedindo o provimento do recurso e a revogação do acórdão recorrido.
   
   O segundo arguido B, na sua motivação de recurso, concluiu de seguinte forma:
   “1. O recorrente foi condenado pelo Tribunal a quo e Tribunal de Segunda Instância na pena de prisão de 6 anos e 6 meses pela prática em co-autoria material (juntamente com o 1.º arguido A) e na forma consumada de um crime de auxílio para a imigração ilegal previsto e punido pelo art.º 14.º, n.º 1 e art.º 23.º da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto.
   2. O recorrente entende que no acórdão recorrido há questão (ou vício) de direito de que pode conhecer, indicado no art.º 400.º, n.º 1 do CPPM.
   3. Em primeiro lugar, a questão relativa à aplicação de lei:
   4. Sobre a validade do mandado de inibição de entrada: no respectivo mandado de inibição de entrada na RAEM constante de fls. 10 dos autos do processo n.º CR3-06-0234-PCS, o nome da respectiva pessoa estava em erro. Ora, a forma correcta de escrever o nome do 3.º arguido em romanização devia ser “C”, porém, o nome escrito no respectivo mandado era “D”. Surge assim um vício material, fazendo com que o 3.º arguido C não pudesse perceber a quem é que foi emitido o mesmo mandado de inibição.
   5. Acresce que, à emissão do mandado de inibição falta o procedimento da audiência de interessado, previsto no art.º 93.º do CPAC, sendo assim violado o princípio de participação previsto no art.º 10.º do mesmo código. Prevê-se claramente, no art.º 3.º, n.º 3 do CPAC, a importância do princípio de contraditório em toda a acção judicial. Assim, tendo sido violado o direito de defesa do 3.º arguido C e o disposto nos art.ºs 112.º, n.º 1 e 113.º, n.º 1 do CPAC, deve-se entender que o respectivo mandado de inibição de não produz, desde o princípio, quaisquer efeitos jurídicos.
   6. É certo que se prevêem nos art.ºs 96.º e 97.º do CPAC algumas situações excepcionais nas quais inexiste ou pode ser dispensada a audiência de interessado, porém, não se verifica neste caso de “diligência de polícia” o preenchimento destes preceitos.
   7. Daí se pode concluir que, o respectivo mandado de inibição de entrada na RAEM (emitido ao réu C) deve ser considerado nulo, por não ter sido precedido da audiência do interessado e existir erro no nome da pessoa. Assim sendo, o 3.º arguido C não é a pessoa interdita, pelo que, o recorrente não chegou a prestar auxílio a outrem na imigração ilegal, visto que nunca houve imigrante ilegal. Pelo exposto, o recorrente deve ser absolvido do crime.
   8. O acórdão recorrido violou também o princípio de livre apreciação das provas (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada).
   9. Nem o 1.º arguido A, nem o recorrente chegaram a confessar, nas suas declarações (a fls. 6 e 7 dos autos de processo n.º: CR3-06-0290-PCC), que tinha discutido com o outro sobre como deixar passar o 3.º arguido C. É realmente difícil descobrir o conteúdo da conversa entre o recorrente e A no corredor com base numa vídeogravação apenas com imagem (sem som). Tanto mais que, o 1.º arguido A conversou não apenas com o recorrente, mas também com outros colegas. Se com a conversa de apenas alguns minutos já os dois chegaram ao acordo de cometer crime, então, também os outros colegas poderiam ser co-arguidos ou cúmplices. No entanto, não é essa a realidade. Com a conversa, o 1.º arguido A apenas pediu que o seu colega de longa data (outro recorrente) o ajudasse a tratar dos trâmites de passagem, que pela urgência de voltar ao seu posto de trabalho, não conseguiu tratar conforme procedimentos normais, em vez de falar com ele sobre a prestação de auxílio a outrem na imigração ilegal. Assim sendo, na existência de tantas dúvidas, os factos acima referidos não devem ser considerados como provados.
   10. Não se consegue provar de forma absoluta que a pessoa cuja fotografia constante de fls. 74 dos autos do processo n.º CR3-06-0290-PCC era o arguido C.
   11. Nos termos do art.º 337.º, n.º 4 do CPPM, o defensor do 3.º arguido solicitou na audiência que fosse lida a declaração prestada pelo seu constituinte na PSP, cujo teor consta de fls. 19 dos autos do processo n.º: CR3-06-0290-PCC, onde o 3.º arguido C declarou ter entrado ilegalmente na Região, via Hengqin, de barco em 18 de Fevereiro de 2006. Assim sendo, a sua declaração deve ser também considerada como prova. Porém, o juiz não o fez.
   12. O recorrente exerceu em audiência, o direito de silêncio atribuído por lei, e também não foi referido em declaração de qualquer das pessoas que o arguido C entregara um documento ao recorrente, ou que o 1.º arguido A entregara o seu BIRM a C, nem se vê na respectiva videogravação que o 3.º arguido entregara um documento ao recorrente. Isto fez com que o recorrente não pudesse perceber porque é que se deram como provados os respectivos factos.
   13. Tanto mais que, a declaração do dito arguido foi dado como provado sem ser examinada em audiência, o que violou obviamente o disposto no art.º 336.º, n.º 1 do CPPM.
   14. Daí se vê que, é difícil chegar à conclusão de que o recorrente e os arguidos A e C, de forma concertada, em conjugação de esforços e com distribuição de tarefas, arranjaram e auxiliaram o 3.º arguido a entrar ilicitamente em Macau, visto que não se pode determinar se o arguido C entrou em Macau na referida hora, e se bem que se comprovasse que o mesmo entrou na hora supradita, ainda não se pode provar que o 1.º arguido A entregara a C o seu BIRM. Tanto mais que, não se pode provar que o recorrente chegou a discutir com os outros dois arguidos sobre a matéria do crime.
   15. Na ausência de provas, os referidos factos devem ser considerados não provados, uma vez que o Juiz não pode fazer livre apreciação se não com base em provas.
   16. Portanto, na falta de provas que merece credibilidade e na impossibilidade de demonstração de que a pessoa que entrara em Macau pelo balcão n.º 25 fosse o próprio C, o recorrente deve ser absolvido do crime, segundo o princípio de “in dubio pro reo”, princípio esse que é fundamental para o direito processual penal.
   17. Finalmente, no que diz respeito à determinação da medida de pena: Se o Dr. Juiz não entender assim, então, ainda tem que ponderar sobre a determinação de medida de pena. Os factores a levar em consideração são: as diversas circunstâncias do crime, tal como a ilicitude, o intensidade de dolo, a prevenção criminal e a atitude do agente posterior ao cometimento de crime, bem assim como as situações do presente caso concreto, o princípio da culpa, que segundo o art.º 40.º, n.º 2 do CPM, “a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa”. Ora, in casu, tendo em consideração a circunstância agravante de o agente ser membro das Forças de Segurança de Macau, prevista no art.º 23.º da Lei n.º 6/2004 de 2 de Agosto, a moldura penal abstracta já foi elevada de 2 a 8 meses para 5 a 11 anos, pelo que, o recorrente entende que não deve ser condenado na pena de prisão de 6 anos e 6 meses. Assim sendo, entende o nosso recorrente que deve ser condenada na pena de prisão de 5 anos.”
   Pedindo que seja julgado procedente o recurso, revogado o acórdão recorrido ou alterada a pena do recorrente para cinco anos de prisão.
   
   O Ministério Público apresentou a seguinte resposta:
   “Na motivação de recurso, as questões suscitadas pelos recorrentes A e B são essencialmente idênticas, que são, designadamente, a da validade do mandado de inibição de entrada, a da violação do princípio de livre convicção e a da medida de pena.
   
   A primeira questão suscitada pelos recorrentes é a validade do respectivo mandado de inibição de entrada emitida pelas autoridades de Macau contra o réu C, alegando que o nome referido no mandado de inibição estava em erro, e que foram violados os princípios de participação e de contraditório ao não proceder à audiência do interessado previsto no art.º 93.º do CPAC, pelo que, deve ser considerado nulo; que o réu C não é pessoa interdita de entrar na RAEM, e que os recorrentes nunca chegaram a ajudar outrem a entrar ilicitamente na RAEM, devendo assim ser absolvidos.
   Não nos conformamos com tal entendimento.
   O que o art.º 14.º da Lei n.º 6/2004 visa punir é o acto de “transportar ou promover dolosamente o transporte, fornecer auxílio material ou por outra forma concorrer para a entrada na RAEM de outrem nas situações previstas no artigo 2.º.”
   O art.º 2.º da mesma diploma enumera três situações, designadamente, a de entrar na RAEM fora dos postos de migração; a de entrar sob falsa identidade ou mediante o uso de documentos de identificação ou de viagem falsos; e a de entrar durante o período de interdição de entrada.
   Na presente causa, o réu C entrou na RAEM utilizando a BIRM de A (um dos recorrentes do presente processo), ou seja, entrou na RAEM sob falsa identidade, e entretanto, deve ser considerado imigrante ilegal.
   Por outro lado, estão envolvidos, na presente causa, dois mandados emitidos pelas autoridades competentes, sendo o primeiro emitido em Abril de 2002 (registado no processo n.º CR3-06-0234-PCS), e o outro em Janeiro de 2006.
   Ainda que exista realmente erro de nome no respectivo despacho de inibição de entrada na RAEM constante de fls. 10 dos autos do processo n.º CR3-06-0234-PCS indicado pelos recorrentes, o mesmo erro não produziu a respectiva consequência (a de fazer com que o réu não pudesse perceber contra quem é que era emitido o mandado), visto que, tal como mostrado no acórdão proferido pelo TJB, o réu confessou os factos imputados no processo n.º CR3-06-0234-PCS ao ser interrogado no Ministério Público, sendo a respectiva declaração lida na audiência a solicitação do seu defensor. Daí se vê que, o réu C sabia perfeitamente que ele era inibido de entrar na RAEM.
   Além disso, segundo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, o réu C foi expulso do território de novo pela PSP em 14 de Janeiro de 2006, e inibido de entrar na RAEM durante três anos. Quanto a esse facto, os recorrentes não fizeram qualquer impugnação. É óbvio que a data em que o réu C entrou na RAEM (dia 18 de Fevereiro do ano 2006) se encontra no período de inibição.
   Por outro lado, a alegação de que o mandado de inibição da entrada é nulo por não ser precedida da audiência de interessado também não merece provimento, uma vez que, mesmo que fosse preterida a respectiva audiência, isto só determinará a eventual anulabilidade do acto das autoridades competentes, mas não a sua nulidade. Como se sabe, os actos anuláveis produzem os seus efeitos jurídicos antes de serem anulados ou revogados. Na presente causa, não existem quaisquer dados demonstrativos de que o mandado já tenha sido anulado ou revogado, e mais ainda, os recorrentes já não podem intentar acção de anulação, visto que o prazo para o recurso contencioso fixado pelo n.º 2 do art.º 25.º do CPAC já se expirou há muito tempo.
   Pelo exposto, a alegação de que os recorrentes não prestaram auxílio a outrem na imigração ilícita por o respectivo mandado de inibição ser nulo é completamente indefensável.
   
   Mais ainda, os recorrentes entendem que foi violado o princípio de livre convicção das provas, considerando que as provas produzidas são insuficientes para o tribunal a quo formar a convicção sobre os factos, e que os factos provados são contraditórios com os dados constantes dos autos, não podendo, desta maneira demonstrar que os recorrentes tinham ajudado o réu C a entrar na RAEM em conjugação de esforços e distribuição de tarefas com este último.
   Porém, tal ponto de vista também é insustentável.
   Em primeiro lugar, os recorrentes fizeram uma análise isolada e separada sobre as provas, entendendo não haver provas directas de que eles tenham discutido sobre a prestação de auxílio na entrada ilegal do réu C, e que os recorrentes nunca chegaram a confessar os respectivos factos.
   É de salientar, porém, que todas as provas no processo têm de ser analisadas duma forma global, e se bem que não haja provas directas demonstrativas de certo facto, o tribunal ainda o pode dar como provado sempre que se forme uma cadeia de provas que provem conjuntamente o respectivo facto.
   No presente processo, foram ouvidas no Tribunal Judicial de Base muitas testemunhas, e assistida a videogravação apreendida no processo, acompanhada com a análise detalhada dos guardas da PSP responsáveis pelo inquérito.
   Analisado o facto de ter encontrado na posse do réu C o Boletim de Chegada de Passageiros a Macau quando este foi interceptado pelos guardas, e o conteúdo da respectiva vídeogravação, o TJB formou a convicção de que o réu C entrou no território de Macau via balcão de B, utilizando o documento de identificação de A, sendo introduzidos no sistema informático os dados identificativos do recorrente B. Embora os recorrentes não tenham confessado que chegaram a negociar sobre o assunto, segundo a regra de experiência, a ocorrência do assunto só podia ser resultado duma concertação prévia.
   É de salientar que, não foi com base nas fotografias tiradas da videogravação de fls. 74 dos autos que o Tribunal a quo formou a convicção de que o réu C entrou no território de Macau pelas as Portas do Cerco, mas sim na observância das imagens do vídeo acompanhada com análise dos respectivos guardas. Não se pode deixar de lado que, emboras as respectivas fotos se constem dos autos do processo, o tribunal a quo não as tomou como fundamento de decisão. Daí se pode saber que o Tribunal a quo não confirmou o réu C como indivíduo na referida fotografia, o que justificou o conflito invocado pelo recorrente B, que existiria entre a hora manifestada na fotografia e a hora da chegada de C comprovada pelo Tribunal.
   Além do mais, o réu C alegou ter entrado ilegalmente na Região, a partir de Hengqin, de barco em 18 de Fevereiro de 2006. Todavia, os dados nos autos indiciam que ele naquele dia, munido de documento válido, deixou Zhuhai através de Gongbei, pelo que a sua alegação não merece credibilidade.
   O recorrente não tem nenhum fundamento ao censurar a violação do Tribunal a quo do art.º 336.º n.º 1 do CPPM, pois é óbvio que o Tribunal a quo não tomou as declarações prestadas pelo recorrente antes da audiência como fundamento de convicção.
   Face ao exposto, consideramos que nos autos não há qualquer elemento de que o Tribunal a quo tenha violado o princípio de livre apreciação das provas; pelo contrário, o Tribunal a quo formou sua convicção com base na síntese da prova apreciada na audiência (nomeadamente a vídeogravação e a análise do seu teor feita pelo respectivo guarda) em consonância com o princípio de livre apreciação das provas.
   
   Por fim, os dois recorrentes propuseram a comutação da pena face à medida de pena determinada pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma deve ser reduzida para cinco anos (pena mínima legal).
   O recorrente A entendeu que ele devia ser quando muito visto como cúmplice, pelo que deve ser, nos termos do art.º 26.º n.º 2 e art.º 74.º do Código Penal, especialmente atenuada a pena aplicada.
   No entanto, conforme os factos apurados pelo Tribunal a quo, o recorrente A entregou o seu BIRM ao réu C, agindo de forma combinada com outro recorrente B, com divisão de trabalho. Assim, a sua conduta não se limita a uma mera “prestação de auxílio material ou espiritual”, mas uma verdadeiramente participação directa no acto criminoso. Por isso, os recorrentes devem ser punidos como autores materiais, para além de preencher as circunstâncias agravantes previstas no art.º 23.ºda Lei n.º 6/2004 dado ao seu estatuto de membro da Força de Segurança.
   Da referida decisão recorrida, pode-se ver que ao determinar a aplicação da medida concreta da pena aos dois recorrentes, o Tribunal a quo ponderou o critério estipulado nos art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal, a moldura penal aplicável ao crime cometido pelos recorrentes (tendo em conta as circunstâncias agravantes), os comportamentos anteriores e posteriores ao crime (o estatuto dos recorrentes como delinquentes primários, e o facto de estes manterem silêncio na audiência), as circunstâncias e consequências do crime bem como a exigência da prevenção do crime, entre outros. Entendemos que a medida concreta da pena determinada pelo Tribunal a quo não é imprópria.
   Excepto a qualidade de delinquente primário, o recorrente não reveste de nenhuma outra circunstância atenuante; nem ele próprio alegou qualquer circunstância atenuante para a consideração do Tribunal.
   Nem podemos retirar a conclusão de que o tribunal fez uma dupla valoração da circunstância agravante (de os recorrentes serem guardas).
   No nosso entender, tendo em conta a culpa do recorrente, as circunstâncias concretas do processo, a sua nocividade assim como a exigência da prevenção do crime (sobretudo a prevenção geral), é justo condená-los na pena de 6 anos 6 meses de prisão, o que não violou os preceitos legais.
   
   Nos termos expostos, consideramos que os recursos interpostos pelos recorrente não se devem proceder.”
   
   Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público mantém a posição assumida na resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Foram dados como provados os seguintes factos pelos Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância:
   “A partir do dia 4 de Setembro de 1995, os 1.º arguido A e 2.º arguido B começaram a desempenhar função de guarda no C.P.S.P.
   Os arguidos estavam subordinados ao Serviço de Migração da Portas do Cerco, Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco.
   Em 14 de Janeiro de 2006, o 3.º arguido C foi expulso pelo CPSP, tendo sido interdito de entrar em Macau por um período de 3 anos.
   Em 18 de Fevereiro, pelas 13h45 e pouco, o guarda n.º XXXXXX E, quando estava trabalhando no Balcão n.º 7 para visitante, no Átrio de Chegada do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, pedindo auxílio a outros guardas ajudantes do Centro de Controlo uma vez que precisava ir à casa de banho. Naquela altura, o chefe mandou o 2.º arguido B para o ajudar, deixando este a utilizar o carimbo n.º P.C.328 para entrada das Portas do Cerco, usado pelo guarda E.
   Depois de cerca de dois minutos, o guarda E regressou ao seu posto para continuar o trabalho, o 2.º arguido B deixando aquele balcão.
   No mesmo dia (18 de Fevereiro de 2006), pelas 14h46, o 1.º arguido A depois de ter passado pela entrada da Átrio de Chegada do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, via terra de ninguém de Gongbei, entrou logo na passagem para funcionário no lado esquerdo do Átrio, a fim de ir ao vestiário daquele comissariado para pôr o uniforme, sem que a sua entrada foi processada.
   De acordo com o Departamento da Segurança Pública de Guangdong, no mesmo dia (18 de Fevereiro de 2006), pelas 14h47m47s, o 3.º arguido C, munido do Salvo-conduto para os Residentes de Hong Kong e Macau Entrar e Sair do Interior da China n.º XXXXXXXXXXX, deixou o Interior da China via Gongbei.
   O 1.º arguido A, depois de pôr seu uniforme, conversava com o 2.º arguido B por alguns minutos, na passagem para funcionário entre a entrada da cantina e a entrada da sala de visto, abordando-se sobre a entrada do 3.º arguido C na Região.
   Naquele dia (18 de Fevereiro de 2006), pelas 15h08, o 2.º arguido B saiu, a partir da sala de visto, da passagem por trás do Balcão da Átrio da Chegada, deslocando-se ao balcão n.º 25 para residente, começou o seu trabalho de examinar cartão de identificação enquanto o 1.º arguido A saiu também da sala de visto, deambulava alguns minutos pela passagem atrás do Balcão de Átrio de Chegada, e várias vezes fez chamada com seu telemóvel.
   Às 15h12 daquele dia, sob instrução dos dois arguidos, o 3.º arguido C veio ao balcão n.º 25 para residente do Átrio de Chegada do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, exibindo ao 2.º arguido B o BIRM n.º X/XXXXXX/X previamente oferecido pelo 1.º arguido A e a ele pertencente. O 2.º arguido B registou de imediato os dados do BIRM no computador, deixando o 3.º arguido C a entrar em Macau com sucesso, sem ser descoberto como indivíduo interdito de entrar em Macau.
   Em 3 de Março de 2006, o 3.º arguido C foi descoberto pelo agente da P.J que estava permanente em Macau no período em que a sua entrada é interditada, tendo o agente encontrado o aludido Boletim n.º XXXXXXXXX, com selo n.º P.C.328 no verso, da data da entrada de 18 de Fevereiro de 2006 na sua posse.
   Após a comparação feita pelo C.P.S.P de Macau, foi comprovado que o selo no verso do referido boletim é exactamente correspondente ao carimbo n.º PC328 do Serviço de Migração do CPSP.
   Examinados os registos da entrada e saída da fronteira do Serviço de Migração, o CPSP comprovou que não havia registo da entrada do 3.º arguido C no dia 18 de Fevereiro de 2006.
   Os 1.º e 2.º arguidos, enquanto membros das Forças de Segurança de Macau, de forma concertada, em conjugação de esforços e com divisão de trabalho, arranjaram e auxiliaram o 3.º arguido, cuja entrada era interdita, a entrar na Região com intenção de fazer este permanecer ilegalmente em Macau.
   O 3.º arguido deteve um Boletim de saída dos passageiros de Macau com selo n.º PC328 para entrada das Portas de Cerco, falsamente posto, a fim de o mostrar ao ser interceptado pelo polícia, sabendo bem que o referido boletim era falsificado.
   No entanto, como concertada pelos três arguidos, em conjugação de esforços e com divisão de trabalho, o 1.º arguido deu o seu BIRM ao 3.º arguido para este mostrar ao 2.º arguido no balcão n.º 25 do Átrio de Chegada do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, deixando este a entrar em Macau sem ser descoberto por outros.
   Os três arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, sabendo bem que as suas condutas não foram permitidas e que seriam punidas pela Lei.

   Em 22 de Abril de 2002, o arguido C foi notificado pelo CPSP da interdição da sua entrada na R.A.E.M por um período de 5 anos.
   Depois de regressar para Hong Kong, numa determinada noite de Janeiro de 2005, o arguido, recorrendo à ajuda de um indivíduo não identificado e pagando-lhe HKD3.000,00, clandestinamente entrou em Macau no barco, a partir de Henqin do Interior da China.
   A seguir, por intermédio do seu amigo F, o arguido comprou, no Casino, com HK$1.000,00, um Boletim de entrada e saída de Macau n.º XXXXXXXXX, no verso do qual foi posto o selo para entrada das Portas de Cerco, com a data limite para entrada e saída da Região, “desde 18 de Junho de 2005 até 17 de Junho de 2006”.
   O arguido sabia bem que o referido boletim foi falsificado, pois ele entrou em Macau não através do meio legal.
   Em 12 de Janeiro de 2006, pelas 22h30, o guarda policial na actuação de contra-crime nas imediações do Hotel, interceptou o arguido C à frente do Hotel, e este mostrou naquela altura ao guarda um BIR de Hong Kong n.º XXXXXXX(X) e o supradito boletim n.º XXXXXXXXX.
   Examinados os registos de entrada e saída da Região do arguido pelo CPSP, não se consegue verificar o seu registo da entrada a partir do dia 1 de Dezembro de 2003; além disso, após o exame, comprovou-se que o selo de entrada no verso do Boletim n.º XXXXXXXXX foi falsificado.
   O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, apesar de saber bem que o dito boletim n.º XXXXXXXXX era contrafeito, usou-a como se fosse autêntico, com intenção de desorientar a autoridade da RAEM a fim de conseguir permanecer na RAEM durante o longo período.
   A conduta do arguido prejudicou a fé pública daquela categoria de documento bem como a segurança e confiança transmitida nas relações normais, ferindo a confiança que a RAEM e o terceiro tem na autenticidade e legalidade daquele tipo de documento, pondo em risco o interesse da Região e do terceiro.
   O arguido sabia bem que a sua conduta é proibida e punida pela Lei.

   Ficam provados ainda os seguintes factos:
   De acordo com o CRC, o 1.º arguido é delinquente primário.
   O 1.º arguido, antes de ser preso, desempenhava o cargo de guarda do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco do Serviço de Migração, sendo a sua mulher croupier do Casino. Ambos têm os dois filhos de 7 e 3 anos. Terminou o arguido o curso do ensino secundário geral, tendo este sido preso noutro processo de inquérito por se envolver no crime relacionado com droga.
   Em consonância com o CRC, o 2.º arguido é delinquente primário, sendo guarda do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco mediante o salário de cerca de MOP$10.000,00. O arguido ingressou no serviço em 1995, tendo sido o seu cargo suspenso a partir de 6 de Abril de 2006 por ele se envolver neste processo, recebendo assim apenas dois terço do seu salário mensal. O arguido e a sua ex-namorada têm um filho de 9 anos, vivendo com ele. O arguido acabou o 8.º ano do curso do ensino secundário.
   De acordo com o CRC, o 3.º arguido não é delinquente primário.
   Em 22 de Janeiro de 2007, o 3.º arguido foi condenado, pelo 2.º juízo criminal do Tribunal, na pena de 3 meses de prisão efectiva por cometer um crime de imigração ilegal no processo n.º CR2-06-0279-PCS, com suspensão da execução da pena por 1 ano. A decisão transitou em julgado em 1 de Fevereiro de 2007. Tal crime foi cometido em 18 de Fevereiro de 2006.
   Além disso, o 3.º arguido alegou ter sido condenado em Hong Kong, 10 anos atrás, na pena de 36 meses de prisão pela prática da burla, foi libertado após ter cumprido 24 meses de prisão. O arguido ainda declarou ser bate-ficha mediante salário mensal de HKD$10.000,00, tendo os pais a seu cargo.
   Terminou o arguido o 9.º ano do curso do ensino secundário.

   Factos não provados:
   Outros factos enunciados na acusação, desconforme aos factos provados:
   O 2.º arguido B, ao substituir o guarda E no seu posto, usou o supradito carimbo n.º P.C.328 para chegada das Portas do Cerco, carimbou no Boletim para chegada dos passageiros de Macau n.º XXXXXXXXX, e depois botou-o no bolso das calças.
   Os 1.º e 2.º arguidos entregaram ao 3.º arguido C o referido boletim n.º XXXXXXXXX com selo para chegada das Portas de Cerco no verso, da data de 18 de Fevereiro de 2006.
   Os três arguidos, de forma concertada, em conjugação de esforços e com divisão de trabalho, estamparam falsamente no Boletim de saída de passageiros de Macau com selo n.º PC328 para entrada da Portas do Cerco.”
   
   
   Uma vez que os dois recorrentes suscitaram as mesmas três questões que os recursos anteriores, com os fundamentos essencialmente iguais, passamos a apreciá-los em conjunto.
   
   
   2.2 A validade da ordem de proibição de entrada na Região
   Em relação ao crime de auxílio à imigração ilegal a que foram condenados, os recorrentes alegam que a ordem de interdição de entrada constante das fls. 10 do processo n.° CR3-06-0234-PCS foi emitida para um outro residente de Hong Kong de nome D, e não para C dos presentes autos. Por outro lado, resulta das fls. 37 e 69 dos autos do processo n.° CR3-06-0290-PCC que C foi expulso em 14 de Janeiro de 2006 e interdito de reentrar no prazo de três anos. No entanto, não foi cumprida a formalidade de audiência, sendo tal ordem nula por ter violado o direito de defesa de C e do princípio de participação.
   
   De acordo com os elementos dos autos, de Abril de 2002 a Março de 2006, foram emitidas pelas autoridades da Região três ordens de proibição de entrar na Região contra C.
   A primeira ordem consiste na interdição de entrada constante das fls. 10 do apenso dos presentes autos (o processo n.° CR3-06-0234-PCS). Na parte de fundamentação da ordem refere expressamente que se visa o residente de Hong Kong C dos presentes autos e mais ainda os seus elementos pessoais como o número de bilhete de identidade de Hong Kong. Mas da parte de decisão consta antes o nome de D. Trata-se manifestamente de lapso de escrita que devia ser corrigida segundo o disposto no art.° 135.° do Código de Procedimento Administrativo. No termo de notificação ulterior, C afirmou expressamente que tomou conhecimento do conteúdo do referido despacho e de que foi interdito de entrar na RAEM (fls. 9 do apenso). Ao abrigo do art.° 122.° do mesmo Código, tal erro não determina a nulidade do acto, sendo certo que o interessado também não o impugnou. Por isso, tal ordem é válida para C.
   Segundo esta ordem, C foi interdito de entrar na RAEM durante cinco anos. O despacho foi proferido em 22 de Abril de 2002. Da factualidade apurada no presente processo, C entrou na Região em 18 de Fevereiro de 2006, ou seja, ainda dentro do período de interdição. De acordo com a definição prescrita no art.° 2.°, n.° 1, al. 3) da Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão (Lei n.° 6/2004), C devia ser considerado em situação de imigração ilegal, o que corresponde a um dos elementos objectivos do crime de auxílio à imigração ilegal previsto no art.° 14.° da mesma Lei. Torna-se, assim, desnecessário conhecer da segunda ordem de interdição de entrar na RAEM emitida em 14 de Janeiro de 2006 contra C e a questão procedimental suscitada sobre a falta de audiência.
   
   
   2.3 Violação do princípio de livre convicção
   Os recorrentes alegam a violação do princípio de livre convicção, nomeadamente do disposto no art.° 336.° do Código de Processo Penal (CPP), em relação a vários factos provados, especialmente sobre a ajuda dada a C para entrar ilegalmente na Região mediante acordo dos mesmos.
   Para os dois recorrentes, remeteram ao silêncio em audiência, as suas declarações não foram examinadas em audiência; o 3° arguido C, ao prestar declarações, afirmou que entrou ilegalmente em Macau de barco vindo de Hengqin cerca das sete horas de noite do dia 18 de Fevereiro de 2006; o cassete de vídeo passado em audiência revela apenas que o 2° arguido B, ao verificar a identidade dos passageiros que entravam na Região, deixou entrar um indivíduo de figura semelhante com a do 3° arguido C, sem mais elementos dos autos que permitiam comprovar o acordo dos dois recorrentes em ajudar o 3° arguido a entrar em Macau; as conclusões do relatório da PSP resultam da apreciação pessoal do agente policial que o elaborou, havendo um parágrafo do relatório a referir que o indivíduo verificado no cassete não era C.
   Alega ainda o recorrente B que os dois recorrentes não discutiram sobre a ajuda à imigração ilegal ao conversarem no corredor reservado a funcionários do posto fronteiriço das Portas do Cerco. A fotografia deste Posto a fls. 74 dos autos não revela a entrada do 3° arguido C através das Portas do Cerco, e existe diferença de horas nas conclusões do tribunal.
   
   De acordo com a motivação de facto do Tribunal Judicial de Base, para chegar aos factos provados, o tribunal colectivo analisou conjuntamente os depoimentos do 3° arguido C e das testemunhas, bem como os documentos e apreendidos examinados em audiência, nomeadamente o cassete de vídeo.
   É manifesto que as declarações dos recorrentes como arguidos não foram valoradas; segundo as informações fornecidas pelas autoridades de segurança pública do Interior da China, o 3º arguido C partiu do posto fronteiriço de Gongbei com o Salvo-conduto para os Residentes de Hong Kong e Macau Entrar e Sair do Interior da China no dia 18 de Fevereiro de 2006 pelas 14:47:47; a referência do mencionado relatório da PSP de que o indivíduo verificado no cassete não era C devia relacionar com outra passagem do cassete, pois, na realidade, no segundo parágrafo a seguir do relatório referia já que no cassete dos postos de entradas foi verificado realmente como o 3º arguido entrou pelo guichet n.º 25 destinado a residentes de Macau; o tribunal colectivo não fundamentou a sua convicção sobre o processo de entrada do 3º arguido em Macau apenas nos fotografias das fls. 74 dos autos, mas sim no conteúdo do cassete.
   Assim, as alegações dos recorrentes nesta parte são desprovidas manifestamente de fundamentos. Não há violação do princípio de livre convicção na motivação de facto do tribunal colectivo, nem do disposto do art.º 336.º, n.º 1 do CPP no sentido de valorar as provas não produzidas ou examinadas em audiência.
   
   
   2.4 A distinção entre autor e cúmplice
   Em relação à questão de medida de pena, o recorrente A considera que, mesmo que fosse condenado pela prática do crime de auxílio à imigração ilegal, apenas prestou ajuda material, isto é, entregou o seu bilhete de identidade de residente de Macau ao 2º arguido, devendo ser imputado como cúmplice com pena especialmente atenuada. Ao passo que o 2º arguido devia ser considerado como o verdadeiro autor directo por ter deixado entrar C.
   
   Trata-se, materialmente, de uma questão de enquadramento jurídico e não de medida de pena.
   De acordo com as definições de autoria e cumplicidade prescritas nos art.º 25.º e 26.º do Código Penal, a distinção das duas figuras consiste em que o autor participa directamente na execução do crime e o cúmplice presta apenas auxílio material ou moral à prática do crime.
   Conforme os factos provados:
   No dia em que foi praticado o crime, o 1º arguido A, depois de deixar o Interior da China através de Gongbei, entrou directamente no vestiário destinado aos agentes policiais do Comissariado do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, por meio do corredor reservado a funcionários neste Posto, sem cumprir as formalidades de entrada em Macau.
   Posteriormente, o 3º arguido entrou na fila de entrada dos residentes de Macau, mostrando o bilhete de identidade de residente de Macau do 1º arguido que lhe entregou por este antecipadamente. O 2º arguido que foi destacado ao respectivo guichet introduziu os dados deste bilhete de identidade no registo informático de entrada, deixando assim o 3º arguido entrar em Macau ainda na situação de interdição de entrada.
   É bastante evidente que os 1º e 2º arguidos, aproveitando a facilidade resultada do facto de ser agente policial e destacado no posto fronteiriço e por meio de plano e divisão de tarefas pré-definidos, ajudaram conjuntamente o 3º arguido a entrar em Macau sem problema que era proibido de entrar na Região, sem ser interceptado por causa desta situação. Embora não fosse o 1º arguido quem permitiu pessoalmente a entrada do 3º arguido, também deve ser condenado como co-autor por ter participado materialmente todo o processo do crime, através do concluio com o 2º arguido e do fornecimento do seu bilhete de identidade ao 3º arguido segundo a divisão de tarefas, a fim de facultar o 2º arguido deixar entrar o 3º arguido com este documento.
   
   
   2.5 Medida de pena
   Sobre o crime de auxílio à imigração ilegal a que foram condenados, os dois recorrentes entendem que as penas são demasiado pesadas. Alega ainda o recorrente A que o tribunal colectivo procedeu à dupla valoração do estatuto de agente policial dos recorrentes ao fixar as penas concretas. Consideram estes que as penas devem ser fixadas em cinco anos de prisão.
   
   Foi no momento em que o Tribunal Judicial de Base procedeu à fixação das penas concretas para o crime de auxílio à imigração ilegal que se tomaram em conta o estatuto de agente policial dos dois recorrentes, ao referir que “os actos criminosos foram praticados ao exercer as funções policiais”, como circunstância agravante prevista no art.º 23.º da Lei n.º 6/2004, pelo que não existe qualquer dupla valoração daquele estatuto funcional na fixação da pena concreta.
   Conjugando as disposições dos art.ºs 14.º e 23.º da mesma Lei, o crime agravado de auxílio à imigração ilegal é punível com pena de 5 a 11 anos de prisão. Considerando as circunstâncias do crime e as situações pessoais dos recorrentes, nomeadamente o modo como foi praticado o crime pelos recorrentes, os graus de dolo, o prejuízo provocado para a Região e a fé pública, bem como a necessidade de prevenção criminal, as penas de seis anos e seis meses de prisão a que foram condenadas não merecem qualquer censura.
   
   Devem, assim, os dois recursos ser rejeitados por manifesta improcedência.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar os recursos.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, condenam os recorrentes a pagar individualmente 4UC.
   Custas pelos recorrentes com as taxas de justiça individuais fixadas em 5UC.
   Passe mandados de desligamento e de detenção para cumprimento da pena contra o 1º arguido A e o 2º arguido B, respectivamente.
   Após o trânsito, comunique o conteúdo do acórdão ao processo n.º CR2-07-0203-PCC e à PSP.
   
   
   
   
   
   
   
   Aos 16 de Abril de 2008.




Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

Processo n.° 1 / 2008 1