Processo nº 714/2018
(Autos de recurso laboral)
Data : 29 de Novembro de 2018
Recorrente: A (Autor)
Recorrida : B (1.ª Ré)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, intentou, em 12/11/2015, junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, acção declarativa de processo comum do trabalho (LB1-15-0149-LAC), pedindo condenar a 1.ª Ré a pagar a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$269,270.00.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte teor na parte decisiva:
Condena-se:
- a 1.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$147,970.53, sendo:
- MOP$19,200.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$17,920.00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$27,810.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$27,810.00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$4,635.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$24,411.00 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas;
- MOP$11,072.50 pelas 8 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
- MOP$15,112.03 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
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Discordando da decisão, veio o Autor recorrer para este TSI, com os fundamentos de fls. 453 a 458, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e de feriado obrigatórios e, nesta medida, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que atenda à totalidade dos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial; Em concreto,
3. Ao condenar a 1.ª Recorrida (B) a pagar ao ora Recorrente apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
4. Assim, resultando provado que até 31/12/2002, o Recorrente não gozou de 107 dias de descanso semanal, deve a 1.ª Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$55,620.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$27,810.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer, devendo manter-se a restante condenação no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal; Acresce que,
5. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
6. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância;
7. Assim, resultando provado que durante o período da relação laboral em apreciação o Recorrente prestou trabalho durante 6 dias de feriado obrigatório para a 1.ª Recorrida (B) e de 6 dias de feriados obrigatórios para a 2.ª Recorrida (C), deve a 1.ª Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$6,952.00 - e não só de apenas Mop$4,635.00; e a 2.ª Recorrida (C) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$9,180.00 - e não só de apenas Mop$6,180.00, a título do triplo do salário, acrescidas de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
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A B 1.ª Ré, notificada do recurso interposto pelo Autor, em cujas alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Veio o Recorrente alegar que não se deve proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago no trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios, e que a 2.ª Ré (C), ora 2.ª Recorrida, deveria ter sido condenada a pagar ao Autor, ora Recorrente, a quantia de MOP9,180.00, e não só apenas de MOP6,180.00, a título do triplo do salário pelo trabalho prestado nos dias de feriados obrigatórios.
II. No que concerne à 2.ª Ré (C), ora 2.ª Recorrida, não se encontra preenchido um dos pressupostos específicos, ou requisitos de admissibilidade, do presente recurso, qual seja o da sucumbência.
III. O presente recurso para o Venerando Tribunal de Segunda Instância não é admissível quanto à 2.ª Ré (C), ora 2.ª Recorrida, devendo o mesmo, em consequência, improceder, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 583.º (Decisões que admitem recurso ordinário) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
IV. São dois os requisitos cumulativos para a admissibilidade do recurso em função do valor da acção e da sucumbência: (i) A causa tem de ter valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e (ii) A decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
V. O valor da sucumbência corresponde ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter.
VI. O mesmo é dizer que “não há recurso possível” para o Recorrente se o valor em que ele ficou vencido aferido em função do teor da alegação do recurso foi inferior a MOP25,000.00, salvo nas Cuações cuja recorribilidade vem expressamente prevista no artigo 110º do CPT.
VII. No presente caso, a 2.ª Ré (C), ora 2.ª Recorrida, foi condenada a pagar ao Autor, ora Recorrente, a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, a quantia de MOP6,180.00, quando o Recorrente defende em sede de alegações de recurso que a condenação deveria ter sido de MOP9,180.00, de onde resulta que o Recorrente ficou vencido apenas em MOP3,000.00.
VIII. Nesta conformidade, e no que à 2.ª Ré (C), ora 2.ª Recorrida concerne, não se encontra preenchido um dos pressupostos específicos, ou requisitos de admissibilidade, do presente recurso, qual seja o da sucumbência, e não estando em causa nenhuma das Cuações previstas no artigo 110º do CPT, o presente recurso não é admissível devendo o mesmo, em consequência, ser rejeitado.
IX. Veio o Recorrente no recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente os pedidos deduzidos a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e de feriados obrigatórios, por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo das sobreditas compensações e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
X. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da eventual compensação pelo trabalho prestado em dias de descansos semanal e feriados obrigatórios nada há a apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
XI. Nos termos do preceituado no artigo 17.º do Decreto-Lei 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
XII. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da Lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
XIII. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da Lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
XIV. Se o trabalhador já recebeu a remuneração, só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284).
XV. Do mesmo modo, de acordo com o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, se o trabalhador prestar trabalho no dia de feriado obrigatório, para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito a uma compensação equivalente ao dobro desse salário e não ao triplo, como pretende o Recorrente.
XVI. Aliás, neste sentido vai o Venerando Tribunal de Última Instância nas decisões proferidas nos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007, para cuja fundamentação se remete e de onde resulta claramente que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição.
XVII. Assim, tendo em conta que o Recorrente foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Entre 22 de Julho de 1999 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré, prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (A.)
2. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. fls.37 a 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (B.)
3. Entre 22/07/2003 a 27/02/2007, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré, prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente.(C.)
4. O Autor foi recrutado pela D - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, aprovado pelo Despacho n.º 1926/IMO/SACE/96, de 20/11/96. (1.º)
5. O referido contrato de prestação de serviço foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (2.º)
6. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés. (3.º)
7. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés e fixados de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (4.º)
8. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e as instruções das Rés. (5.º)
9. Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal. (8.º)
10. Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de "( ... ) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação". (9.º)
11. Entre 22/07/1999 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (10.º)
12. Entre 22/07/1999 a 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ ou géneros. (11.º)
13. Entre 22/07/2003 a 31/12/2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (12.º)
14. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) "(...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço". (14.º)
15. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (15.º)
16. Entre 22/07/1999 a 21/07/2003/ a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (16.º)
17. Entre 22/07/2003 a 27/02/2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (17.º)
18. Entre 22/07/1999 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (18.º)
19. Entre 22/07/1999 e 31/12/2002, o Autor prestou a sua actividade de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré. (19.º)
20. Entre 22/07/1999 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (20.º)
21. Entre 22/07/1999 e 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança em Ano Novo Chinês (3 dias) por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré. (21.º)
22. Durante o referido período de tempo, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (22.º)
23. Entre 22/07/2003 e 27/02/2007, o Autor prestou a sua actividade de segurança em Ano Novo Chinês (3 dias) por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré. (23.º)
24. Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (24.º)
25. Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (25.º)
26. Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de "comparticipação nos custos de alojamento". (26.º)
27. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego. (27.º)
28. Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré num regime de 3 rumos rotativas de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h), Turno C: (das 00h às 08h). (28.º)
29. Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor sempre respeitou o regime de rumos especificamente fixados pelas Rés. (29.º)
30. Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho continuo e consecutivo. (30.º)
31. Durante o período da relação de trabalho com a 1.ª Ré, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo, o Autor prestava trabalho durante dois períodos de 8 horas cada num período de 24 horas, sempre que se operasse uma mudança entre os turnos (C-B) e (B-A). (31.º)
32. A 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (32.º)
33. Por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (33.º)
34. Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por "suspeitos", sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais. (34.º)
35. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (35.º)
36. Cumprindo as ordens e as instruções que lhe eram emanadas pelos seus superiores hierárquicos. (36.º)
37. As Rés nunca atribuíram ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno. (50.°)
38. O autor gozava anualmente 24 dias de férias anuais, prestando trabalho nos outros dias em cada ano durante a relação de trabalho entre o autor e a 1ª Ré. (51.º)
39. O autor gozava anualmente 24 dias de férias anuais, e 46 dias de descanso semanal, prestando trabalho nos outros dias em cada ano durante a relação de trabalho entre o autor e a 2ª Ré. (52.º)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em Macau, na XXXXXX, Taipa, titular do Passaporte do Nepal nº XXXXXXXX, instaurou contra B, (adiante, B) e C (adiante, C), identificadas melhor nos autos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$404,730.00 acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
1.ª Ré (B):
- MOP$26,820.00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$19,200.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$86,005.00 (equivalente HK$83,500.00) pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$43,002.50 (equivalente HK$41,750.00) pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$18,540.00 (equivalente HK$18,000.00) a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- O montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença;
- MOP$37,080.00 (equivalente HK$36,000.00) a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas;
- MOP$22,660.00 (equivalente HK$22,000.00) pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
- MOP$22,660.00 (equivalente HK$22,000.00) pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
Tudo com os fundamentos que decorrem da sua petição inicial, que aqui damos por integralmente reproduzidos.
As Rés contestaram, pondo em crise, no essencial, a pretensão do Autor.
Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, foi absolvido a 1.ª Ré da instância quanto ao pedido da condenação do montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais e seleccionou-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
Na audiência de julgamento, o Autor requereu a redução do pedido de subsídio de alimentação quanto à parte a partir de 01/01/2007, bem como do pedido de indemnização pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho contra a 2.ª Ré.
A 2.ª Ré não se opõe.
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Questões a decidir:
- Se o contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual as Rés foram autorizadas a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
- Se o Autor tem direito aos créditos laborais por si reclamados e, caso se entenda pela positiva, determinar se são correctos os montantes indemnizatórios por si peticionados.
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FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Excepção peremptória da prescrição
Vem a 1.ª Ré arguir a prescrição parcial dos créditos laborais reclamados pelo Autor na medida em que a relação laboral em causa nos presentes autos se iniciou a 22/07/1999 e terminou a 21/07/2003, tendo sido a 1.ª Ré notificada para a apresentação da sua contestação a 08/01/2016 (mas não a 07/01/2016) pelo que todos os créditos desde o início da relação laboral até 07/01/2001 se encontram prescritos.
O Autor, em sede de resposta, veio, resumidamente, invocar que deve a prescrição dos créditos laborais tal qual invocada pela 1.ª Ré ser julgada improcedente, porque nula, por manifesto abuso de direito e contrariedade à boa-fé e ao fim social do direito previsto no artigo 326.º do CC. O Autor ainda alegou que a prescrição tem se por interrompida em 12 de Junho de 2015 pelo reconhecimento do direito, ficando assim inutilizada para tal efeito todo o tempo decorrido anteriormente nos termos dos artigos 317.º e 318.º do CC. Mais, o Autor invocou que a interrupção dos prazos de prescrição ocorre com a notificação das Rés para a tentativa de conciliação mas não com a citação das Rés para a apresentação da sua contestação.
Cumpre decidir.
Antes de mais, de acordo com o artigo 27.º, nº3 do CPC, a notificação do réu para a tentativa de conciliação interrompe os prazos de prescrição e caducidade. Por isso, a interrupção dos prazos de prescrição ocorre com a notificação da 1.ª Ré para a tentativa de conciliação, isto é, a 04/12/2015, mas não com a citação para a apresentação da sua contestação.
A questão que nos é colocada tem sido alvo de aturada discussão nos Tribunais da RAEM tendo a jurisprudência maioritária decidido que os créditos reclamados nesta acção estão sujeitos ao prazo geral consagrado no artigo 302.º do Código Civil por estarmos em face de prestações de cariz indemnizatório e não remuneratório (sendo certo que não existe uma norma específica a regular esta matéria como acontece, por exemplo, na legislação laboral substantiva vigente em Portugal, v.g. no artigo 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
Neste contexto, são despiciendas quaisquer outras considerações jurídicas ou doutrinárias sobre esta mesma questão, até por que a Ré faz correctamente o enquadramento desta questão ao suscitar a prescrição dos créditos laborais do Autor.
Os factos em causa nos presentes autos iniciaram-se a 22/07/1999 e terminaram a 21/07/2003 (o que é consensual entre as partes); há assim que determinar qual o prazo ordinário aplicável ao caso, se o do actual Código Civil de Macau, entrado em vigor em 01/11/1999, ou o do Código Civil de 1966, vigente àquela data (em face ao disposto no artigo 297.º do Código Civil de 1966 e ao disposto no artigo 290.º, n.º 1 do actual Código Civil).
Com a mesma redacção, os preceitos legais em causa, estatuem que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Regressando ao caso dos autos, se tivermos como referência a data de início do contrato de trabalho por ser a mais antiga, de acordo com o regime legal anterior, o prazo de prescrição de 20 anos foi efectivamente interrompido com a notificação da Ré para a tentativa de conciliação, pelo que os factos posteriores a 04/12/1995 poderiam ser conhecidos agora em juízo, na medida em que, quanto aos anteriores, se mostra ultrapassado o prazo referido.
Aplicando a nova lei, o prazo de prescrição de 15 anos, contados desde o início da entrada em vigor do novo Código Civil, mostra-se completo na data de 01/11/2014.
De acordo com as normas supra referidas (com igual redacção, dos Códigos Civis de 1966 e de 1999) é este o prazo que devia ser aplicado ao caso, na medida em que as normas citadas prevêem, precisamente, a situação em que a lei nova prevê o prazo mais curto, que deve ser o aplicável, só o não sendo quando, de acordo com a lei antiga, falte menos tempo para se completar. Ora, no caso dos autos o prazo previsto na lei antiga é mais longo do que a lei nova relativamente à relação laboral em causa e, portanto, não é o aplicável.
Não se provou toda a matéria de facto (quesitos 43.º a 49.º da base instrutória) com base da qual o Autor fundamentou o abuso de direito e reconhecimento do direito.
Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, julga-se parcialmente procedente a alegada excepção peremptória declarando-se prescritos os créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000.
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Enquadramento jurídico
Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende incorporadas no contrato de prestação de serviços que as Rés celebraram tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
Ficou provado que entre 22 de Julho de 1999 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré, prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. O Autor foi recrutado pela D - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, aprovado pelo Despacho n.º 1926/IMO/SACE/96, de 20/11/96. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, com efeitos a partir de 21/07/2003. Pois, entre 22/07/2003 a 27/02/2007, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré, prestando funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. Pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica.
Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes do mencionado contrato de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário ora Autor, citando-se como exemplo, o Acórdão datado de 25.07.2013, sob o Processo nº 322/2013, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária do contrato de prestação de serviços dado como assente o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor.
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Subsídio de efectividade
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) "(...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço".
Ficou provado que durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés.
Porém, entre 22/07/1999 a 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. E entre 22/07/2003 a 27/02/2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade.
Tendo em conta que já se declarou prescritos dos créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000, o Autor tem direito a receber as quantias calculadas segundo a fórmula: número dos meses de cada período X o salário diário X 4 dias:
Período
Meses
Salário diário X 4
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 21/07/2003
31 meses 18 dias
HKD$250.00 X 4
MOP$32,548.00
22/07/2003 a 27/02/2006
31 meses 7 dias
HKD$250.00 X 4
MOP$32,170.33
Assim, o Autor tem direito a receber a quantia de MOP$32,548.00 a título de subsídio de efectividade contra a 1.ª Ré, e a quantia de MOP$32,170.33 a tal título contra a 2.ª Ré.
Conforme o princípio dispositivo, deve a 1.ª Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$19,200.00 e, deve a 2.ª Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$17,200.00.
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Subsídio de alimentação
Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de "( ... ) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação".
Porém, entre 22/07/1999 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação, nem entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ ou géneros. E entre 22/07/2003 a 31/12/2006, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação.
Tendo em conta que já se declarou prescritos dos créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000, o Autor tem direito a receber:
Período
N.º de dias
Subsídio diário
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 21/07/2003
959
MOP$20.00
MOP$19,180.00
22/07/2003 a 31/12/2006
1259
MOP$20.00
MOP$25,180.00
No entanto, o subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
Ficou provado que o Autor gozava anualmente 24 dias de férias anuais, prestando trabalho nos outros dias em cada ano durante a relação de trabalho entre o autor e a 1ª Ré. E o Autor ainda gozava anualmente 24 dias de férias anuais, e 46 dias de descanso, prestando trabalho nos outros dias em cada ano durante a relação de trabalho entre o autor e a 2ª Ré.
Portanto, o Autor só tem direito a receber:
Período
N.º de dias calendários
N.º de dias de trabalho efectivo
Subsídio diário
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 21/07/2003
959
896
MOP$20.00
MOP$17,920.00
22/07/2003 a 31/12/2006
1259
1017
MOP$20.00
MOP$20,340.00
O Autor tem direito a receber a quantia de MOP$17,920.00 a título de subsídio de alimentação contra a 1.ª Ré, e a quantia de MOP$20,340.00 a mesmo título contra a 2.ª Ré.
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Compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e pelo descanso compensatório
O Autor ainda pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, no período decorrido entre 22/07/1999 e 31/12/2002. No entanto, já se declarou prescritos dos créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000.
Ficou provado que entre 22/07/1999 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. O Autor prestou a sua actividade de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré.
O artigo 17.º do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu nº1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O nº6 do artigo 17.º do mesmo Decreto-Lei, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (nº de dias devidos e não gozados) x 2.
Há, todavia, que ponderar a circunstância de a 1.ª Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela 1.ª Ré1, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê2.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (nº de dias devidos e não gozados):
Período
Salário diário
Nº de dias não gozados
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 31/12/2002
HKD$250.00
108
MOP$27,810.00
Assim perfaz num total de MOP$27,810.00.
Na presente acção o Autor reclama ainda a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório. De acordo com o artigo 17.º, nº4 do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril, nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado. Contudo, só pode agora fixar uma compensação económica, pelo que, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP$27,810.00.
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Compensação pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado
O Autor pretende ser indemnizado pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, no período decorrido desde o início da relação laboral até 27/02/2007. No entanto, já se declarou prescritos dos créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000.
Ficou provado que entre 22/07/1999 e 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança em Ano Novo Chinês (3 dias) por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré, mas esta nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios.
E entre 22/07/2003 e 27/02/2007, o Autor prestou a sua actividade de segurança em Ano Novo Chinês (3 dias) por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré, mas esta também nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios.
Segundo o artigo 19.º, nºs 2 e 3, nos feriados obrigatórios os trabalhadores, que tenham completado o período experimental, devem ser dispensados da prestação de trabalho, e os trabalhadores esses têm direito à retribuição correspondente aos feriados de 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e, 1 de Outubro.
O artigo 20.º do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu nº1, que se o trabalhador prestar trabalho nos dias de feriados obrigatórios remunerados na Situação prevista na al. c) do mesmo, o trabalhador terá direito a auferir, para além da remuneração normal do dia de trabalho prestado, a um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal.
Assim sendo, para cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado pelo trabalhador em feriados obrigatórios remunerados, mas somente a partir de 3 de Abril de 1989, vista a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 24/89/M, a fórmula há-de corresponder ao “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal”, para além do próprio salário normal em singelo, caso tenha que trabalhar nesses feriados, a despeito da regra da dispensa obrigatória de prestação de trabalho. Somando o singelo, no fundo vai receber no total triplo da retribuição normal (salário singelo + acréscimo salarial ao dobro da retribuição normal).
Há, todavia, que ponderar a circunstância de as Rés terem pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pelas Rés, assim o Autor só terá direito a auferir mais o dobro da sua retribuição.3
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (nº de dias de feriado obrigatório não gozados) x 2.
Período
Salário diário X 2
Nº de dias de trabalho prestado em feriados obrigatórios remunerados
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 21/07/2003
HKD$250.00X2
9
MOP$4,635.00
22/07/2003 e 27/02/2007
HKD$250.00X2
12
MOP$6,180.00
Assim, deve a 1.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$4,635.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, e deve a 2.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$6,180.00 a mesmo título.
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Devolução da comparticipação no alojamento
Ficou provado que aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de "comparticipação nos custos de alojamento". E a referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agência de emprego.
Dispunha o artigo 9.º do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro que: O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes: (…) d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores.
Prevê-se na al. a) do artigo 9.º do DL n.º 24/89/M que é proibido ao empregador obrigar o trabalhador a adquirir ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoa por ele indicada.
Tendo em conta que já se declarou prescritos dos créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000, tem o Autor direito a receber a devolução da comparticipação nos custos de alojamento:
Período
Meses
Devolução mensal
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 21/07/2003
31 meses 18 dias
HKD$750.00
MOP$24,411.00
22/07/2003 e 27/02/2007
43 meses 7 dias
HKD$750.00
MOP$33,397.75
Assim, deve a 1.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$24,411.00 a título de devolução da comparticipação no alojamento e, deve a 2.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$33,397.75 a mesmo título.
Conforme o princípio dispositivo, deve a 2.ª Ré pagar-lhe a quantia global no montante de MOP$33,217.50.
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Compensação de trabalho extraordinário por turnos
Segundo os factos dados provados, durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré num regime de 3 rumos rotativas de 8 horas por dia: Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h), Turno C: (das 00h às 08h). Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho continuo e consecutivo.
Daqui resultava que, entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava 16 horas (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) de trabalho num período total de 24 horas.
E, entre o fim da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h) e o início da prestação de trabalho no turno A (8h às 16h) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas.
A 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo.
Segundo o artigo 11.º, nº2 do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril, nos casos de prestação de trabalho extraordinário, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, do montante que for acordado entre o empregador e o trabalhador.
Sem dúvida que o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho num período total de 24 horas (00h às 00h do dia seguinte) quando trocou o turno C (00h às 08h) ao turno B (16h às 00h).
No tocante à Situação do turno B (16h às 00h) ao turno A (8h às 16h), apesar do Autor prestar a sua actividade num total de 16 horas de trabalho num período total de 24 horas, no entanto, em bom rigor, entendemos que, nesta Situação, o Autor prestava os dois períodos de 8 horas cada prestado num dia (00h às 00h do dia seguinte). Ou seja, quando trocou ao turno A (8h às 16h), o Autor trabalhava por este turno no dia seguinte, mas não no mesmo dia do turno B (16h às 00h). Por isso, não se trata do trabalho extraordinário.
Nestes termos, tendo em conta que já se declarou prescritos dos créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000, que o Autor já reduziu o pedido referido contra a 2.ª Ré, bem como os 24 dias de férias anuais por cada ano gozados pelo Autor, tem o Autor direito a receber a tal título:
Período
Horas
Salário horário
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 21/07/2003
43 dias X 8 horas
HKD$31.25
MOP$11,072.50
Assim perfaz num total de MOP$11,072.50, montante esse deve ser pago pela 1.ª Ré.
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Compensação de trabalho extraordinário de 30 minutos antes do início de cada turno
Ficou provado que por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos, cumprindo as ordens e as instruções que lhe eram emanadas pelos seus superiores hierárquicos. No entanto, As Rés nunca atribuíram ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno.
O artigo 10.º, nº4 do Decreto-Lei 24/89/M dispõe que os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.
Ou seja, se ultrapasse a duração de trinta minutos diários, verificando se a prestação de trabalho extraordinário, tem o trabalhador direito a receber um acréscimo de salário, nos termos do artigo 11.º, nº2 do Decreto-Lei 24/89/M.
Tendo em conta que já se declarou prescritos dos créditos reclamados pelo Autor desde o início da relação laboral até 04/12/2000, e os dias de trabalho efectivo prestado pelo Autor, tem o Autor direito a receber a tal título:
Período
N.º de dia de trabalho efectivo
Salário horário
Quantia indemnizatória
05/12/2000 a 21/07/2003
896+434
HKD$31.25
MOP$15,112.03
22/07/2003 e 27/02/2007
1064
HKD$31.25
MOP$17,123.75
Assim, deve a 1.ª Ré pagar ao Autor a quantia de MOP$15,112.03 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo, e deve a 2.ª Ré pagar-lhe a quantia de MOP$17,123.75 a mesmo título.
*
Juros moratórios
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante5, atento o que dispõe o artigo 794.º, nº4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
*
Litigância de má-fé
Por fim, cumpre avaliar se há algum fundamento para afirmar terem as Rés agido com má-fé, nos termos invocados pelo Autor.
As als. c) e d) do nº2 do artigo 385.º do CPC prevêem, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: (…) c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
No entanto, não se provou toda a matéria de facto (quesitos 43.º a 49.º da base instrutória) com base da qual o Autor fundamentou para se verificarem os pressupostos do artigo referido.
Destarte, é de indeferir o pedido referido do Autor.
*
DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se:
- a 1.ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$147,970.53, sendo:
- MOP$19,200.00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$17,920.00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$27,810.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$27,810.00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$4,635.00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- MOP$24,411.00 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas;
- MOP$11,072.50 pelas 8 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
- MOP$15,112.03 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo; e
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até integral e efectivo pagamento.
Absolve-se no mais as Rés do pedido.
As custas serão a cargo das Rés e do Autor na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
* * *
Neste recurso interposto pelo Autor são suscitadas 2 questões que importa analisar e decidir:
1) – Fórmula de cálculo de compensação devida pelo serviço prestado em dias de descanso semanal;
2) - Fórmula de cálculo de compensação devida pelo serviço prestado em dias de feriado obrigatório.
*
Comecemos pela 1ª questão.
Insurge-se o Recorrente contra a fórmula de cálculo que o Tribunal “a quo” utilizou para a compensação devida pelo serviço prestado pelo Autor nos dias que deveriam ser de descanso semanal. O Tribunal apenas conferiu ao Autor um valor de salário em singelo, quando na opinião deste deveriam ser dois.
Tem razão o Recorrente.
Sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou no dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014), é de reconhecer ao Autor o direito a receber tal acréscimo acima referido.
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo Recorrente.
Mas, por outro lado, não temos a certeza de que este seja o valor correcto, tendo em atenção de que ele não terá em conta os dias de falta ao serviço, conforme factos provados.
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Pelo exposto, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e consequentemente a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto no referido DL, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2.
Julga-se, deste modo, procedente o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
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Passemos a ver a 2ª questão.
No entender do Autor, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Tem razão também o Autor nesta parte, efectivamente tem sido este entendimento por parte deste TSI, o raciocínio acima expendido acerca de compensação devida pelo serviço prestado em dia de descanso semanal vale, mutatis mudantis, para a Situação de prestar serviço em dias de feriado obrigatório. Ou seja, é o triplo da retribuição normal que o Autor tem direito quando trabalhava em dias de feriado obrigatório.
Pelo que, é de julgar igualmente procedente o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
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Em síntese conclusiva:
I - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
II – A forma mais correcta da interpretação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, é conceder ao Autor (Recorrente) um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme o entendimento que tem vindo a ser defendido por este TSI.
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Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor Rana Bahadur Tamang e, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Recorrida (1ª Ré) a pagar ao Autor a compensação de trabalho prestado em dias de descanso semanal e de feriado obrigatório, calculada à luz da fórmula: salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2 e, X 3 para os dias de feriado obrigatório.
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Quanto ao demais, mantém-se o já decidido.
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Custas pela Recorrida nesta instância.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 29 de Novembro de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma Situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
2 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
3 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 21 de Setembro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... Quer isto dizer que a lei atribui uma remuneração nunca inferior ao dobro da normal, que acresce a esta, pelo que bem decidiu o Acórdão recorrido ter o trabalhador direito ao triplo da retribuição diária, já que não se provou terem as partes acordado uma remuneração superior para tal trabalho. Mas, como o autor já foi pago em singelo, terá, agora, direito ao dobro da retribuição.»
4 Como mencionado supra, o Autor prestava dois turnos em 43 dias durante o período entre 05/12/2000 a 21/07/2003.
5 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02/03/2011.
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2018-714-STDM–descanso-semnal-feriados 2