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Proc. nº 578/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 8 de Novembro de 2018
Descritores:
- Impugnação administrativa necessária
- Recurso hierárquico extemporâneo
- Dever de decidir

SUMÁRIO:

I – A recorribilidade contenciosa depende da observância dos prazos da impugnação administrativa necessária em relação aos actos administrativos anuláveis, nos termos do art. 28º, nº3, do CPAC.

II – Os prazos para a impugnação administrativa necessária são imperativos.

III – Se a impugnação administrativa necessária foi extemporânea, mesmo que por informação errada dos serviços administrativos, a entidade competente não dispõe do dever legal de decidir.

IV – A decisão que, não obstante a inexistência do dever de decidir, vier a ser praticada não é recorrível contenciosamente.

V – Face à irrecorribilidade, haverá lugar a absolvição da instância da entidade recorrida, sem embargo da responsabilidade civil extracontratual desta em virtude da referida informação errada, face ao disposto nos arts. 9º, nº2, do CPA e 116º e 117º, do CPAC.

Proc. nº 578/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, nacionalidade chinesa, com domicilio profissional sito em Macau, na XXX,
Recorre contenciosamente do despacho proferido em 20/6/2016 pelo Secretário para a Segurança, que rejeitou o seu recurso hierárquico e manteve a decisão de não concessão da licença de uso e porte de arma de defesa decidida pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
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Na petição inicial, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1. Tal como foi indicado pelo recorrente nas declarações prestadas inicialmente por si e no depoimento da audiência, “o recorrente, em Julho de 1997, começou a exercer funções na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, naquela altura, os casinos encontravam-se muito caóticos e para restaurar a ordem dos casinos, a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos exigiu aos inspectores de serviço que expulsassem os indivíduos da sociedade secreta que perturbassem a ordem dos casinos, pelo que, o recorrente inevitavelmente tinha discussões com tais pessoas. E mais tarde, o seu colega (chefe de departamento) foi morto a tiros naquele momento, também seu colega foi ameaçado por ter sido colocada bala no seu carro, daí também era possível causar ameaça à segurança pessoal do recorrente. Pelo que face a essa situação, o recorrente requereu junto destes Serviços a concessão da licença de arma de defesa, e depois de obtido autorização, comprou imediatamente a arma de defesa para assegurar a sua segurança.”
2. Daí podemos saber a razão que, em 1997, quando o recorrente requereu junto do CPSP a concessão da licença de uso e porte da arma de defesa e obteve a autorização (n.º98/97), podia ter a ver com a existência de perigo pessoal para o recorrente.
3. Quando o recorrente requereu a renovação da licença de uso e porte da arma de defesa, foi informado pelo CPSP do cancelamento da licença de uso e porte da arma de defesa.
4. Nesta circunstância, o recorrente passou da detenção do direito de uso e porte de arma de defesa para a perda da licença de uso e porte de arma de defesa.
5. Nos termos do art.º 31.º do D.L n.º77/99/M, as licenças a que se referem os artigos 27.º e 28.º podem ser canceladas sempre que ocorra comprovada modificação dos pressupostos da sua concessão, designadamente as relativas à necessidade, idoneidade e personalidade do seu titular, para além de razões de mera segurança e ordem públicas.
6. Pelo que, ao tomar a decisão de cancelamento da licença de uso e porte da arma de defesa, o CPSP tem que considerar se há modificação do recorrente relativa à sua necessidade, idoneidade e personalidade.
7. Contudo, podemos saber que, segundo o despacho recorrido, tendo a entidade recorrida considerado que o recorrente não indica qual o perigo concreto que possa ameaçar a vida ou a integridade física do recorrente e da sua família, nem consegue provar qual o perigo concreto que actualmente tais funções possam causar a ele e a sua família. Quer dizer, cabe ao recorrente o ónus de provar a respectiva situação.
8. Contudo, nos termos do 335.º, n.º2 do Código Civil, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
9. Ao mesmo tempo, nos termos do art.º 31.º do D.L n.º77/99/M, as licenças a que se referem os artigos 27.º e 28.º podem ser canceladas sempre que ocorra comprovada modificação dos pressupostos da sua concessão, designadamente as relativas à necessidade, idoneidade e personalidade do seu titular, para além de razões de mera segurança e ordem públicas.
10. Pelo que, segundo as supracitadas disposições legais, cabe ao CPSP ou à entidade recorrida provar a não existência de perigo concreto para o recorrente ou a sua família.
11. Tendo, contudo, a entidade recorrida transferido a responsabilidade para o recorrente, sendo isso, evidentemente contrário ao disposto no art.º 31.º do D.L. n.º77/99/M e no art.º 335.º do Código Civil.
12. Analisado o processo administrativo, o CPSP ou a entidade recorrida não fez qualquer diligência concreta para provar a não existência de perigo concreto para o recorrente e a sua família.
13. Pelo que, o cancelamento da sua licença de uso e porte da arma de defesa feito pela entidade recorrida viola o disposto no art.º 31.º do D.L n.º77/99/M, também violo o disposto no art.º 335.º, n.º2 do Código Civil.
14. Além disso, nos termos do art.º 3.º, n.º1 do Código do Procedimento Administrativo, os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites doso poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.
15. Uma vez que a entidade recorrida não observou o disposto no art.º 31.º do D.L n.º77/99/M e no art.º 335.º, n.º2 do Código Civil, para provar que seja fundamentado o cancelamento da licença de uso e porte da arma de defesa feito por si, o acto da entidade recorrida constitui a violação do princípio da legalidade previsto no art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo.
16. Nos termos do art.º 124.º do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, deve o supracitado despacho ser anulado.
17. Em 1997, quando o recorrente requereu junto do CPSP a concessão da licença de uso e porte da arma de defesa e obteve a autorização, isso podia ter a ver com a existência de perigo pessoal para o recorrente.
18. Tal como o disposto no art.º 335.º, n.º2 do Código Civil e no art.º 31.º do D.L n.º77/99/M, ao cancelar a licença de uso e porte da arma de defesa do recorrente, deve o CPSP provar a não existência de perigo concreto causado ao recorrente, mas não cabe ao recorrente provar a existência de perigo concreto.
19. Analisado o processo administrativo, a entidade recorrida não fez qualquer diligência concreta para provar a não existência do respectivo perigo para o recorrente, a entidade recorrida só se baseou em seu juízo arbitrário para determinar se existe ou não perigo, mas não apresentou qualquer fundamento de facto.
20. Pelo que, não tem fundamento o que a entidade recorrida considerou que “Não tendo, contudo, o recorrente indicado qual o perigo concreto que possa ameaçar a vida ou a integridade física do recorrente e da sua família. O recorrente invoca as funções polícias exercidas por si há muitos anos atrás, mas não consegue provar qual o perigo concreto que actualmente tais funções possam causar a ele e a sua família……”
21. Evidentemente, segundo a decisão tomada pela entidade recorrida, na parte de fundamentação, existe uma insuficiência ou não existe facto concreto para fundamentar a sua decisão.
22. Pelo acima exposto, o despacho recorrido viola o disposto no art.º 114.º, n.º1, al. c) e no art.º 115.º do Código do Procedimento Administrativo de Macau.
23. Nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, deve ser anulado o supracitado despacho recorrido.
24. Durante o período em que exercia funções de guarda no CPSP (de 1990 até Junho de 1997, o recorrente efectuou muitos trabalhos relativos à prevenção criminal, ao mesmo tempo também chegou a deter alguns flagrantes delitos, entregando ao tribunal para julgamento.
25. No exercício das suas funções no CPSP, mesmo que fosse executada uma patrulha, não quer dizer que o trabalho não seja de natureza perigosa ou não cause perigo, porque quando ocorre crime, normalmente é o guarda de serviço de patrulha quem chega em primeiro lugar ao local e tem mais possibilidade de apanhar o criminoso, situação essa tal como o supracitado caso de incêndio ocorrido no terraço do 5º andar dum edifico sito em Macau, na Rua Central e o outro caso de agressão com cutelo contra pessoa ocorrido num restaurante sito em Macau na Rua de Cinco de Outubro.
26. Pelo que até à presente data, não se pode excluir que as funções exercidas pelo recorrente no CPSP podem causar a ele e à sua família certo grau de perigo.
27. Todos os ataques contra os colegas do recorrente ocorreram na altura em que o mesmo ainda prestava serviço na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos e tinham a ver com as represálias por causa das funções exercidas.
28. Pelo que, quanto às supracitadas situações, mesmo que o recorrente já tenha saído dos respectivos serviços, acredita que existe até à presente data o perigo para ele e a sua família por causa das funções anteriormente por si exercidas e não se pode exclui-lo.
29. Assim o que a entidade recorrida considerou que “o recorrente invoca as funções polícias exercidas por si há muitos anos atrás, mas não consegue provar qual o perigo concreto que actualmente tais funções possam causar a ele e a sua família. Pelo que não se deve tomar em consideração o presente pedido de concessão da licença de uso e porte de arma de defesa”, é apenas um juízo arbitrário sem qualquer fundamento de facto, e pelo que existe erro no juízo de facto.
30. O mais importante é que o recorrente actualmente exerce funções de advogado e inevitavelmente se encontra em oposição com certos criminosos na audiência de julgamento realizado no juízo criminal, tal como advogado de ofendidos ou de assistente, o recorrente certamente mantém a sua posição igual ao Ministério Público que vai acusar os criminosos nos termos da lei, ou em caso civil, quando representa uma parte, é possível ofender a outra parte; pelo que no exercício das suas funções como advogado, pode ofender outra pessoa por causa do trabalho e sofrer represálias. Tais situações já ocorreram nos anos recentes. Em Maio de 2013, um advogado foi agredido depois de saída da casa. Segundo ele, a agressão tinha a ver com as funções de advogado, e o caso está a ser investigado pelo CPSP. Além disso, um outro advogado, em Maio de 2011, no exterior do seu escritório, foi atacado por um indivíduo desconhecido com líquido de natureza corrosiva, o que fez com que o advogado sofreu queimadura grave no pescoço e no tronco superior, bem como em 2001 o advogado Jorge Neto Valente foi sequestrado.
31. De acordo com o documento junto, podemos saber que o advogado Jorge Neto Valente indicou no jornal: “Não pretende abdicar de nenhum caso, nem alterar a vida profissional na segurança da agressão que sofreu e que relaciona com a actividade que exerce, não se deve abrir precedentes e deixar que a intimidação interfira no exercício da justiça”. Ao mesmo tempo, indicou num outro jornal (Doc.10) que: “O advogado português B foi agredido na passada quinta-feira por dois indivíduos que ainda se encontram a monte. Ao Hoje Macau, o causídico garantiu estar bem apesar das feridas e do susto, e não tem muitas dúvidas do porque da agressão: A forte convicção de que se trata de algo relacionado dom a vida profissional.”
32. Daí pode-se saber que, face à actividade de advocacia exercida actualmente pelo recorrente, não se pode excluir o perigo para ele próprio por causa do trabalho, em particular, existem agressões sucessivas contra advogados relacionadas com a actividade que exercem.
33. O mais importante é que não podemos prever a ocorrência do perigo mas sim prevenir a sua ocorrência. Pelo que é de acreditar que quando ocorre o perigo, a autoridade policial não consegue eliminar o perigo em primeiro lugar em nome da pessoa quem enfrente o perigo, ao contrário, é necessário depender do acto da pessoa quem enfrente o perigo para eliminar ou prevenir o perigo.
34. Pelo que, não tem fundamento concreto o que a entidade recorrida considerou que o recorrente não reúne o disposto no art.º 27.º, n.º1, al. c) do Regulamento de Armas e Munições, a decisão tomada por si só se baseou em juízo pessoal.
35. Embora a autoridade administrativa possa exercer o poder discricionário no exercício das suas funções administrativas, deve considerar se é razoável, ou seja pode a entidade recorrida exercer o poder discricionário para tomar decisão razoável, desde que exista prova suficiente e fundamentada.
36. Nos autos, uma vez que há falta de prova suficiente, o acto da decisão tomada pela entidade recorrida contra o recorrente evidentemente cometeu erro no juízo de facto e erro no exercício do poder discricionário.
37. Pelo que, deve a decisão da entidade recorrida ser anulada ao abrigo do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
38. Consequentemente, deve ser autorizado o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma de defesa formulado pelo recorrente.
39. Tal como indicados nos pontos 24º a 25º da presente conclusão, até à presente data, não se pode excluir que as funções exercidas pelo recorrente no CPSP podem causar a ele e à sua família certo grau de perigo.
40. Além do mais, tal como indicados nos pontos 30º e 31º da presente conclusão, mesmo que o recorrente já tenha saído dos respectivos serviços, acredita que existe até à presente data o perigo para ele e a sua família por causa das funções anteriormente por si exercidas e não se pode exclui-lo.
41. Ao mesmo tempo, tal como indicados nos pontos 30º a 31º da presente conclusão, face à actividade de advocacia exercida actualmente pelo recorrente, não se pode excluir o perigo para ele próprio por causa do trabalho, em particular, existem agressões sucessivas contra advogados relacionadas com a actividade que exercem.
42. Quanto às situações acima indicadas, nos autos, nunca a entidade recorrida procedeu à investigação, a decisão tomada por si só se baseou em seu juízo arbitrário.
43. Por falta de investigação das supracitadas situações, o que fez com que a decisão da entidade recorrida carecesse de fundamento suficiente, ficando também afectada.
44. De acordo com a doutrina, a supracitada situação pertence ao vício sobre a relação entre a finalidade e o conteúdo do acto administrativo e quando esteja no exercício do poder discricionário, existe o vicio de desvio de poder.
45. Pelo que, no exercício do poder discricionário, a entidade recorrida padece do supracitado vício.
46. Pelo que deve a decisão da entidade recorrida ser anulada ao abrigo do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
47. Analisados os autos, podemos saber que, desde o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma de defesa formulado pelo recorrente em 16/5/2013 até a alegação escrita feita em 3/9/2013, o recorrente já apresentou ao CPSP todos os dados conhecidos por si (em particular, os casos com que fica muito impressionado relativos às funções exercidas no CPSP e aos antigos colegas da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos) bem como os dados encontrados (relativos às agressões contra os advogados, funções actualmente exercidas pelo recorrente), para servir de prova ou suporte do pedido do recorrente.
48. É de salientar que para alguns casos (caso acompanhado por si quando prestou serviço no CPSP ou casos investigados pelo CPSP), o recorrente não consegue apresentar mais dados ou provas ao CPSP, uma vez que o próprio CPSP também tem registos ou relatório sobre tais casos (caso acompanhado por si quando prestou serviço no ou casos investigados pelo CPSP).
49. Mesmo que cabe ao recorrente o ónus da prova, o recorrente não consegue obter tias relatórios ou registos, o órgão administrativo fica obrigado a averiguar as respectivas situações.
50. Nos termos do art.º 87.º, n.º1 do Código do Procedimento Administrativo de Macau, cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do n.1 do artigo anterior.
51. Nos termos do art.º 86.º, n.º1 do Código do Procedimento Administrativo de Macau, o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
52. Consultados os autos administrativos, verificou-se que a entidade recorrida só elaborou uma Informação em 13/6/2013, na qual indicou que não há processo e segundo o relatório feito pelo Chefe do Sector de Combate ao Banditismo, não há qualquer processo ou arquivo policial.
53. Não tendo, contudo, a entidade recorrida procurado averiguar, junto do Comissariado Policial n.º1 onde o recorrente prestou serviço pelo período mais longo, os relatórios ou informações relativos às funções exercidas pelo recorrente, em particular, se existem ou não casos alegados pelo recorrente naquele comissariado policial, por outro lado, a entidade recorrida também não averiguou os casos de agressões contra advogados se têm a ver ou não com a actividade de advocacia, porque é muito importante saber tais situações para tomar uma decisão justa.
54. Contudo, depois de consultados os autos, verificou-se que a entidade recorrida não observou as supracitadas disposições legais para proceder a averiguação, pelo que o acto do CPSP viola as supracitadas disposições legais.
55. Pelo que, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo de Macau, deve a decisão da entidade recorrida ser anulada.”
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Nas conclusões da sua peça contestatória, a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso contencioso nos seguintes termos:
“1. Em 22 de Setembro de 1997, o CPSP (então Departamento da Segurança Pública) concedeu ao recorrente a autorização de uso e porte de arma de defesa n.º 98/97, com base em que na altura o recorrente era inspector de 2.ª classe do Secretário de Inspecção e Coordenação de Jogos e estava preenchido o art.º 48.º alínea i) do Diploma Legislativa n.º 21/73.
2. A autorização foi concedida ao recorrente em modelo 6 previsto na disposição referida, na qual se indicou expressamente que a autorização só é válida quando o titular está em exercício.
3. A autorização obtida pelo recorrente foi emitida nos termos do art.º 48.º alínea i) do Diploma Legislativa n.º 21/73.
4. A recorrente nunca obteve a licença de uso e porte de arma de defesa prevista no art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 77/99/M, nem a licença de uso e porte de arma de defesa prevista no art.º 57.º do Diploma Legislativa n.º 21/73, tampouco obteve a licença porque as autoridades administrativas acreditavam que havia perigo.
5. A recorrente nunca obteve a licença, pelo que, o que o recorrente apresentou ao CPSP em 20 de Maio de 2013 foi um novo pedido.
6. Ao abrigo do art.º 87.º do Código de Procedimento Administrativo e art.º 27.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 77/99/M, recai sobre o recorrente o ónus da prova do preenchimento dos requisitos previstos no art.º 27.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 77/99/M.
7. O recorrente salienta repetidamente que traz perigo a ele próprio e aos seus familiares o trabalho a que se dedicou e está a dedicar. Todavia, o recorrente não oferece prova suficiente e justificativa.
8. Como diz o 16º ponto, antes da prolação do acto, as autoridades administrativas já fez investigação suficiente, nomeadamente o CPSP inquiriu, a pedido do recorrente, 3 testemunhas nomeadas por ele, os depoimentos foram juntados ao processo e bem ponderados.
9. O recorrente não pode, com pretexto da impossibilidade de excluir a existência do perigo, inverter o ónus da prova e questionar a prolação do respectivo acto.
10. As autoridades administrativas têm o poder discricionário sobre a satisfação ou não do requisito previsto no art.º 27.º n.º 1 alínea c) do Decreto-Lei n.º 77/99/M, bem como a concessão ou não da licença quando estiverem preenchidos todos os requisitos previstos no art.º 27.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 77/99/M.
11. O acto recorrido chega à convicção e fundamenta-se após feitas análise e avaliação sobre as informações obtidas (incluindo as informações mencionadas na petição do recorrente).
12. No despacho recorrido do Secretário para a Segurança, já se justifica explicitamente o seu ponto de vista sobre o assunto e os fundamentos de prolação da decisão (vide as fls. 209 a 210 dos autos).
13. No despacho recorrido, o Secretário para a Segurança indica expressamente que, para pedir uso e porte de armas de defesa, é necessário provar a existência de situação extremamente perigosa, cujo grau de ameaça atinge à impossibilidade de controlo ou reacção pelas autoridades policiais no âmbito da sua capacidade policial.
Pelo exposto, o acto recorrido está conforme à lei, não padece dos vícios alegados na petição que conduzem à invalidade dele, pede-se que seja julgado improcedente e rejeitado o recurso.”
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As partes não apresentaram alegações facultativas.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“A impugna o acto de 20 de Junho de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que rejeitou recurso hierárquico necessário interposto de decisão do Comandante da PSP, através da qual fora denegada a concessão de licença de uso e porte de arma de defesa ao recorrente.
A decisão do Comandante da PSP foi tomada em 24 de Setembro de 2013, conforme despacho inserto a fls. 66 a 71 e 110 a 115 do processo instrutor, dela tendo o recorrente sido notificado a 7 de Outubro de 2013, como resulta de fls. 72 do mesmo processo.
O recurso hierárquico necessário foi interposto em 18 de Março de 2016 (fls. 175 e seguintes do processo instrutor).
Vistos estes elementos, e apesar da entidade recorrida não haver suscitado a questão na sua contestação, crê-se que o acto impugnado não é contenciosamente recorrível.
O recurso hierárquico necessário deve ser interposto no prazo de trinta dias, conforme disposto no artigo 155.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
O recorrente interpôs o recurso hierárquico muito para além daquele prazo. E o facto de a entidade recorrida ter conhecido do recurso não impede o tribunal de sindicar a observância dos pressupostos de que depende o conhecimento do recurso contencioso precedido de impugnação administrativa necessária, como claramente ressuma do artigo 28.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, nos termos do qual o desrespeito pelo prazo da impugnação administrativa necessária importa a irrecorribilidade dos actos anuláveis. Em sentido idêntico, e por via de norma semelhante do ordenamento jurídico português, ver, por exemplo, o acórdão do STA, de 2 de Maio de 1996, tirado no Recurso n.º 29.904, citado por José Manuel Santos Botelho e outros, em notas ao artigo 168.º, a páginas 996 da obra Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Almedina, 5.ª edição. Também José Cândido de Pinho, em Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, a páginas 87 a 88 da 2.ª edição, alinha pelo mesmo diapasão, salientando que a inobservância dos prazos de accionamento, em matéria de impugnação administrativa necessária, acarreta a irrecorribilidade do acto proferido nesse âmbito impugnativo, quando esteja em causa, como sucede no caso vertente, a anulabilidade do acto.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso, suscita-se agora a questão da irrecorribilidade do acto impugnado, na procedência da qual se entende que deve ser rejeitado o presente recurso contencioso.”
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O recorrente manifestou-se contra a posição do MP.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
1 – O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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2 – Outras excepções
Da irrecorribilidade
O digno Magistrado do MP pronunciou-se pela irrecorribilidade do acto sindicado pelo facto de o recurso hierárquico ter sido interposto muito para além do prazo legalmente admissível e, por essa razão, por a decisão assim praticada nesse âmbito já não ser objecto de sindicância contenciosa.
O recorrente chamado a pronunciar-se pugna pela improcedência da excepção.
Decidindo.
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Alinhemos a factualidade relevante:
1 - Em 22 de Setembro de 1997, o CPSP (então Departamento da Segurança Pública) concedeu ao recorrente a autorização de uso e porte de arma de defesa n.º 98/97, na altura o recorrente era inspector de 2.ª classe do Secretário de Inspecção e Coordenação de Jogos (vide as fls. 75 e 67 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2 - A concessão da autorização referida fundamentou-se legalmente no art.º 48.º n.º 2 do Diploma Legislativo n.º 21/73 (vide as fls. 75 a 77 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
3 - O recorrente apresentou ao CPSP em 20 de Maio de 2013 foi um novo pedido.
4 - Foi então proferido o despacho do Comandante da PSP:
“Assunto: Pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa
Requerente: A
1. Analisado pedido do cidadão de nome AI e compulsados os autos, verifica-se o seguinte:
2. Que, nos termos do artº 48º do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Diploma Legislativo nº 21/73, foi emitida uma licença de uso e porte de arma especial para o requerente (nº 98/97), válida enquanto o titular se mantivesse no efectivo.
3. No ano ele 2003, como funcionário da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), requereu uma licença sem vencimento de longa duração, a fim de iniciar a sua carreira de advogado.
4. Deveria ter comunicado esse facto ao CPSP, no que diz respeito à validade da licença e, naturalmente, ao porte e uso da arma, uma vez que a mesma tinha sido emitida nas referidas condições. Mas não o fez.

5. Os efeitos desse tipo de licença sem vencimento, estão descritos nos artºs 140º e seguintes do ETAPM, considerando-se os funcionários nesta situação, fora da efectividade de serviço.
6. Esta não efectividade de serviço estendeu-se por dez anos, ao fim dos quais o requerente pediu a exoneração, como melhor entendeu ou convinha para a sua situação (vide nos autos, cópia do cancelamento da inscrição no Regime de Previdência, publicado no BO nº 22, de 29 de Maio de 2013).
7. A desligação formal com a Administração Pública, foi exarada por despacho de 7 de Maio de 2013, pelo Secretário para a Economia e Finanças, conforme cópia da publicação no BO nº 21, de 22 de Maio de 2013, junto aos autos.
8. A corporação nunca teve conhecimento desta situação de não efectividade de serviço, nem o requerente a avisou, como era seu dever.
9. Assim, como se tivesse estado em funções na DCIJ, nos últimos dez anos, e estivesse válida a licença especial que lhe fôra emitida, requereu junto da corporação a substituição da referida licença especial por uma normal, de acordo com o artº 27º do RAM.

10. No exercício do direito de audiência, invocou, em síntese, o seguinte: Que trabalhou na PSP, em vários departamentos; Que actuou em muitas acções contra o crime; Que entregou muitos arguidos às autoridades; Que, num caso de fogo posto ocorrido no ano de 95, durante a investigação quando entrava num edifício, foi alvo de dois tiros, mas que como não ficou ferido não participou aos superiores; Que também participou num caso, ocorrido na Rua 5 de Outubro, numa madrugada de um dia e ano não especificados, em que deceparam a mão a um interveniente; Que, depois, em 1997, quando exerceu funções na DICJ sentiu-se receoso e requereu uma a licença de uso e porte de arma especial (artº 48º, do Diploma Legislativo 21/73), até porque foi assassinado um funcionário e outros alvos de ameaças de indivíduos ligados aos casinos; Que, embora já tenha saído há muito tempo dos serviços mencionados, continua a recear represálias; Finalmente, como advogado, também intervém em vários processos crime, o que gera sentimentos de vingança pela parte que é condenada e, mesmo nos processos cíveis, também receia que as partes que perdem as acções, tenham sentimentos de vingança, juntando ainda recortes de jornais da Região, sobre dois casos em que dois advogados foram alvo de ofensas à integridade física, para ilustrar o risco da profissão,
11. pedindo, assim, o deferimento da pretensão.
NO CPSP
12. Para lá do trabalho normal de um guarda da corporação (patrulhamento, condução de arguidos às autoridades judiciais, processar queixas, etc.), os quais vêm sendo executados ao longos dos anos sem problemas ou sequelas, o requerente não junta qualquer comprovativo da sua participação em acções operacionais, nem o serviço tem delas qualquer registo. Não existe, também, durante este período, qualquer pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de defesa por parte do requerente, em razão das suas funções policiais.
NA DICJ
13. Também, não junta qualquer comprovativo de qualquer situação ocorrida no seu período de serviço junto da DICJ, para que se pudesse concluir que a sua integridade física estivesse ou ficasse em risco.
14. Requereu, no entanto, a tal licença especial - É permitida, independentemente de licença, a detenção, uso e porte de arma de defesa ... a agentes de autoridades administrativas (artº 48º, D Leg. 21/73), cuja autorização é titulada pelo cartão emitido de acordo com o Mod. 6, e válida enquanto o portador se encontrar no exercício do cargo (vide modelos anexos ao diploma).
15. Se, porventura, tivesse acontecido o reingresso passado pouco tempo, ainda se poderia considerar a actualidade da licença de uso e porte de arma, mas passados dez anos de não efectividade de serviço, exonerado por força do seu não reingresso à função pública (artº 142º nº 6, do ETAPM), vir invocar ainda que por causa do seu período em que esteve a trabalhar naquela direcção de serviços, a sua integridade física ou dos seus familiares corre riscos, sem juntar qualquer comprovativo de qualquer situação actual e concreta (ou anterior), que se possa analisar, considera-se que são fundamentos que não servem para ponderação.
16. Nem os receios invocados pela suas funções actuais de advogado, segundo afirma pela sua intervenção em processos crime ou de natureza cível. Como, também, não servem, as cópias de notícias publicadas em jornais, sobre umas agressões sofridas por dois advogados, para fazer crer que essa é uma profissão de risco na RAEM, o que não é verdade. Igualmente, não demonstra, o seguinte : é se a causa desses actos isolados, teve ver com a profissão.
17. Assim, não tendo o requerente apresentado qualquer situação actual e concreta de onde se verifique que a sua integridade física corre sérios riscos, para que eventualmente se levasse a ponderar a necessidade de conceder uma ajuda adicional (arma de fogo), para além daquela protecção que é prestada diariamente pelas diversas corporações policiais da RAEM,
18. Considera-se que o requerente não reúne qualquer dos requisitos exigidos na alínea c), do nº 1, do artº 27º do RAM, pelo que indefiro a pretensão, nos termos do nº 2, da referida norma.
19. Notifique-se o interessado.
CPSP, aos 24 de Setembro de 2013.
O Comandante,
XXX
Superintendente Geral”
5 - O recorrente foi notificado desta decisão nos seguintes moldes:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Policia de Segurança Pública
Ao Exm.º Senhor A
Avenida Doutor Mário Soares
Finance and IT Centre of Macau, 9º D
Sua ref.ª Sua comunicação Nossa ref.ª
Ofício 241/SAMD/2013P, de 4/10/2013
Assunto: Notificação/Remessa de despacho
Por despacho proferido em 24 de Setembro de 2013 pelo presente CPSP, foi determinado o cancelamento da licença de V. Ex.ª relativa ao uso e porte de arma de defesa, para o devido efeito, junto se envia a cópia autenticada do respectivo despacho.
Nos termos do art.º 31.º do D.L n.º77/99/M (Regulamento de Armas e Munições), o presente Corpo já cancelou a licença de uso e porte de arma de defesa registada e detida por V. Ex.ª junto do Sector de Armas e Munições deste Corpo, bem como procedeu à devida disposição, ao abrigo do art.º 32.º, n.ºs 2 e 3, art.º 34.º do mesmo decreto-lei.
Nos termos dos art.ºs 154.º, n.º1 e 155.º, n.º2 do Código do Procedimento Administrativo de Macau, pode V. Ex.ª, no prazo de 30 dias, contado a partir de tomar conhecimento do respectivo despacho, interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
Com os melhores cumprimentos.
Pel´O Comandante do CPSP,
XXX.
Ass. Int. XXX
6 - O recorrente apresentou recurso contencioso no TA, que foi rejeitado por sentença de 31 de Outubro de 2014 (Proc. nº 1049/13-ADM), decisão que foi confirmada pelo TSI, por acórdão de 3/03/2016 (Proc. nº 171/2015).
7 - O recorrente interpôs recurso hierárquico em 18/03/2016 (fls. 175 e sgs. do p.a e fls. 63-82 do apenso “traduções”).
8 - Em 20/6/2016, o Secretário para a Segurança decidiu o recurso hierárquico nos seguintes termos:
DESPACHO DO SECRETÁRIO PARA A SEGURANÇA N.º39/SS/2016
  Assunto: Recurso Hierárquico Necessário
  Recorrente: A
Acto recorrido: Despacho que indeferiu a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa
O recorrente A, contra o despacho proferido pelo Comandante do CPSP, de 24 de Setembro de 2013, relativo à não concessão da licença de uso e porte de arma de defesa, apresentou o recurso hierárquico necessário.
  Tendo o recorrente, na petição de recurso hierárquico, indicado que as funções exercidas por si no CPSP (de 1990 até Junho de 1997) podiam causar a ele e à sua família certo grau de perigo e que o trabalho prestado por si na Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos podia causar-lhe perigo; a entidade recorrida não apurou as situações indicada pelo recorrente nos termos do art.º 86.º do Código do Procedimento Administrativo; tendo invocado ainda o caso de agressões sofridas pelos dois advogados, considera que podia enfrentar a represálias pelo exercício da advocacia.
  Para o uso e porte de arma de defesa, deve ser provada a existência do enorme perigo e que o grau de ameaça desse está fora do âmbito de poder da autoridade policial que possa controlar ou enfrentar.
  O recorrente já se desligou das funções públicas, tendo o mesmo invocado as funções exercidas por si há mais de 15 anos no CPSP e há 10 anos na Direcção apenas Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, bem como as actuais funções relativas ao exercício da advocacia, para servir de fundamentos para a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa.
  Não tendo, contudo, o recorrente indicado qual o perigo concreto que possa ameaçar a vida ou a integridade física do recorrente e da sua família,
  O recorrente invoca as funções polícias exercidas por si há muitos anos atrás, mas não consegue provar qual o perigo concreto que actualmente tais funções possam causar a ele e a sua família. Pelo que não se deve tomar em consideração o presente pedido de concessão da licença de uso e porte de arma de defesa. Além disso, quanto ao caso de agressões sofridas por dois advogados invocado pelo recorrente, não se pode concluir que tal situação de represálias ocorre vulgarmente na actividade de advocacia.
  Por outro lado, a fim de assegurar a segurança e paz da sociedade, o Corpo de Polícia de Segurança Pública tem vindo a apreciar e autorizar rigorosamente o pedido de concessão da licença de uso e porte de arma de defesa.
  Tendo em consideração que o recorrente não consegue provar qual o perigo concreto que possa ameaçar a vida ou a integridade física do recorrente e da sua família, nos termos do art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 e da competência conferida pela Ordem Executiva n.º 111/2014, bem como o art.º 27.º, n.º1, al. c) e n.º2 do D.L n.º77/99/M, de 8 de Novembro, e o art.º 161.º do Código do Procedimento Administrativo, determino rejeitar o recurso hierárquico em causa, mantendo a decisão recorrida.
  Mando que seja o recorrente notificado do teor do presente despacho, nos termos dos art.ºs 70.º a 72.º do Código do Procedimento Administrativo.
Neste Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 20 de Junho de 2016.”
*
Apreciando.
A excepção suscitada tem que ver com os efeitos de uma errada informação prestada pela entidade administrativa no ofício de comunicação do despacho decisor (não definitivo) praticado pelo Comandante da PSP. No ofício de notificação foi prestada a informação ao interessado que do despacho transmitido cabia recurso contencioso imediato.
O notificado acatou a informação e apresentou recurso contencioso, tendo no entanto o TA considerado que o acto objecto desse recurso era irrecorrível, uma vez que, por falta de definitividade, dele deveria ter sido interposto recurso hierárquico necessário.
Com base nesta decisão judicial, o recorrente dirigiu recurso hierárquico ao Secretário para a Segurança, que o indeferiu.
Pergunta-se agora: desta decisão ainda é possível recorrer? Este é o pomo da discórdia.
Respondendo, em nossa opinião, não.
O recurso hierárquico foi interposto quase dois anos e meio depois do prazo legal para o efeito, nos termos do art. 155º do CPA). Pode dizer-se que ele, recorrente, não teve culpa nesta extemporânea interposição, uma vez que se limitou a acatar a informação contida na notificação do despacho do Comandante da PSP?
Antes de mais nada, a questão assim colocada denota imediatamente que o destinatário apenas assim agiu (interpondo o recurso contencioso imediatamente por assim lhe ter sido dito para fazer) em virtude desconhecer a lei. Se a conhecesse, teria tido a sagacidade de não acatar o sentido da notificação e recorrer hierarquicamente desde logo, ou cautelarmente, recorrendo hierarquicamente e recorrendo contenciosamente relegando para as entidades competentes (administrativa ou judicial) a tarefa de acomodar a situação real ao ritualismo procedimental ou judicial adequado.
Ora, como se sabe, a ignorância da lei não justifica a falta do cumprimento desta, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (art. 5º, do Código Civil).
Por isso, não pode ir-se contra o que a lei estabelece, apenas porque o recorrente a desconhecia, ou sequer por acatar uma má informação.
Uma má informação pode dar origem a responsabilidade civil extracontratual da Administração pelos prejuízos sofridos perlo administrado, face ao que determina o art. 9º, nº2, do CPA, em conjugação com o art. 116º e 117º, do CPAC (Freitas do Amaral e outros, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., pág. 38/39), sendo até tida como uma responsabilidade objectiva, logo, independente de culpa (Lino Ribeiro e Cândido de Pinho in Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, pág. 111), mas não pode gerar um prazo novo sob pena de atentar contra as disposições imperativas do Código em matéria de impugnação administrativa.
Assim, da mesma maneira que aquela informação administrativa errada não podia significar que do acto do Comandante cabia recurso contencioso (e por isso mesmo o TA não podia aceitar um recurso contencioso apenas porque ao administrado foi dito que sim, que cabia), também a decisão judicial do TA, ao referir que daquele acto do Comandante cabia recurso hierárquico necessário, não abre um novo prazo para a apresentação dessa impugnação administrativa.
Estamos no âmbito de competências, é preciso não esquecer. A fixação do prazo para o recurso hierárquico pertence à lei, e só a ela, tal como a determinação do meio de impugnação só à lei compete, não à administração (através de informações erradas).
Daí que, em nossa opinião, não podia nascer um novo prazo para o recurso hierárquico após a decisão do TA.
Isto é o mesmo que dizer que o recurso hierárquico apresentado em 18/03/2016 foi extemporâneo.
E se é extemporâneo, então não tinha a entidade administrativa recorrida o dever legal de decidir (neste sentido, ver Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 5ª ed., nota 1, pág. 993, e doutrina e jurisprudência ali citada).
É, de resto, no ordenamento jurídico-normativo, esta a única solução consagrada expressamente no art. 28º, nº3, do CPAC, ao remeter para os arts. 149º, 155º, nº1 e 156º do CPA, ao prescrever que “A recorribilidade de actos anuláveis, quando precedida de impugnação administrativa necessária, depende da observância, quanto a esta, do disposto no artigo 149º, nº1, no nº1 do artigo 155º e no artigo 156º do Código de Procedimento Administrativo” (destaque nosso). E nessa dependência está incluída a impugnação administrativa tempestiva!
Ora, se não existe o dever legal de decidir, a falta de decisão não equivale à produção de acto de indeferimento tácito, do mesmo modo que a decisão expressa que vier a ser eventualmente tomada (como foi o caso) não se transforma em acto administrativo recorrível contenciosamente (Viriato Lima e Álvaro Dantas, in Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, 2015, pág. 105-106, nota 8; J. Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª ed., págs. 87-88 e 97-98; também em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, CFJJ, 2018, I, pág. 213-215, notas, 5, 7, 9).
Acolhe-se, portanto, a posição da excepção deduzida pelo digno Magistrado do MP.
***
III – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente a invocada excepção e, em consequência, absolvem a entidade recorrida da instância.
Custas pelo recorrente, com taxa de Justiça em 3UCS.
T.S.I., 8 de Novembro de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
578/2016 26